Meu Pai, Les Pardaillan, e eu

Les Pardaillan - Covers - Le Bouquins

Meu cachorro principal, o monarca da cachorrada, um Fila Brasileiro grandão, que vai fazer seis anos agora no dia 30 de Agosto de 2021 (nasceu em 2015), se chama Pipeau (por favor, pronúncia certa: Pipô). Quando eu morava em Marialva (1945-1948), no Paraná, numa chácara com uma casa grande, de madeira, com um sótão espaçoso, parecida com aquela casa do filme Psicose, meu pai tinha um cavalo que se chamava Galaor (pronúncia certa: Galaôr).

Atrás desses nomes meio exóticos de animais que foram e são parte da família há muita história… E essa história, longa e antiga, gira em torno dos cavaleiros de Pardaillan, pai e filho, velho e moço.

Vou começar a contar a história por onde eu entro nela, ou ela em mim, não por onde ela de fato começa. Depois eu vou para trás, para, em seguida, ir para a frente… (Foi Graham Greene, em The End of the Affair, que me tornou consciente do fato de que, quando alguém vai contar uma história, não precisa começar, necessariamente, pelo início. Pode começar também pelo fim. Ou, então, pelo meio, em um ponto estratégico do passado, no meio da história, de onde se pode saltar, ora para o passado remoto, que contém  o início da história, ora para o passado mais próximo, que contém o seu fecho. A novela O Casarão, de Lauro César Muniz, transmitida em 1976, começa contando a história em três momentos diferentes, separados por  cerca de 30 anos um do outro. Há histórias que terminam em um clímax, num desfecho inesperado e marcante. Outras terminam assim como acontece com as coisas que acontecem na vida da gente, assim de forma mais ou menos  natural, aos poucos, na hora certa, como quando a gente fecha um zíper (que era chamado de “fecho éclair”, expressão que as pessoas menos cultas simplificavam para “fechicler”, algo assim).

No final de 1951 nós — os quatro membros de minha família naquela época (meu pai, minha mãe, meu irmão Flávio e eu) — saímos de Maringá, PR  para visitar os parentes de São Paulo (Campinas) e de Minas (Patrocínio e Belo Horizonte), alguns dos quais nós, as crianças, nem sequer conhecíamos. Fomos de Jeep Willys Overland, ano 1948, com capota de aço. Paramos primeiro em Campinas, SP para ver os avós maternos, Juca e Gina, os tios (tia Alice e tio Anello, ela a única irmã da minha mãe que sobreviveu a infância), e os primos Anellinho e Márcia — os outros, Mário, Élcio e Anelice não existiam ainda). Aproveitamos para passar em São Paulo, para visitar o irmão mais velho do meu pai, tio Carlos, e sua mulher, tia Maria, com seus filhos Hulda, Júnia, Sônia e Márcio. De Campinas fomos para Belo Horizonte, visitar a avó paterna (Alvina), viúva desde 1926, e a única irmã do meu pai que sobreviveu a infância — e morreu solteira (tia Dulce). Lá vimos também o tio Mauro, irmão mais novo do meu pai — poeta, músico, desenhista, pintor, dançarino, boêmio e engenheiro agrícola nas horas de folga. Ele foi o único dos irmãos a se separar da mulher, a tia Esther, que eu nunca vi. Casou-se, nos anos setenta, com a Teresinha, que eu conheci. De Belo Horizonte fomos para Patrocínio, MG, visitar os outros irmãos do meu pai que sobreviveram a infância: o tio Raul (o segundo irmão mais velho), com sua mulher, Tia Catarina, e seus filhos, meus primos, Irene, Idília e Júlio. De todos os tios e primos do lado paterno estes foram sempre os mais próximos. Creio que meu pai considerava o meu tio Raul seu irmão predileto. Lá visitamos também o tio Aldo, solteiro convicto, irmão mais novo que o meu pai (mas mais velho que minha tia Dulce). Meus avós, tanto os paternos como os maternos, tiveram vários filhos que ou nasceram mortos ou morreram pequenos — algo comum naqueles tempos. No caso materno, só sobraram minha tia Alice (a mais velha) e a minha mãe (que se chamava Edith). No caso paterno, sobraram cinco, quatro homens e uma mulher, meu pai (Oscar) sendo o do meio. De Patrocínio voltamos para Campinas, no final de Janeiro de 1952, e nós, os dois meninos, fomos surpreendidos com a notícia de que não voltaríamos para o Paraná: iríamos nos mudar para Santo André, na Grande São Paulo (antigamente se dizia “Subúrbio de São Paulo”). Hoje em dia os pais discutem com os filhos quando pretendem mudar de casa ou de cidade. No nosso caso, nada. Foi surpresa total. Só o meu pai voltou para o Paraná para vender nossos móveis todos (eram poucos), dar vários de nossos pertences (como o meu urso de pelúcia, o Dudu, the Puff, que minha tia Alice havia me dado quando fiz três anos), e empacotar o que dava. (Em 2010 a Paloma comprou, em Londres, um urso igualzinho, e me deu de presente: fica na minha cama o dia inteiro, guardando o meu lugar, junto de uma coruja de pelúcia que minha filha mais nova, a Patrícia, me deu depois). Voltando, meu pai alugou uma casa em Santo André (um quarto, sala, cozinha e banheiro), comprou os móveis indispensáveis, e nos mudamos para lá em Fevereiro de 1952 — a tempo de eu, já maduro, no alto de meus oito anos e meio, poder começar, atrasadíssimo, o Grupo Escolar.

Para quem só havia morado, até aquele momento, em cidade de ruas de terra (todas elas, isto é, todas as cidades e todas as ruas), em casa de madeira, sem água corrente, sem eletricidade, sem chuveiro, só tomando banho de bacia, e com privada no fundo do quintal, Santo André da Borda do Campo era um deslumbre. Meu irmão e eu passávamos tempo sentados no parapeito da janela do único quarto da casa (em que havia apenas uma cama de casal e um beliche), simplesmente olhando a rua (Avenida Santos Dumont), vendo passar ônibus, carros e pessoas… Tudo era novidade.

Uma das novidades principais para mim é que em Santo André havia livrarias e bancas e jornal, onde se vendiam as principais revistinhas das Organizações Disney: Pato Donald, Mickey e Almanaque do Tio Patinhas. (Alguns meninos chamavam as revistinhas de gibizinhos, mas meu pai, sofisticado censor moral, fazia uma distinção clara entre gibi e revistinha da Disney: estas eram do bem, as outras, nem sempre).

Logo, também, meu pai começou trazer para casa uns livros da coleção “Os Pardaillan”, de autoria do escritor francês do início do século, Michel Zévaco (as datas dele foram 1860-1918). Eram dez romances históricos ao todo — e me parece que foram publicados naquela época, aqui no Brasil, um por mês, quase em série. Meu pai os devorava, minha mãe os lia religiosamente, e, naturalmente, esse fato me despertou a curiosidade: fiz o mesmo, comecei a lê-los e não parei mais. Eu tinha de 8 para 9 anos, mas lia com fluência desde os cinco, e já havia me acostumado a ler Sir Arthur Conan Doyle (Sherlock Holmes), Agatha Christie (Hercule Poirot), Georges Simenon (Inspetor Maigret), e Erle Stanley Gardner (Perry Mason), tendo aprendido a ler quase sozinho, com pouca ajuda dos meus pais. Fiquei fascinado com a história dos dois Pardaillan, pai e filho, histórias que tinham lugar principalmente na França do período Pré-Moderno (de meados do século 16 até o fim do primeiro quinto do século 17).

Os livros, que foram publicados originalmente na forma de folhetins, na França, entre 1905-1918, viraram uma febre, onde quer que fossem publicados. A Wikipedia Francesa, no artigo “Les Pardaillan“, cita o escritor turco Ahmed Altan, que escreveu: “Il existe deux sortes d’hommes : ceux qui ont lu Les Pardaillan et ceux qui ne l’ont pas lu. Chaque Pardaillaniste souffre de ne pas être un Pardaillan.” (Existem dois tipos de homens: os que leram Les Pardaillan e os que não leram. E cada Pardaillanista sofre por não ter sido um Pardaillan”). Essa afirmação está em seu livro Le Roman d’Aventures (O Romance de Aventuras). Em Francês eles são chamados de Roman de Cape et d’Épée (Romance de Capa e de Espada).

Vou fazer um parêntese para falar um pouco das histórias de Michel Zévaco e da história da França (e, em parte, da Espanha) que está por trás dessas histórias. Os Bourbon (na França) e os Navarra (na Espanha) eram todos relacionados naquele tempo.

As dez histórias (divididas em cinco tomos de dois volumes cada) se localizam, em sua maioria, na França (a maior parte delas em Paris), começando no ano de 1553, no reinado de Henrique II, terminando, em 1614, no reino de Luís XIII, também da França, que, quando menor, teve a regência de sua mãe, Maria de Médici. As histórias cobrem, portanto, um período de cerca de quase setenta anos na segunda metade do século 16 e no primeiro quarto do século 17, parando quatro anos antes do início da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) — e cobrem o período do Massacre do dia de São Bartolomeu (24.8.1572), a que faço referência na biografia do meu pai que ajudei a escrever. [Nota: Escrevi este artigo em 25.8.2019 e o estou revisando dois anos depois, em 24.8.2021].

As dez histórias da Coleção Les Pardaillan estão agrupadas em cinco tomos (I a V) e dez volumes (estes numerados de 1 a 10), cada um dos cinco tomos assumindo o título do seu primeiro volume:

  • I. Les Pardaillan (passado na França, durante o reinado de Henrique II)
    1. 1. Les Pardaillan (Os Pardaillan)
    2. 2. L’Épopée d’Amour (A Epopeia de Amor)
  • II. Fausta (Fausta) (continuação da temática do tomo anterior)
    1. 3. Fausta (Fausta)
    2. 4. Fausta Vaincue (Fausta Vencida)
  • III. Pardaillan et Fausta (passado na Espanha, durante o reinado de Felipe II)
    1. 5. Pardaillan et Fausta (Pardaillan e Fausta)
    2. 6. Les Amours du Chico (Os Amores do Chico)
  • IV. Le Fils de Pardaillan (passado na França, no reinado de Henrique IV)
    1. 7. Le Fils de Pardaillan (O Filho de Pardaillan [O Filho de Pardaillan-1]
    2. 8. Le Trésor de Fausta (O Tesouro de Fausta) [O Filho de Pardaillan-2]
  • V. La Fin de Pardaillan (passado na França, na regência de Maria de Médici)
    1. 9. La Fin de Pardaillan (O Fim de Pardaillan)
    2. 10. La Fin de Fausta (O Fim de Fausta)

Foram reis da França nesse período de 1553 a 1614:

  • Henrique II (Henri II) reinou em 1547-1559, as histórias dos Pardaillan começando em 1553.
  • Francisco II (Francis II) reinou em 1559-1560.
  • Carlos IX (Charles IX) reinou em 1560-1574, e estava no poder durante o Massacre de São Bartolomeu, em 24.8.1572.
  • Henrique III (Henri III) reinou em 1574-1589.
  • Henrique IV (Henri IV) reinou em 1589-1610. Ele era protestante, e, depois, renegou a fé e virou católico, com a frase de que “Paris vale bem uma missa”. Foi ele que veio a promulgar o famoso Edito de Nantes, em 13.4.1598, que até certo ponto encerrou as brigas religiosas que culminaram no Massacre de São Bartolomeu. Mas Henrique IV foi assassinado por um católico fanático, exatamente por causa do Edito de Nantes, e seu filho, Luís, assumiu a coroa ainda criança, como Luís XIII, com regência da mãe.
  • Luís XIII (Louis XIII) reinou em 1610-1643. Era filho de Henrique IV com Maria de Médici e esta foi sua Regente em 1610-1617. Luís XIII, quando ainda adolescente, deu um golpe na mãe, destituiu-a da regência, assumiu diretamente o trono (1617), exilou a mãe e mandou executar seus conselheiros. Luís XIII foi pai do famoso Luís XIV.
  • Luís XIV (Louis XIV, conhecido como “Louis, le Grand” (Luís, o Grande), ou o “Le Roi Soleil” (O Rei Sol), reinou durante mais de setenta anos, em 1643-1715, sendo sucedido por Luís XV, seu bisneto (sic).
  • Luís XV (Louis XV) reinou em 1715-1774, quase sessenta anos, e foi, por sua vez, sucedido por seu neto (sic), Luís XVI.
  • Luís XVI (Louis XVI) reinou em 1774-1792 e foi executado em 1793 (com sua mulher, Maria Antonieta) pela Revolução Francesa. Luís XVI era, portanto, pentaneto de Luís XIII e hexaneto de Henrique IV. Por um tempo, acabaram-se os Reis da França — mas eles voltaram em meados do século 19.

Felipe II, Rei da Espanha em 1556-1598, figura nas tramas da Coleção Les Pardaillan. Ele era filho do Imperador Carlos V, do Sacro Império Romano, aquele que baniu Lutero dentro do Império, e sua mãe era Isabel de Portugal. Por isso, quando o Rei de Portugal morreu, sem descendentes, em 1580, o trono português foi ocupado pelo Rei da Espanha, dando início ao chamado “Domínio Espanhol” sobre Portugal, que durou de 1580 a 1640. Felipe II tentou se casar com a Rainha Elizabeth I (1558-1603), da Inglaterra, mas não deu certo: a chamada “Rainha Virgem” continuou virgem (pelo menos é o que consta). Ele acabou se casando com Ana, Princesa da Áustria, que se tornou Rainha da Espanha. [A Áustria era um grande celeiro de princesas casadoiras para príncipes e imperadores que procuravam uma mulher adequada com quem pudessem se casar. Também cedeu uma princesa para Napoleão Bonaparte (a segunda mulher dele, que veio depois da Josefina) e para o nosso Dom Pedro I (a Imperatriz Leopoldina) e para o nosso Dom Pedro II (a Imperatriz Tereza Cristina). Mas também produziu Adolf Hitler.]

Fecho o parêntese sobre a história mais ampla e volto à história mais chinfrim da família…

Um dia, lá nos anos cinquenta, me deparei com o fato de que o cavalo de Pardaillan na história se chamava Galaor — e me lembrei de que o cavalo do meu pai, lá em Marialva, também tinha esse nome. Como podia o meu pai ter dado ao seu cavalo o nome do cavalo de Pardaillan (lembram-se do Ahmed Altan, que disse que nenhum pardaillanista digno do nome se conforma em não ser Pardaillan?) se ele comprou os livros da série Pardaillan só em Santo André, na década seguinte?

Perguntei a ele, e ele me revelou que já havia lido Les Pardaillan antes, em fascículos, traduzidos para o Português, lá em Patrocínio, no Triângulo Mineiro, na década de 1920… Fiquei pasmo. Fascículos escritos na França de 1905 a 1918 estavam a venda no interior de Minas, em Português, já na década de 1920? Como a gente subestima o poder das ideias, e das histórias, de se espalharem pelo mundo, mesmo em épocas em que os transportes e as comunicações eram precaríssimos!!!

Enfim. Está explicado o nome do cavalo do meu pai em Marialva.

No início da década de 1960 (em Fevereiro de 1961) saí de casa e nunca mais voltei. Fui estudar, primeiro no Instituto JMC, em Jandira (1961-1963), depois no Seminário Presbiteriano de Campinas (1964-1966), e, por fim, no Seminário Luterano de São Leopoldo (1967). Por fim, ganhei uma bolsa de estudos e fui para os Estados Unidos, no início do segundo semestre de 1967 (19.8 – fez 54 anos a semana passada), só voltando em Junho de 1974. Com isso, perdi contato com os livros de Michel Zévaco que haviam ficado na casa de meus pais. Não sei onde foram parar. Que eu saiba, ou perderam-se em mudança, ou foram dados para alguém, ou um de meus irmãos os surripiou…

Acontece, porém, que no final de 1987, início de 1988, fui passar três meses a trabalho em Genebra, Suíça, na hoje malfadada Organização Mundial da Saúde (voltei para lá todo ano por um mês até 1995). Genebra é uma cidade suíça de fala francesa. (Parte do aeroporto de Genebra fica na França e já dá desembarque direto na França). Numa das grandes livrarias da cidade encontrei, em três grossos volumes (cerca de 1.500 páginas cada) da Éditions Les Bouquins, a série completa de Les Pardaillan, no original. Comprei sem hesitar. Hoje, além desses volumes, que contêm apenas a coleção Les Pardaillan, tenho as obras completas de Michel Zévaco — cerca de trinta livros (incluindo os dez da coleção Les Pardaillan).

De lá para cá, sempre voltei a ler trechos dos livros, em parte por puro deleite (o estilo e o manejo da língua francesa são encantadores), em parte por curiosidade, em parte para poder comparar a história da França neles representada, que é história misturada com ficção, com a história dos livros de história, propriamente dita, que não teria nenhum componente de ficção. Não teria. Deus sabe. Basta ler os arremedos de história produzidos pela esquerda brasileira para a gente concluir que os livros de Michel Zévaco têm mais verdade e menos ficção do que os livros e filmes da esquerda brasileira. A ficção histórica levanta questões interessantes de historiografia e filosofia da história. E coloca os limites entre a literatura, a história e o jornalismo, como bem o ressaltou Mário Vargas Llosa em seu brilhante livro, La Verdad de las Mentiras — que poderia ter sido complementado por outro com o título de Las Mentiras de la Verdad.

Numa dessas releituras de Les Pardaillan encontrei o cachorro que Pardaillan (o filho) havia encontrado sendo judiado por alguns meninos e escorraçou os maldosos guris, adotando o cachorro — na verdade, sendo adotado por ele. Deu ao cachorro que salvara o nome de Pipeau.

Assim, quando nós, aqui em Salto, ganhamos um cachorro digno do nome, grande e bonito, não tive dúvida em fazer como meu pai um dia havia feito com seu cavalo: batizei-o com o nome do cachorro do chevalier de Pardaillan, le fils.

Eu disse que a história era comprida… E informei que não teria nenhum final apoteótico.

Para compensar a falta de clímax, informo, para concluir, algo curioso. Segundo diz a Introdução de cerca de 150 página dos livros na edição Les Bouquins de Les Pardaillan, Jean-Paul Sartre era fã incondicional dos Pardaillan. Esse fato redime um pouco o esquerdismo irresponsável dele, que apoiou a União Soviética mesmo quando ela invadiu, primeiro a Hungria, em 1956, depois a Tchecoeslováquia, em 1968, na chamada “Primavera de Praga”, massacrando países da Cortina de Ferro que tinham sede de liberdade. E aproveito para acrescentar que Sartre era um depravado: transava com boa parte das alunas dele e de Simone de Beauvoir, algumas até menores de idade — e, de vez em quando, com mais de uma ao mesmo tempo. E era sua companheira Simone que buscava e agenciava as meninas para o pervertido Jean-Paul. Simone também tinha seus casos, com homens e com mulheres. Isso é que se chama de relacionamento aberto. Escancarado. Ter sido fã dos Cavaleiros de Pardaillan não redime essas falhas morais, é bom que se diga.

Um Post Scriptum

Post transcrito do meu perfil no Facebook:

Hoje é 24 de Agosto, Dia do Massacre de São Bartolomeu (que aconteceu na noite de 24.8 para 25.8, na França, no ano de 1572). Por ordem real, os católicos saíram às ruas matando protestantes (huguenotes) a torto e a direito, no maior conflito religioso que a França já teve.

A ordem real foi virtualmente imposta pela Rainha Mãe, Catherine de Médici, a seu filho, o jovem e inexperiente Rei Charles IX. Estima-se que, numa noite, cerca de 3.000 protestantes foram mortos, apenas em Paris, mais 70.000, em todo o restante da França. Um Morumbi lotado nas dimensões de antigamente do estádio tricolor.

Sei desse massacre desde criança, porque meu pai era fixado nele. Nascido em lar católico, tendo pertencido à Congregação Mariana (uma entidade parecida com as Filhas de Maria, só que apenas para homens), o futuro Rev. Oscar Chaves começou a se afastar do Catolicismo Romano, do qual passou a ter ojeriza, quando leu, num romance histórico de Michel Zévaco, chamado A Epopéia de Amor (Epopéa de Amor, como se escrevia naquela época, a década de 1920), um relato romanceado da matança. Esse relato, que ele copiou a mão em um caderno (que eu ainda possuo), ele relia todo ano, para reforçar seu sentimento fortemente anti-romanista, isto depois de sua conversão ao Protestantismo Presbiteriano pelas mãos do Rev. Eduardo Lane (a quem eu devo meu primeiro nome, que unido com o nome do meu pai, formou o meu prenome composto, meio longo demais, Eduardo Oscar).

Quem sabe o meu interesse pela História da Igreja não começou aí nessa história do meu pai.

O almirante huguenote Gaspard de Coligny (1519-1572), que apoiou decididamente a vinda para o Brasil, em 1555, da expedição francesa comandada pelo vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, com o objetivo de formar aqui a “França Antártica”, veio a ser morto no massacre do dia de São Bartolomeu. Hoje há uma enorme estátua em homenagem a Coligny numa rua ao lado do Louvre em Paris, meio escondida atrás de uma pesada grade de ferro. A estátua pode ser vista a partir da Rue de Rivoli, que passa ao lado do Museu do Louvre. O almirante Gaspard de Coligny foi um dos heróis protestantes de meu pai, que o considerava um mártir protestante. Lembro-me da emoção que tive em 1987 quando descobri, sem querer, esse monumento em Paris.

“Le Monument de l’Amiral Gaspard de Coligny

Paris, 1er Quartier (Palais Royal – Louvre)

Le monument qui rend hommage à l’Amiral Gaspard de Coligny (1519–1572) est situé au chevet de l’Église de l’Oratoire du Louvre. Il est visible à travers les grilles de la rue de Rivoli. Inauguré le 17 juillet 1889, il a été réalisé par l’architecte Scellier de Gisors et le sculpteur Gustave Crauck (1827 -1905).

Gaspard de Coligny (1519-1572) noble et amiral français, est mort assassiné le 24 août 1572 à à proximité, lors du massacre de la Saint-Barthélemy.”

http://paris1900.lartnouveau.com/…/monument_coligny.htm

[chevet = cabeceira, parte da frente, como, numa Igreja, aquela que fica atrás do púlpito, sendo ocupada geralmente pelo coral. “Livre de chevet” = Livro de cabeceira (EC).]

Fotos abaixo recolhidas da Internet.

Coligny-1

Coligny-2

Coligny-3

Coligny-4

Coligny-5 - église vue de rua de rivoli

Como se vê na quarta foto desta série, o monumento, hoje, está atrás da grade da igreja (“Église de l’Oratoire du Louvre”), a partir da Rue de Rivoli.

Como se vê na quinta foto da série, a calçada da Rue de Rivoli forma um corredor coberto no rumo da estátua, pode-se ver como o monumento acabou ficando meio escondido. (Conspiração católica para escondê-lo?] Se você não souber que ele está ali, só por muita sorte vai descobrir. O que se vê na foto é a parte de trás da igreja (“Oratoire du Louvre”). A entrada fica do outro lado, em outra rua.

Post Scriptum 2:

Eis algo que eu escrevi para a biografia do meu pai:

“Com data de 28 de fevereiro de 1931, quando ele tinha, portanto, 18 anos, meu pai transcreveu, em um caderno de capa dura, e em caprichada letra de imprensa, 39 páginas de um trecho sobre a “A Matança dos Protestantes, em Paris, no dia 24 de Agosto de 1572, Domingo, Dia de São Bartolomeu”, retirado do romance histórico de Michel Zévaco chamado A Epopéia de Amor, volume 2 da Coleção Les Pardaillan. Depois de transcrever, escreveu, de próprio punho [mantenho a grafia da época]: “Não nos admira nada que tal coisa acontecesse, porque isso é o cumprimento da prophecia do Apocalypse, que, referindo-se à Egreja Romana (que mais tarde havia de apostatar), disse: ‘E não luzirá mais em ti a luz das lâmpadas, nem se ouvirá mais em ti a voz do esposo e da esposa, porque os teus mercadores eram príncipes da terra, porque nos teus ensinamentos erraram todas as gentes. E nella (na Egreja) foi achado o sangue dos prophetas, dos santos, e de todos os que foram mortos sobre a terra’ (Apocalypse 18:23,24). ‘E a mulher (a Egreja Romana) estava vestida de púrpura e de escarlata, adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas . . . e na sua fronte estava escripto este nome: Mistério! Babilônia, a Grande, a mãe da fornicação e das abominações da Terra. E a mulher achava-se embriagada com o sangue dos santos e das testemunhas de Jesus’ (Apocalypse 17:4,5,6). O castigo dessa egreja apóstata será grande, e, por isso, a todos dirige o Senhor este apêllo: ‘Sahi della, povo meu, para não serdes participantes dos seus delictos, e para não serdes comprehendidos nas suas pragas. Porque os seus peccados chegaram até os céus, e o Senhor se lembrou das suas iniqüidades’. (Apocalypse 18:4,5).” Fim da citação. Só vinte e dois meses depois Oscar Chaves iria formalmente abraçar a Igreja Presbiteriana. Mas sua convicção acerca da Igreja Romana estava firmada bem antes disso, como demonstra não só a citação, mas o esforço necessário para transcrever a mão, em letra de imprensa, 39 páginas de um texto vibrante de denúncia das atrocidades cometidas pelos Católicos contra os Protestantes (Huguenotes) naquele Domingo de São Bartolomeu em Paris, no ano de 1572.

Em Salto, inicialmente em 25 de Agosto de 2019; mas o texto foi generosamente revisado e atualizado em 24 de Agosto de 2021, dois anos depois.



Categories: Getúlio Vargas, Les Pardaillan, Massacre de São Bartolomeu, Michel Zevaco

2 replies

  1. Gostei de saber sobre o Pipeau.
    Adoro suas crônicas!

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