O Vento e o Fogo

“O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído,
mas não sabes de onde vem nem para onde vai.”
(Jesus, segundo o Evangelho de João, 3:8)

Quando eu morava no Paraná, algo que ocorreu de meados de 1944 até o final de 1951, um período de sete anos e pouco, a gente tinha medo de Agosto — tido como mês do azar, das desgraças, das queimadas e, por conseguinte, dos incêndios.

O Norte do Paraná, onde moramos (Marialva e Maringá) se preparava para ser, com São Paulo e o Sul do Mato Grosso (que veio a se tornar o estado do Mato Grosso do Sul), o grande celeiro da agricultura brasileira (sem desprezar os gaúchos, os mineiros, e o pessoal do Centro-Oeste).

Todo mês de Agosto o céu ficava enfumaçado por causa das queimadas, que são incêndios provocados, e sempre havia, nessa época, incêndios involuntários, causados por bitucas de cigarros ou raios inesperados. O fogo, por vezes, chegavam até bem perto do limite das então pequeninas cidades, e, dentro destas, povoadas por grileiros e aventureiros, às vezes casas eram incendiadas por vingança. De qualquer forma, eram frequentes os incêndios. E é uma coisa pavorosa ver um incêndio, ainda que localizado. Um incêndio que se alastra, então, e se torna impossível deter, porque o vento sobra a seu favor, é um horror.

De meados de 1972 a meados de 1974 morei na California — estado americano também assombrado pelos incêndios agrícolas e florestais — que destroem plantações, matas, e inteiros bairros suburbanos de elite nos morros e nas montanhas que beiram a lindíssima orla do Pacífico.

De 1974 para cá pensei que estivesse livre disso para sempre.

Até hoje.

Um enorme incêndio, que, hoje soube, começou ontem, queimou plantações e pequenos oásis florestais, bem aqui perto. Hoje chegou muito perto. Escutamos o barulho das folhas e dos galhos estalando diante do fogo, que tocado pelo forte vento, caminhava rápido. Andamos, a Paloma, eu, e nosso ajudante, o Marcelo, por cerca de 1,5 km na direção do fogo. A 500 m daqui já havia plantações (especialmente de cana) torradas pelo fogo — e o capim alto dos pastos, seco pela falta chuva, ficou tostado. O fogo cruzou o riozinho que divide Salto de Elias Fausto em dois lugares. Felizmente (para nós, naturalmente), o vento que soprava, hoje cedo, na nossa direção, deixando-nos assustados com o seu ruído, deu uma virada, sem que saibamos por que, e levou o fogo para para as partes mais altas do morro, para o rumo de onde fica o Pedágio do km 109 da Rodovia do Açúcar, onde também fica a sede da empresa Rodovias do Tietê, que administra a estrada (que está em processo de ser duplicada aqui nas nossas bandas — algo pelo qual espero há 20 anos, desde que comprei o sítio).

De casa dá para ver agora, pelo “coluna de fumaça” que segue o fogo, onde está o foco do incêndio — e ele parece que estar indo embora na direção de Elias Fausto e Indaiatuba — talvez na direção de Cardeal, um simpático distrito quase que totalmente rural de Elias Fausto.

Mas o vento muda de direção, e a gente ouve de novo o barulho destruidor do fogo, se bem que, agora, mais longe.

Eu, ansioso que sou, cheguei a fazer planos na cabeça sobre o que a gente faria se o vento continuasse a tocar o fogo em nossa direção. Seria necessário pegar os carros, botar o essencialíssimo dentro, se desse tempo, e se mandar na direção oposta. Fiquei me lembrando das imagens que vi quando morava na Califórnia, de gente fugindo do fogo, na calada da noite, de pijama e camisola, carregando os filhos pequenos nos braços, e mais nada. Faziam lembrar o texto de Jó: “Deus deu, e Deus tirou.” Tenho certeza de que é difícil continuar como Jó: “Bendito seja o nome do Senhor!”.

Nos incêndios que eu via regularmente, pela TV, na California, alguns se salvavam, outros não. Muitos, embora não perdessem a vida, perdiam tudo o que tinham de propriedade material. Propriedade virtual, como arquivos digitais, hoje eu guardo tudo (também) nas nuvens, hoje, de medo de perder em incêndio. (Inundação e tsunami aqui é pouco provável — mas numa região agrícola como a em que moramos, incêndios são uma real ameaça, que, no entanto, só chegaram perto hoje, em 20 anos que temos o sítio — exceto pelas queimadas de cana, na época em que a cana era queimada para a colheita. Mas, então, as Prefeituras da região (Salto e Elias Fausto) enviavam caminhões de combate a incêndio para proteger as casas e isso dava uma certa segurança, frágil, reconheço hoje, aos moradores).

Em Salto, 27 de Julho de 2021.



Categories: Liberalism

1 reply

  1. Graças a Deus, o vento tirou pra longe o fogo, e também um estradinha que divide o terreno deu uma evitada legal pra que o fogo não chegasse do lado que está o (Canto da Coruja). Ufa!!!fiquei com o coração tremendo… Obrigado Senhor meu Deus…

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