Ceticismo e Dogmatismo, Tolerância e Intolerância

Todos nós, quando crianças, acreditamos em praticamente tudo o que nos dizem. O “gap” que existe entre crianças e adultos quando se trata de distinguir opinião e conhecimento, entre verdade e erro ou enganação, é tão grande que, para uma criança, qualquer adulto é percebido como a autoridade confiável em qualquer assunto. Crianças são seres crédulos. Elas desconhecem o ceticismo. A atitude cética exige um certo nível de familiaridade com a epistemologia que apenas pessoas que já alcançaram um certo nível de sofisticação cognitiva na área são capazes de possuir. Quem chamou minha atenção para esse fato foi um autor chamado Steven Novella.

À medida que vamos adquirindo experiência e nosso aparato cognitivo amadurece um pouco, percebemos que os adultos não concordam sempre entre si e, assim, com a ajuda de um pouco de lógica, que já dominamos quando alcançamos aquele nível de desenvolvimento intelectual, concluímos que alguns deles devem estar errados. Mas é difícil dizer quais estão errados e quais estão certos.

Lembro-me de que, no início da minha adolescência, eu, que já era um leitor voraz, especialmente de romances policiais, mas também interessado em outros assuntos, como biografias, percebi que, se eu lia um livro, e ele defendia um certo ponto de vista, eu me sentia inclinado a aceitá-lo. Mas, depois, se lia uma contestação do ponto de vista em questão, eu também me inclinava a aceitá-lo… Isso me incomodava um pouco, porque quando eu relatava o fato ao meu pai, ele me dizia que eu precisava desenvolver meu espírito crítico e aprender a ler criticamente, procurar erros e falsidades que frequentemente se escondem em quase qualquer texto. Foi só depois que fiz o Curso Clássico (nome de uma das variedades do Ensino Médio de então), e nele tive meu primeiro curso de Lógica, entendi que precisamos avaliar a veracidade das premissas e a validade dos argumentos em que essas premissas são ordenadas. Falácias são argumentos inválidos, em que as premissas, mesmo que verdadeiras, não sustentam a conclusão… e por aí vai a coisa…

Quando nos tornamos adultos e adquirimos alguma experiência do mundo, descobrimos, em regra, que praticamente toda mundo mentiu para nós quando éramos crianças, adolescentes e jovens – e ainda mente para nós, mesmo quando nós já somos adultos: políticos, jornalistas individuais, os meios de comunicação em que eles escrevem, empresas e pessoal de marketing, vendedores espertos, quase qualquer um envolvido no comércio, os meios de comunicação (além dos impressos, o rádio, a televisão, etc. Quase todos os adultos e figuras de autoridade que encontramos na vida, em algum momento, infelizmente mentem para nós: usam premissas falsas e argumentos falaciosos o tempo todo. Falham em seu raciocínio, intencionalmente ou sem querer. Porque querem nos enganar ou porque estão, eles próprios, enganados. Quem me ajudou a ver isso foi David Hume.

O pior é que pastores, padres, professores, e até mesmo os nossos pais, categorias de pessoas que a gente espera que não mintam, mentem para nós, de vez em quando. Às vezes, admito, com boas intenções, para nos poupar de algum desgosto, ou porque não estamos ainda preparados para conhecer a verdade, toda a verdade, e nada mais do que a verdade, como se diz nos tribunais americanos.

O que podemos fazer? Tentamos assumir o controle total de nossa aprendizagem e educação e nos tornamos mais seletivos na escolha de nossas figuras de autoridade, aquelas pessoas em que confiamos e às quais podemos recorrer e com as quais podemos contar quando precisamos de informações e conhecimentos confiáveis (porque precisamos tomar uma decisão difícil…). É aqui que, hoje em dia (e já faz algum tempo) os cientistas, os acadêmicos e os intelectuais entram… Recorremos à opinião de especialistas científicos, bem como de autores humanistas (não cientistas) também famosos e admirados, como Victor Frankl, Steven Covey, Martin Seligman, etc., ou ainda de líderes espirituais comprovadamente respeitados e admirados, como o Papa João 23, ou, então, se somos protestantes, Billy Graham, C. S. Lewis, dependendo da questão que enfrentamos.

Mas não podemos terceirizar e delegar a terceiros, o tempo todo, a definição de nossas convicções, crenças e valores, que nos equipam para tomar as decisões importantes que, frequentemente, precisamos tomar, para não falhar nas escolhas que, inevitavelmente, temos de fazer, e para enfrentar as ações e as tarefas difíceis que a vida nos impõe…

Aqui, no mundo ocidental, as questões sobre Deus, a criação, a queda, o pecado, Jesus, a salvação, a morte, a vida futura se encaixam. E estão longe de ser as únicas.

No fundo, precisamos confiar em nós mesmos para descobrir no que devemos acreditar e o que devemos fazer.

E é aqui que entra em jogo o ceticismo, a que já fiz referência atrás.

O ceticismo não é uma escola filosófica que compete com outras escolas filosóficas no mercado de ideias. O ceticismo é mais uma atitude básica em relação ao pensamento, ao conhecimento e à verdade.

A atitude cética é contrastada com a atitude dogmática.

A atitude cética aborda o pensamento como uma busca humilde do conhecimento e da verdade por parte de um indivíduo, uma busca que eventualmente produz ideias que, se prontamente compartilhadas com outros, para que outros possam criticá-las e aprimorá-las, podem eventualmente nos levar além de mera opinião e nos aproximar do que, provisoriamente e falivelmente, possamos chamar de conhecimento e verdade.

A atitude dogmática aborda o pensamento como uma exibição orgulhosa de conhecimento e verdade por parte de um indivíduo que, alegando tê-los alcançado, seja porque os procurou e os encontrou, seja porque eles lhe foram revelados, agora os possui e os porta com orgulho, ansiando por revelá-los aos outros, para que outros possam se beneficiar de suas descobertas e, finalmente, ver a luz e aceitar suas revelações.

A atitude cética envolve uma postura de busca, exploração, questionamento, dúvida, hesitação, esperança e confiança de que estamos nos aproximando do conhecimento e da verdade com nossas ideias.

A atitude dogmática envolve uma postura de posse, revelação, resposta, certeza, determinação, assertividade e excesso de confiança em relação ao conhecimento e à verdade que presumimos ser nossos para guardar ou transmitir.

A atitude cética defende a tolerância, porque os que a adotam sabem muito bem que podem estar errados, pois são céticos até mesmo acerca de suas próprias ideias e de seus esforços para aprimorá-las.

Céticos não são relativistas. Há algumas verdades que eles aceitam, e até mesmo consideram como verdades absolutas. Mas eles custam a chegar a uma conclusão desse tipo porque são cautelosos, cuidadosos, lentos em crer, e só crendo depois de muito exame e muita investigação, depois de ler muitos autores que não aceitam e que criticam as ideias que eles estão contemplando aceitar como verdadeiras… E mesmo quando as aceitam, nunca o fazem de forma definitiva, continuando sempre a examinar as suas credenciais. Errar é muito fácil. Há infindáveis formas de errar. Para cada uma verdade há centenas de milhares de erros, se não mais. Acertar é que é difícil. Não é fácil ser cético.

A atitude dogmática pratica a intolerância, quando não o ódio, porque, estando confiante de que já chegou ao conhecimento e à verdade, não vê por que tolerar o que, para ela, é apenas erro e falsidade. Tolerar o que se considera erro e falsidade não faz sentido para aqueles que adotam a atitude dogmática, porque eles têm certeza absoluta de que já estão de posse do que é certo e verdadeiro. E estão tão certos que nem sequer contemplam a possibilidade de reexaminar aquilo que consideram certo e verdadeiro. Aqueles que adotam a atitude dogmática não toleram a dúvida, porque ela é incompatível com o dogmatismo (embora seja a mola propulsora do ceticismo).

Em Salto, 12 de Maio de 2025

Eduardo Chaves



Categories: Liberalism

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