Doris Lessing, Prêmio Nobel de Literatura (2007)

Há escritores de ficção que, quando eu os leio pela primeira vez, depois de ler dez a vinte páginas de um livro seu, se tanto, eu já sei se vou me tornar fã deles. Foi assim com Mário Vargas Llosa (Nobel, 2010), Thomas Mann (Nobel, 1929), Pearl Buck (Nobel, 1938), Sir V[idiadhar] S[urajprasad] Naipaul (Nobel, 2001), etc. — todos eles Prêmios Nobel. Também gosto de outros que não ganharam o Prêmio Nobel, e, na minha opinião, mereciam ter ganho: Graham Greene, Simone de Beauvoir, e Isabel Allende, por exemplo. Allende ainda tem chance. Os outros dois já morreram. Desses três, admiro as pessoas no caso de Greene e Allende — não tolero a pessoa de Simone de Beauvoir… Mas isso não vem tanto ao caso. Os três escrevem muito bem.

Doris Lessing (Nobel, 2007) é uma dessas escritoras – também uma Prêmio Nobel. Aqui gosto da obra e da pessoa… A pessoa tem uma história curiosa. Lessing nasceu em 1919, na Pérsia (país que, a partir de 1935, passou a se chamar Irã ou, segundo alguns, que gostam de aportuguesar ao máximo os nomes, Irão). Ela morreu em 2013, aos 94 anos, na Inglaterra. Mas, a partir dos cinco anos, ou seja, por volta de 1924, sua família se mudou para a Rodésia (que, depois que ela foi para lá, já se chamou Rodésia do Sul, Rodésia-Zimbabwe, assim hifenado, e hoje é simplesmente Zimbabwe ou, para os que gostam de aportuguesar os nomes de lugar,  Zimbábue). Do Zimbabwe foi para a Inglaterra depois da Segunda Guerra, em 1949, onde terminou a vida, em 2013, como a cidadã britânica que sempre foi. Seu pai era funcionário do Império Britânico, aquele sobre o qual o Sol nunca se punha. Mas o Império não sobreviveu a duas Guerras Mundiais e aos movimentos de independência das colônias europeias.

O Prêmio Nobel de Literatura de Lessing chegou tarde, quando parecia que não ia mais chegar: quando ela tinha 88 anos. Custou para chegar — para seus fãs e, imagino, especialmente para ela. Seu discurso de aceitação do prêmio, em 2008, teve o título de On Not Winning the Nobel Prize (Sobre não se Ganhar o Prêmio Nobel), provavelmente uma referência ao fato de que tão poucas mulheres ganharam o Prêmio Nobel de Literatura — ela foi apenas a décima primeira, em 2007, e o Prêmio Nobel de Literatura é concedido desde 1901! Ou, então, uma crítica velada ao fato de terem demorado tanto para lhe dar o prêmio, apenas depois de ela já haver ganho todos os demais prêmios dignos de menção na Europa, e fazendo dela a pessoa mais idosa (até aquela data) a receber o Prêmio Nobel de Literatura e a terceira mais idosa a receber um Prêmio Nobel em qualquer das categorias… [1]

Seu nome de solteira era Doris May Tayler (Doris May era nome composto, Tayler o sobrenome de família, isto é, do pai). Lessing era o sobrenome de seu segundo marido, com quem esteve casada de 1943 (ano em que eu nasci) até 1949, sobrenome que ela manteve até o final da vida. O sobrenome original sumiu de seu nome, não aparecendo na capa de seus livros. Não sei se ele jamais usou o sobrenome do primeiro marido (Wisdom), que seus dois filhos mais velhos (um casal) carregaram.

Seu romance (livro) mais famoso, por muitos considerado o melhor, por outras (sic) considerado um manifesto feminista (embora Lessing peremptoriamente o negue) é The Golden Notebook. O livro foi publicado em 1962 e se tornou um sucesso quase instantâneo. Seu título é, às vezes, mencionado em Português como O Carnê Dourado, outras vezes como O Caderno Dourado. Eu só vim a lê-lo bem mais de 30 anos depois de publicado, por volta de 1996-1997, quando estive envolvido na questão de autobiografias (nunca deixando de estar, desde então, tanto no polo passivo, como leitor, como no polo ativo, tentando escrever um arremedo da minha). A cópia do livro que eu li já  continha uma reflexão de Lessing sobre o sucesso que ela nunca havia sonhado que o livro pudesse alcançar, reflexão essa escrita em 1993, mais de 30 anos depois da publicação original do livro. Nessa reflexão, relativamente curta, ela faz referência ao fato de estar escrevendo o primeiro volume de sua autobiografia. Esse primeiro volume foi publicado no ano seguinte, em 1994, sob o título Under my Skin (Debaixo de minha Pele, em Português), em alusão ao I’ve Got you Under my Skin, de Cole Porter, popularizado por Frank Sinatra, cuja primeira estrofe é colocada como mote do livro. Eu li esse primeiro volume logo depois de ter lido The Golden Notebook. E estou relendo agora. O segundo volume da autobiografia saiu em 1997, com o título de Walking in the Shade (Andando na Sombra, em Português) e, portanto, não estava disponível ainda quando li o primeiro volume pela primeira vez e me interessei definitivamente pela obra de Lessing e pela pessoa da autora. Gosto muito do título dos dois volumes autobiográficos.

Enfim, Lessing foi uma autora prolífica que teve uma produção diversificada. Ela escreveu ficção, propriamente dita, obras que não têm compromisso com a verdade, escreveu não ficção (ensaios e memórias de viagem, como suas memórias de visitas à Rodésia / Zimbabwe — o nome do país só mudou definitivamente em 1980 — depois de haver voltado para a Inglaterra: African Laughter: Four Visits to Zimbabwe, de 1992), obras que têm um compromisso claro com a verdade (a menos que você seja comunista, coisa que ela deixou de ser em 1956, quando da Revolução Húngara), e autobiografia, que talvez seja uma mistura dos outros dois gêneros… dependendo de quem a escreve. E é aqui que está o problema específico que me interessa em Lessing.

É fato geralmente sabido e notório que os livros de ficção de um autor em geral não são total e inteiramente imaginados, de modo a tornar qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, apenas uma mera coincidência (apesar das notinhas de “disclaimers“, “copyrights” e outros dados sobre o livro, a editora, etc. que aparecem na página 2 dos livros, as quais em regra negam fatos sabidos e notórios). Esses livros naturalmente incorporam a experiência vivida pelo autor e que acabou por levá-lo a escrever aquela obra específica. Assim, a imaginação de um autor de ficção não opera “ex nihilo“, a partir do nada. Ela se põe a trabalho a partir das suas vivências e experiências e em cima delas. Se não existe uma boa biografia do autor (escrita, em profundidade, por terceiros, e, exigência essencial, não autorizada e sacramentada pelo biografado), a gente (o leitor) raramente é capaz de relacionar o conteúdo da ficção com episódios da vida do autor da ficção.

Mas em alguns casos raros, como o de Graham Greene (1904-1991), que tem uma biografia em três volumes, escrita por Norman Sherry, com 2.250 páginas, produzida ao longo de obsessivos trinta anos [2], a gente encontra descrito, com grande precisão, o Sitz im Leben, o lugar na vida do autor, que acabou por gerar tal ou qual romance, a pessoa que ele conheceu bem que acabou por servir de modelo para tal ou qual personagem, as mudanças introduzidas na ficção (certamente no nome das pessoas, nos locais, para um local próximo ou parecido) para despistar os seus vínculos com a realidade.

O caso mais típico que eu conheço é o de The End of the Affair, romance de Graham Greene (mencionado no parágrafo anterior), que conta o caso (affair, em Inglês, affaire, em Francês) de um escritor com uma mulher casada, na realidade a mulher de um dos bons amigos do autor, que, quando foi publicado, o amigo “corneado” chegou perto de processar o autor (Greene), seu amigo, o que, se tivesse acontecido, teria sido uma atitude tipicamente britânica de quem admite que, ter um caso com a mulher do outro, vá lá, tudo bem, mas escrever um livro sobre o caso, anunciando o ultraje aos quatro ventos, já é ir longe demais e ultrapassar todos os limites da decência, do decoro, e do bom tom… O processo, tivesse ele ido adiante, não teria sido motivado pelo caso, em si, que já vinha acontecendo há muito tempo — mas, sim, sobre a ficção, em que os personagens tinham outros nomes, os restaurantes, os hotéis, os flats, as viagens foram totalmente ficcionalizados (se o verbo não existe, como me diz o Microsoft Word, informo os leitores que acabei de criá-lo), mas a história verdadeira estava sempre ali por detrás, matreira, apontando a cabeça nos detalhes, e os amigos comuns, e principalmente os inimigos, não teriam dúvida de quem se tratava… [3].

No último parágrafo da reflexão de 1993, acrescentada a The Golden Notebook, como se fosse um novo Prefácio, Doris Lessing trata dessa questão (que também veio a discutir, e em maior detalhe, em Under my Skin, o primeiro volume, de 1994, de sua autobiografia, como se verá). Eis o que ela diz:

“No momento estou escrevendo o primeiro volume de minha autobiografia. Pensando sobre algumas das pessoas e alguns dos acontecimentos que entraram em The Golden Notebook, não posso deixar de concluir que a ficção é melhor meio para revelar ‘a verdade’ do que um registro factual da coisa. Por que isso acontece é um assunto muito amplo, que eu não chego sequer a começar a entender”. [Ênfase acrescentada].

Note-se bem a frase destacada: “a ficção é melhor meio para revelar ‘a verdade’ do que um registro factual da coisa“. Chama a atenção, em primeiro lugar, a expressão “a verdade” ter sido colocada entre aspas. Por que as aspas? Provavelmente porque, normalmente, se considera que a finalidade da ficção não é revelar a verdade: ficção é coisa inventada, que, em princípio e em tese, não aconteceu, e que, portanto, não pode ser verdade. Mas Mário Vargas Llosa, que também veio a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, e isso em 2010, três anos depois de Doris Lessing, escreveu um livro, a que eu já fiz menção em vários artigos meus, chamado La Verdad de las Mentiras (primeira edição: 1990; segunda edição expandida: 2002 – mais dados adiante). Note-se bem o título. Ele sugere que as mentiras, que, no caso, são as obras de ficção, das quais ele analisa 26 na primeira edição e 36 na segunda, contêm mais verdade do que outros gêneros literários. Para Vargas Llosa, há verdade, sem quaisquer aspas, na ficção. Para ele, parece-me, se alguma palavra do título devesse vir entre aspas seria “Mentiras”, porque, para ele, a ficção não contém mentiras: contém, sim, verdades muito profundas, não raro mais profundas do que as verdades do jornalismo, da história, e mesmo das ciências, que deveriam estar lidando com a verdade.

Em parêntese, esse insight de Vargas Llosa é extremamente importante numa época de “fake news“, em que a história não passa de “narrativas” muito bem montadas para dar a impressão de que aquilo que aconteceu “de fato” (entre aspas, embora elas sejam corriqueiramente dispensadas, porque revelariam a fraude) não aconteceu, e aquilo que não aconteceu “de fato” (de novo entre aspas falsas) realmente aconteceu, em que modelos “científicos” (as aspas também aqui são falsas, só para inglês ver) são montados para servir a ideologias e a causas vinculadas à Realpolitik, ou seja, para camuflar os fatos (fazer de conta que o que de fato aconteceu não aconteceu e que o que de fato não aconteceu aconteceu em seu lugar), não para nos ajudar a verdadeiramente entender o que de fato aconteceu ou está acontecendo, mas para deliberadamente confundir os leitores e, através deles, o restante das pessoas…

Mais adiante volto a Vargas Llosa, mas não sem antes registrar que na segunda edição de La Verdad de las Mentiras ele analisa tanto The Golden Notebook, de Lessing, como The End of the Affair, de Greene.

Fim do parêntese. Aqui retomo Doris Lessing.

Na visão de Lessing, a autobiografia deveria, em princípio, ser “um registro factual da coisa“, não ficção, nem uma mistura das duas coisas, fato e ficção. Lessing não tem constrangimento de criticar, por exemplo, Simone de Beauvoir, cujos escritos supostamente de ficção são quase todos, de fato, autobiográficos, e os escritos autobiográficos são quase todos, de fato, ficção, mas que admite, de cara lavada, “que não tinha [ao escrever esses escritos autobiográficos] a menor intenção de dizer a verdade”… Lessing critica de Beauvoir perguntando: “Então para que se dar ao trabalho? — o leitor há de se perguntar.” [4] A pergunta de Lessing é séria: se alguém reconhece, com todas as letras, que não tem nenhum compromisso com a verdade ao escrever um relato admitidamente autobiográfico, por que não reconhecer direto que está escrevendo uma obra de ficção e não um relato autobiográfico? Em especial se já tem como como autora de ficção, e, por isso, vai vender o livro mesmo que ele seja descrito como uma ficção total. Por que enganar o leitor, ou, pelo menos, deixá-lo em dúvida?

O capítulo segundo do primeiro volume da autobiografia de Lessing (Under my Skin) é uma preciosidade por discutir sem subterfúgios essas questões. Lessing nasceu em 1919. Saiu da Rodésia para ir para a Inglaterra em 1949. O primeiro volume de sua autobiografia cobre os seus primeiros 30 anos, de 1919 a 1949. Diz ela, no início desse importante Capítulo 2:

“Impossível sentar para escrever sobre si sem sofrer o assédio de questões retóricas da mais tediosa natureza. Nossa velha amiga, a Verdade, é a primeira. A verdade… quanto contar, quanto ocultar? Esse, por consenso, parece ser o primeiro problema do autocronista e, de uma forma ou de outra, nos aguarda o opróbrio.

Contar a verdade a respeito de si é uma coisa, se você puder, mas e quanto aos outros?

Não é difícil para mim falar sobre minha vida até o momento em que deixei a Rodésia do Sul, em 1949, porque são muito poucos os que ainda podem se magoar com o que eu disser; tive que deixar de fora, ou mudar, pouca coisa — no máximo um nome ou dois. Portanto, o primeiro volume está sendo escrito sem percalços ou bloqueios de consciência.

Mas o segundo volume, ou seja, da época em que cheguei a Londres em diante, já será uma outra história, ainda que eu siga o exemplo de Simone de Beauvoir. [ . . . ] Eu conheci um bocado de gente famosa, e até mesmo um ou dois grandes nomes, mas não acredito que seja dever de amigos, amantes e camaradas contar tudo. Quanto mais envelheço, mais segredos tenho, que jamais serão revelados, e isso, eu sei, é uma situação comum entre as pessoas de minha idade. [ . . . ] Leio algumas biografias e sinto admiração pelas pessoas que optaram por manter a boca fechada. Tenho notado como em geral os que circularam na periferia de um evento ou de uma vida importante são justamente os que se apressam em reivindicar a dianteira: quem entende do assunto em geral se cala ou diz pouco.” [5].

Adiante ela acrescenta:

“O passado, em todos os tempos, sempre é ‘arrumado’ para ficar mais seguro” [6].

Mas, continua ela, o que contar e o que ocultar, e o quanto contar e o quanto ocultar, ainda são o menor problema das autobiografias. Afirma ela:

“Dizer a verdade ou não, e como dosá-la, é um problema menor do que o da mudança de perspectivas, porque enxergamos a vida de modo diferente em diferentes fases; é como escalar uma montanha enquanto a paisagem vai mudando a cada curva da trilha. Tivesse eu escrito este livro aos trinta, teria sido um documento bem combativo. Aos quarenta, um gemido de desespero e culpa: ai, meu Deus, como é que eu pude fazer isso ou aquilo? Agora olho para aquela criança, aquela moça, aquela mulher jovem, com uma curiosidade cada vez mais distanciada. Pode notar que os velhos costumam espiar seu passado. Por quê? – eles se perguntam. Como foi que aconteceu? Tento ver os eus que fui anteriormente como alguém os veria, depois me coloco de volta dentro de um deles e, imediatamente, me vejo submersa no choque ardoroso da emoção, justificado por pensamentos e ideias que agora julgo errados” [7].

Continua ela:

“Além do que, a própria paisagem é traiçoeira. Assim que você começa a escrever, a pergunta se interpõe, insistente: Por que motivo você se lembra disso e não daquilo? Por que se lembra mais dos detalhes de uma determinada semana, de um mês transcorrido há muitos anos, e, depois, negrume total, vazio? Como sabe que aquilo de que se lembra é mais importante do que aquilo de que não se lembra?[8]

A resposta é que não se sabe… Mas continua ela ainda:

“Ao escrever a respeito seja do que for — num romance, num artigo — aprende-se um bocado de coisas antes ignoradas. Aprendi muita coisa escrevendo este livro. Inúmeras vezes tive que me dizer: ‘Então quer dizer que foi por esse motivo? Por que não pensei nisso antes?’ Ou então: ‘Espere um pouco… não foi desse jeito’. A memória não é apenas auto elogiosa, ela é um órgão descuidado e preguiçoso. E nem sempre auto elogiosa. Se mais de uma vez eu me disse: ‘Não, não fui assim tão ruim quanto imaginava’, em outras ocasiões descobri que fui pior ainda.” [9]

A situação fica ainda mais complicada:

E depois — talvez este seja o pior logro de todos — nós inventamos o passado. Aliás, a mente faz isso bem na nossa frente, fabrica uma história com um pequeno fragmento de fato. Não, eu não creio que seja uma falha exclusiva dos romancistas. Os pais dizem: ‘Nós levamos você à praia e você fez um castelo de areia, você não se lembra? — olhe aqui a foto.’ E na hora a criança constrói, com palavras e fotografia, uma memória que passa a ser sua. Mas existem momentos, incidentes, memória verdadeira, estou segura disso. Até certo ponto porque passei boa parte da infância ‘fixando’ momentos na mente. Obviamente, tive que lutar para estabelecer uma realidade própria, em oposição à insistência dos adultos para que eu aceitasse a deles. Pressionaram-me a admitir que o que sabia ser verdadeiro não o era de fato. Isso é uma dedução. Caso contrário, por que essa minha preocupação, que durou anos a fio: esta é a verdade, o que houve foi isto, guarde bem, não deixe que eles a convençam do contrário.” [10]

A questão é mais complicada porque essa falsificação ou mesmo invenção do passado não é sempre consciente e intencional: elas (a falsificação e/ou a invenção) às vezes se dão de maneira inconsciente, sem que a própria pessoa o perceba. A psicologia e a experiência nos mostram que, com o passar do tempo vamos, inconscientemente, idealizando nosso passado: incidentes pequenos crescem de importância, porque nos projetam em uma luz mais favorável; outros incidentes, os mais desagradáveis, vão tendo sua importância reduzida, ou começam a ser vistos sob outra luz; ainda outros, os traumáticos, são, às vezes, eliminados inteiramente do quadro, sendo enfiados no mais profundo de nosso inconsciente, de onde só saem, quando saem, através de terapia… Isso tudo acontece, o mais das vezes, sem que tenhamos a menor intenção de falsificar ou inventar o passado, simplesmente porque mecanismos sutis operam em nossas mentes para eliminar dissonâncias (e, até certo ponto, manter nossa saúde mental e nossa sanidade). Afinal de contas, temos de conviver com nós mesmos pelo resto de nossa vida. Lessing, ao longo de sua autobiografia, por vezes vai fundo nessas questões.

Por fim, ela pergunta — e já responde:

“Por que uma autobiografia? Autodefesa [ . . . ]” [11]

Especialmente no caso de uma pessoa que viveu muito, que ganhou grande visibilidade com seus livros, seus prêmios, e, por fim, o Prêmio Nobel de Literatura, há muita gente escrevendo ou planejando escrever biografias dela — gente que ela desconhece, que ela nunca viu ou de quem nem sequer ouviu falar. Ela não tem ideia de que informações essas pessoas vão coletar, o que vão ler, com quem vão conversar, a quem vão entrevistar. Muitas delas escreveram sobre ela, sem sequer a contatar antes, quando ela ainda estava viva. É para se defender das diferentes versões de sua vida, contadas por esses biógrafos ou “biógrafos”, que ela, apesar de todos os percalços do empreendimento, resolveu deixar a sua autobiografia — que, entretanto, de maneira formal, pára em 1962, não cobrindo os últimos 50 anos (por aí) de sua vida… talvez os mais difíceis de contar com isenção!

Mas Lessing, ao final do segundo capítulo do primeiro volume de sua autobiografia, oferece uma outra razão para escrever a história de si mesma. Ela escreve uma autobiografia, o mais possível, ser honesta, para tentar entender e explicar o seguinte:

“[ . . . ] o fato de ter sido, a vida toda, a criança que diz que o rei está nu, ao passo que [s]eu irmão nunca, nem uma vez sequer, duvidou da autoridade ou a criticou. [Será que] o talento para ver a nudez do rei pode significar que suas outras qualidades [do rei] passam despercebidas”? [12]

De certo modo, ao escrever a sua autobiografia, Lessing foi descobrindo respostas. No final do primeiro volume, ao falar da maternidade e dos seus filhos, ela comenta:

“Nenhuma mulher que tenha tido mais de um filho pode concordar com a tese de que o caráter é construído, e não inato. Quando você pega um bebê pelos braços pela primeira vez, está segurando o que o ser humano é, sua verdadeira natureza, e seja lá o que for que se fizer com ele depois, aquela é a pedra fundamental, a base, o alicerce. Aquele bebê [o seu terceiro filho, que nasceu em 1946] era diferente do valente e esperneante John [seu primeiro filho], diferente da doce e confiante Jean [a filha do meio — que foi a única dos três a sobreviver à mãe], era uma criança sonolenta mas simpática e interessada”. [13]

Aparentemente Doris Lessing encontrou, observando os próprios filhos, a resposta à pergunta acerca da diferença entre ela e seu irmão… Mesmo tendo basicamente a mesma carga genética, cada um é diferente, na verdade é único e irrepetível.

Retorno, agora, a Mario Vargas Llosa, para estender um pouco o escopo deste artigo. Não se trata, no livro dele, La Verdad de las Mentiras, especificamente de autobiografias: trata-se, no plano mais específico, focado no livro, de obras de ficção; mas se trata, em princípio, não só da literatura,  como da arte, em geral.

Mas antes de voltar a Vargas Llosa, um brevíssimo interlúdio meu.

Em 15.11.2014 publiquei, em meu blog Liberal Space, um artigo com o seguinte título: “O Papel dos Sonhos e da Invenção: Uma Discussão da Realidade e da Ficção, da Verdade e da Mentira” [14]. Aqui vou aproveitar algum material contido nesse artigo.

Nele menciono que, dois dias antes do publicar o artigo, em 13.11.2014, havia morrido Manoel de Barros, e a propósito de sua morte pipocaram na imprensa diversas frases geniais dele, lindas e inspiradoras, embora à primeira vista meio enigmáticas, das quais pinço duas:

“Só 10% do que falo é mentira, o resto eu invento.”

“Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.”

A primeira frase me faz lembrar de uma frase do grande Voltaire:

“Nunca contei nenhuma mentira. Mas já inventei muitas verdades”.

A segunda me faz lembrar de uma frase da grande Ayn Rand:

“Na natureza há coisas tão lindas que parecem ser artificiais”.

Frases como essas são tão geniais que parece impossível analisá-las sem que elas percam sua beleza e a análise pareça trivial e sem sentido. Mas, sendo filósofo, não consigo resistir. E vou me guiar, em parte, pelo mestre Mario Vargas Llosa, em seu livro La Verdad de las Mentiras. Ele, por sua vez, foi, como eu também, parcialmente inspirado pela magnífica obra Ayn Rand (passim).

A realidade raramente é exatamente como a desejamos — embora, em ocasiões, chegue perto.

Nossa vida, como ela de fato é, por melhor que seja, raramente é a vida que, no nosso mais profundo, gostaríamos de ter. Sempre falta — ou sobra — alguma coisa. Falta dinheiro, falta tempo, sobram obrigações e compromissos, sobram doenças e incômodos da idade que não chegam a ser propriamente doenças. Por isso, o ser humano recria a realidade em sua mente, no plano virtual, no plano da ficção, para que a realidade, agora inventada (ou numa edição revista, corrigida e ampliada), incorpore seus sonhos, seus desejos, seus quereres, seus valores, seus ideais (e deixe de fora os seus aspectos mais tristes, sombrios, ou constrangedores). Na realidade, nossos planos muitas vezes não são executados, nossos amores são frustrados e não dão certo, não convivemos bem com alguns membros de nossa família, amigos nos decepcionam… No todo, na vida real, o mal parece prevalecer sobre o bem, os injustos sobre os justos, os corruptos sobre os justiceiros. Na ficção podemos recriar a realidade de acordo com nossos sonhos, desejos, quereres, valores e ideais — de acordo com nossos mais nobres ideais metafísicos, como diria Ayn Rand. Na ficção os planos ao final são executados da forma que havia sido prevista, os amores, mesmo que tenham um momento inicial difícil, e vários momentos intermediários em que parece que todas as esperanças vão cair por terra, dão certo e os amantes vivem seus amores para sempre, nem a morte tendo o poder de separá-los totalmente. . . Nela, na ficção, se a morte sobrevier a um dos amantes, o espírito dele sobrevive e se comunica com o que sobreviveu. Haja vista Ghost.

Como diz Mario Vargas Llosa:

“Os homens não estão contentes com sua sorte, e quase todos — ricos ou pobres, geniais ou medíocres, célebres ou obscuros — gostariam de ter uma vida diferente daquela que de fato vivem. Para aplacar – enganosamente – esse apetite por uma vida melhor, nasceram as ficções. Elas [as ficções] são escritas e lidas para que os seres humanos tenham as vidas que não se resignam a não ter. No embrião de todo romance ferve uma inconformidade, pulsa um desejo insatisfeito.” [15]

“As ficções são escritas e lidas para que os seres humanos tenham as vidas que não se resignam a não ter.” Que frase fantástica!

Um de nossos grandes poetas brasileiros, Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira), bateu na mesma tecla, quando completou 80 anos e já havia deixado de ser comunista (como Doris Lessing) há muito tempo:

“A arte existe porque a vida não basta” [16].

Eis o que Ayn Rand (Alyssa Zinovievna Rosenbaum) disse e que influenciou Vargas Llosa:

“O mais importante princípio da estética da literatura foi formulado por Aristóteles, que disse que a ficção tem uma importância filosófica maior do que a história, porque ‘a história representa as coisas como elas são, enquanto a ficção representa as coisas como elas poderiam e deveriam ser’. Isso se aplica a todas as formas de literatura, e mais particularmente a uma forma de literatura que só veio surgir vinte e três séculos depois de Aristóteles: o romance (novel). O romance é uma história de ficção longa sobre seres humanos e os eventos que constituem sua vida. Os quatro principais atributos de um romance são: Tema – Enredo – Caracterização – Estilo. Esses são atributos, não partes constitutivas que podem ser separadas umas das outras. Eles podem ser isolados conceitualmente para fins de estudo, mas é preciso sempre lembrar que eles são inter-relacionados, e que o romance é o produto final. Se é um bom romance, o produto final é indivisível. Esses quatro atributos se aplicam a todas as formas de literatura, isto é, da ficção (romances, peças de teatro, cenários, livretos, contos), com uma exceção: o poema. Um poema não tem de contar uma história. Seus atributos básicos são tema e estilo. O romance [porém] é uma forma literária do mais alto nível. No que diz respeito ao seu escopo, a sua potencialidade é inexaurível, a sua liberdade, quase ilimitada (que inclui a liberdade de limitações físicas que restringem, por exemplo, uma peça teatral representada no palco). Mais importante, o romance é uma forma puramente literária, que não precisa, para ser desfrutado, e para produzir seus efeitos mais potentes, da intermediação das artes cênicas, como o teatro e o cinema.” [17]

A história representa as coisas como elas são, enquanto a ficção representa as coisas como elas poderiam e deveriam ser” (Aristóteles). A verdade é, em geral, entendida como correspondência entre o que pensamos e a realidade. O que dizemos acerca da realidade, como a descrevemos, como explicamos a sua operação, tudo isso é verdade se a realidade for como dizemos, como a descrevemos, como a explicamos. Os cientistas (entre eles os historiadores que se pretendem cientistas) descrevem e explicam a realidade, aquilo que existe e acontece. Os criativos imaginam coisas e estados de coisas que não existem e não acontecem e se perguntam: por que não? E inventam novas realidades, que não são menos realidades porque foram criadas pela mente humana e satisfazem uma necessidade imperiosa de mostrar que um outro mundo é possível.

Aquilo que é inventado não é necessariamente mentira (embora seja evidente que é possível também inventar mentiras: na realidade, mentiras são sempre invenções). Mas muito daquilo que se inventa é a mais pura verdade (na linha do que afirmaram Voltaire e Vargas Llosa) — algumas vezes uma verdade mais verdadeira do que as verdades não inventadas.

Por que não?

Foi por isso que Manoel de Barros disse que 10% do que ele falava era mentira, mas que o resto não era mentira: era invenção sua — era literatura, era verdade inventada (para usar a frase genial de Voltaire)!

Foi por isso que Voltaire, antes de Manoel de Barros, disse que não tinha o hábito de mentir, mas tinha, isto sim, o hábito de inventar verdades (muitas vezes inconvenientes e sempre incomodantes, porque a verdade por vezes dói e machuca).

As verdades contidas nas “mentiras” da ficção muitas vezes incomodam. A escola em que Mario Vargas Llosa estudou o processou por causa de um de seus romances. Sua primeira mulher tentou se vingar dele, pelo que havia em um de seus romances, escrevendo, por sua vez, um livro (biográfico e autobiográfico) que supostamente restabeleceria a verdade real, não inventada…

Como já registrado, Graham Greene, um dos maiores romancistas ingleses, chegou quase a ser processado quando o marido de uma mulher, lendo um livro seu (The End of the Affair), percebeu que a mulher da história que Greene havia escrito era a sua… Graham Greene não negou – fez um acordo amigável (o marido da mulher era, afinal de contas, seu amigo…). Mas não abriu mão de contar a sua história!

A ficção é sempre mentira, não é nunca verdade? O inventado e o virtual estão fora realidade? Pobre de quem pensa isso ou assim. Pobre de quem imagina que, para entender a realidade humana é preciso ser psicólogo ou sociólogo, ou algo dessa natureza. O escritor de ficção entende a natureza humana muito melhor do que o cientista, o historiador, o jornalista. Leia Sostiene Pereira (Afirma Pereira, em Português) do romancista italiano Antonio Trabucchi, livro que conta a história de um jornalista, e do qual Vargas Llosa também faz uma resenha)!  O que o jornalista escreve se joga no lixo ao final do dia ou, o mais tardar, na manhã do dia seguinte, quando chega o novo exemplar do jornal. O que o historiador escreve precisa ser reescrito à medida que os anos passam. O que o cientista do século passado escreveu já não vale mais nada hoje. Mas Homero, Virgílio, os autores bíblicos (pois a Bíblia é literatura), Dante, Shakespeare, Tolstoy continuam a ser lidos e admirados, porque continuam a falar para hoje. E continuam a nos inspirar. E nós continuamos a aprender com eles — e com Graham Greene, Doris Lessing, Mario Vargas Llosa, e Ayn Rand. Na verdade, são perenes. Imortais.

Notas

[1] Vide, na Wikipedia em Inglês, o artigo “Doris Lessing”, https://en.wikipedia.org/wiki/Doris_Lessing”, e vide, também, a lista dos ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura: “All Nobel Prizes in Literature”, Nobel Prize, https://www.nobelprize.org/prizes/lists/all-nobel-prizes-in-literature/. Não deixe de ler, também, o artigo “‘Writing is something I have to do'”, escrito pelo Editor Literário de The Guardian, Robert McCrum, em 14.10.2007, logo depois do anúncio de que o Prêmio Nobel de Literatura havia sido concedido a Doris Lessing. No artigo ele defende a tese de que “o que é razão para ficar maravilhado não é que Doris Lessing tenha ganho o Prêmio Nobel na semana passada, mas que ela não o tenha ganho décadas atrás.”. No artigo McCrum faz uma resenha da carreira literária de mais de 60 anos de Lessing e transcreve o que várias outras pessoas comentam acerca da concessão do Prêmio Nobel a ela. Vide o artigo em https://www.theguardian.com/books/2007/oct/14/nobelprize.awardsandprizes. Há ainda uma página dedicada a Lessing no site de The Guardian, com links para várias matérias interessantes sobre ela que foram publicadas no jornal ao longo do tempo. A página pode ser consultada eno seguinte endereço na Web: https://www.theguardian.com/books/news/page/0,,2188798,00.html. Entre as matérias há o Discurso de Aceitação do Prêmio Nobel, publicado na edição de 8.12.2007, que se encontra neste link específico: https://www.theguardian.com/books/2007/dec/08/nobelprize.classics. Um site na Internet em homenagem a Doris Lessing, ao qual foi dado o título de Doris Lessing in Retrospective, foi criado por Jan Hanford e pode ser visualizado no URL http://www.dorislessing.org/.

[2] Norman Sherry, The Life of Graham Greene, Volume I: 1904-1939 (Penguin Books, London, 1989); The Life of Graham Greene, Volume II: 1939-1955 (Penguin Books, London, 1994); The Life of Graham Greene, Volume III: 1955-1991 (Penguin Books, London, 2004).

[3] Graham Greene, The End of the Affair (Heinemann, London, 1951). O romance foi filmado duas vezes. A primeira, com Van Johnson e Deborah Kerr, dirigido por Edward Dmytryk, em 1955 (https://www.imdb.com/title/tt0048034/); a segunda, na minha opinião muitíssimo melhor, com Ralph Fiennes e Julianne Moore, dirigido por Neil Jordan, em 1990 (https://www.imdb.com/title/tt0172396/). O título é o mesmo do livro nas duas filmagens. A história do caso entre Graham Greene e Catherine Walston (Mrs. Harry Walston), que serviu de base para o livro e os filmes, é narrada em vários lugares no segundo volume da biografia de Greene mencionada na nota anterior, em especial nos Capítulos 16, 18 e 22. Mas como foi um caso longo e complicado, há inúmeras outras menções a ele ao longo de todo esse volume da biografia. A história da pressão sobre Harry Walston para que ele processasse Graham Greene se encontra nas pp.379-380 do volume II da biografia.

[4] Doris Lessing, Debaixo da Minha Pele: Primeiro Volume de Minha Autobiografia, até 1949, tradução de Ruth Vieira (Editora Companhia das Letras, São Paulo, 1997), p.20.

[5]  Idem, pp.20-21. Lessing tinha 75 anos quando escreveu isso.

[6]  Idem, p.21.

[7]  Idem, ibidem.

[8]  Idem, pp.21-22.

[9]  Idem, p.22.

[10] Idem, pp.22-23, ênfase acrescentada. Lessing tem uma coleção de cinco ensaios, publicados em 1987, com o título Prisons We Choose to Live Inside (Prisões Dentro das Quais Escolhemos Viver), (HarperCollins Publishers / Perennials Books) que foram apresentados em 1985 como as Conferências Massey (“Massey Lectures“), no Canadá. Nessa coletânea de artigos ela tenta mostrar que habitamos prisões que nem sempre são construídas por terceiros para nos prender: muitas vezes essas prisões são construções que nós mesmo fazemos e que nos mantêm presos — até que um dia a gente, se tem sorte, se pergunta por quê — e, se tem muita sorte, consegue sair delas… No primeiro volume de sua autobiografia, que venho citando, Lessing, que foi comunista, diz: “Por que teria eu vivido minha vida toda ao lado de pessoas automaticamente contrárias ao poder, ‘contra o governo’, para quem toda forma de autoridade é ruim, que sempre atribuem motivos duvidosos ou corruptos aos governos, ao establishment, às classes dominantes, à municipalidade, ao diretor ou à diretora da escola? Esse estado de espírito é uma coisa tão arraigada que você só percebe o quanto ele determinou sua vida quando começa a se desvencilhar dele” (op.cit., p.25).

[11]  Idem, p.23.

[12]  Idem, p.26.

[13]  Idem, p.391.

[14]  https://liberal.space/2014/11/15/o-papel-dos-sonhos-e-da-invencao-uma-discussao-da-realidade-e-da-ficcao-da-verdade-e-da-mentira/.

[15] Mario Vargas Llosa, La Verdad de las Mentiras, segunda edição, expandida (Santillana / Suma de Letras / Punto de Lectura, 2002 – primeira edição 1990), p.16. Ênfase acrescentada.

[16] Vide a entrevista de Ferreira Gullar em http://g1.globo.com/pop-arte/flip/noticia/2010/08/arte-existe-porque-vida-nao-basta-diz-ferreira-gullar.html.

[17] Ayn Rand, “Basic Principles of Literature”, in The Romantic Manifesto (New American Library / Signet Books, 1962, 1975), p. 80.

Em Salto, 12 de Agosto de 2020 (levemente revisto em 25 de Agosto de 2020; levissimamente revisto em 29 de Abril de 2022).

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Categories: Ayn Rand, Doris Lessing, Ficção, Fiction, Literatura, Literature, Mario Vargas Llosa, Truth, Verdade

1 reply

  1. Fantástico e intrigante seu artigo… Obrigada por tê-lo escrito e publicado. ❤️

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