Estou lendo uma biografia de Juliano, chamado pelos cristãos de “O Apóstata”, o último Imperador Romano que foi pagão. Seu reinado, como Imperador, foi curto, de apenas um ano e meio (361-363). Ele era sobrinho de Constantino, o Grande, que foi o primeiro Imperador Romano a se declarar cristão em 312-313. De Constantino em diante todos os Imperadores Romanos foram cristãos — menos Juliano, que assim se tornou o último dos Imperadores Romanos que foi pagão. Ele se tornou pagão por escolha e decisão, porque foi criado para ser cristão. Mas, por iniciativa própria, ele optou por ler, não os autores cristãos, mas, sim, os autores clássicos. Tornou-se filósofo. Os cristãos o denominaram Juliano, O Apóstata, por abraçar os autores clássicos e rejeitar os autores cristãos. Mas os autores pagãos o denominaram, simplesmente, Juliano, O Filósofo.
Sinto que Juliano foi meu colega. No campo das ideias e dos sentimentos, muita coisa nos une, até hoje.
[A biografia que estou lendo tem o título de Julian: Rome’s Last Pagan Emperor, foi escrita por Philip Freeman, e foi publicada no ano passado, 2023.]
Como é bom ler um livro sobre um assunto que nos intriga e que desperta e ao mesmo tempo alimenta a nossa curiosidade… Um livro bem pesquisado e escrito de forma magistral.
Poucas coisas são capazes de produzir uma sensação e uma experiência igual a essas. Ler um livro assim, como disse C. S. Lewis, é acrescentar olhos à minha capacidade de ver o mundo, sem perder a minha identidade, sem que eu precise deixar de ser eu mesmo. Pelo contrário, é nesses momentos que eu me sinto mais eu próprio.
SE – a big IF – Juliano não tivesse morrido tão jovem, o nosso mundo, hoje, poderia ter vindo a ser totalmente diferente. Ele morreu aos 31 anos, no campo de batalha. Não se sabe se foi pelo azar de uma flecha perdida lançada por um inimigo ou se foi por uma flecha certeira lançada por um soldado de seu próprio batalhão, em cujo caso ele teria sido assassinado pelos seus, talvez um parente próximo (como o foram seu pai, a maioria dos seus tios, e alguns de seus primos – a família de Constantino, que é considerado Santo na Igreja Cristã Ortodoxa, era sanguinária). Se Juliano tivesse vivido e reinado mais uns 30 anos, até, digamos, os 60 anos, ele certamente teria conseguido impedir a cristianização forçada da Europa, uma cristianização imposta de cima para baixo, pelos imperadores que o precederam, desde seu tio Constantino, e pelos que o sucederam, pois ele, Juliano, não conseguiu executar o seu intento de impedir que a Cultura Clássica, que era considerada pagã pelos cristãos, fosse virtualmente destruída pelos cristãos, e ficasse virtualmente desaparecida, por quase mil anos, até começar a ser recuperada, a partir do século 13, com a recuperação de Aristóteles, e, principalmente, dos séculos 15-16, na Renascença do Norte Europeu, em que Desidério Erasmo de Roterdã foi o grande herói.
Essa história me faz lembrar um lindo filme de Woody Allen, Match Point, em que, em uma partida decisiva de tênis, a bolinha bate no topo da rede, sobe verticalmente — e a imagem congela. Com a imagem congelada, uma voz em off diz:
“The man who said ‘I’d rather be lucky than good’ saw deeply into life. People are afraid to face how great a part of life is dependent on luck. It’s scary to think so much is out of one’s control. There are moments in a match when the ball hits the top of the net, and for a split second it can either go forward ••• or fall back. With a little luck, it goes forward ••• and you win. Or maybe it doesn’t ••• and you lose.”
[“O homem que disse ‘Prefiro ter sorte a ser bom’ conseguiu entender profundamente a vida. As pessoas têm medo de admitir que grande parte de sua vida depende da sorte. É assustador reconhecer que tanta coisa em nossa vida escape de nosso controle. Há momentos em um jogo de tênis em que a bolinha bate no topo da rede, sobe verticalmente, e, por uma fração de segundo, ela pode ir para frente ••• e você vence a partida. Ou, talvez, ela pode cair para trás ••• e você perde o jogo.”]
Cito Adrian Murdoch:
“It was a narrow – one might even say lucky – victory for the Galilean, and Julian might just as easily entered the history books as Julian the Philosopher rather than as Julian the Apostate.”
[“Ela aconteceu por pouco – e talvez tenha sido por sorte – a vitória do Galileu sobre o Pagão. Por muito pouco mesmo Juliano poderia ter entrado nos livros de história do mundo como Juliano, O Filósofo, em vez de como Juliano, O Apóstata.”]
[Adrian Murdoch, The Last Pagan: Julian the Apostate and the End of the Roman World (Rott Publishing, Kindle Edition), at the end of the first chapter.]
Estou escrevendo uma seção sobre Juliano, O Filósofo, na quinta edição, revista e ampliada, de meu livro de 2017, Uma Breve História da Igreja Antiga – dos Primórdios até a Queda do Império Romano no Ocidente. Espero que dentro de um mês essa nova edição esteja disponível na Amazon.
[Além das duas biografias de Juliano citadas aqui, a de PHILIP FEEMAN e a de ADRIAN MURDOCH, gostaria de recomendar o romance biográfico Julian publicado pelo famoso (e controvertido) escritor americano GORE VIDAL, em 1962, faz mais de 60 anos. É um romance, mas vale tanto quanto uma biografia não romanceada para que a gente entenda quem foi e o que pretendia Julian.]
[Cabe também registrar, pela importância histórica que a peça tem, que o famoso dramaturgo norueguês HENRIK IBSEN escreveu uma de suas mais famosas peças, e a mais longa, sobre Julian, isso no ano de 1873 – faz mais de 150 anos, nada menos do que isso. Ela se chama The Emperor and the Galilean. Se ela passar no teatro de sua cidade, não perca… :-)]
[Por fim, cabe-me registrar, como historiador amador que sou, que a técnica ou metodologia de especular sobre como teria sido a história subsequente, se algum evento histórico determinado não tivesse acontecido, ou tivesse acontecido com outro resultado, é chamada de HISTÓRIA CONTRAFACTUAL, ou WHAT-IF HISTORY. O que teria sido do Cristianismo e do Mundo se Juliano tivesse reinado pelo menos por cerca de 30 anos? O que teria sido da Europa e do Mundo se a Alemanha, com Hitler à frente, tivesse ganho a Segunda Guerra Mundial?]
Eduardo Chaves
Em Salto, 3 de Março de 2024
Categories: Liberalism
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