Faz exatamente sessenta anos neste dia. Eu tinha, na ocasião, quinze anos e três meses – na verdade, uns poucos dias mais, mas sem que chegassem a perfazer um outro mês. No dia 2 de Janeiro de 1959 eu comecei a trabalhar, devidamente registrado, como menor, no Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina S/A – o chamado Banco INCO, com matriz em Itajaí, SC, mas desde então absorvido por bancos maiores.
De 1956 a 1958 eu havia cursado as primeiras três séries do Ginásio, à tarde, no Colégio Estadual e Escola Normal “Dr. Américo Brasiliense”, em Santo André. A escola andou mudando de nome. Em algum momento passou a se chamar Instituto de Educação “Dr. Américo Brasiliense”. A partir de 1959 passei a estudar à noite, por causa do emprego, que me exigia do meio-dia às dezoito horas, todos os dias úteis (sábado apenas excepcionalmente, em final de semestre, para lançamento de juros e fechamento do balancete de meio ano).
Lembro-me bem de quando fui ao banco pela primeira vez. Meu pai me acompanhou. Fiz um teste escrito e fui entrevistado pelo gerente e pelo contador do banco – as pessoas mais importantes na agência.
O gerente se chamava sr. Juliano, e o contador, sr. Barbosa. Os dois usavam terno e gravata – na verdade, todo mundo usava gravata na agência, naquela época, até o contínuo. Todo mundo chamava o gerente de senhor. Era uma pessoa alta, distinta, de fala mansa. Ao contador os mais velhos no emprego chamavam simplesmente de Barbosa, mas os novatos, como eu, diziam seu Barbosa, ao se dirigir a ele. Longe dele, todo mundo se referia a ele como Barbosa – mas nunca se referia ao sr. Juliano sem o tratamento mais respeitoso.
Era uma agência relativamente pequena. Além dos dois, já mencionados, havia o Sr. Arlindo, o caixa – único caixa. E havia os chefes de seção importantes. O Cuzco, que chefiava a seção de Descontos, era o mais velho empregado na agência, depois do Barbosa – e substituía o Arlindo quando este tirava férias, faltava, ou precisava ir ao banheiro… O Leandro, que tinha uma letra linda, chefiava a seção de Cobranças; o Glauco chefiava a seção de Contas Correntes, e o Baselice, a de contabilidade.
Comecei trabalhando com o Leandro, na seção de Cobranças. Quando alguém vinha pagar uma conta eu tinha de verificar se o pagamento estava dentro do prazo e, caso não estivesse, calcular juros e multa. Não achava muita graça porque tinha de atender as pessoas no balcão. Mas logo fui transferido para a Contabilidade, onde trabalhei com o Baselice. Gostava dele. Esperto e gozador, era bom chefe, sabia como treinar as pessoas para fazer o serviço bem feito.
O banco ficava na Rua General Glicério, no centrinho velho de Santo André, no rumo da Estação da E.F.S.J. De casa, na Rua Particular, que era uma ruazinha de um quarteirão que ligava a Rua Senador Flaquer à Rua 11 de Junho, até o banco, levava quase meia-hora, andando. Eu sempre ia a pé. Pegava a Rua Senador Flaquer, no Largo da Estátua eu virava 135 graus à direita para pegar a Rua Coronel Oliveira Lima, e lá embaixo, perto do Cine Tangará e da Casa Tóquio, virava à esquerda na Rua General Glicério. Mais dois quarteirões e estava no trabalho.
O horário de saída era 18h – embora o banco trabalhasse em expediente interno, com portas fechadas, das 16h em diante. Geralmente era possível sair na hora. Mas quando as contas não “batiam”, tínhamos de ficar na agência até encontrar a diferença. “Bater” significava o seguinte. Quando a agência abria, ao meio-dia, o banco tinha uma certa quantidade de dinheiro em espécie no cofre. O caixa pegava do cofre uma certa quantia de dinheiro, para poder ter troco, e o expediente começava, com pessoas apresentando (descontando) cheques para receber dinheiro, ou fazendo depósitos, ou pagando títulos, etc. Para algumas dessas movimentações eram preenchidas fichas, como era o caso dos depósitos – com quatro vias: uma ficava na contadoria, outra ficava com o responsável pelas contas correntes (que, no caso de cheques, por exemplo, verificava se havia saldo e conferia a assinatura), a terceira ia para o caixa, e a quarta ia para a contabilidade, que fazia o balancete diário. “Bater” acontecia quando todos os números conferiam, sem que houvesse diferença nem mesmo de um centavo. Pegava-se o saldo de dinheiro que o banco tinha, no início do expediente, deduziam-se os valores pagos (cheques, por exemplo), somavam-se os valores recebidos (depósitos e pagamento de títulos, e o resultado final era o tanto de dinheiro que deveria haver na agência ao final. Se houvesse diferença, seria preciso encontrar o que a causava. Muitas vezes ficávamos procurando diferença até oito ou nove horas da noite… Outras vezes, até meia-noite. Se chegasse meia-noite e a diferença não fosse encontrada, teríamos de trabalhar na manha seguinte, com portas fechadas.
Isso tudo significava que comecei a perder aulas na escola – estava na quarta série do Ginásio – e isso me fez quase perder o ano, pela primeira e única vez na vida…
Mas eu gostava do emprego. Acho que do primeiro emprego a gente nunca esquece… Só saí de lá no fim de ano, para ir trabalhar na Companhia Swift do Brasil S/A, onde, mesmo ainda como menor, eu ganharia salário de maior – simplesmente o dobro. Passava de 2.950,00 para 5.900,00. Não me lembro qual era a moeda. Acho que era o Cruzeiro. Quem me sugeriu que fizesse teste lá foi o Sr. Fraga (Álvaro Fraga Moreira Júnior), que era presbítero da igreja em que meu pai era pastor e era “Office Manager” na fábrica da Swift em Utinga. Fui, fiz teste, passei e comecei a trabalhar lá no final do ano – creio que em Novembro de 1959.
Hoje faz, portanto, sessenta anos que virei trabalhador.
Depois do INCO e da Swift, trabalhei, no Brasil, na Robert Bosch do Brasil S/A, e na UNICAMP. Entre a Swift e a Bosch (Fevereiro de 1961 e Junho de 1966) eu não trabalhei, só estudei, primeiro no Instituto José Manuel da Conceição, em Jandira, onde fiz o Curso Clássico, e, depois, no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas. A partir do segundo semestre de 1966 trabalhei na Bosch durante sete meses. Depois fui estudar de novo, em São Leopoldo, na Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em São Leopoldo, RS. Quando estudava lá, ganhei uma bolsa para ir estudar nos Estados Unidos, e para lá fui.
Nos Estados Unidos os meus estudos de nível superior foram considerados equivalentes a um Bacharelado em Teologia pelo Conselho Estadual da Educação da Pensilvânia, e, assim, entrei no Pittsburgh Theological Seminary, de Pittsburgh, PA, para fazer o Mestrado (M.Div.). Terminado o Mestrado, ganhei um prêmio que incluía o custeio do meu Doutorado (Ph.D.) na University of Pittsburgh, também em Pittsburgh, na área de minha escolha. Escolhi Filosofia. Concluí o Doutorado em Agosto de 1972, ainda com vinte e oito anos.
Voltei a trabalhar depois de completar o doutorado, ainda nos Estados Unidos. Arrumei, através do meu orientador, William Warren Bartley III, um emprego na California State University – East Bay, em Hayward, CA. Era uma substituição, e, por isso, fiquei lá apenas um ano. Findo este, arrumei outro emprego, agora no Pomona College, em Claremont, CA. Enquanto trabalhava no Pomona College, recebi o convite da UNICAMP para retornar ao Brasil e trabalhar lá.
Em Junho de 1974 voltei para o Brasil e em Julho comecei a trabalhar na Faculdade de Educação da UNICAMP, onde fiquei trinta e dois anos e meio, até Janeiro de 2007.
Depois de aposentado da UNICAMP ainda trabalhei por cerca de oito anos no Centro Universitário Salesiano de São Paulo, em Americana e por três anos na Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo. Aposentei-me de vez em 2017.
Quis a Providência, ou o Destino, que meu último emprego fosse na área para a qual eu especificamente me preparei durante meus cerca de nove anos de Ensino Superior (Graduação, Mestrado e Doutorado): ser professor de História da Igreja e de História do Pensamento Cristão. Para comemorar lancei uma nova edição de meu livrinho Breve História da Igreja Antiga: Dos Primórdios à Queda do Império Romano no Ocidente, esta ampliada e em formato de e-book (em relação à versão impressa de 2017). (Os interessados podem consulta-lo em https://www.amazon.com/Breve-História-Igreja-Antiga-Primórdios-ebook/dp/B07L3GFPGH).
É isso. O tempo passa, como dizia Fiori Gigliotti em suas narrações esportivas na Bandeirantes. Como diz (mais ou menos assim) o meu irmão, Flávio Chaves, sessenta anos não são sessenta meses (cinco anos), muito menos sessenta semanas, menos ainda sessenta dias…
Em Salto, 2 de Janeiro (à zero hora) de 2019.
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É muito gostoso ler o que você escreve. Tenho um irmão que mora em Santo André e minha cunhada mora lá desde que nasceu. Vou enviar o texto a eles, porque sei que vão apreciar acompanhar você pelas ruas da Cidade, 60 anos atrás!
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