Para preencher o tédio do primeiro sábado sem Dilma ou pós-impeachment Fase 1, uma croniquinha despretensiosa. Senti-me motivado a escreve-la sobre este assunto porque, com muito pouca vontade, vou ser obrigado a perturbar eu mesmo o meu sossego (estou sozinho em casa) indo ao Plaza Shopping de Itu para tentar resolver o problema do sinal (quer dizer: não-sinal) da Claro, que desde 24 de Abril está desaparecido aqui d’O Canto da Coruja… Se não resolver, pretendo mudar de operadora e dar uma chance à Vivo. É duro ter de optar entre mexicano e espanhol. Mas os portugueses da Portugal Telecom foram se meter com a Telemar, hoje Oi, e dar dinheiro de graça pro filho vagabundo do Lulla vagabundo… Não dá pra optar por uma companhia dessas, dá? Além do mais, anda muito mal das pernas, segundo dizem.
Mas voltemos ao assunto da crônica.
Quando eu era pequeno, pré-adolescente dir-se-ia hoje, havia um verbo muito comum que hoje quase não se usa mais: sassaricar.
Pelo que me diz a Wikipedia, o termo se tornou popular no início da década de 50 por causa de uma “revista” (um tipo de teatro musical), estrelada por Virgínia Lane, então “A Vedette do Brasil” (e a amante de Getúlio Vargas, já velhinho e então mais uma vez no governo), que se chamou Eu Quero Sassaricar. Dado o sucesso da revista, Luiz Antônio, Zé Maria e Oldemar Magalhães compuseram, para o Carnaval de 1952, o primeiro que eu passei em Santo André, uma marchinha de Carnaval chamada Sassaricando, em que a gente descobre que sassaricar queria dizer, aparentemente (a letra não é explícita), algo como namorar, quem sabe um namorar mais apimentado do que era comum entre pobres mortais na época. (No imaginário de um pré-adolescente em 1952 o namoro de uma vedette, sonho proibido, era forçosamente apimentado). Ter um sassarico seria, como sugere a música, ter um namorado, talvez um casinho – ou, quem sabe, no linguajar de hoje, um ficante bem colorido. Segundo a marchinha, todo mundo sassarica: “a viúva, o brotinho e a madame”. Curioso: só mulheres? Não, esclarece a letra: até “o velho na porta da Colombo é um assombro sassaricando”. A Colombo é, naturalmente, a magnífica Confeitaria Colombo, na Rua do Ouvidor, no Rio, que teve papel fundamental na melhor novela da Globo que eu já vi: O Casarão (1976), de Lauro César Muniz. “Demorei”, pergunta Yara Cortes? “Não”, responde Paulo Gracindo; “apenas quarenta anos”. Coisa linda.
Mas voltando ao nosso verbo. O fato de o velho sassaricar na porta da Colombo indica que, talvez, sassaricar seja algo mais inocente do que a nossa mente meio poluída inferiu: se era algo que podia ser feito à porta da Colombo e, imaginem só, por um velho, e, ainda por cima, de forma desassombrada, não poderia ser algo escandaloso para os padrões dos anos 50 – e muito menos para os de hoje.
O termo aparentemente continuou popular por um bom tempo – tão popular que em 1987 a Globo exibiu uma novela de Sílvio Abreu com o mesmo nome: Sassaricando, em que a Cláudia Raia fazia o papel de Tancinha. Em geral não gosto e nunca gostei da Raia, mas dela nesse papel até gostei.
Não sei se me engano, mas, com o tempo, o termo foi ganhando um sentido mais inocente, não lascivo (se é que tinha esse sentido originalmente), passando a significar rodar por aí, flanar, bater perna, talvez, quem sabe, acompanhado.
O Houaiss, sempre disposto a inovar, inclui o verbete em seu dicionário, mas como saçaricar (com ç). O sentido que ele fornece usa um outro termo cujo emprego ficou raro: saracotear, andar sacudindo corpo, de forma meio rebolante, folgar, divertir-se. Saçarico, segundo ele, termo que não se deve confundir com sacárico, é o ato de sassaricar, ou, então, aquele com quem se sassarica. Houaiss, corrigindo a história, chega ao desplante de dar à modinha carnavalesca de 1952 o nome de Saçaricando (com ç). Exagera, como sempre, o nobre Houaiss. Prefiro o Aurélio – mas o Houaiss estava mais à mão.
Considero, à vista disso tudo, que sassaricar quer dizer saracotear (no sentido de “vaguear de um lugar para outro”, assim meio sem rumo, segundo novamente o Houaiss), rodar por aí, flanar, bater perna sem destino específico, jogar o tempo fora enquanto se movendo no espaço, não necessariamente sacudindo o corpo de forma rebolante.
Para que todo esse exórdio?
Para dizer que já gostei de sassaricar, nesse bom sentido explicitado no parágrafo anterior: sair de casa para andar por aí sem finalidade pré-definida ou claramente planejada. Na verdade, quando chego a uma cidade que desconheço, especialmente em se tratando de uma cidade europeia que tenha uma parte antiga maravilhosa assim como Strasbourg, ou Innsbruck, ou Chesky Krumlov, ainda gosto muito de sassaricar. Mas, em cidade ou local que já conheço, ou que tenho razão de acreditar que nada tem para me oferecer, como, por exemplo, em um shopping center que já visitei centenas de vezes, perdi, em grande medida o gosto de sassaricar. Apesar do que diz a marchinha, talvez por estar velho e, admito, bem mais preguiçoso do que era. Hoje pago para não sair de casa, adoro ficar quietinho no meu canto, lendo, escrevendo, fuçando nos meus livros, nos meus papeis, nas minhas relíquias (como diz a minha querida prima Irene). Coisa de velho, mesmo. Chego a achar difícil de entender a mente daqueles que só pensam em sair, não importa para onde, nem para fazer o quê, e que, dentro de casa, ficam dizendo “Ah, preciso sair um pouco”, ou me perguntando “Você não quer dar uma saidinha?”. Se pergunto para onde e para que, a resposta geralmente é “pra qualquer lugar, só pra respirar um pouco, tirar o bolor…” Respiro muito bem cá na minha poltroninha escutando as pombinhas que grulham aqui perto, talvez chamando seus sassaricos. E, apesar da idade, não creio que esteja embolorado.
(A propósito, já que estou lidando com termos que caíram em desuso, fuçando no Houaiss achei o termo “grimpa”, que quer dizer… cocuruto – ou cume, ponto mais alto de um prédio ou, na verdade, de qualquer coisa — em relação a humanos, a cabeça. Deixo a dica aqui, só pra não dizer que não falei das flores…)
Em Salto, 14 de Maio de 2016.
(ET 1: Amanhã o meu amor faz aniversário. Vamos celebrar com um almoço familiar em São Paulo, com as meninas, que já estão lá, sassaricando.)
(ET 2: Dia 11/5 fez onze anos que a Paloma e eu pela primeira vez almoçamos juntos – ao lado de mais um monte de gente, é verdade – no Restaurante Cacilda [de Cacilda Becker], perto do SENAC da Rua Tito, na Lapa. O nome do restaurante se justifica pela presença do Teatro Cacilda Becker, logo ao lado. Felizmente, a ocasião foi devidamente registrada, não sei por quem, talvez pela própria Paloma, e preservada. A foto adorna um perfil futuroso meu no Facebook e pode ser vista em https://www.facebook.com/edchv.)
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