Acho que, de todos os lugares de estudo que já tive na vida, este em que estou, neste momento, é o mais gostoso, o mais aconchegante, o que me deixa mais feliz. Não é espaçoso o canto em que mais gosto de ficar aqui n’O Canto da Coruja, meu sítio em Salto, SP. O meu “canto n’O Canto” fica do outro lado de uma estante dupla que delimita o canto que a Paloma Epprecht Machado Campos Chaves ocupa, quando está a trabalhar em casa (hoje, ainda não chegou do IFSP, aqui perto, onde trabalha).
Meu canto tem uma mesa gostosa de trabalho, onde esparramo livros e papeis, tem duas banquetas e três cadeiras, que uso também para esparramar material de leitura, dicionários, gramáticas, etc.. E, acima de tudo, tem uma poltroninha deliciosa, já bem velhinha, que tenho quase desde que comprei o sítio, em 2001, quinze anos atrás, que reclina e gira, e é o lugar onde leio e escrevo ao computador (usando uma almofada no colo como suporte).
O meu canto tem uma vista linda das árvores, em especial dos flamboyants, lá fora, e, mais importante de tudo, tem os meus livros à mão. Isso é essencial. Não sei o que eu seria sem meus livros. Minha vida se confunde com eles. Tenho mais de 25 mil. Sei onde adquiri a maioria deles, e quando, e por quê. Eles refletem fases de minha vida. A maioria é de filosofia e teologia. Mas também tenho livros de educação, psicologia, história, biografia, direito, economia, administração de empresas, computação, lógica, etc. O meu canto e o da Paloma, e o espaço das estantes, fica no mezanino de minha casa.
No andar de baixo, bem embaixo de onde me encontro, descendo a escadinha em espiral (que a Paloma chama de helicoidal), há uma geladeirinha com água, refrigerante, cerveja, queijo, goiabada, paçoquinha de amendoim (daquelas cilíndricas, que esfarelam fácil), e, ao lado, uma mesa (mais um aparador) com vinho, conhaque, macieira, licor, rum, gin, vermouth, pinga, máquina de café “espresso”, e, hoje, um prato com bolo de banana.
Se quiser, posso ouvir música… Mas, hoje, nem disso sinto vontade. Prefiro ficar ouvindo o zumbido que permanentemente tenho nos ouvidos e que bloqueiam, de certo modo, os piores ruídos do mundo exterior mais distante. Os ruídos mais próximos, infelizmente, atravessam o zumbido. Esse zumbido, entendo, é coisa de velho. Faz tempo que ele me acompanha. No começo causou-me alguma preocupação. Hoje convivo bem com ele. É um zumbido amigo. Acho que sentiria falta dele se ele desaparecesse de repente…
Tenho aqui em cima duas Internets disponíveis, uma da Claro e outra da Vivo… Elas se revezam, uma entrando quando a outra cai. Só há problema sério quando acaba a energia elétrica, algo que, na zona rural, não é infrequente. Até os cabos elétricos já roubaram dos postes que ficam na estrada de terra que passa em frente ao sítio.
Tenho a nítida sensação de que passaria o que resta de minha vida sentadinho aqui, lendo, escrevendo, pensando na vida, beliscando e bebericando uma coisinha e outra, e dando, quando em vez, uma cochilada, com o computador no colo, na mesma poltrona gostosa em que leio e escrevo… A soneca revigora o corpo e inspira a alma. E faz olhos tristes ou magoados brilharem com alegria de novo.
Agora anoitece. Os pássaros pararam de cantar, os cachorros no momento não estão latindo, os sapos não estão coaxando ainda. Hoje a temperatura está agradabilíssima. Nem precisei abrir as janelas, muito menos ligar o ventilador.
Aqui jazo em paz — felizmente, ainda imperpétua.
[ET: Les chiens ont commencé à aboyer …]
Em Salto, 28 de Abril de 2016.
Categories: Autobio, Autobiography, Biography, Crônica
For years I came back to it just for this picture as a source of solace and joy. But over time it gained a deeper meaning for me. Having been raised Catholic, I was soaked from an early age in the idea of original sin and the idea that humanity is inherently flawed.
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