What If? A Bit of Free Flow of Consciousness… (ou: Uma Coisa Puxa a Outra…)

Se as coisas fossem feitas, nessa área, com precisão cronométrica, eu, que nasci em 7.9.1943, às 21h45, teria sido concebido exatamente nove meses antes, às 21h45 do dia 7.12.1942 — exatamente um ano depois de os japoneses terem bombardeado Pearl Harbor e, com isso, provocado a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, assim, literalmente, cutucando o leão com vara curta… As duas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki foram o preço que os japoneses pagaram pela ousadia. Foi Harry Truman, um dos muitos presidentes sem querer, que a si chamou a responsabilidade de arrasar as duas grandes cidades japonesas, quando estava, fazia menos de quatro meses, na Presidência dos EUA. A primeira bomba foi lançada sobre Hiroshima em 6.8.1945. A segunda, sobre Nagasaki, três dias depois, em 9.8.1945. Certa ou errada a sua decisão, admiro a coragem de Truman. Quando ele autorizou o lançamento das bombas, faltava cerca de um mês para eu fazer dois anos.

Na vida as coisas não acontecem dessa forma cronométrica e milimetricamente planejada. As coisas, parece, simplesmente vão acontecendo. Mesmo assim, sem nenhuma precisão cronométrica no timing de minha chegada, fui um war baby. Nasci quase dois anos antes do lançamento da primeira bomba atômica. Não só fui war baby, foi pré-atômico também (e pré-ENIAC, o primeiro computador eletrônico). Não sei se isso deve ser motivo de alegria ou tristeza. Acho que de tristeza. Agora que estou chegando aos 77, sinto o peso da idade nas costas. Só sei que, parodiando Neruda, qualquer que seja o sentimento, alegria ou tristeza, confesso que nasci e que tenho vivido. Se continuar a ter alguma consciência depois da morte, vou confessar que morri também. Mas que eu nasci é certo. Nasci num bangalozinho de madeira, com um quarto, sala e cozinha, privada fora de casa, sem água encanada e sem eletricidade, em Lucélia, SP, bem longe da guerra, felizmente. Lugarzinho minúsculo, Lucélia. Nem município era, quando eu lá nasci. Era o que então se chamava um patrimônio (um povoado solto no espaço), no distrito de Balisa, que nem existe mais, no município de Martinópolis, na comarca de Presidente Prudente. Mais minúsculo ainda o bangalozinho que me acolheu. Minha mãe tinha exatamente dezenove anos e um mês quando eu nasci. Uma menina ainda, só 19 anos mais velha do que eu. Ela nasceu em 7.8.1924. Um dia antes de minha mãe fazer 21 anos, completando a maioridade, foi lançada a bomba atômica sobre Hiroshima. Ocorreu-me agora que o primeiro filme que eu vi que continha cenas de sexo explícito se chamava Hiroshima Mon Amour. Foi dirigido pelo cineasta francês Alain Resnais, com roteiro de Marguerite Duras. Apesar das cenas de sexo explícito, era um filme cabeça. Foi feito em 1959. Não me lembro de quando foi, exatamente, que o vi. Mas foi na década de 60.

Lucélia, a cidadezinha onde nasci, era terra de imigrantes japoneses. Na frente da estação do trem (linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro) havia uma praça que existe até hoje (creio) e se chama Praça da Imigração Japonesa. O chefe do cartório em que fui registrado se chamava Paulo Okamura. Assinou como testemunha quando do meu registro de nascimento. Nunca pensei, antes de agora, que a cidade em que eu nasci tinha muitos japoneses e que os Estados Unidos e os demais aliados (inclusive a Rússia, mas, como sempre, de forma meio ambígua) estavam em guerra contra o Japão naquela época. E o Brasil acabou enviando uns pracinhas para a Itália para lutar ao lado dos Aliados. Acho que ainda tem pracinha vivo que lutou na Itália. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi criada no ano em que eu nasci e foi lutar na Itália em Setembro de 1944, quando eu estava fazendo um ano de vida. (Meu pai escreveu a história desse primeiro aniversário meu, registrando os cartões que recebi, os presentes que ganhei, etc.).

Apesar da dificuldade de fazer previsões (especialmente sobre o futuro, como dizia Mark Twain), de vez em quando é possível fazer algumas previsões bem fundamentadas. Consta que Churchill, ao ouvir que os Estados Unidos haviam entrado na guerra junto dos aliados, depois do ataque japonês a Pearl Harbor, em 7.12.1941 (um domingo), previu: “Agora ganhamos a guerra”. E estava certo: ganharam mesmo.

Churchill fez essa previsão no final de 1941. Mas cerca de um ano depois, no início do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1943, o meu ano, o ano em que eu viria a nascer, parecia a boa parte dos observadores e analistas que a Segunda Guerra Mundial seria mesmo ganha pelos Aliados: era só uma questão de tempo. O tempo, no caso, foi de quase dois anos e meio, pois a guerra literalmente terminou em 30.4.1945, quando Hitler capitulou e se matou aos 56 anos — depois de matar sua companheira de vários anos, Eva Braun, com quem tinha se casado pouco tempo antes. (Eu continuo a me perguntar: casar por que, se os dois já haviam feito um pacto de se suicidarem juntos?).

A rendição militar incondicional dos alemães aos aliados foi uma semana depois, às 2h41 da manhã do dia 7.5.1945, em Reims, na França, a vigorar a partir das 11h do dia seguinte, 8.5.1945, dia até hoje comemorado como Dia da Vitória pela Europa Ocidental e pelos Estados Unidos. Pelo lado da Alemanha, ela foi assinada pelo Almirante Hans von Friedeburg e pelo General Alfred Jodl. Pelo lado dos Aliados, assinou a rendição da Alemanha o General Walter Bedell Smith, do staff do General Dwight Eisenhower. Um general russo e um francês assinaram como testemunhas. Essa foi a primeira rendição alemã — perante as forças aliadas no chamado Western Front.

A Rússia exigiu que houvesse uma segunda rendição diante de suas forças também, essa no chamado Eastern Front, em Berlin, o que aconteceu na passagem do dia 8 para o dia 9.5.1945, este o dia que é comemorado como Dia da Vitória na Rússia (e que, posteriormente, foi comemorado em toda a União Soviética). Essa segunda rendição foi feita pelo Marechal alemão Wilhelm Keitel, diante do Marechal russo Gyorgy Zhukov.

Pequenas rixas entre aliados. Veja essa história na National Geographic Magazine, na Web: https://www.nationalgeographic.com/history/reference/modern-history/germany-surrendered-twice-world-war-ii/.

Vale a pena ler o capítulo final de algumas das principais Histórias da Segunda Guerra, como The Rise and Fall of the Third Reich, de William L. Shirer, ou The Third Reich at War, de Richard J. Evans (o terceiro volume de uma trilogia que também tem The Coming of the Third Reich e The Third Reich in Power). Dois catataus, mas de leitura fácil e até gostosa, para quem gosta de livros sobre guerra.

Eis como Shirer descreve o fim da guerra:

“Os canhões na Europa pararam de atirar e as bombas deixaram de cair definitivamente à meia noite do dia 8 para o dia 9 de Maio de 1945. Um estranho, mas bem-vindo, silêncio caiu sobre o continente europeu pela primeira vez desde 1 de Setembro de 1939. Nos cinco anos, oito meses e sete dias que se encaixaram entre as duas datas, milhões de homens e mulheres foram estraçalhados em centenas de campos de batalha e em cerca de mil cidades bombardeadas. E milhões mais foram sacrificados nas câmaras de gás dos campos de concentração.” (p.1139 da edição em paperback de 2011).

Mas o livro que mais recomendo sobre o final da vida de Hitler é The Last Days of Hitler, de Hugh Trevor-Roper, publicado em 1947. Trevor-Roper foi testemunha ocular do final da guerra, e foi encarregado pelos Aliados de preparar um relatório sobre o que teria acontecido com os restos mortais de Hitler, que desapareceram.

Sobre predições que deram certo, vale a pena consultar um livro com o lindo título The Year of Our Lord 1943, de Alan Jacobs, que começa mostrando que, em 14 de Janeiro de 1943 reuniram-se em Casablanca, no Marrocos (onde, no ano anterior, havia sido feito o filme Casablanca, com Humphrey Bogart e a incomparável Ingrid Bergman, que recebeu o Oscar de Melhor Filme no início do meu ano de 1943), os principais líderes aliados (menos um): Franklin D. Roosevelt (FDR), Winston Churchill, um representante da chamada França Livre, vários militares e um mundaréu de assessores, tradutores e intérpretes estavam presentes. Josef Stalin não veio porque estava tentando rechaçar os alemães que ainda estavam plantados na Rússia (o cerco e as Batalhas de Stalingrado aconteceram entre 17 de julho de 1942 e 2 de fevereiro de 1943, e, portanto, estavam em curso durante o Encontro de Casablanca). Mas mandou representante. Os Aliados, reunidos em Casablanca, começaram a discutir como seria a Europa depois da vitória aliada. Isso não impediu as escaramuças entre eles nos dias finais da guerra e após o seu fim.

O livro de Jacobs cita a instrução que os chefes aliados passaram aos seus generais ao final do Encontro de Casablanca. Ela é a seguinte:

“Seu objetivo primário será o deslocamento para dentro da Alemanha, e a consequente destruição progressiva do sistema militar, industrial e econômico alemão, assim solapando a moral do povo alemão até o ponto em que sua capacidade de resistir com armas esteja fatalmente enfraquecida.” (Alan Jacobs, The Year of Our Lord 1943, pp. ix-x da Edição Kindle).

Quando a gente vê a coisa escrita assim, leva até um choque, mas guerra é guerra.

Sou fascinado pela história desse período, o período em que nasci. Gosto de fazer exercícios de Virtual History, ou What-If History… O que será que teria acontecido se Roosevelt (FDR) tivesse morrido mais cedo (ele morreu em 12.4.1945) e Churchill não tivesse perdido a eleição de 26.7.1945 na Inglaterra? Na minha opinião Churchill era o mais vivo e perspicaz dos líderes dos três grandes Aliados (EUA, UK e Rússia) e Roosevelt o mais bobão — FDR acreditava piamente no que Stalin dizia, deixando Churchill a ponto de subir nas paredes. Se Roosevelt tivesse morrido antes de tomar posse em mais um mandato como Presidente dos EUA, o quarto, e Churchill não tivesse perdido a eleição e sido substituído por Clement Attlee, líder dos trabalhistas, e outro bobão, da mesma escola do Roosevelt, como Primeiro Ministro do Reino Unido, enquanto a guerra ainda continuava no Oriente, creio que a Rússia não teria conseguido controlar, finda totalmente a guerra, todo o Leste Europeu, e, assim, provavelmente, não teria havido a Guerra Fria… Mas isto não passa de especulação da minha parte. Exercício em “What-If History”.

Em Salto, 30 de Julho de 2020.



Categories: Virtual History, What If?, World War II

1 reply

  1. Que artigo incrível, eu li do começo ao fim.

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