Autoengano

Lendo hoje alguns artigos de um historiador que eu aprecio muito, NIALL FERGUSON, um escocês, achei uma preciosidade, que, segundo ele, muita gente já disse, mas de maneira um pouco diferente. Aqui eu vou dizê-la do meu jeito, aproveitando algumas dicas de Ferguson.

Em relação ao que nós sabemos (ou conhecemos) há quatro possibilidades:

  1. Há coisas que nós sabemos e que sabemos que sabemos
  2. Há coisas que nós sabemos que nós não sabemos
  3. Há coisas que nós não sabemos que nós não sabemos
  4. Há coisas que nós não sabemos que nós sabemos

Os três primeiros itens (A, B e C) não parecem problemáticos, mas o quarto, D, sim.

Quanto a A, eu sei, e sei que eu sei, por exemplo, que eu tenho oitenta anos completos.

Quanto a B, eu sei que eu não sei, por exemplo, quantas pessoas terão lido este artiguete até o final deste ano.

Quanto a C, parece-me óbvio, mesmo sem dar qualquer exemplo. (Parece que se eu der algum exemplo, a questão acaba caindo em uma das outras categorias.)

Mas e quanto a D? A questão é complicada. Eu poderia dizer que há coisas que eu, no fundo do meu ser, sei, mas, que eu, por alguma razão, não quero saber, e por isso, não admito que eu sei… Isso porque, se eu reconhecer que eu sei, serei forçado a admitir mais um monte de coisas que não estou preparado para reconhecer ou admitir sem que minha vida, tal qual ela tem sido até agora, se esmorone por completo.

Aqui entra a questão do autoengano.

O autoengano é complicado porque ele não é consciente. Pode haver situações em que a gente sabe de algo, mas prefere mentir e dizer que não sabe. Esse é um processo consciente. Ao mentir, você engana os outros, mas não a si mesmo. Você sabe que está mentindo. Jornalista faz muito disso.

O autoengano, porém, não é consciente. As pessoas não são suficientemente transparentes para consigo mesmas para admitir, por exemplo, que elas sabem que Deus não existe, mas se convencem (ou se deixam convencer) de que ele existe. Ou o oposto: que elas sabem que Deus existe, mas se convencem (ou se deixam convencer) de que ele não existe. A coisa opera fora do nível da consciência, no plano do inconsciente.

As pessoas que se enganam a si mesmas, negam, no plano consciente, que sabem alguma coisa que, no fundo de seu ser (no seu inconsciente), elas sabem (inconscientemente) ser verdade. A linguagem fica meio esquisita mas é isso mesmo. Às vezes elas morrem se enganando a si mesmas. MAS, às vezes um evento traumático, ou uma terapia impactante, consegue trazer a verdade à tona, consegue fazer com que a verdade aflore e chegue ao nível da consciência – mas o choque de tomar consciência de uma verdade que a pessoa por tanto tempo escondeu e negou, é, por vezes, tão grande que leva a pessoa ao suicídio.

(PARÊNTESE: No dia 24 de agosto deste ano fará 70 anos que um presidente do Brasil se suicidou no cargo. Até hoje se discute se foi um ato de coragem (como sua Carta Testamento procurou convencer a nação) ou se foi um ato de covardia, de alguém que não conseguiu continuar vivendo depois de tomar consciência de algo que ele tão firmemente negava. FIM DO PARÊNTESE.)

Nos últimos dias isso ficou evidente depois do debate TRUMP-BIDEN.

Os principais meios de comunicação americanos, a maioria deles esquerdista, vale dizer, apoiadores do Presidente Biden, negava de pés juntos que o Presidente estivesse gagá, ou com deficiência cognitiva (que afeta até mesmo seu equilíbrio, a forma de ele andar etc. Todo mundo no país sabia disso. Mas a Casa Branca, os aliados do Presidente, os Democratas em geral, e a grande mídia, negava. Dizia que ele estava ótimo, com uma disposição enorme, dando expediente das 10 às 16 todo dia, etc. etc. DAÍ veio o debate. E todo mundo se desesperou. O debate foi o evento traumático. Agora, toda a mídia esquerdista quer que o presidente desista de sua candidatura – mas ele passou pelas Eleições Primárias, ganhou o número de eleitores necessários para formalizá-lo candidato do Partido Democrático em Agosto. Não é possível agora dar um golpe na candidatura do Presidente: ele tem de renunciar à candidatura. Então vamos pressioná-lo a fazer. Eu até acho que ele vai renunciar. Mas, se renunciar, quem será o candidato? A Vice dele? Mas ela é pior do que ele, sem ter a desculpa da idade que ele tem (que é a idade que eu tenho).

O importante, para meu propósito neste artigo, é que a mídia de esquerda parece que acordou de um sonho e, de repente, caíram-lhe dos olhos as escamas que a impediam de ver o que todo mundo estava vendo.

Vou transcrever, a seguir,  quatro matérias retiradas do The FREE PRESS – que não é de esquerda. Infelizmente, elas originalmente foram escritas em Inglês. Duas eu vou colocar no Google e traduzir.

PRIMEIRA MATÉRIA

Nellie Bowles, na Newsletter enviado por email em 3.7.2024

“Quando a mídia tradicional encontra um fato inconveniente – a idade de Biden, digamos, ou o laptop de Hunter, ou o vazamento do laboratório, ou a complexidade dos bloqueadores da puberdade, ou os tumultos do verão de 2020 – ela gosta de levar algum tempo para processar o problema.

Os repórteres precisam discutir o assunto durante o jantar, torcer as mãos sobre o que fazer, receber gritos de possíveis crimes de pensamento por parte de um estagiário justamente zangado, refletir um pouco mais, receber gritos novamente de outro estagiário. Para tomar mais bebidas, mais reuniões.

Não há pressa em contar ao público americano sobre qualquer coisa inconveniente. É importante ter cuidado. Manter essa informação privada por um ano, talvez dois anos. Talvez três.

Mas a certa altura – outrora uma massa crítica de vozes externas e independentes que não seguem o mesmo conjunto de regras e que não cobiçam o que os repórteres cobiçam – diz a coisa inconveniente, finalmente e com um suspiro colectivo, o mainstream a imprensa pode dar as mãos com força, dar um passo juntos e recitar em uníssono: Biden está em declínio mental.

Se o espetáculo de assistir a cada publicação legada de repente se unir e dizer exatamente isso lhe deu vertigem, é compreensível. Será que todos eles notaram nosso presidente idoso de uma só vez? Claro que não.

Cada repórter da Casa Branca, cada criador de perfis de revistas sofisticadas, sabia exatamente o que estava acontecendo com Joe Biden. Eles simplesmente não achavam que você, leitor, estava pronto para saber. Além disso, mencionamos o risco de ser gritado por um estagiário? Isso é difícil.

A era Biden deve ser uma das Casas Brancas menos cobertas da história moderna. Leia a grande imprensa e você pensaria que Trump foi presidente nos últimos quatro anos.

A parte mais estranha é como tudo isso é óbvio. Nosso presidente tem 81 anos. É realmente tão difícil acreditar que alguém com 81 anos sofra declínio cognitivo e demonstre isso? Isso é o que acontece com muitas pessoas na faixa dos 80 anos. É a mortalidade. Mas reconhecer e relatar a mortalidade – quando esta não se adequa aos seus fins políticos – é aparentemente pedir demais.”

À parte, é em parte por isso que a Imprensa Livre é necessária. Se há uma conspiração de silêncio em torno de um tema, é isso que queremos perfurar. Não somos motivados pelo lado que ganha ou perde com a publicação da verdade. Estamos do lado da verdade, conveniente ou inconveniente, popular ou impopular. E somos gratos a você por apoiar essa missão.” — NB (Tradução para o Português do Google)

SEGUNDA MATÉRIA

Katie Herzog, na Newsletter enviado por email em 5.7.2024 (hoje)

=“Ele continua ou desiste?

O New York Times relata que Biden disse a um aliado que está avaliando se deve continuar na corrida. O que eles não dizem é que o aliado é na verdade a simpática mulher búlgara que o ajuda a tomar banho. De qualquer forma, o debate desastroso da semana passada continua a agitar o Partido Democrata, que agora tem a tarefa de tentar descobrir quem é o candidato menos terrível: um vice-presidente historicamente impopular ou o sujeito que começa a pôr-do-sol por volta do meio-dia. Ou talvez outra pessoa?

Os Democratas estão numa posição difícil. Os conselheiros de maior confiança de Biden (leia-se: Hunter) querem que ele continue na corrida, mas todos os outros tentam desesperadamente pensar em alguém, qualquer um, que possa vencer Trump e ao mesmo tempo poupar os sentimentos do velho.

Até agora, a maior parte do surto está acontecendo a portas fechadas. Publicamente, a maioria dos democratas está ao lado do seu homem – por enquanto. Apenas três democratas no Congresso pediram que Biden se afastasse. E, salvo aquela conversa com o aliado, o próprio presidente parece estar em pleno modo ‘não vou desistir’.

Não que ele tenha feito algo esta semana para demonstrar sua aptidão para o cargo. Enquanto o presidente se mantinha discreto, seu secretário de imprensa disse que na verdade era apenas um resfriado, além de talvez um pouco de jet lag. Assessores da Casa Branca disseram à Axios que o presidente está “empenhado de forma confiável” das 10h às 16h. Em uma reunião com governadores democratas preocupados que vieram verificar como estava o velho no topo da votação, ele disse que tudo o que precisa é trabalhar menos, dormir mais e poder sair depois das 20h. Nessa mesma reunião, o presidente teria dito: “É apenas o meu cérebro”. Isso deveria nos tranquilizar? O que é ainda mais preocupante é que amigos de longa data dos Bidens disseram a Olivia Nuzzi, da revista New York, que ficaram “chocados ao descobrir que o presidente não se lembrava dos seus nomes”.

Entendi: Biden é um estadista mais velho e querido e ninguém quer ferir os sentimentos do velho. Então faça o que fizeram na casa de repouso quando meu avô teve demência: diga a ele tudo o que ele quiser ouvir. Boas notícias, senhor presidente, você ganhou a eleição! Colocaremos Gorbachev na linha para você logo após o jantar. Mais sorvete? São gotas de chocolate. Sério, isso funciona.

= Ou seria, talvez, apenas a mídia? Nada disso, pessoal! Justamente quando pensávamos que o feitiço havia sido quebrado e a maioria da mídia estava finalmente disposta a relatar o que estava acontecendo diante de nossos olhos, a ex-prefeita de Atlanta, Keisha Lance Bottoms, que agora assessora a campanha de Biden, afirmou na MSNBC que a mídia está manipulando tudo isso. Neste caso, a ex-prefeita estava se referindo ao jornal de sua cidade natal, The Atlanta Journal-Constitution, que publicou um editorial pedindo que Biden saísse do palco pela esquerda.

‘Deixe-me apenas dizer que fiquei muito decepcionado com o The Atlanta Journal-Constitution’, disse Bottoms a Chris Jansing. ‘Como falamos sobre garantir a proteção das eleições e garantir que não haja influência indevida, isso foi uma influência indevida do The Atlanta Journal-Constitution, ou uma tentativa de influência.’

Como apontou Jansing, é um conselho editorial. Tentar influenciar as eleições é literalmente o seu trabalho. Então, novamente, Bottoms é um agente político. Spin também é seu trabalho literal.

= Falando em spin: o editor executivo do New York Times, Joe Kahn, enviou uma nota à equipe, parabenizando a todos pela cobertura da idade de Biden: ´O que vi e o que nossos leitores experimentaram de nossa equipe é firme, baseado em fatos comunicando. . . . Mantivemos essa história em cada passo, sempre com nuances e contexto, através do excelente relatório de hoje.´

Veja, agora que uma massa crítica vê que Biden é claramente demasiado velho, passámos directamente para o revisionismo. Temos dito a verdade o tempo todo. Exceto que, em março, a Dama Cinzenta estava comparando a idade de Biden apenas a um estilo de vida novo e posterior – como Scorsese com O Irlandês (s/o Jon Levine por reavivar isso). E aqueles vídeos de seus muitos momentos de velhice antes do debate? Errôneo! Má fé! Você não está vendo um velho envelhecer, disseram. Esses são ‘deepfakes’ [fakes profundos] e ‘cheapfakes’ [fakes baratos]”. – KH (Tradução para o Português do Google)

TERCEIRA MATÉRIA:

Nellie Bowles, na Newsletter enviado por email em 3.7.2024

“Hoje trazemos duas peças importantes sobre esse fenômeno, uma de Joe Nocera e outra de Timur Kuran. Eles ajudam a explicar como é que a grande mídia pôde fingir que o envelhecimento da mente de Biden não era um fator ou era uma coisa maluca com que se preocupar. Até que de repente — bum — era um fato simples. Uma verdade universalmente reconhecida.” (Tradução para o Português do Google).

O link da primeira peça é:

https://www.thefp.com/p/joe-nocera-mind-the-gap

Mind the Gap, by Joe Nocera

July 2, 2024

CHAMADA: “Explaining the chasm between what we know is true—and what we feel comfortable saying out loud.”

QUARTA MATÉRIA

Nellie Bowles, na Newsletter enviado por email em 3.7.2024

“Hoje trazemos duas peças importantes sobre esse fenômeno, uma de Joe Nocera e outra de Timur Kuran. Eles ajudam a explicar como é que a grande mídia pôde fingir que o envelhecimento da mente de Biden não era um fator ou era uma coisa maluca com que se preocupar. Até que de repente — bum — era um fato simples. Uma verdade universalmente reconhecida.” (Tradução para o Português do Google).

O link da segunda peça é:

https://www.thefp.com/p/how-misinformation-becomes-common

How ‘Misinformation’ Becomes Common Knowledge, by Timur Kuran

CHAMADA: “Fear of being punished by a crowd is not unique to Democrats, or liberals, or Americans. It is an innate human response to the dangers of being ostracized.”

July 2, 2024

Volto a falar eu, EC: É isso.

Em Salto, 2 de Julho de 2024, revisado e ampliado em 5 de julho de 2024



Categories: Liberalism

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