[Esta crônica foi publicada em um blog meu, no Blogger, que não está mais ativo. Ela se refere a alguns fatos ocorridos em 2001, na lista de discussão EduTec.Net, que eu mantinha na Internet, no Yahoo! Groups, e que fechei em Setembro daquele ano, quando do Nine Eleven. Alguns membros da lista, havia mais de 1.500, resolveram celebrar o que aconteceu com as Torres Gêmeas em Nova York e com o Pentágono, em Washington, afirmando que os americanos mereciam o que lhes aconteceu. Não acho — e não só porque tenho filha e netas americanas, mas porque é imoral se regozijar com a desgraça e o sofrimento alheio, mesmo de alguém de quem não gostamos. Na verdade, eu fiquei tão possesso que nem quis discutir o que eles estavam fazendo: liminarmente fechei a lista. Eu gastava tempo e dinheiro para manter gratuitamente uma plataforma de que se serviam 1500 pessoas, a maioria absoluta das quais ficou chocada com o atentado. Não iria dar um palco com alcance ilimitado para quem não merecia ter voz. Dois anos depois, já enfartado, em 2003, relendo mensagens da lista, em minha privacidade, escrevi esta crônica.]
“Casas Simples, com Cadeiras na Calçada…”
Relendo algumas mensagens da lista de discussão EduTec.Net, encerrada em Setembro de 2001, logo depois de eu ter completado 58 anos, comecei a pensar, aqui com meus botões…
A lista era de educação. Apesar disso, ou, talvez, por isso mesmo, a gente vinha discutindo, em 2001, canções de ninar e histórias infantis. Canções que nos falam do bicho papão, da cuca, do soldado com olho de vidro, perna de pau e cara de mau. Histórias da Branca de Neve e da Rainha Má, dos Três Porquinhos e do Lobo Mau, e do Chapeuzinho Vermelho, e, de novo, o fatídico Lobo Mau. Feiúra, medo e maldade para todos os cantos.
Daí veio a onda mais amena, puxada pelo Antonio “Tonhão” Gonzales: as letras de canções populares, como Se Esta Rua Fosse Minha, Alecrim Dourado…
Juntando tudo o Axel de Ferran sentiu “saudades dos tempos que não podem retornar”. (Lembro-me de que meu pai em 1953, cinquenta anos atrás, escreveu uma crônica para “A Hora da Saudade”, programa da Radio Tupi, chamada “Tempos que não voltam mais”. Falava da infância dele.)
Depois houve uma nova onda de mensagens, introduzida pela mensagem da Sílvia Caldeira, que mencionou um texto que havia lido em que a autora dizia que a felicidade só se alcança depois dos 35 anos.
Logo depois, veio a chocante e dolorosa mensagem do Cláudio Alex Fagundes da Silva, falando da morte de seu filho, Gabriel, assassinado no dia anterior em Búzios, por um assaltante / ladrão / assassino que queria roubar seu relógio e ele resistiu.
O Cláudio não diz qual a idade do Gabriel ao morrer — mas ele não deve ter chegado aos 35. Segundo a tese da outra mensagem, ele não chegou sequer à idade em que poderia vir a ser feliz.
Muitos comentaram essas mensagens todas. Uns, num tom nostálgico e alegre; outros, evidentemente, num tom que revelava dor, estado de choque, revolta e pasmo diante daquilo que não compreendemos e, por causa disso, não conseguimos aceitar.
Comento a resposta da Hérica à mensagem sobre a felicidade.
Segundo ela nos diz, faltam exatamente doze para que ela chegue aos 35 anos, à idade em que (segundo nos a Sílvia, apud o artigo que leu) podemos aspirar à felicidade… Isto significa, se minha aritmética não me falha, que a Hérica está agora com 23 anos. Mais nova do que a mais nova de minhas filhas, que em breve fará 28 (e me dará, “Deo volente”, meu terceiro neto até o fim do ano). Menina madura a Hérica, para os seus 23 anos, como bem deixa entrever a sua mensagem. Tem juízo e bom senso.
Em Julho de 1967, 36 anos atrás, quando eu tinha a idade dela, eu me preparava para ir fazer pós-graduação nos Estados Unidos (fui dia 19/8/67) – e não sabia ainda que iria me casar dali a menos de três meses (casei-me pela primeira vez, lá nos Estados Unidos, em 13/10/67 — a namorada era brasileira: aqui de Campinas mesmo). Sem nenhum planejamento — e sem nenhum preparo para uma decisão tão importante. Tinha a vida inteira pela frente — ou assim me parecia. Estava feliz — ou, também, assim me parecia.
Hoje, quase uma vida inteira depois, me preparo (?) para os sessenta anos, que farei no próximo 7 de Setembro. E me pergunto, como alguém já se perguntou aqui, se, caso tivesse a oportunidade, optaria por voltar aos dezoito, ou aos 23, ou aos trinta, ou aos quarenta, ou até mesmo aos cinquenta?
Uns dizem que gostariam de voltar aos dezoito anos, desde que pudessem manter a mente, a vivência, a experiência da idade atual. Confesso que essa ilusão já me tentou.
Hoje me pergunto que graça haveria voltar aos dezoito se a gente fosse viver exatamente a mesma vida: estar nos mesmos lugares, encontrar as mesmas pessoas, tomar as mesmas decisões… Mas, por outro lado, se a gente, voltando aos dezoito, pudesse viver uma vida diferente, isto também teria seu ônus — e um ônus para mim muito pesado: nessa hipótese, eu não as filhas que tenho, nem (horror!) os netos que hoje ajardinam a minha vida.
Minha conclusão pensada, portanto, é que, tendo a oportunidade, e mesmo que pudesse manter a mente, a vivência e a experiência dos sessenta, eu não optaria por voltar a ter dezoito anos. Se o preço são as rugas, a flacidez, as doenças da idade… que seja pago. A gente recebe muita coisa boa em troca desse preço — e eu, no fundo, sou um negociante, um “trader“, que sabe que as coisas boas da vida têm seu preço. “There is no free dinner”, como dizia Milton Friedman.
Ingrid Bergman, talvez a mulher (em Casablanca, Oscar do ano em que nasci, 1943 — meu segundo nome não é Oscar por nada…) — retomando, talvez a mulher mais linda a povoar um dia o meu imaginário, uma vez, quando indagada se não se importava com envelhecer, com o fato de que, com a idade, a sua beleza deslumbrante começaria a fugir, disse: “Não… pois a única alternativa a não envelhecer é morrer cedo”… Mulher sábia, além de linda.
Talvez, ao dizer isso, Ingrid Bergman já tivesse perdido parte de sua beleza fulgurante. Duvido, porém, que tivesse tido essa sabedoria aos dezoito anos. É esse fato que me permite me conformar com a velhice, e, às vezes, até me confortar com ela, saudá-la com alegria e reconhecer que nunca fui tão felizes antes. E mais: ter esperança de que venha a ser ainda mais feliz, à medida que o tempo avançar ainda mais…
O duro é ver o jovem morrer cedo — não chegar nem perto da idade que eu hoje tenho. O duro é ver o que aconteceu com o Gabriel, filho do Cláudio. Com isso acho impossível me conformar. Esse é um preço pago por nada, sem nada em troca.
O filho do Cláudio tinha o mesmo nome do meu neto mais velho, de três anos (quase quatro). Como diz o poeta, em Gente Humilde, olhando para ele eu, que não creio, peço a Deus que ele possa chegar à minha idade, e ir muito além, tendo, como eu (até agora), a sorte de não passar por uma dor tão grande quanto a do Cláudio nesse momento.
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Gente Humilde
(Vinicius, Chico e Garoto, 1969)
Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente,
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar,
Porque parece
Que acontece de repente
Feito um desejo de eu viver
Sem me notar.
Igual a como
Quando eu passo no subúrbio,
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar,
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente,
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar…
São casas simples,
Com cadeiras na calçada,
E na fachada
Escrito em cima que é um lar,
Pela varanda
Flores tristes e baldias,
Como a alegria
Que não tem onde encostar.
E aí me dá uma tristeza
No meu peito,
Feito um despeito
De eu não ter como lutar,
E eu, que não creio,
Peço a Deus por minha gente,
É gente humilde,
Que vontade de chorar.
Em Campinas, 3 de Julho de 2003. Publicado aqui neste blog em Salto, 26 de Maio de 2020.
NOTA ATUAL (26.5.2020): Várias coisas notáveis (da minha perspectiva) são mencionadas nesta crônica.
1. Eu menciono que iria fazer 60 anos proximamente. De fato, comemorei 60 anos em 7 de Setembro de 2003, no Palácio Leopoldskron, em Salzburg, Áustria, onde estava participando de uma reunião da Microsoft, nas instalações do Salzburg Seminar, do qual sou hoje um fellow. O palácio foi palco de várias cenas de A Noviça Rebelde (The Sound of Music).
2. Eu menciono na crônica que minha filha mais nova, Patrícia, estava para me dar o terceiro neto ainda naquele ano de 2003. Guilherme nasceu no dia 9 de Setembro de 2003, dois dias depois de meu aniversário, quando eu estava em outra reunião da Microsoft, esta em Amsterdã. Mas nasceu muito prematuro (seis meses) e acabou por falecer no dia 16 de Setembro, com uma semana. No texto, eu menciono a perda de um filho pelo Cláudio, membro da lista. Mal sabia eu que, dois meses e meio depois, eu perderia um neto.
3. A data deste artigo é 3 de Julho de 2003. Meus pais se casaram em 3 de Julho (1941), e minha filha mais velha, Andrea, também (1995 — em seu primeiro casamento). Quatro anos depois de ter escrito o artigo, quase no dia, em 7 de Julho de 2007, eu tive uma conversa importante com a Paloma, então apenas minha amiga, hoje minha mulher, que nos levou a trabalhar juntos no Instituto Lumiar, hoje com outro nome, mantenedor das Escolas Lumiar. Em 3 de Julho (!) de 2008 descobrimos (conversando pelo Microsoft Messenger) que estávamos apaixonados. Em 6 de Setembro de 2008, decidimos viver juntos e passamos a viver juntos a partir do mesmo dia. Gestos ousados, pois ambos, até esse dia, estávamos casados com outras pessoas. Além de ousados, arriscados mesmo. Totalmente tresloucados, segundo alguns. Em 3 de Julho (!) de 2012, nossos processos de divórcio concluídos, nos casamos na igreja (Catedral Evangélica de São Paulo), para a qual eu (que não cria, vide o texto) voltei, em grande medida pelas mãos da Paloma e em função da série inacreditável de coincidências que nosso encontro e nosso casamento representam. Eu convivi com o pai e com as tias da Paloma quando nós éramos adolescentes. Uma tia dela se casou com um amigo meu, há muito falecido. O irmão mais novo do pai da Paloma, e, portanto, seu tio, se casou com a filha de um outro amigo meu. Meu pai fez esses dois casamentos… Apesar de eu ser bem mais velho do que ela (sou mais velho do que o pai dela!), temos interesses comuns, estávamos trabalhando na mesma área (Informática Aplicada à Educação), ela havia lido coisas que eu havia escrito e gostado — tudo isso sem que a gente se conhecesse (e sem que soubesse dos laços que haviam me ligado, lá em Santo André, nos anos 50 e 60, com a família do pai dela. São coincidências demais — e há outras. Mas voltando à questão das datas significativas para mim. São três casamentos (meus pais, minha filha mais velha e eu com a Paloma) e uma revelação importante, todos no dia 3 de Julho. Ao todo, cinco eventos importantes em minha vida a acontecer no mês de Julho, entre 1941 e 2012.
4. No texto eu digo: “É esse fato que me permite me conformar com a velhice, e, às vezes, até me confortar com ela, saudá-la com alegria e reconhecer que nunca fui tão felizes antes. E mais: ter esperança de que venha a ser ainda mais feliz, à medida que o tempo avançar ainda mais…” Mal sabia eu que, cinco anos depois, naquela data exata, minha vida começaria a ter uma reviravolta que me fez muito, mas muito mais feliz do que jamais imaginei que poderia ser. Amo você, Paloma.
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Eu também amo você, meu amor… ❤️
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