Natal e o Evangelho de Jesus de Nazaré

[NOTA: Esta é a segunda versão deste artigo e ela substitui a primeira, publicada aqui, em 25.12.2024, que foi removida.]

MENSAGEM ORIGINAL DE Eduardo Machado Chaves (de manhã, 25.12.2024)

FELIZ NATAL. Celebro o dia com esta modesta reflexão.

É incrível a quantidade de livros publicados desde a virada do século que:

1. Defendem a tese (antiga, vem desde Adolf von Harnack) de que há DOIS EVANGELHOS NO NOVO TESTAMENTO, o Evangelho de JESUS DE NAZARÉ, que vivia na Palestina, que se situa dentro da tradição judaica, e o Evangelho de PAULO DE TARSO, judeu da Diáspora, nascido em Tarso, hoje localizada na Turquia, que se situa dentro da tradição filosófico-religiosa helenística que imperava no mundo greco-romano do primeiro século;

2. Optam pelo Evangelho Ético-Social de Jesus, o Nazareno, que defende que a essência da religião se encontra:

2a. No reconhecimento de que Deus é Pai Bondoso de todos nós, e não Soberano Imponente, Autoritário e Arbitrário, que escolhe uns e rejeita outros, simplesmente porque essa é a sua vontade;

2b. Na aceitação de que esse fato nos faz, de todos nós, sem exceção, irmãos uns dos outros, nessa visão não havendo nem judeus nem gentios (como samaritanos), nem donos de escravos nem pessoas escravizadas, nem homem nem mulher;

2c. Na aceitação do fato de que o amor a Deus não se expressa em práticas religiosas e exercícios piedosos, mas, sim, no amor ao próximo (e o próximo inclui até os inimigos, mas, também, e principalmente, os pobres, os sofredores, os oprimidos, os rejeitados, os marginalizados, em suma, aqueles que tendemos a desprezar), ficando claro que esse amor é ancorado no amor evidente que temos por nós mesmos — devemos amar o próximo como amamos a nós mesmos;

2d. Na aceitação, exemplificada em sua mensagem e em suas ações, de que, diante disso, os demais princípios morais, ao mesmo tempo que se radicalizam, se relativizam, assumindo seu devido lugar diante do amor fraterno ao próximo;

3. Rejeitam a Mensagem Cósmico-Metafísica de Paulo de que a morte de Jesus é mais importante de que sua vida e seus ensinamentos, e que essa morte, que foi a morte de um justo, é um sacrifício, em favor da humanidade pecadora, exigido por um Deus rigoroso, que preza mais a obediência e a justiça do que o amor, mas cuja justiça é arbitrária, visto que, independentemente do que cada um pense, valorize e faça, já escolheu e predestinou quem vai se beneficiar desse sacrifício (apenas os eleitos), condenando liminarmente os demais, não à morte, mas a uma vida eterna de sofrimentos inexprimíveis depois de sua morte física…

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . o O o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O movimento atual, do século 21, representa um liberalismo teológico muito mais forte, potente e atraente do que aquele do final do século 19 e princípio do século 20, e representa a rejeição da teologia paulina, e tudo que ela implica, em favor da religião de Jesus, o rabino, o mestre, o nosso irmão que nos ensinou que Deus é Pai Bondoso, de todos nós, e por isso devemos viver todos como irmãos, em clima de amor fraterno (adelfilia).

Para a gente pensar…

Esta reflexão é especialmente dedicada aos paulinistas, agostinianistas, calvinistas, turretinianos, tulipistas. Eu, como bom liberal, desde meados dos anos 1960 (minha inclinação pelo liberalismo fará 65 anos agora em 2025), fico do lado de Jesus, o Nazareno, e não do lado de Paulo, o Turco — do lado do Jesus da História em vez do Cristo da Fé.

O primeiro trabalho teológico importante que fiz teve o título de A História do Jesus da História, e foi escrito sob a sempre sábia orientação de meu professor e amigo Rev. Osmundo Affonso Miranda. Foi escrito em 1965, tem recebido atualizações e revisões desde então, mas nunca ousei publicá-lo. Quem sabe um dia. Algumas dessas ideias estarão presentes na quinta edição do meu livro HISTÓRIA DA IGREJA ANTIGA, DOS PRIMÓRDIOS ATÉ A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO NO OCIDENTE.

Em Salto, 25 de Dezembro de 2024.

Dia do nascimento daquele que nos ensinou uma maneira diferente de ver a Deus, a religião e a vida aqui na terra — maneira essa que, por sua radicalidade, foi rapidamente rejeitada e posta de lado em favor de um ensinamento mais mirabolante, que sacrifica a vida presente em favor de uma imaginada vida futura, em um plano diferente, após a nossa morte. Como costuma dizer alguém que eu amo, admiro e respeito, o Céu é para ser um lugar aqui na Terra.

Amém. Que os cristãos me respondam com o amor que o Mestre pregou e viveu em sua vida — e que os outros, se decidirem me responder, o façam com respeito, sem ódio (teológico ou de qualquer outro tipo)…

25 de Dezembro de 2024, 09h43.

[DAQUI PARA FRENTE, COMENTÁRIOS DE LEITORES E RESPOSTAS DE EDUARDO CHAVES, PUBLICADOS NO FACEBOOK DE 25 A 27 DE DEZEMBRO DE 2024, NESTE CASO, ATÉ ÀS 10H45. SE COMENTÁRIOS SIGNIFICATIVOS FOREM ADICIONADOS, ELES SERÃO ACRESCENTADOS ABAIXO, COM A DEVIDA INDICAÇÃO E, SE FOR O CASO, EXPLICAÇÃO.

COMENTÁRIO DE Dario Pereira Ramos

Muito bom material provocativo, para revisão de ideias sobre o cristianismo…

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Dario Pereira Ramos :

Meu irmão Dario… Obrigado por sempre estar por aqui e pelo carinho de sempre. Um abração a você e à “missus”…

COMENTÁRIO DE Elizeu Rodrigues Cremm

Eduardo, querido colega/amigo desde os idos do JMC (Original). Parabéns pela reflexão natalina! Sou 100% apreciador e defensor desse Jesus ressaltado por você! Pena que a igreja pegou o viés Paulino e se perdeu na “religiosidade”. Abraço afetuoso e mui fraterno para você e Paloma Epprecht Machado Campos Chaves.

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Elizeu Cremm :

Obrigado por sua observação. Desejo-lhe um bom fim de ano e um 2025 cheio de saúde, felicidade e tudo o mais de bom. Darei seu abraço à Paloma. Retribuo o carinho para você e a Marly.

COMENTÁRIO DE Teresinha Furian

Adoro ler seus textos, mano querido, com eles você só nos presenteia com seus conhecimentos. É o melhor dos mestres.

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Teresinha Furian :

Obrigado, mana. Você, sempre gentil. É sempre muito bom ter você por perto.

COMENTÁRIO DE Betsi Andrino

Obrigada por esse presente de Natal. Paz e bem neste Natal.

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Betsi Andrino :

Obrigado, Betsi… Tudo de bom para você neste Natal, neste fim de ano e no ano que vem inteiro, e nos outros…

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Betsi Andrino :

Você, Betsi, sempre gentil. Agradeço seu estímulo.

NOVO COMENTÁRIO DE Betsi Andrino

Eduardo Machado Chaves: eu que agradeço por vc compartilhar seus escritos com os quais me identifico e reflexões q ecoam nas minhas crenças. Gosto dos seus escritos e tb da seleção de notícias q vc faz.

COMENTÁRIO DE Assir Pereira

Querido irmão de banco escolar Eduardo. Reflexão intrigante como deve ser toda reflexão cristológica. Afinal entre nós viveu alguém que teve uma vida mais intrigante que o Jesus de Nazaré?

Parabéns por reflexão tão cheia de sensibilidade.

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Assir Pereira :

Obrigado, meu querido, por visitar aqui o meu canto e deixar sua palavra sempre amiga e carinhosa. Abraços para você e a Dayse e para a garotada…

COMENTÁRIO DE Felipe Muzel

Li rapidamente aqui após o almoço rs primeiramente feliz natal meu amigo!! A respeito do assunto minha referência geral é N T  Wright. Gunn ainda não tive oportunidade de estudar. Mas longe das autoridades, apenas lendo os tópicos. Me parece que os tópicos de diferença entre evangelhos se completam. Os fatores Jesus x Paulo apontados, parece que nos textos que temos ambos falaram sobre as mesmas coisas. Um exemplo rápido, Paulo tb fala sobre amar e orar pelos inimigos e ajudas sociais. Jesus também fala sobre sacrifício e que o sacrifício não recairia sobre todos. Talvez…. a ótica seja ver Jesus como a Palavra encarnada falando por si só, e Paulo fazendo teologia sobre essa Palavra. Um grande abraço 🙏🏻🙏🏻

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves (LONGA!)

Felipe Muzel :

Caro Felipe… Várias coisas.

PRIMEIRO, não se trata de contrastar os quatro Evangelhos com as cartas de Paulo — até porque os quatro Evangelhos, com muita probabilidade, são posteriores às cartas de Paulo e podem ter sido “contaminados” por seu conteúdo. Nem se trata de tentar harmonizar os Evangelhos, naquilo em que diferem um dos outros. Trata-se, isto sim, de através de vários níveis de análise textual, literária e histórica, tentar detectar quais ditos e histórias nos Evangelhos refletem pontos de vista que antedatam a morte de Jesus (e podem ser genuinamente atribuídos ao Jesus histórico), e quais refletem influências posteriores à divulgação generalizada das cartas de Paulo.

SEGUNDO, é evidente, mesmo em uma leitura superficial dos Evangelhos Sinóticos, que o conteúdo da MENSAGEM DE JESUS não é sua morte, ressurreição e ascensão aos céus, nem, muito menos, que sua morte teria o poder de redimir ou expiar o pecado da humanidade contaminada pelo pecado original de Adão e Eva. Jesus nem sequer toca, em sua pregação, na questão de Adão e Eva, da “queda”, etc. Ele prega a chegada iminente do Reino de Deus e a necessidade de as pessoas se arrependerem dos pecados que de fato cometeram (não dos supostamente herdados dos “primeiros pais”) para estarem preparadas para a chegada desse reino, quando ela acontecesse. O conteúdo da MENSAGEM DE PAULO, por outro lado, não é a necessidade de cada um se arrepender de seus próprios pecados para estar pronto para a chegada iminente do Reino de Deus, mas, sim, a conclamação das pessoas para que viessem a crer na sua tese de que a morte de Jesus na cruz foi um sacrifício feito para satisfazer a sede de justiça de Deus e que a crença ou fé no poder redentor dessa morte seria suficiente para que as pessoas tivessem seus pecados perdoados (inclusive os herdados de Adão e Eva) e fossem salvas, ganhando a vida eterna no Céu depois de sua morte. Essa mensagem, porém, foi misturada, em algumas passagens das cartas de Paulo, com sua crença na predestinação. Segundo essa crença, Deus é Deus, e em sua majestade poderia ter escolhido e decidido condenar todo mundo e não redimir e salvar ninguém. MAS, em sua bondade, escolheu salvar uns poucos, os eleitos, e esse fato deveria ser visto como uma boa nova (“Evangelho”), especialmente pelos que acreditam fazer parte dos eleitos. Os demais teriam o que todos mereciam ter, depois da sua morte: o sofrimento eterno, as controvertidas “penas eternas”.

TERCEIRO, e resumindo. . . JESUS PREGOU a chegada futura do Reino de Deus aqui na terra. PAULO PREGOU a necessidade de crer no poder expiatório da morte de Jesus (algo que teria sido, a seu ver, confirmado pelo fato de Deus ter ressuscitado Jesus depois de ele estar morto por três dias [dois, na nossa forma de contar: morreu na sexta, ressuscitou no domingo cedinho]), como conditio sine qua non para a salvação, isto é, para o gozo da vida eterna no Céu. ESSAS DUAS MENSAGENS SÃO CLARAMENTE DIFERENTES. Só não enxerga quem não quer enxergar. Dá para compatibilizá-las? Dá para tentar. A história do pensamento cristão vem tentando fazer isso desde o início até hoje, em uma tentativa complicada de demonstrar a unidade da mensagem do Novo Testamento.

QUARTO, e voltando a elaborar… É mister reconhecer que Paulo não conviveu com Jesus pessoalmente, nunca o ouviu pregar um sermão ou contar uma parábola, nem o viu fazer nenhuma cura ou qualquer outro milagre. Quando Paulo escreveu suas cartas (seis ou sete das treze são garantidamente dele), os Evangelhos não existiam ainda. Só existia uma tradição oral que transmitia, de boca a boca, o dizeres e os fazeres de Jesus. Paulo parece ter acreditado que o incidente no caminho de Damasco compensou todas essas omissões (em relação aos apóstolos), sendo até mais importante do que a convivência que os outros apóstolos tiveram com Jesus — até o pobre do Matias, cujo lugar Paulo parece ter considerado que ele ocupou, Matias desaparecendo do texto bíblico (embora não da tradição). E é mister reconhecer também que Paulo se indispôs com os demais apóstolos, em especial com Pedro, que julgava que ele, Pedro, era o Apóstolo dos gentios (vide seu depoimento em Atos 15). A mensagem de Jesus é tipicamente judaica. Jesus era um mestre (rabino) e reformador judaico que depurou e radicalizou a Lei. A mensagem de Paulo, por sua vez, é helenística, é crítica da visão judaica, embora Paulo fosse um judeu helenístico. Jesus, por exemplo, nunca se considerou um Segundo Adão no qual um novo mundo estaria sendo recriado. Jesus nunca disse: Eu vou morrer e a minha morte vai expiar os pecados de toda a humanidade, a partir de Adão e Eva, inclusive a de vocês. E certamente Jesus nunca disse que ele iria morrer, mas seria ressuscitado dois dias depois — algo que daria a impressão que sua morte era de mentirinha. Se Jesus acreditasse que iria morrer, mas seria ressuscitado dois ou três dias depois, não teria sofrido a agonia do Getsêmani… Tudo isso é criação (revelação? invenção?) de Paulo. E assim vai.

QUINTO, e concluindo… Enfim… Como eu disse atrás, é possível tentar harmonizar ou sintetizar as duas coisas. Alguns teólogos e historiadores tem tentado. Mas se a síntese foi bem-sucedida e tem credibilidade vai depender de cada um que a analisa. [E depois você pega todo esse material bíblico e tenta harmonizar ou sintetizar com os credos e cânones dos primeiros quatro Concílios Ecumênicos e vê se o resultado é bem-sucedido. E depois, ainda, faz a mesma coisa com o pensamento dos Reformadores, os CINCO SOLAE, a TULIP, etc.

E Assim Caminha a Humanidade…” Belo título em Português de um excelente filme, velho pra caramba, que, contudo, não trata de História da Igreja e do Pensamento Cristão, trata de outros dramas humanos. Dois mil anos se passaram e a SEGUNDA VIDA do Jesus (agora Cristo) ressurreto não aconteceu. Desde o primeiro século há gente que acredita que ela vai acontecer daqui a pouquinho, que está “madura”…

Estudar isso é algo fascinante. Por isso que eu dediquei boa parte da minha vida a estudar a História da Igreja e do Pensamento Cristão.

Obrigado por me provocar com suas colocações.

[Dei uma reformatada e modifiquei algumas formulações, para que ficassem, espero, mais claras. Fiz isso duas vezes, em 26.12.2024 e 27.12.2024]

[Acrescentei alguns comentários depois da resposta do Felipe Muzel abaixo, no dia 26.12.2024]

COMENTÁRIO DE Felipe Muzel

Eduardo Machado Chaves eu entendo eu entendo rs mas esse texto que você acabou de escrever sobre Paulo claramente é um Paulo lido com ótica da Reforma. justificação e perdão. É exatamente a crítica de NT Wright. Perdemos a essência paulina. Com que lente Paulo tem sido lido. Principalmente depois de Agostinho. Seria um Paulo de seu contexto judaico-romano-helenístico e seus escritos sendo interpretados exatamente de acordo com o contexto da época ou um Paulo já reformado em que tudo aponta para justificação pela fé? NT Wright entende que o conceito de justificação que temos é errado ao contexto original que Paulo quis transmitir. Mas a conversa e o debate é intrigante.

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves (LONGA!)

Felipe Muzel :

Pode até ser que N.T. Wright esteja certo e tenhamos perdido o que ele chama de “essência paulina”. Mas, para mim, não é esse o problema — pelo menos, não o principal problema. Parece-me evidente que, qualquer que seja a interpretação dada a essa suposta essência paulina, ela modifica a essência da mensagem de Jesus de Nazaré, QUE, A MEU VER, É A MENSAGEM QUE IMPORTA. Eu opto pela mensagem de Jesus, não pela de Paulo. Nisso sigo Adolf von Harnack, não N. T. Wright, porque estou convencido de que Harnack viu as coisas do jeito certo. Tanto que ele chamou a mensagem de Jesus de CRISTIANISMO (era tarde demais para inventar um nome como JESUÍSMO) e a mensagem de Paulo, com modificações posteriores feitas pelos Concílios Ecumênicos, de CATOLICISMO (também não era mais sensato inventar um nome novo, como PAULINISMO).

O principal teólogo do CATOLICISMO, durante a maior parte da Idade Média, foi Agostinho, no fim do século 4, começo do século 5. Não nos esqueçamos de que Tomás de Aquino, quando publicou suas SUMMAE, oito séculos depois, no século 13, foi declarado herege pela Igreja Católica. Só no Concílio Vaticano I, de 1870, ele foi declarado Teólogo Oficial do Catolicismo (embora tenha se livrado da acusação de herege antes — um caso raro de “des-eregização”).

E os REFORMADORES PROTESTANTES resolveram saltar por cima de Tomás de Aquino, então já perdoado pela Igreja Católica, mas ainda não resgatado, e voltar para quem? Para a mensagem de Jesus? NÃO!!! Voltaram para a mensagem de Agostinho e de Paulo. A Reforma não recuperou o Cristianismo, a religião de Jesus, ela reformou o Catolicismo, a religião de Paulo e de Agostinho e dos quatro primeiros Concílios Ecumênicos da Cristandade.

Eu diria que até C. S. Lewis reconheceu isso. Em seus livros mais importantes (não os mais populares) ele ressalta que a Renascença e a Reforma fazem parte da Idade Média, e que a reforma, mesmo, do Pensamento Cristão, veio com o Iluminismo do século 18 e a Teologia Liberal do século 19. Mas Lewis optou pela visão da Idade Média e não pela visão do Modernismo Liberal. Isso é compreensível. Ele era anglicano, e a Igreja Anglicana foi, dentre as Reformas Protestantes, a que menos reformou o CATOLICISMO (nunca tentando retornar à mensagem de Jesus e nem sequer à mensagem de Lutero, muito menos a de Calvino — por isso os Puritanos tiveram de fugir para a América… Hoje e sempre a Igreja Anglicana disputa com a Igreja Católica quem tem mais pompa e circunstância — coisas que Jesus provavelmente rejeitaria de forma até mais violenta do que a que usou para rejeitar os vendilhões e mercadores do Templo de Jerusalém…

Quem procurou recuperar a essência da mensagem de JESUS foram os historiadores e teólogos liberais do século 19, dos quais Harnack foi, a meu ver, o mais importante. (Schleiermacher se enveredou por outra linha totalmente). Por isso, ao terminar sua inigualável DOGMENGESCHICHTE (História do Dogma), Harnack se viu obrigado a escrever um livrinho chamado DAS WESEN DES CHRISTENTUMS, A Essência do Cristianismo (não do Catolicismo), que, infelizmente, foi traduzido para o Inglês com o título de What Is Christianity? (O que é o Cristianismo?), título meio xoxo que reduz a ênfase na questão da essência do pensamento de Jesus).

Quem está ocupando o lugar de Harnack hoje é o pessoal do JESUS SEMINAR: Robert W. Funk (Honest to Jesus), Dominic Crossan (The Birth of Christianity, The Historical Jesus, Jesus: A Revolutionary Biography, et al.), e um grupo de seguidores cada vez maior. Tenho mais de cem livros que discutem essa questão, alguns dos quais chamam Paulo de FALSO APÓSTOLO, de FRAUDE, etc. Cento e poucos anos depois de Albert Schweitzer declarar encerrado “The Quest of the Historical Jesus” (Von Reimarus zu Wrede: Eine Geschichte der Leben-Jesu Forschung, de 1906, traduzido para o Inglês como “The Quest of the Historical Jesus“), essa busca, esse “Quest”, continua mais vivo do que nunca. E cerca de cem anos depois de Karl Barth declarar defunta a Teologia Liberal (Der Römerbrief, 2ª ed, traduzida para o Inglês como Letter to the Romans, 1922), essa teologia está mais viva do que nunca, tendo sido verdadeiramente ressuscitada.

Digo isso apesar do que disse um professor da FATIPI em um vídeo intitulado “A FATIPI e o Liberalismo”, encontrado no endereço https://www.youtube.com/watch?v=gdlMok3UFfI&t=146s). . Para ele, o Liberalismo Teológico foi um movimento do fim do século 19, começo do século 20, que hoje não tem mais importância alguma. A FATIPI, parece, é a Faculdade de TEOLOGIA DE SÃO PAULO em mais de um sentido…

Apesar do renascimento da Teologia Liberal, nas Faculdades de Teologia brasileiras, e não apenas na FATIPI, essas questões raramente são sequer levantadas, quanto mais discutidas seriamente.

Novamente agradeço a você pelos estímulos e provocações.

“É Natal. Nasceu o filho de Maria” (e, segundo algumas passagens descuidadas dos Evangelhos, de José, o Carpinteiro).

EC, 26.12.2024

PS: Espero que o espírito do Natal e da mensagem básica de Jesus sobre a essência da Lei e do Evangelho, continue a vigorar aqui, apesar de eu ter mexido aqui em assuntos mais delicados, porque mais próximos de nós.

[LINK PARA O VÍDEO “A FATIPI E O LIBERALISMO” NO YOUTUBE.COM

https://www.youtube.com/watch?v=gdlMok3UFfI&t=146s ]

COMENTÁRIO DE Felipe Muzel

Eduardo Machado Chaves Imagina meu amigo…. Esse debate é excepcional. Eu concordo inteiramente com o embasamento. Sobre Agostinho é isso. Calvino e Lutero eram monges agostinianos 😂😂. Vou dar uma busca no autor que você apontou que tem um argumento mais bem fundamentado. Mas o que você apontou é algo que em minha cabeça tenho sempre que separar muito bem e ontem mesmo estava tentando ajudar uma pessoa a separar: seguir a Jesus X instituição. Kierkegaard chegou na dizer (no seu contexto e crítica a Igreja Estatal da Dinamarca) resumidamente que se a instituição não concorda com o cristianismo que você segue, talvez você esteja no caminho certo. Um abraço meu amigo. Temos que marcar uma conversa histórico-teológica qualquer hora.

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Felipe Muzel :

“Se a instituição não concorda com o Cristianismo que você segue, talvez você esteja no caminho certo”… Fantástico. E muito apropriado ao nosso contexto… Por favor, passe-me a referência de Kierkegaard, onde eu posso encontrar essa passagem.

Um abraço.

EC, 26.12.2024

RESPOSTA DE Felipe Muzel

Eduardo Machado Chaves na verdade eu super resumi kk mas vou colocar o texto inteiro e a referência:

“O que a cristandade precisa a todo instante é de alguém que expresse o cristianismo de maneira incalculável ou com imprudência absoluta”, diz uma anotação de 1848. “Ele deve, então, ser considerado um instrumento de medição – isto é, a maneira como ele for julgado na cristandade será um teste de quanto cristianismo verdadeiro existe na cristandade em um dado momento”. E Søren continua: “Se o destino dele é ser escarnecido e ridicularizado, ser considerado louco, enquanto uma geração inteira contemporânea de clérigos (que, notem bem, não se atrevem a falar de modo desobstinado ou imprudente) é honrada, sendo eles também considerados verdadeiros cristãos – então a cristandade é uma ilusão”.3

Kierkegaard’s Journals and Papers. 7 volumes. Bloomington: Indiana University Press, 1967-1968. Entrada 6373.

COMPLEMENTO DA RESPOSTA DE Felipe Muzel

A referência se encontra no início do capítulo 8 desse livro

[Link para a foto do livro: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=9359502220767579 ]

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Obrigado, Felipe Muzel.

COMENTÁRIO DE Betsi Andrino

Eduardo Machado Chaves: que aula!!!!

RESPOSTA DE Eduardo Machado Chaves

Betsi Andrino :

Obrigado por me propiciar o conforto de saber que alguém mais leu o que eu escrevi (além do Felipe Muzel e de alguns amigos e parentes de longo tempo atrás, como você)…

Quando eu escrevia em defesa do Liberalismo na UNICAMP, era um silêncio total dos colegas, como se eu não houvesse escrito nada, ou, pelo menos, ninguém houvesse lido nada… O complô do silêncio. Um predecessor do cancelamento…

RESPOSTA DE Betsi Andrino

O temor entre os ilustres intelectuais da UNICAMP era mostrar a própria mediocridade. Vc nem imagina como eu abomino essa classe de gente, não importa o título, o lugar e coisas que tais. Bem isso, cancelar quem oferece o risco de pôr em evidência a estupidez dos circunstantes. A simples presença já oferece risco.

[Debate transcrito até 27.12.2024, 10h45]

Eduardo CHAVES

Salto, 27 de Dezembro de 2024

[Mais um comentário ainda no dia de hoje, 27.12.2024]

COMENTÁRIO DE Javan Dias Laurindo

O Jesus histórico e o Cristo da fé de encontram e se interagem,se assim não é não há possibilidade de reflexão teológica.

RESPOSTA DE Eduardo Chaves

Caro Javan :

Obrigado pela participação. Você é o quarto de meus amigos de mais de sessenta nos do Instituto José Manuel da Conceição, de Jandira, a comparecer aqui. Somando a idade de nós cinco, temos, coletivamente, mais de 400 anos de vida… É assustador pensar.

Mas discordo de você. Na minha forma de entender as coisas, Teologia é reflexão e discurso sobre Deus e tudo o que lhe diz respeito. Na Teologia Cristã tradicional, a Doutrina da Salvação e, dentro dela, a Cristologia, é apenas uma parte da Teologia. Na Teologia Judaica, a Cristologia não tem lugar, por exemplo. E já houve, e continua a haver, segmentos ebionitas e unitários dentro da tradição cristã, que atribuem um papel importante à pessoa de Jesus mas não o lugar central que ele ocupa na teologia tradicional, dita ortodoxa. 

Um grande abraço.



Categories: Liberalism

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