A Tese de que Paulo é o Real Fundador do Cristianismo

A tese é basicamente seguinte:

Os quatro Evangelhos e o livro de Atos dos Apóstolos narram o que Jesus e os apóstolos fizeram e disseram, no período que se situa entre o ano 26, quando começou o ministério de Jesus, até a sua morte, que foi no ano 29, em Jerusalém, no caso de Jesus, e no ano 66, no caso de Pedro e Paul, que foram executados em Roma, por Nero, sendo que, no ano 66, também eclodiu, na Palestina, em especial na Judeia, a primeira guerra entre os judeus e os romanos. (As datas são todas aproximadas e meramente prováveis: o nascimento de Jesus foi provavelmente em 5 aC).

Durante esse período de quarenta anos, o movimento iniciado por Jesus, e que veio, posteriormente, pelas mãos de Paulo, a se tornar o Cristianismo, era apenas uma facção ou seita do Judaísmo, e consistia predominantemente de judeus, palestinos ou helenistas, que foram atraídos pelos ensinamentos, pelas ações e pelo exemplo de Jesus.

Jesus e todos os apóstolos originais eram judeus palestinos de nascimento e permaneceram judeus a sua vida inteira. Paulo, que se converteu no ano 33, mas só começou a exercer um trabalho missionário, de forma sistemática, a partir de sua ida para Antioquia da Síria, por volta do ano 44, a convite de Barnabé, era judeu helenista, nascido de família judaica em Tarso, na Cilícia, hoje na Turquia. Tanto Jesus como Paulo provavelmente faziam parte da seita dos Fariseus (apesar das críticas que Jesus fez aos fariseus mais inflexíveis e beligerantes).

Isso significa que Jesus, que em algum momento se convenceu de que deveria assumir o papel de Messias, e acabou sendo executado por causa disso, não era cristão, era e sempre foi judeu, e não fundou uma nova religião, o Cristianismo, que seria algo incompatível com seu papel de Messias.

E isso também explica por que há evidências nos Evangelhos de que Jesus acreditava que seu papel messiânico era para ser exercido em benefício prioritariamente dos judeus, que entrariam no Reino de Deus primeiro, só depois sendo chamados os que não faziam parte do povo escolhido, os gentios, que eram vistos pelos judeus como uma raça inferior. Jesus, nos Evangelhos, conta uma história, sobre o grande banquete, que deixa isso claro.

Isso também significa que os seguidores que Jesus conquistou, dentre os judeus, inclusive Saulo/Paulo, este convocado através de uma experiência aparentemente mística ou sobrenatural, cerca de três ou quatro anos depois da morte de Jesus, não deixaram de ser judeus em virtude de terem se tornado seguidores de Jesus, ou parte do movimento criado por Jesus.

Saulo, quando se tornou missionário vinculado à comunidade cristã de Antioquia, começou a trabalhar predominantemente com gentios, e logo empreendeu, com Barnabé, sua Primeira Viagem Missionária, fora da Palestina, junto principalmente a gentios, e ele passou a enfrentar basicamente dois problemas, um de natureza mais prática, o outro de natureza mais teórica (teológica), que Jesus, e os demais apóstolos, que atuaram basicamente entre judeus, nunca haviam enfrentado.

O problema mais prático era a dificuldade em conseguir que os gentios se adaptassem aos usos e costumes dos judeus, como as regras alimentares e de comensalidade, os rituais de purificação, a guarda do sábado, e, no caso dos homens, a circuncisão.

O problema mais teórico estava na dificuldade de convencer os gentios a aceitar uma teologia basicamente judaica, fundada no conceito de que os judeus eram o povo eleito, e que implicava que eles, os gentios, não fazendo parte do povo eleito, faziam parte de um povo inferior.

Diante desses problemas, Saulo, antes de mais nada, mudou seu nome para Paulo, que soa menos judeu do que Saulo, que é a mesma coisa que Saul, e, tendo uma formação intelectual privilegiada, não só na cultura judaica, mas também na cultura helenista, chamou a si a tarefa de desjudaizar, tanto possível, o movimento criado por Jesus, tanto em seus aspectos mais práticos como em sua teologia, sem entrar em rota de colisão frontal com os demais apóstolos, em especial Pedro.

Foi assim que Paulo, primeiro, negociou, com os demais apóstolos, no chamado Concílio Apostólico de Jerusalém (Atos 15; cp. Gálatas 2), uma liberalização, no caso dos gentios, no cumprimento das regras religiosas judaicas, naquilo que elas envolviam regras de alimentação, comensalidade, purificação, etc., mas não no tocante ao conteúdo moral da Lei, no caso, o Decálogo; e, segundo, criou uma teologia que tinha uma mensagem (um evangelho) bastante diferente daquela pregada por Jesus, que era focada na preparação para a chegada (iminente) do Reino de Deus, através do arrependimento dos pecados, no recebimento do perdão dos pecados, através do batismo, que representava um novo nascimento, e, a partir desse ponto, passou a pregar a salvação através da graça, a justificação pela fé, não pelas obras, mediante a crença na eficácia da morte de Jesus para a remissão dos pecados, assim transformando a morte de Jesus em um sacrifício que Deus aceitava como pagamento do resgate que sua justiça exigia para remir os pecados, inclusive o herdado de nossos primeiros pais, daqueles que cressem…

Paulo, transformando o mensageiro do Reino de Deus, Jesus de Nazaré, no centro de sua mensagem, como Senhor Jesus Cristo, salvador dos que creem, criou o Cristianismo. Com a destruição de Jerusalém e a expulsão dos judeus da Palestina, em uma nova diáspora, a nova religião criada por Paulo, focada na morte sacrificial de Jesus, e com um caráter universalista, em que não há distinção entre judeu e gentio, ganhou a competição com o Judaísmo, e, no devido tempo, com uma ajuda de Constantino, em 313, e de Teodósio, em 380, se transformou na Religião Oficial do Império Romano. A partir desse momento até os judeus que estavam espalhados pelo Império foram obrigados a se tornar, pelo menos nominalmente, cristãos.

É isso, por enquanto. Trecho retirado da 5a edição (em elaboração) do meu livro História da Igreja Antiga: Dos Primórdios ao Fim do Império Romano no Ocidente.

Em Salto, 26 de Março de 2025.

Eduardo CHAVES (eduardo@chaves.space, caso você prefira comentar em privado).



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