A Questão da Doutrina no Cristianismo

1. Preâmbulo

Faz tempo que venho querendo mexer neste vespeiro, e acho que chegou a hora, com a controvérsia que se (re)abriu sobre a chamada “Questão Doutrinária” na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB), por causa da demissão (sem justa causa) do Rev. Prof. Valdinei Aparecido Ferreira, de seu cargo de Professor de Sociologia da Religião na Faculdade de Teologia de São Paulo (FATIPI), da IPIB, por causa de um artigo que ele escreveu na Folha de S. Paulo sobre o tema: “Jesus e Judas: Quem traiu quem?” A FATIPI é mantida e administrada pela Fundação Eduardo Carlos Pereira (FECP), que, por sua vez, pertence à IPIB.

Para quem não sabe, eu fui Professor de História da Igreja e do Pensamento Cristão na FATIPI, na mesma faculdade da qual o rev. Valdinei foi exonerado, no período de 2014-2017, tendo sido constrangido a pedir demissão em 2017. Eu não tinha nenhuma intenção de pedir demissão do meu cargo, mas o fiz, para não criar, então, uma crise, como a que agora está criada com a demissão do rev. Valdinei. Naquela época, pelo que consta, foi o Presbitério de Marília que protestou contra a minha presença na FATIPI, por ser eu um liberal na área da Teologia, fato que nunca neguei e do qual a FATIPI tinha pleno conhecimento quando me contratou. O problema foi deflagrado por uma resposta que dei a uma aluna no Curso de Teologia em EAD, nem uma discussão online, durante o primeiro semestre de funcionamento desse curso. A pergunta, pessoal e direta, foi se eu acreditava que a Bíblia era a Palavra de Deus, inspirada por ele, de forma a garantir sua inerrância e infalibilidade. Depois de um diálogo com a moça, eu disse que acreditava que a Bíblia era um livro escrito por humanos, e passível de falhas e erros, que sempre podem estar presentes quando se trata de obra ou de produto que é feito por eles. “Errare humanum est“, já diziam os latinos.

O fato ocorrido com o rev. Valdinei me levou a discutir no Facebook, no meu perfil @eduardo.chaves, uma série de questões que precisam ser enfrentadas com coragem, hoje, se a IPIB não deseja se dividir mais uma vez. Digo “mais uma vez”, da mesma forma que escrevi “(re)abriu”, no primeiro parágrafo, porque a IPIB já passou por algumas crises do mesmo tipo, a mais importante delas (além da que resultou no seu nascimento, por divisão celular, da Igreja Presbiteriana do Brasil [IPB]), sendo a de 1938-1942.

Quem quiser saber mais detalhes sobre essa crise de 1938-1942, deve consultar o excelente livro do rev. Éber Ferreira Silveira Lima, Protestantes em Conflitos: Conservadores e Liberais na Época de Vargas (1930-1945), publicado em 2005 pela Editora Pendão Real. O rev. Éber, grande amigo meu, é, hoje, além de pastor da IPIB, diretor do Museu da IPIB.

O estopim dessa crise de 1938-1942 foi o exame de um candidato por parte de um presbitério. Alguns pastores, que aparentemente desejavam se ver livres do pastor que era tutor desse candidato, e sabiam que ele aceitava uma doutrina não-ortodoxa sobre as chamadas “penas eternas” (a tese de que quem morre sem estar salvo, os chamados ímpios, vai padecer por toda a eternidade no inferno, onde estará submetido a toda sorte de sofrimentos inimagináveis. O pobre rapaz, franco e veraz, disse que ele tinha sérias dificuldades em aceitar essa doutrina, e que preferia acreditar que os não-salvos, os ímpios, quando morrem, são aniquilados, sua alma simplesmente deixando de existir, assim como o seu corpo, sem ir para o inferno.

Bastou isso, envolvendo alguém que nem pastor era ainda, e eclodiu a crise. Como resultado dela, no período de 1938-1942 a IPIB se dividiu em três igrejas: A Igreja Presbiteriana (IPC), do lado direito, digamos, a Igreja Cristã do Brasil (ICB), do lado esquerdo (mas não esquerdista, no sentido atual), liderada principalmente por professores universitários, especialmente da Universidade de São Paulo, e a terceira, sendo a chamada “Via Media”, expressão em Latim, usada para expressar algo como “o centrão”, aquele povo que fica onde sempre esteve, que, no caso, continuou na IPIB, mantendo o nome e a posse dos bens da IPIB. A ICB durou pouco e se dissolveu.

O curioso é que, na mesma época, houve uma divisão na IPB que produzou uma outra Igreja Presbiteriana Conservadora (IPC). Oportunamente, a Igreja IPC egressa da IPIB, e a IPC, egressa da IPB, se uniram (coisa rara, no Brasil) e formaram a Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil (IPCB). (NOTA: Os nomes exatos, e as siglas, às vezes divergem em detalhes, na literatura, mas os fatos são esses).

Para entender a plataforma doutrinária dessa última, a IPCB, vale a pena ler o livro de João Alves dos Santos, A Questão Doutrinária: Os Fatos que Levaram à Formação da Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil, de 2011, editada pela Editora da própria IPCB. Diferentemente do rev. Éber, que é pastor da IPIB, o rev. João é pastor da IPCB. O livro, que já tinha há algum tempo, mas só li com cuidado agora, é mais do que uma grata surpresa: é um primor… Trata de tudo que é essencial, em Português escorreito, e de forma absolutamente isenta.

Na segunda parte do livro de seu livro, o rev. João Alves dos Santos põe na mesa, por assim dizer, questões fundamentais, dando-lhes equacionamento conservador:

Ei-las:

  1. Doutrina é fundamental;
  2. É impossível conciliar firmeza doutrinária com tolerância;
  3. Logo, a tolerância é uma forma de erro.

Em suma: quem quiser ser presbiteriano conservador deve ter clareza de que está aceitando, ainda que implicitamente, esses três princípios, que concluem que a tolerância é um erro na área da doutrina. Ou seja, para os presbiterianos conservadores, a tolerância é uma heresia. Em outras palavras: você pode ser totalmente ortodoxo em suas crenças, mas se você tolera pontos de vista de alguém que não é ortodoxo, você também deixa de ser ortodoxo e passa a ser herege.

Esses três princípios são fundamentais. A conclusão (C), decorre, logicamente das duas premissas (A) e (B). Se você aceita as duas premissas, não há como evitar a conclusão, e o problema está criado.

Eu nasci presbiteriano, por assim dizer. Meu pai (rev. Oscar Chaves) era pastor da IPB – pastor conservador, fundamentalista, mesmo. Eu fui para o Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, em 1964, fez sessenta anos no ano passado. Em 1966, fui expulso, junto de outros 38 alunos. Por quê? Porque já naquela época eu não convivia muito bem com as duas premissas, (A) e (B). Mais tarde eu, depois de muito estudo, concluí que as duas premissas em questão são inaceitáveis. Penso isso até hoje.

Vou discutir essas duas premissas rapidamente.

2. Doutrina É Fundamental?

Há duas questões fundamentais aqui, uma relacionada com a Bíblia, em si, e a outra relacionada com as chamadas Confissões (Confissões de Fé, na verdade). Vou discutir cada uma delas, também rapidamente.

A. A Bíblia como Fonte de Doutrina

Não resta dúvida de que a chamada Questão Doutrinária tem suas raízes na Bíblia.

Uma doutrina é uma afirmação, ou enunciado, ou proposição, cuja aceitação (endosso) uma instituição (uma igreja, um partido político, um movimento, etc.) considera essencial, inegociável, e obrigatória por parte de seus membros.

a. Um Exemplo da Área da Teoria Política

Vou usar um exemplo de fora da área religiosa e teológica.

Para partidos ou movimentos políticos de tendência liberal (hoje a chamada direita), a tese de que todos nós, seres humanos, em decorrência de nossa condição humana, e em virtude de um valor que é considerado básico e fundamental, a liberdade, temos certos direitos individuais básicos, como, por exemplo, o direito à liberdade de pensamento, à liberdade de expressão, à liberdade de ir e vir, à liberdade de nos associar e organizar em grupos, à liberdade de guardar, como propriedade, os frutos do nosso trabalho, etc. Para os liberais essa tese é a principal doutrina. Ninguém é liberal se não a aceita. Para os liberais esses direitos são naturais e individuais. Thomas Jefferson, que escreveu a Declaração de Independência dos Estados Unidos, afirmava que eles nos foram dados por Deus, não por algum governo generoso. E são imprescritíveis e inalienáveis: eles não expiram nunca e nenhum governo tem o direito de removê-los, revogá-los ou ignorá-los. A função básica do estado, através de seus governos, é principalmente  proteger esses direitos e essas liberdades. (Eu aceito esse conjunto de teses, desde 1966, quando, aqui no Brasil, a gente vivia sob o governo militar).

Para partidos ou movimentos políticos de tendência socialista (hoje a chamada esquerda), a tese de que todos nós, seres humanos, em virtude de um valor que é considerado básico, a igualdade, temos direitos a direitos sociais básicos, como, por exemplo, o direito a uma alimentação suficiente e de qualidade para nos manter sadios, a um local decente onde viver, para nos proteger dos elementos e de ataques de animais ou outros humanos, a vestimentas e outros produtos (sapatos, cobertores, etc.) que nos aqueçam adequadamente, quando estiver frio, um pedaço de terra ou um emprego para que possamos nos sustentar e sustentar à nossa família, etc. Para os socialistas, incluindo e os social-democratas e os comunistas, essa tese é a principal doutrina. Ninguém é socialista se não a aceita. Para eles esses direitos são sociais e coletivos, e não naturais e individuais, porque nós nascemos diferentes, do ponto de vista biológico e mental, bem como em lugares distintos, uns mais ricos (Genebra, por exemplo), outros mais pobres (uma tribo indígena da Amazônia), fatos que geram desigualdade social, que precisa ser eliminada, ou pelos governos, através de políticas públicas que retiram de quem tem mais (através de impostos e taxas) para dar para quem tem menos (através de serviços (de saúde, educação, infraestrutura, etc.) de vários tipos, bem como através de vários tipos de bolsas, etc. tudo custeado com os recursos retirados de quem paga impostos, ou, como os comunistas defendiam, através de uma revolução social. Essa é a função básica principal do Estado, através de seus governos.

O desafio, no caso da doutrina religiosa cristã, é o seguinte: a Bíblia deixa claro quais são as doutrinas básicas que todo cristão deve aceitar, não podendo rejeitar sem deixar de ser cristão? Se deixa, quais são elas?

b. É a Bíblia Realmente Fonte de Doutrina?

Evidentemente, a Bíblia contém vários princípios e ensinamentos que podem ser considerados doutrina, em seu estado bruto, às vezes metafórico, no sentido do termo “doutrina” que acabamos de analisar.

Por exemplo, estas são algumas doutrinas encontráveis na Bíblia:

  • Existe um ser, que é eterno, todo-poderoso, onisciente, e infinitamente bom, que veio a ser chamado de Deus.
  • Tudo que existe foi criado por Deus, inclusive os seres humanos (criados em um par, macho e fêmea, homem e mulher).
  • Deus deu regras e normas para que os seres humanos orientem sua conduta, e, no devido tempo, lhes deu uma série de mandamentos que devem reger sua vida.
  • O casal constituído pelos dois seres humanos que foram criados diretamente por Deus desobedeceu às regras básicas que Deus lhes deu para viver no jardim que lhes destinou como morada, e foi expulso de lá, sendo amaldiçoado com algumas punições (necessidade de trabalhar para sobreviver, sofrimento, no momento de parir (para a mulher), uma vida finita, que se acaba de forma impossível de prever, etc.
  • Deus lhes determinou que tivessem relações sexuais para se multiplicar, de modo a encher a terra.
  • Deus, para remediar a “pisada na bola” dos dois primeiros seres humanos, elaborou um complexo plano de salvação para a humanidade e começou a implementá-lo.
  • Etc.

Algumas dessas doutrinas são bem explícitas na Bíblia, como, por exemplo, a segunda, que está contida nos dois primeiros capítulos de Gênesis. Mesmo assim, há dúvida, se Deus primeiro criou o homem e, só depois de um tempo, quando percebeu que o homem estava meio sorumbático, criou a mulher, ou se ele criou os dois, digamos, de “de uma tacada só”.

A última doutrina, sobre o “plano de salvação”, não é claramente apresentada em um lugar só na Bíblia, mas é recolhida de vários trechos e passagens e “sintetizada” –  fato que suscita todo tipo de dúvidas e discussões. Judeus e Cristãos divergem no mais básico em relação a essa questão, e cristãos diferem entre si. Há salvação fora de Jesus? Quem viveu antes de Jesus tem alguma chance de salvação? Há eleição e predestinação? Quem morrer sem aceitar a Jesus ou sem ser eleito vai passar a eternidade inteira no inferno, sofrendo tormentos e agruras indescritíveis? Mesmo se for uma criança que apenas viveu poucas horas? E o que acontecerá com os que nascem mortos? Mesmo os eleitos precisam fazer alguma coisa para que sejam salvos, ou Deus faz tudo?

B. As Confissões de Fé como Fonte de Doutrina

As Confissões de Fé (e os Credos que as precederam) foram criadas para tentar resolver algumas dessas questões, com um máximo de clareza e um mínimo de precisão. Um monte de teólogos (em alguns lugares chamados de “divinos”) se reúne em algum lugar por um tempo e eles tentam dar respostas para a maioria das questões levantadas ou existentes. Mesmo assim, sobram questões não respondidas, ou não respondidas de forma satisfatória… A interpretação das Confissões gera mais dúvida e discordância. Cada Igreja Reformada fez sua Confissão, mas a interpretação da Confissão, e mesmo a questão da obrigatoriedade da aceitação da Confissão “in totum”, ou de alguma parte mais complicada dela, gera controvérsias que, ou resultam em divisões, separações, expurgos – ou, então, são admitidas como inevitáveis, passando os cristãos a adotar tolerância para com a diversidade de ideias e crenças. Bolam-se princípios como “no essencial, unidade, no não essencial, liberdade, em tudo, amor (vale dizer, tolerância). Mas os conservadores de 1938, como vimos, não toleram a tolerância, consideram-na inaceitável, herética… Pelo jeito, os conservadores de hoje também não.

Dentro do Presbiterianismo, a bendita Confissão de Fé de Westminster tem produzido mais dissensões, controvérsias, “heresy trials”, expulsões e expurgos, divisões, etc. do que qualquer outra coisa.

C. Doutrina é Mesmo Fundamental?

Parece-me evidente que alguém que se considera cristão precisa aceitar pelo menos alguma doutrina que lhe dê uma identidade cristã, que lhe garanta o direito de se chamar cristão.

Mas essa afirmação pode ser aceita por um minimalista, digamos um deísta que aceita que o universo foi criado e é sustentado por um ser inteligente (que chamamos de Deus), que, no tocante aos seres humanos, nos criou com uma natureza que nos permite discernir as regras básicas que devem reger a nossa conduta no plano individual e social, e que a figura de Jesus de Nazaré enriqueceu e aprofundou a nossa compreensão de Deus, como nosso pai, e, portanto do próximo, como nosso irmão. Punto y basta. Só isso. Deus e Jesus estão aí. Mas não muito mais.

Basta “Alguma Doutrina?”  É preciso ser “A Mesma para Todo Mundo? Ou é preciso “O Máximo de Doutrinas, Cada Vez mais Detalhadas? Calvino, nas Institutas, Calvino nos advertiu no sentido do que devemos ter cuidado para não reivindicar saber mais, e com certeza absoluta, do que Deus houve por bem revelar na Bíblia…

Precisamos mais do que um mínimo essencial de doutrina para vivermos e convivermos como cristãos? E precisamos estar de acordo que esse mínimo seja o mesmo para todo mundo? Se precisamos, será que nós, os que nos consideramos cristãos presbiterianos (meu pai insistia nos dois termos ao se identificar e ao identificar a sua igreja), precisamos de um montão de doutrinas que só podem ser descritas em um livrão de mais de mil páginas como as Institutas de J. Calvino, ou será que a Confissão de Fé de Westminster, bem mais sucinta, resume o essencial da Bíblia e das Institutas, ou será ainda que o famoso livro Cristianismo Puro e Simples, do C. S. Lewis, bem mais agradável de ler fácil de entender e aceitar, serve como doutrina suficiente e basta? Para mim, basta C.  S. Lewis. Mesmo ele, certos momentos, tem demais. E não é preciso que todo mundo aceite as mesmas doutrinas, com a mesma precisão. Pode haver quem prefira Cristianismo Básico, de John Stott.  Um membro da IPB precisa aceitar a não ordenação de mulheres, e, se aceitar, precisa concordar com todos os trinta argumentos que o douto rev. Ageu Magalhães, da IPB, educadamente apresenta e defende. Indo além, precisa defender as doutrinas que aceita exibindo a falta de sensibilidade e educação que o rev. Ludgero Bonilha Morais domina tão bem, em sua batalha para livrar o mundo do que ele considera a heresia da ordenação feminina?

3. O Fundamental é Tolerância e Respeito

Diante do exposto até aqui, pode haver um “Cristianismo não-Doutrinário” ou “Minissimamente Doutrinário”?

Eu acredito que pode e deve. Se a gente priorizar a comunhão.

Na maior denominação presbiteriana dos Estados Unidos eles elaboraram um livro com todas as Confissões aprovadas por Igrejas Presbiterianas ao longo da história, e acrescentaram a deles, elaborada em 1967, e bastante modernosa e liberal. Cada pastor e cada membro aceita a que preferir, aquela de que gostar mais. Ou então, pega uma coisa aqui, outra a ali, e faz a sua Confissão de Fé Pessoal.

O medo de muito conservador é que se você adota a liberdade e tolerância, daqui a pouco tudo vale e não seria possível distinguir o cristão do não-cristão, o presbiteriano do metodista, o presbiteriano anteriormente raiz do presbiteriano ex-fundamentalista que agora é modernoso, etc.

Confesso que é um perigo. Mas prefiro correr esse risco a viver em uma igreja que a toda hora julga pastor por heresia, se divide…

Considero os Unitários como Cristãos, porque eles (a exemplo de Serveto), apesar de não acreditar na divindade de Jesus como definida no Concílio Ecumênico de Calcedônia, acreditam que Jesus tem um papel importante, na verdade insubstituível, na vida deles, como exemplo, como estímulo, como inspiração… Os Espíritas, de certa forma, também pensam assim, e igualmente se consideram cristãos. Serveto e Ário acreditavam que Jesus era tão inspirador, como fonte de comunhão e amor, que só podia ser de alguma forma divino, mas não acreditavam que ele era tão divino quanto o próprio Deus, que ele fosse eterno, por exemplo – afinal de contas a Bíblia não diz que ele foi concebido em Maria, que não era eterna, e ele, que nasceu dela, um dia morreu… No entanto um foi queimado na fogueira e outro, apesar de bispo que tinha uma aceitação generalizada em boa parte do mundo cristão do século 4, foi condenado como herege, expurgado, perseguido, ameaçado de morte.

Eu, pessoalmente, gosto muito da chamada Reforma Radical, dos Irmãos Suíços e Moravianos, dos Quakers, dos Menonitas, dos Amish. Ali a comunhão e a conduta, em torno de um ideal comum, inspirado por Jesus de Nazaré, é mais importante do que a doutrina.

Para que cheguemos a esse ponto não é possível concluir que doutrina é fundamental. E a tal de “firmeza doutrinária” que me desculpe, teremos de nos despedir dela se valorizamos a comunhão e a conduta baseada no amor fraternal que Jesus pregou. Para isso, o fundamental é, pelo menos, a tolerância. O ideal seria o amor fraternal. Mas o caminho que vai de um ao outro é longo e difícil. No entanto, abandonar a tolerância, buscar a firmeza doutrinária, que nada mais é do que considerar a doutrina – a doutrina que nós aceitamos – como fundamental, fazendo de conta que isso é compatível com o amor ao fraterno para com o próximo, na forma que Jesus o preconizou, me parece uma opção totalmente errada, quase suicida. Se há heresia, é isso…

4. Há Solução para a Crise na IPIB?

Deixo essa pergunta para o leitor. Há solução para a crise que evite a divisão e separação, no estilo do que ocorreu em 1938-1942, ou a única solução é mais uma vez dividir?

Uma coisa me parece clara – o que vou dizer é o que penso: a solução conservadora é dividir e separar, porque tolerar as divergências, tolerar irmãos que ousam pensar diferente é heresia. Para que não haja divisão, todo mundo precisaria se convencer da que a única solução é a Solução Liberal, na qual a gente começa com Tolerância e, com o tempo, chega na solução definitiva do Amor Fraterno pregado por Jesus.

Em Salto, 28 de Abril de 2025

Eduardo CHAVES



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