A Própria Bíblia Pode Provar sua Inerrância e Infalibilidade?

Acabei de receber cópia de um artigo, escrito por (Paul Beausoleil — Paulo Belo Sol!), com o seguinte título: “The Essential Biblical Witness to the Inerrancy of Scripture: An Exegetical Compendium”.

Sempre achei muito estranho que haja gente que tente provar que a Bíblia é inerrante e infalível usando testemunho retirado da própria Bíblia (o que essa gente chama de “Biblical Witness” — versículos selecionados extraídos da Bíblia, em especial 2Tim 3:16). Na minha opinião, para argumentar que a Bíblia é inerrante e infalível é preciso recorrer a “Extra Biblical Witnesses”, caso contrário a coisa fica redundante — algo como “A Bílblia é inerrante e infalível porque ela diz que é…”.

Imaginem que eu seja chamado diante de um Juiz por ter mentido, em uma situação em que fosse obrigatório falar a verdade, e o Juiz me pergunta: “Você tem alguma testemunha de que você falou a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade, e em nenhum momento mentiu?”, e eu respondo: “Sim, tenho!”, e o Juiz me pergunta: “Quem é?”, e eu digo “Eu mesmo. Eu lhe garanto que eu falei a verdade porque eu sou veraz, nunca minto…”. Para provar isso, se é que isso é algo provável, eu preciso recorrer a alguém ou a algo “extra myself”, fora ou diferente de mim.

O pior é que mesmo o uso de versículos bíblicos para provar a inerrância e infalibilidade falha. 2Tim 3:16 pode ser interpretado de forma a perder totalmente o “punch” que se lhe pretende imprimir.

Vejam o texto original em Grego de 2Tim 3:16:

16 πᾶσα γραφὴ θεόπνευστος καὶ ὠφέλιμος πρὸς διδασκαλίαν, πρὸς ἐλεγμόν, πρὸς ἐπανόρθωσιν, πρὸς παιδείαν τὴν ἐν δικαιοσύνῃ

A tradução geralmente feita para o Português é:

“16. Pois toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus e útil para ensinar a verdade, condenar o erro, corrigir as faltas e ensinar a maneira certa de viver”. [NTLH].

No entanto, a tradução literal para o Português seria:

“Toda escritura soprada por Deus e proveitosa para ensino, para repreensão, para correção, e para a educação em justiça”.

Esquisito, não é? Parece que falta coisa… O versículo inteiro não tem nenhum verbo. O “é” incluído pela NTLH antes de “inspirada por Deus” não existe no original. E, se vai ser incluído um “é” apócrifo, por que não antes de “e proveitosa”? Muda o sentido completamente, que passaria a ser “Toda escritura soprada por Deus é proveitosa para…” Também não há o artigo “a” antes de “Escritura”. E não há a palavra “sagrada” no original. É muito diferente dizer, como diz a NTLH “toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus” e dizer “toda escritura soprada por Deus”. Concorda? O termo grego θεόπνευστος aparentemente foi inventado pelo autor da carta (que provavelmente não é Paulo). O termo inventado quer dizer “soprado por Deus”, não “inspirado”, no sentido de inspiração literária… No resto do versículo a NTLH floreia mas não vai contra o original.

Além disso, mesmo que esse conhecido versículo provasse alguma coisa, ele o faria em relação apenas ao Velho Testamento, não ao Novo, que nem estava com o cânon fechado, algo que viria acontecer somente cerca de 300 anos depois. Nos livros do Novo Testamento, quando há referência a “Escritura”, é ao Velho Testamento que se refere, porque o Novo nem existia ainda…

Só em 367 apareceu uma lista completa dos 27 livros do Novo Testamento, elaborada pelo Bispo Atanásio. Listas anteriores ou não tinham todos os livros ou continham outros livros que, depois, foram deixados de fora, como apócrifos…

Complicado tudo isso, né?

Em Salto, 26 de Maio de 2025



Categories: Liberalism

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