José “Pepe” Mujica

Há poucos políticos de esquerda que eu admiro. A maior parte deles não é realmente político, no sentido corriqueiro. O que admiro, na verdade, é a pessoa, que, politicamente, é de esquerda.

Um desses é José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai. Foi presidente do país vizinho de 1.3.2010 a 1.3.2015. Visitei o Uruguai quando ele era presidente, numa viagem DE CARRO longa que fizemos, a Paloma Epprecht Machado Campos Chaves, a Bianca Epprecht Machado França e eu, em que passamos por toda a região hoje alagada do Rio Grande do Sul, Chuí, na divisa com o Uruguai, Montevideo, Colonia del Sacramento, Buenos Aires e Ushuaia, onde minha irmã mais nova, Ane Chaves Souza, estava morando.

Em Montevideo, no dia 28.12.2014, comprei uma biografia “novelada” de Mujica, escrita por Walter Pernas: Comandante Facundo: El Revolucionario Pepe Mujica. Li uns bons pedaços, mas não tudo.

Hoje encontrei uma entrevista de Mujica na Folha. Muito interessante. Vale a pena ler, apesar de ser restrita a assinantes. O URL é:

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2024/05/temos-muito-mais-riqueza-mas-somos-seres-piores-diz-pepe-mujica-a-folha.shtml

Mujica descobriu, há poucos dias, que está com câncer no esôfago. Deverá fazer 90 anos este ano. Não quis ir se tratar fora. Os apoiadores tentaram fazer com que ele aceitasse a oferta de ir se tratar fora — eles pagariam. Ele recusou. Vai se tratar com a medicina e os cuidados que o Uruguai puder lhe oferecer.

Defendeu muitas teses interessantes. A principal foi incorporada no título da matéria: “Temos muito mais riqueza hoje, mas somos seres humanos muito piores”.

Ele argumenta com um argumento simples. Quando era menino, seu pai o levou algumas vezes a assistir ao clássico uruguaio de futebol, Nacional vs Peñarol. Não havia torcida única, nem separação de torcida no estádio. Era todo mundo misturado. E cada um torcendo para o seu time. Quando um time fazia um gol, metade do estádio celebrava, a outra respeitosamente ficava quieta, porque, quando o time dela fizesse um gol, o tratamento seria o mesmo. Civilidade. Mais do que isso: Humanidade. Fora do estádio, antes ou depois do jogo, qualquer que fosse o resultado, não havia briga. Nunca houve notícia, naquela época, de um torcedor ter matado um outro porque era do time rival.

O que houve com a nossa humanidade, de lá para cá, nos últimos 60-70 anos, ele pergunta? Os seres humanos se tornaram piores, na média. Não há outra explicação.

Na política, sempre houve direita e esquerda. Apenas não eram chamadas assim, antes da Revolução Francesa. Sempre houve quem estava satisfeito com o status quo, e queria mantê-lo, fazendo-lhe pequenas melhorias, pouco a pouco, e quem não estava satisfeito com o status quo, e queria mudá-lo. Dentre estes, havia quem queria mudança gradual, mas certa, e quem queria mudança revolucionária, tudo de uma vez só, mas incerta.

Não é estranho que hoje haja direita e esquerda. Isso sempre houve. O estranho, hoje, é a intolerância, o ódio, a radicalidade, a violência, a falta de respeito ao outro, que pensa de forma diferente. O erro foi ideologizar tudo, diz Mujica. Quem está no poder não quer largar de maneira alguma, mesmo que seja necessário apelar à fraude ou à violência. O resultado final não será bom. Para ninguém. Não importa quem ganhe ou tome o poder.

Na foto [a segunda foto na matéria da Folha], Mujica, na casa dele. Ele continua a dirigir um fusquinha azul e a morar numa casa simples no sítio em que sempre morou. Foi presidente, não tentou mudar a legislação para poder ser reeleito (como fez FHC). O poder não o seduziu. Tampouco as benesses do poder, a corrupção, a roubalheira, as viagens frequentes para o exterior com hospedagem em hotéis 7 estrelas.

Minha homenagem a ele. Um cara de esquerda que eu respeito, mesmo quando discordo dele. Mas na entrevista dada à Folha, não discordo de quase nada.

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Em Salto, 13 de Maio de 2024



Categories: Liberalism

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