Do Canal de Notícias Meio (por e-mail de hoje, 7 de Agosto de 2018):
“A Editora Abril demitirá, até amanhã, pelo menos 500 pessoas. Destas, 171 jornalistas. Inúmeros títulos serão encerrados. Ficam, de acordo com o Meio & Mensagem: Veja, Veja São Paulo, Exame, Quatro Rodas, Claudia, Saúde, Superinteressante, Viagem e Turismo, Você S/A, Você RH, Guia do Estudante, Capricho, Mdemulher, VIP e Placar.”
Ontem à noite (6 de Agosto de 2018, na verdade, hoje de madrugada, 7 de Agosto de 2018) o “Conversa com o Bial”, na Globo, teve como convidados Luiz Schwarcz, diretor da Editora Companhia das Letras, Marcos da Veiga Pereira (neto do José Olympio), da Editora Sextante, e, na parte final, André Conti, diretor da Editora Todavia, uma editora nova, que é, de certo modo, um spinoff da Companhia das Letras, onde o Conti trabalhou 11 anos). Conseguiram falar por cerca de uma hora, discutir a crise do setor editorial (o Brasil está publicando 20% menos livros desde 2014), o endividamento das grandes livrarias (Cultura, Saraiva), que não pagam os fornecedores (inclusive as Editoras) — e não falar nada da Amazon e só fazer uma referência en passant ao e-book (abrangendo as revistas e os jornais digitais), como se ele, o e-book, não estivesse no centro da crise das editoras convencionais e das livrarias… Uma piada.
Um amigo de Facebook, Magno Paganelli, retorquiu argumentando assim:
“Não tenho tanta certeza de que os e-books são o centro da crise nas convencionais. Quando saíram por aqui, li uma pesquisa feita nos EUA dando conta de que nada foi impactado efetivamente, a não ser pela novidade. Logo em seguida os números eram bem insignificantes. Aliás, demonstravam que o eletrônico . . . estimulava[..] a venda do livro físico.”
Questionei essa afirmação e trocamos algumas estatísticas. Mas concluí que estatísticas dos anos passados não são tão significativas (embora não mostrem, a meu ver, o que ele afirmou). Mais significativo é o conjunto da evolução e do movimento histórico das tecnologias aplicadas às mídias.
Na minha forma de entender, há uma coisa que eu descreveria como “lógica” da tecnologia aplicação da tecnologia, e das mudanças que dela decorrem, que é algo próximo de inevitável.
O livro impresso matou o livro manuscrito. Levou um tempinho? Levou, sim. Mas 100 anos depois da invenção da prensa de tipo móvel de Gutenberg, por volta de 1550, não se faziam mais livros manuscritos. Tudo era impresso. Por quê? Rapidez do processo, custo / lucro / preço, escassez de escribas competentes e confiáveis (que não alteravam o texto copiado para atender a seus interesses ou aos de terceiros), e, especialmente, a possibilidade de produção em massa de cópias idênticas, indiferenciáveis, de um mesmo produto, etc.
O livro digital (e-book) vai matar o livro impresso. E vai demorar muito menos tempo. Eu diria até: e demorou muito menos tempo. O livro impresso desapareceu? Ainda não. Vai desaparecer de todo? Provavelmente, num futuro próximo, não. Mas vai desaparecer. Quanto a isso não tenho dúvida. O livro impresso é uma tecnologia que já tem mais de 500 anos e que já esgotou o seu ciclo. Uma nova tecnologia já chegou e vai colocar o livro impresso na cova da história.
Por quê? Vejamos só as vantagens do e-book (que apontam, em negativo, para as desvantagens do livro impresso).
O e-book dispensa papel, não agride o ambiente, não impõe custo significativo de estocagem, a distribuição tem um custo negligível, pode ser substituído “on the fly”, e sem custo, por uma versão corrigida e atualizada, para o usuário não impõe a necessidade de estante e biblioteca (eu sei o problema que isso causa: tenho uma biblioteca de cerca de 30 mil exemplares impressos), etc.
E, agora, o que, para mim, é o maior benefício: o e-book você compra, mesmo de uma loja em Londres, ou em Frankfurt, ou em Canberra, e recebe NA HORA, podendo começar a lê-lo em seguida.
O preço do e-book poderia ser uma fração ínfima do preço do correspondente livro impresso. Por que não é? Porque a máfia das grandes editoras de livros impressos ainda têm os autores com a corda no pescoço. Mas isso não vai durar. A Amazon já é uma grande editora — que publica e-books editados por ela mesma. E estes ela vende por preço menos do que 5 dólares. Elsevier e outros, que publicam periódicos cuja assinatura custa mais de 250 dólares por ano (para quatro exemplares), já sofrem a concorrência de periódicos digitais de qualidade, com “referees” e tudo, indexados, que saem quase de graça na Internet.
Leitores viciados, como eu e muitos outros, têm uma espécie de “caso de amor” com o livro impresso. Mas isto vai acabar com esta geração que está chegando ao fim proximamente.
A seguir, pergunto ao Magno Paganelli e a você, leitor.
Quando você precisa de uma informação de enciclopédia, você olha na Wikipedia ou na Barsa, Mirador, Britannica? Por curiosidade: você tem em casa uma enciclopédia dessas impressas, com mais de 15 volumes básicos, atualizada com os respectivos Livros do Ano?
Quando você precisa confirmar uma notícia urgente, você vai correndo até a banca de jornal mais próxima? Ou entra no site do Estadão, do Globo, da Folha e verifica lá se a notícia é verífica ou falsídica (fake news)? Você assina a VEJA, a Época, a IstoÉ, e guarda em casa os exemplares antigos, ou paga uma pequena taxa mensal para ter acesso a elas, em seus números correntes e atrasados? Assina os dois quilos do Estadão de domingo? Vende o jornal lido para o açougueiro embrulhar carne?
O mesmo se aplica a outras mídias. Você tira fotografias com chapas de vidro, como os antigos fotógrafos do Jardim da Luz? Ou com filmes Ektachrome? Onde você as “revela”? Tem studio em casa? Ou será que você é um “modista” que usa câmeras digitais? As fotos que você tira, você vai a um quiosque da Kodak e imprime ou tem uma impressora de qualidade e compra papel fotográfico para imprimir, ou, alternativamente, como manda o bom senso, guarda em arquivos, com “albuns” dentro deles, acessáveis por software, app, etc., com diferentes níveis de qualidade (para mandar por e-mail, para colocar no site, etc.?) Você carrega fotos da família em papel em sua carteira, recheada de notas? Ou mostra as fotos em seu celular — nem tendo mais carteira com notas de dinheiro, porque o dinheiro agora é de plástico, vale dizer, eletrônico?
Mas o fenômeno mais próximo é a música. Você usa discos de vinil? Fitas cassete? CDs? Provavelmente tudo isso ficou ultrapassado. Você entra num site que vende músicas digitais e baixa só as que você quer, pagando apenas por elas (e não por 12 ou 15), para seu pendrive ou telefone? Alguns se assustaram quando souberam que alguns grandes músicos estavam abrindo mão de distribuir sua música em CDs, para disponibiliza-las através de sites, dos quais os interessados podem baixar (pagando uma taxa por música) ou ouvir em streaming (pagando, talvez, uma assinatura mensal). Mas agora isso é comum.
A mesma coisa com filmes. Você se lembra das videolocadoras, que alugavam filmes em VHS, depois em DVD? Onde elas estão? Cadê a Blockbuster? O DVD foi substituído pelo Blu-Ray, e este pelo video streeaming, pelo NetFlix, etc.
Por que é que você, Magno Paganelli, acha que o livro impresso vai sobreviver quando uma lógica inexorável já decretou seu fim? Abrir uma editora de livros impressos em papel agora é uma iniciativa suicida. Você fez bem em vender a sua em 2015. O único jeito de ganhar dinheiro com editora no futuro próximo é editorando e-books, vendendo-os barato (em consonância com o custo real) e ganhando na quantidade. Estatísticas do passado não significam grande coisa, porque o significado está nas estatísticas do futuro… E o futuro prevê, entre outras coisas, que a gente compre artigos isolados de revistas digitais, capítulos isolados de coletâneas de artigos digitais, verbetes isolados de enciclopédias digitais, etc. Como no caso da música. Por que eu vou pagar até 270 dólares por uma cópia em hard cover do Cambridge Companion to C S Lewis, quando eu posso comprar apenas dois ou três artigos que me interessam mais de perto?
Para concluir.
Compare onde você acha isto, Magno Paganelli, e você, leitor:
Obras Completas de Machado de Assis I: Romances
Obras Completas de Machado de Assis II: Contos
Obras Completas de Machado de Assis III: Teatro
Obras Completas de Machado de Assis IV: Poesia
Obras Completas de Machado de Assis V: Crítica Literária
Obras Completas de Machado de Assis VI: Crônicas
Obras Completas de Machado de Assis VII: Folhetim – 1
Obras Completas de Machado de Assis VIII: Folhetim – 2
Obras Completas de Machado de Assis IX: Cartas
Preço: menos de um dólar por volume. Em e-book. Está bom assim? Na Amazon USA. Menos de dez dólares compra a coleção inteira. 40 reais. Sem frete.
Agora termino. Aqui no Brasil a minha mulher, Paloma, pagou recentemente 100 reais (mais de 25 dólares) por uma cópia USADA do livro de Seymour Papert, A Máquina das Crianças. 210 páginas. Paperback.
Na Amazon USA, o mesmo livro, usado, mas em excelente condições (garantido sem marcas, rabiscos, quebras, rasgos, etc.), é vendido por 6 dólares.
As editoras e as livrarias brasileiras merecem ou não merecem a sua crise? Ontem, os editores reclamaram que o preço dos livros brasileiros está (believe me!) defasado. Argumentaram que seria preciso reajustar o preço, mas a crise não deixa… Assim, as editoras acabam tendo prejuízo…
‘Tadinho deles. Morro de dó. Mas continuo a comprar os meus livros, até os de Machado de Assis, em formato e-book na Amazon USA.
É isso o que eu penso. Por enquanto. Pode ser que eu mude e fique ainda mais radical.
Há quase dez anos eu disse tudo isso numa reunião da Abril Educação com consultores. Não adiantou nada. Hoje, a Abril Educação “is no more”.
Eduardo CHAVES
Em São Paulo, 7 de Agosto de 2018!
POST SCRIPTUM:
Há um fenômeno que eu não comentei no artigo (embora tenha mencionado aqui na discussão). Por volta de 2011 a Amazon anunciou que, para cada 100 livros impressos que ela vendia, vendia 105 e-books. Ou seja: a venda de e-books havia ultrapassado a venda de livros impressos.
Vide [https://www.nytimes.com/2011/05/20/technology/20amazon.html]
Isso aconteceu, mais para o início da venda de e-books, porque as grandes editoras, que não acreditavam na venda de e-books (como a IBM não acreditou, inicialmente, na venda de microcomputadores), deixou que a Amazon colocasse neles o preço que ela, Amazon, considerava “ótimo” — que, em regra, era bem abaixo do preço dos livros impressos, como deve ser, por ser o custo do e-book muito menor.
Quando as grandes editoras perceberam que os e-books estavam vendendo como água, caíram em cima da Amazon, para que esta desse aos e-books preços que ELAS exigiam. E assim surgiu o absurdo atual, em que e-books custam quase a mesma coisa do que os correspondentes em capa brochura (paperbacks) e, em alguns casos, mais, e, em alguns casos especiais, mais até do que as versões dos mesmos livros em capa dura (hard cover). Um contra-senso total. A responsável por isso não é a Amazon: são as editoras tradicionais, em especial as líderes do mercado livreiro.
Embora a Amazon hoje tenha liberdade para dar descontos para livros impressos (cortando as suas margens de lucro), ela não tem a mesma liberdade para dar descontos para e-books (ainda que os descontos saiam de sua margem de lucro e não do que as editoras estipularam como percentual delas em relação ao preço “de lista” (de catálogo).
Eu, como consumidor e usuário de livros, torço pela Amazon e contra aqueles que querem espremer os consumidores por um lucro final num mercado que está com os dias contados.
EC
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