O Avanço Tecnológico e Social dos Orelhões

Participo de um grupo no Facebook chamado “Viva a História Antiga das Cidades de São Paulo”. Ele é controlado por uma “entidade” que se denomina “Amigos de Aldo Francesconi”. Tem mais de 167 mil membros e funciona direitinho, de forma ordeira e disciplinada, atendo-se ao seu objetivo. Vale a pena participar, se você tem interesse histórico no desenvolvimento das cidades do Estado de São Paulo. O endereço é https://www.facebook.com/groups/vivasaopauloantiga/.

Hoje cedo, ao fazer minha visita matinal ao grupo, encontrei uma postagem de Alice Torres, que mostra uma propaganda da introdução de Orelhões que faziam interurbanos nas cidades de Santos, São Vicente, Cubatão e Guarujá, isso em 1978.

Em um comentário sensato e verdadeiro, Alice Torres escreveu:

“Praticamente esquecidos nos dias de hoje, os Orelhões marcaram época, quando as linhas telefônicas eram escassas e fones particulares tinham preços proibitivos. Me lembro de incluir o telefone na lista de bens, na declaração de imposto de renda. Tinha uma tia que possuía várias linhas, que ela alugava e vivia dessas rendas. São situações impensáveis atualmente. Os Orelhões viveram sua época de ouro nos anos 70/80. Sua forma curvilínea e colorida fez parte da paisagem das cidades durante muito tempo e aprendemos a, pacientemente, aguardar na fila, ficha telefônica na mão, a nossa vez de falar. Quem se lembra?

Eu comentei o post dela no grupo, com o texto que segue, sem aspas porque ele é meu mesmo… (embora esteja levemente modificado, aqui, em relação ao que deixei lá).

Belo post, o de Alice Torres. Totalmente verdadeiro. Vivi toda a experiência que ela narra. Era assim mesmo. Mas vivi, também, a situação anterior, quando não havia telefones públicos e os telefones privados, nas residências, eram raríssimos. Os orelhões, operados mediante uma ficha comprada em banca de jornal, ou qualquer outro lugar, e localizados nas calçadas das ruas, nas praças, em todo lugar, foram uma inovação tecnológica e social significativa diante da situação anterior, que passo a descrever, no meu caso particular.

Em Fevereiro de 1952 minha família se mudou para Santo André, SP, vindo do Norte do Paraná (de Maringá, cidade que havia sido fundada cerca de cinco anos antes). Maringá, quando mudamos para lá, no ano em que foi fundada, 1947, era o fim do mundo. Algo parecido com o Oeste americano quando chegaram os primeiros pioneiros. Em Maringá, tenho quase certeza, não havia telefones naquela época, públicos ou privados. Não havia nem luz, nem água corrente, nem esgoto nas casas (a privada ficava fora, nos fundos do quintal)… Haveria de ter telefones?

No Estado de São Paulo, havia um sistema telefônico operado pela Companhia Telefônica Brasileira (CTB), uma empresa canadense (creio), conhecida, popularmente como “A Telefônica”. Ela era a Light da telefonia. Mas o sistema era bem restrito. O número de linhas telefônicas era muito pequeno (mesmo para uma população bem pequena em relação à de hoje). Pouquíssima gente tinha telefone em casa. Só gente rica – ou gente que trabalhava na Telefônica. Minha avó morava em Campinas, SP, mais ou menos a 130 km de distância de Santo André. E meu tio, que morava com minha avó, era um privilegiado: ele trabalhava na Telefônica. Assim que houve uma expansão de linhas, ele conseguiu uma linha doméstica para a casa deles. Sentimos orgulho alheio. Afinal de contas, ele era da família, e alguém na família tinha telefone… Mas em minha casa não tínhamos telefone. Ia demorar ainda um pouco. E os telefones públicos, que vieram a ser chamados de Orelhões, ainda era uma coisa do futuro.

Por volta de 1952-1953, quando a gente queria falar com a minha avó pelo telefone, a gente precisava ir até o centro de Santo André, porque lá havia uma Central Telefônica, onde havia várias cabines telefônicas. É verdade que sempre havia muita gente esperando para falar ao telefone, em especial para fazer um interurbano (um telefonema para uma outra cidade, para quem não sabe), e havia uma fila para falar com a atendente/telefonista. A gente pegava um lugar na fila e, na vez, dizia à telefonista que queria falar, no nosso caso, com o número 7007, em Campinas (não havia DDD, que quer dizer “Discagem Direta a Distância) e não havia, que eu saiba, Código de Área (nem o CEP havia sido inventado ainda, que quer dizer “Código de Endereçamento Postal”, coisa moderna). 7007 era o lindo número do telefone da casa da minha avó – escolhido a dedo pelo meu tio. A telefonista anotava numa folha de papel, a mão, pois não existiam computadores ainda aqui no Brasil, em 1952 (eles foram inventados em 1945, lá nos Estados Unidos, e demoraram bastante para chegar aqui), e dizia para a gente algo como: “Vai demorar cerca de 2 horas”. Isso mesmo: duas horas. Este é o seu número — e nos dava um papelzinho que era o nosso comprovante de que havíamos pedido uma ligação para a minha avó (mas o papelzinho não mencionava a minha avó, que, caso seja de interesse, se chamava Angelina). E a gente se sentava para esperar 2 horas. Alguns mais ousados saíam e iam fazer outras coisas na rua, voltando só mais perto do final do seu tempo de espera. Mas a gente tinha medo de fazer isso. Vai que a ligação, por um milagre, ficasse pronta mais cedo, e a gente não estivesse lá para falar, tendo de esperar mais 2 horas…

Quando chegava a vez da gente, a telefonista chamava o nosso número (assim no grito, não havia sistema de som, nem, muito menos uma tela para dizer que o nosso lanche – quero dizer, telefonema – estava pronto). Quando a gente se levantava ela gritava o número de nossa cabine. Eu gostava da Cabine 7, porque sempre gostei do número 7, que é o número do dia em que nasci. Íamos para a cabine, pegávamos o aparelho e falávamos, primeiro com a telefonista de ligações interurbanas, que iria completar a ligação. Dando tudo certo, a ligação era completada e a gente falava — pouco, só o essencial, para não ficar muito caro.

Como eu disse atrás, os Orelhões foram um avanço tecnológico e social significativo em relação às Centrais Telefônicas. Começaram em São Paulo em 1972, acredito, quando a telefonia ainda era controlada pela CTB. Nesse mesmo ano foi criado, pelos militares, o sistema Telebrás, e o Estado de São Paulo ganhou a sua Telesp em 1973. O resto é história para quem tem mais de 50 anos. Daqui a dois anos deveríamos ter um feriado para comemorar o nascimento da Telesp, que gerou a Telesp Celular, conglomerado de empresas estatais que, dada a sua notória ineficiência, bem apontada pela Alice Torres, felizmente morreu cedo, sendo, no Estado de São Paulo, substituída, por três empresas estrangeiras: a Telefónica (espanhola), hoje Vivo, na área de telefonia fixa, e, na área de telefonia celular, por duas empresas, a BCP (se não me engano portuguesa), no DDD 11, e a Tess (se não me engano sueca), nos demais DDDs do Estado de São Paulo, de 12 a 19. Subsequentemente a Claro (mexicana) comprou a BCP e a Tess, e hoje a Vivo e a Claro controlam a telefonia fixa e celular no estado. (A história é um pouco mais complicada: eu estou simplificando bastante.) Quem quiser mais detalhe pode verificar os seguintes artigos na Wikipedia em Português: “Companhia Telefônica Brasileira”, “Telecomunicações Brasileiras S.A.”, “Telecomunicações de São Paulo”, “BCP (Telecomunicações)”, “Tess (Telefonia)”, bem como “Telefónica”, “Vivo”, “Claro”, etc.

Para encerrar, dois casos pessoais — um legal, o segundo, uma tragédia financeira:

Primeiro, minha família conseguiu uma linha telefônica em Santo André, creio que no final da década de 50. O nosso número, como o da minha avó, era bonitinho: 4998. Não sei se meu pai comprou a linha de particulares ou conseguiu em algum plano de expansão.

Segundo, em 1994, quando, com dois amigos, criamos uma empresa em Campinas, para atuar na área de Treinamento em Informática, precisamos comprar quatro linhas de telefonia fixa – o celular ainda inexistia no Brasil. A TELESP não tinha. Compramos no mercado negro a 5 mil dólares por linha, num total de 20 mil dólares. Com a revolução que veio depois, esse “investimento” virou pó.

 Em Salto, 29 de Dezembro de 2021. Revisado em 31.12.2021 com um novo editor, MarsEdit, do qual estou gostando bastante. 



Categories: Technology, Tecnologia

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