C S Lewis e a Educação: 80 Anos Depois – Parte 1

Conteúdo

Nota Preliminar 1

1. Introdução. 3

2. Meu Interesse por C S Lewis 4

A. De 1964 a 1970. 4

B. De 2010 ao Presente. 5

3. O Tema “A Abolição do Homem”. 6

A. Quando Começou a Era Moderna?. 6

B. A Sugestão de C S Lewis 7

C. A Antropologia Filosófica de C S Lewis. 8

D. A Visão Clássica da Natureza Humana. 9

E. A Visão da Natureza Humana de C S Lewis. 12

F. A Questão da Objetividade dos Valores 14

4. O Desafio. 19

5. Notas da Parte 1. 20

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Nota Preliminar

Este artigo contém quatro partes. Esta é a primeira. Ela foca, basicamente, mais do que as outras três, o tema: C S Lewis e a Educação [1]. As outras três partes focam mais as características da Cultura Clássica e da Cultura Moderna, que se digladiam, hoje, sobre a Educação e vários outros temas.

Mas o artigo têm, como ponto de partida e foco, um livro de Lewis, chamado The Abolition of Man, publicado em 1943 ou em Janeiro de 1944, e que se baseou em três conferências que Lewis pronunciou em uma universidade inglesa nos dias 24 a 26 de Fevereiro de 1943. (Maiores informações na Introdução e nas Notas de Fim de Texto).

A primeira conferência foi pronunciada, portanto, exatamente oitenta anos atrás, hoje, 24 de Fevereiro de 2023. Daí o subtítulo deste artigo, que é minha modesta homenagem a Lewis, a esse seu livro, e à sua obra, em geral, que é uma crítica formidável à Modernidade e ao Cientificismo (ou Cientismo, como preferem alguns).

Suas propostas na área da Educação se aninham neste contexto. Para a Educação, no entender de Lewis, a Literatura, em especial, e a Arte (as Artes), em geral, são muito mais importantes do que a Ciência (as Ciências). Em retrospectiva, olhando pelo retrovisor, creio que foi por isso que eu, em 1961, depois de experimentar um ano do Curso Colegial Científico, optei por fazer o Curso Colegial Clássico, fazendo uma escolha que norteou todo o restante da minha vida.

O meu estilo de escrever sobre um autor ou um livro é livre e razoavelmente dispersivo, com vários parênteses que fogem do assunto, com recortes autobiográficos aparentemente irrelevantes (exceto para mim), com notas de fim de texto quilométricas sobre questões ou detalhes que muitos acham que não caberiam em um artigo como este.

Depois de escrever minha Tese de Doutoramento, de 1970 a 1970, sobre David Hume, que foi um “catatau” de 620 páginas que consistiu basicamente de uma exegese stricto sensu da obra de Hume no que tem de relevante para a Metafísica e a Teologia (exceto no primeiro e no último capítulos da tese, que fizeram, o primeiro, uma introdução histórica à problemática que Hume enfrentou sobre o tema, e, o último, uma conclusão que discutiu o impacto que suas ideias sobre o tema tiveram sobre o pensamento filosófico posterior), abandonei esse estilo exegético caracteristicamente acadêmico. Hoje em dia, meus escritos são livres e dispersivos, cheios de parênteses, digressões e notas, como os descrevi. Mas isso veio a acontecer de forma lenta e gradual – que custou para se tornar geral e irrestrita.

Tomei a decisão de consistentemente adotar esse estilo quando li o Prefácio que Rubem Alves escreveu para um livro meu, publicado pela primeira vez em 2003. Disse ele no primeiro parágrafo desse Prefácio:

“Quero, preliminarmente, esclarecer o leitor sobre a minha maneira de ler, pois é ela que determina minha maneira de escrever. Eu leio antropofagicamente: devoro os livros que amo. Depois de devorá-los eles entram no meu sangue. Circulando no meu sangue deixam de pertencer ao autor: passam a ser parte de mim. Assim, ao escrever sobre um livro, escrevo sobre ele tal como foi por mim digerido amorosamente. Tolo seria um homem apaixonado que, ao escrever sobre o jantar que sua amada lhe preparou, transcrevesse as receitas dos pratos que foram servidos… Assim, não vou transcrever e nem resumir. Vou falar sobre aquilo que esse livro fez comigo depois de digerido…” [2]

Desde que tomei consciência desse estilo de ler e de escrever, tão bem descrito por Rubem Alves, resolvi adotá-lo, também, com a devida vênia do meu querido amigo. Esta é apenas mais uma das muitas coisas que aprendi com ele. Este artigo, em suas três partes, é escrito nesse estilo.

Venho aprendendo muito com C S Lewis, também, em especial em seus comentários e “tiradas” sobre como ler – e escrever – um livro: mergulhando nele, deixando de lado as ideias próprias, inclusive os preconceitos, e dedicando-me inteiro, e com cem por cento de atenção, ao ato de ler – ou de escrever.

Esta Primeira Parte discute basicamente o livro de C S Lewis já mencionado, e, mesmo assim, não discute todos os capítulos (discutindo algumas outras coisas que não estão no livro, mas me parecem relevantes a ele).

A Segunda Parte discute a Cultura Filosófica e Literária Clássica que Lewis adotou e defendeu até o final de sua vida. Lewis não era simplesmente um professor de Literatura Medieval e Renascentista. Ele era verdadeiramente um homem dessa era. Ele se considerava um dinossauro numa era em que dinossauros estavam extintos, sendo meras peças de Museus de História Natural.

A Terceira Parte discute a Cultura Filosófica e Literária Moderna que Lewis rejeitou e sistematicamente criticou. Ele renunciou sua cidadania no Mundo Moderno e na Cultura da Modernidade.

A Quarta Parte discute a Cultura Filosófica e Literária Contemporânea (de cerca de 1918 para cá.

O texto, nas três últimas partes, é relevante para entender o que Lewis adota e defende, e o que ele rejeita e critica. Mas o texto dessas três partes tem vida própria e reflete ideias que venho ruminando e digerindo há cerca de 25 anos (desde 1998, ano que, como 1961, representa um marco importante no meu desenvolvimento intelectual). Foi nesse ano que eu, entre outras coisas, resolvi concentrar na Internet todo a minha atividade e produção intelectual, livrando-me das peias e amarras que o mundo acadêmico procura impor.

Espero publicar uma parte do artigo por dia, cobrindo, assim, os três dias das conferências originais de Lewis (a Quarta Parte ficando para o dis seguinte).

Vou repetir esta Nota Preliminar em todas as quatro publicações, porque haverá leitores que irão encontrar apenas uma parte do artigo.

Eduardo Chaves, 24 de Fevereiro de 2023 (Sexta-feira depois do Carnaval de 2023. Em 1943, 24 de Fevereiro foi uma Quarta-feira. A Sexta-feira depois do Carnaval em 1943 caiu no dia 12 de Março.)

1. Introdução

Nasci durante a Segunda Guerra Mundial, em 7.9.1943, dia da Independência do Brasil. C S Lewis, que nasceu no finzinho do século 19 (29.11.1898), morreu em 22.11.1963 – vinte anos, dois meses e quinze dias depois de eu nascer. É fato considerado notável que, nesse mesmo dia, mês e ano, também se despediram desta vida dois outros famosos, John Fitzgerald Kennedy (presidente dos Estados Unidos na ocasião) e Aldous Leonard Huxley (autor de Brave New World (Admirável Mundo Novo) e vários outros livros bem conhecidos. Tive o privilégio de conviver no mesmo mundo que Lewis por um pouco mais de vinte anos [3].

Cerca de seis meses antes de eu nascer (seis meses e quatorze dias, para ser mais preciso), e mais de vinte anos e meio (vinte anos, oito meses e 29 dias, para ser preciso) antes de ele morrer, Lewis proferiu uma série de conferências, em New Castle upon Tyne, na Inglaterra, a convite da Universidade local, a University of Durham. Consta que a University of Durham seja a terceira universidade da Inglaterra, em idade, tendo sido criadas antes dela apenas duas universidades inglesas: as famosas University of Oxford (a mais antiga) e University of Cambridge (a segunda mais antiga) [4]. Quanto à qualidade e à fama, há várias outras universidades inglesas que, hoje, ficam na frente da University of Durham – além, naturalmente, de Oxford e Cambridge. Mas, em beleza sofisticada, segundo o irmão mais velho de Lewis, que o acompanhou a Durham, a universidade local nada ficava a perder para as demais universidades britânicas [5].

As conferências, três em número, foram ministradas, uma em cada dia, de 24 a 26 de Fevereiro de 1943. Em seu conjunto, elas constituíram a 15ª Série das Riddell Memorial Lectures da Universidade. Posteriormente publicadas, elas se tornaram o livro The Abolition of Man: Or Reflections on Education with Special Reference to the Teaching of English in the Upper Forms of Schools [6], com três capítulos, cada um deles correspondendo a uma das três conferências [7].

O tema principal das conferências e do livro foi a Educação, mas a Educação em um sentido bem mais amplo e profundo do que estamos acostumados a estudá-la. Volto a falar nesse assunto, em detalhe, adiante [8]. Aqui basta dizer o seguinte. Trata-se, segundo alguns, da obra mais importante de Lewis na área da educação, embora ela esteja longe de ser a única obra em que ele trata do assunto. Em uma carta, Lewis comentou que esse livro “está perto de ser o seu favorito dentre os seus livros”, mas lamentou que “em geral, ele tenha sido quase totalmente ignorado pelo público” [9]. Michael Ward, que, entre outras coisas é um estudioso de Lewis, questiona sua segunda afirmação, citando vendas significativas, resenhas altamente elogiosas, a publicação de uma segunda edição cerca de três anos depois da primeira, etc., como evidência de seu sucesso de vendas. [10]

2. Meu Interesse por Lewis

Eu me interessei intensamente pelas ideias de Lewis em duas ocasiões bastante bem definidas na minha vida – separadas por um longo hiato em que não lhe dei absolutamente nenhuma atenção.

A. De 1964 a 1970

A primeira ocasião teve início em algum momento em 1964, quando eu estava em meu primeiro ano de estudo de Teologia no Seminário Presbiteriano do Sul (SPS), em Campinas, e começava a me interessar pela Apologética Cristã e pela Filosofia da Religião, como ferramentas que pudessem me ajudar a defender a minha fé no plano intelectual. Naquela época, a fé que um calouro tinha ao chegar ao Seminário era severamente testada, atacada, mesmo – não pelos professores, em regra todos eles, vistos a partir de minha perspectiva atual, bastante conservadores (com pequenas variações de grau), mas pelos colegas veteranos. E isso se dava, não por terem os veteranos já perdido sua fé (embora isso acontecesse também), mas quase como trote, que visava a testar, provocar, até certo ponto escandalizar os calouros, quase todos eles oriundos de ambientes religiosos e teológicos bastante conservadores, quiçá fundamentalistas, como era o meu.

Procurei, na Apologética e na Filosofia da Religião, ferramentas que pudessem me ajudar a defender a minha fé (então bastante robusta, embora, como se verá, não indestrutível). Alguém, infelizmente não me lembro quem [11], recomendou-me ler C S Lewis. Na época comprei (em traduções brasileiras da época), os dois únicos livros dele que encontrei nas livrarias (que, na época, se resumiam a lojas da Livraria Siciliano [12]): The Screwtape Letters (Cartas do Inferno, título que, em tradução subsequente, se tornou Cartas de um Diabo para o Seu Aprendiz) [13] e Mere Christianity (A Razão do Cristianismo, título que, em tradução posterior, se tornou Cristianismo Puro e Simples) [14].

Com o passar do tempo, mas enquanto ainda frequentava Seminários ou Faculdades de Teologia – o próprio SPS, em Campinas, a Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão de Luterana no Brasil (FT-IECLB), em São Leopoldo, que frequentei depois de Julho de 1966, e, o Pittsburgh Theological Seminary (PTS), em Pittsburgh, neste caso, a partir de do segundo semestre de 1967, onde fiz o Mestrado — o meu interesse foi gradualmente se voltando mais para os que atacavam o Cristianismo (David Hume, acima de todos) do que para os que tentavam defendê-lo… Isso continuou até o final do primeiro semestre de 1970, quando completei o meu Mestrado em História da Igreja e do Pensamento Cristão, no PTS. Nessa ocasião, decidi não buscar a ordenação para o ministério pastoral, embora tivesse concluído o Bacharelado e o Mestrado em Teologia, e feito algo equivalente a uma Licenciatura em uma Igreja Presbiteriana perto de Pittsburgh (em Evans City, PA), sob a orientação do pastor da Igreja, Rev. John T. Brownlee. Como, em decorrência de meu desempenho no Mestrado, ganhei uma bolsa completa para fazer o Doutorado, resolvi fazer uso da bolsa com vistas a um eventual ingresso no magistério superior, na área de História da Filosofia (com foco em Epistemologia e Filosofia Política, em especial no século 18, o período do Iluminismo, em que os ataques filosóficos ao Cristianismo, capitaneados por Hume, foram mais acentuados).

Com essa decisão acabei me desligando, em 1970, da Igreja Presbiteriana do Brasil (à qual ainda pertencia, sendo membro, de 1966 até então, da Igreja do Jardim das Oliveiras, em São Paulo), pastoreada, na época, pelo Rev. José Borges dos Santos Júnior.  Essa igreja pertence hoje à denominação chamada Igreja Presbiteriana Unida, que se separou da Igreja Presbiteriana do Brasil, em decorrência de conflitos com a liderança conservadora e autoritária desta.

B. De 2010 ao Presente

De 1970 até 2010 deu-se o que resolvi chamar de minha peregrinação no deserto. Por quarenta anos, fiquei distante da Igreja, estudando apenas Filosofia (acrescentando a Filosofia da Educação às outras duas áreas de interesse mencionadas. Na verdade, mais do que distante, fiquei totalmente fora da Igreja (ou afastado, como dizem os crentes). Ao final dessa peregrinação, voltei para a Igreja. As causas e as razões não vêm ao caso aqui (embora para mim sejam profundamente significativas). Foi algo que aconteceu de forma gradual. No ano de 2010 fui arrolado, com minha mulher, por jurisdição pela Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo (a chamada Catedral Evangélica de São Paulo). Eu vinha, por assim dizer do nada, ela da Igreja Batista do Povo (mas a família dela havia sido presbiteriana, na igreja em que meu pai era pastor, quando o pai dela era criança e adolescente e eu adolescente e jovem). Concomitantemente me interessei novamente por C S Lewis, na esperança de encontrar alguma coisa em seus escritos que pudesse me ajudar nesse retorno para a Igreja. Esta foi a segunda ocasião em que tive interesse por Lewis. O interesse reiniciado em 2010, esclareço, ainda perdura. Não creio que o abandone, desta vez.

Em um pequeno parêntese, afirmo, de caso pensado, que meu retorno foi mais para a Igreja, a chamada comunidade da fé, por assim dizer, do que, fazendo um pobre trocadilho, para a fé da comunidade. Considero a diferença significativa. Voltar para uma igreja onde eu ainda tinha muitos amigos, e ali me enturmar, foi relativamente fácil. Mas as questões intelectuais que me levaram a me desligar da igreja, quarenta anos antes, não haviam desaparecido, por passe de mágica ou milagre, nesse ínterim. Eu ainda precisava lidar com elas. E continuo lidando. E, provavelmente, vá lidar até o fim de minha vida.

Ajudou-me muito o fato de que, em 2014, fui convidado a ocupar a cadeira de História da Igreja e do Pensamento Cristão na Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (FATIPI), que ocupei por quatro anos. O exercício dessa função, para a qual eu havia me preparado no Mestrado, antes de me desligar da Igreja, me levou a concentrar os meus estudos, as minhas reflexões e os meus escritos nessas duas áreas, em especial na evolução do pensamento cristão ao longo dos anos, interessado especialmente no surgimento e na evolução da Ortodoxia e das diversas Heresias. (Não há Heresia onde não há Ortodoxia – mas o surgimento, a preservação e, principalmente, a imposição da Ortodoxia aos que relutam em aceitá-la cria problemas sério dentro do universo cristão).

Ler e entender Lewis virou, de certo modo, uma obsessão para mim – embora nem tudo que ele escreveu me interesse ou me convença. E, embora Lewis tenha se esforçado por não se afastar da Ortodoxia Teológica (clássica e anglicana), muitos teólogos o acusam de defender ou, pelo menos, abrigar, algumas heresias. Mas o que ele escreveu sobre a Educação me interessa – e, em certa medida, me convence – apesar de ser, do ponto de vista da Teoria e da Prática Pedagógica atualmente predominantes, profundamente herético. Mas aqui se trata de Heresia Pedagógica, não de Heresia Teológica. Como a maior parte dos anos de minha “peregrinação no deserto” foi passada no Departamento de Filosofia e História da Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), o Vaticano da Pedagogia Moderna Esquerdista, eu acabei por desenvolver um interesse todo especial pelo que C S Lewis escreveu acerca da Educação [15].

Na verdade, escolhi publicar a primeira parte deste artigo no dia 24 de Fevereiro de 2023, quando a primeira conferência de Lewis na University of Durham completa exatamente oitenta anos (oitenta anos que eu, se Deus quiser, também irei completar no dia 7.9 deste ano), exatamente para celebrar os frutos desse interesse [16].

3. O Tema “A Abolição do Homem”

De onde C S Lewis tirou a ideia de que teria havido, a partir de algum momento, um movimento que encontrou a sua culminância por volta da primeira metade do século 20 (ele proferiu suas conferências em Durham no início de 1943), movimento esse que resultou  em algo que ele considerou apropriado chamar de A Abolição do Homem. A questão histórica, ou melhor, historiográfica interessante é: quando começou esse movimento? A resposta mais fácil é dizer que começou com a Era Moderna. Mas quando começou a Era Moderna?

A. Quando Começou a Era Moderna?

Tradicionalmente, determinou-se que a Idade Média começou com a queda do Império Romano no Ocidente (479), que facilitou a invasão generalizada da Europa Central e Ocidental pelos hoje chamados Povos Germânicos do Norte (antigamente chamados de Bárbaros), e durou até meados do século 15. O final da Idade Média era tradicionalmente indicado por dois marcos: um político e outro cultural. Politicamente, o marco era a Queda de Constantinopla (1453), que representou o fim do Império Romano Oriental. Cultural, intelectual e tecnologicamente, o marco foi a invenção da Prensa de Tipos Móveis, por Johannes Gutenberg, em 1455 [17]. Desde que me conheço por gente (gente escolarizada, digamos), ouço e leio que a Idade Moderna começou em meados do século 15, por volta de 1450-1455. Nesse século 15 teve lugar o Renascença (ou o Renascimento), que tinha iniciado antes de Idade Média acabar, e, no século 16, a partir de 1517, a Reforma Protestante. Esses dois movimentos davam início à Idade Moderna, segundo o entendimento geral. O período que ficava entre o fim da Era Clássica e esses dois movimentos veio a ser batizado de Idade Média por estar entre o período Clássico e o período Moderno [18].  

Mais recentemente, o período que vai de 1450 a 1650 (fim da Guerra dos Trinta Anos em 1648, que marca o fim das Guerras de Religião) passou a ser chamado de Idade Pré-Moderna, e a Idade Moderna, propriamente dita, foi vista como tendo início em 1650, ou por volta da metade do século 17 – tendo sido preparada na primeira metade do século 17, pelo aparecimento da Revolução Científica, liderada por Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1643-1727), na Ciência Experimental, René Descartes (1596-1650), na Matemática e na Filosofia, John Locke (1632-1704), na Filosofia e na Filosofia Política, etc. – tudo bem dividido entre a Europa Continental e as Ilhas Britânicas.

B. A Sugestão de C S Lewis

A maior obra de C S Lewis, em sua área de especialização profissional (que era História e Crítica da Literatura Inglesa na Idade Média e na Renascença), foi o livro Poetry and Prose in the Sixteenth Century, publicado em 1954 (mas que levou diversos anos para ser completado), como parte da coleção Oxford History of English Literature (OHEL) [19].

Na Introdução a esse livro, que tem o título de “New Learning and New Ignorance” (“Novas Aprendências e Novas Ignorâncias”), ele critica a periodização da história que vimos discutindo, sugerindo que a Renascença (Renascimento) e a Reforma Protestante continuam parte da Cultura Clássica, não merecendo ser consideradas parte da Era Moderna.

A Renascença ele chama de uma lenda criada pelos próprios autores que se consideravam parte dela, com o intuito de parecer essencialmente diferentes da Idade Média. Não eram. No essencial, continuaram a ser parte da Cultura Clássica, cujos autores (gregos e latinos) eles quase sem exceção admiravam e procuraram resgatar. Mas esse resgate, registre-se, é um resgate da Cultura Clássica, que, em detalhes, em especial da Língua Latina, havia se corrompido. No essencial, os chamados renascentistas admiravam os clássicos e desejavam preservar, mais puras, as línguas em que os clássicos foram escritos, Grego e Latim. Não tinham nenhuma simpatia pela ciência experimental que começou a surgir a partir de meados do século 16. Consideravam-se “humanistas”, preservadores, continuadores, e disseminadores da Cultura Clássica.

A Reforma Protestante, de igual forma, não olhava para a frente, olhava para trás. Só que seu interesse estava em se livrar das inovações mais recentes da Igreja Católica. Para isso, procuraram retornar às fontes. Mas estas não eram a Cultura Clássica Greco-Romana, eram os autores do Novo Testamento e da Igreja Primitiva (Apostólica), bem como da Igreja Pós-Apostólica. Contudo, a maior ênfase foi colocada nas cartas de Paulo, especialmente a dirigida aos Romanos, sendo guiados, em sua interpretação, como na interpretação dos demais livros do Novo Testamento e dos Pais da Igreja, pela figura imponente de Agostinho. Os Reformadores, em especial Lutero, queriam se ver distantes da Razão e da Teologia Natural, que eles identificavam com Tomás de Aquino e, portanto, com a Igreja Católica.

Como os Humanistas da Renascença, os Reformadores Protestantes não tinham simpatia pela Ciência Experimental nascente, preferiam a cultura bíblica (que faz parte da Cultura Clássica), mas a interpretavam à luz da figura mais importante do início da Idade Média: Agostinho.

Em suma, na visão de C S Lewis, nem os Humanistas Renascentistas, nem os Reformadores Protestantes, devem ser classificados como parte, ainda que preliminar, da Cultura Moderna.

Assim sendo, C S Lewis considera a Cultura Moderna como tendo início por volta de meados do século 17, com o surgimento da Revolução Científica, vindo a florescer no século 18, com a ênfase na Razão encontrada no Iluminismo. Aquela que veio a ser chamada por alguns de Cultura Pré-Moderna está, segundo ele, mais alinhada com a Cultura Clássica do que com a Cultura Moderna.

Com isso, Lewis de certo modo abole a Renascença e a Reforma Protestante como elementos importantes, embora iniciais, da Cultura Moderna.

Depois da Idade Média (estendida até por volta de 1650) vem a Idade Moderna, ou a Modernidade, vai de meados do século 17 até o final do século 18, com a Revolução Americana e a Revolução Francesa. O século 19, que, na prática, vai desde o fim da Revolução Francesa e o início da era de Napoleão Bonaparte (Napoleão I, a partir de 1804), termina apenas com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Muitos autores incluem o século 19 como parte da Idade Moderna, à qual ele de fato pertence, mas ele é mais um século de Romantismo, na Filosofia (começando já com Rousseau, ainda no século anterior), na Teologia (com Schleiermacher, e, depois, o Liberalismo Teológico e o Evangelho Social), e, especialmente, na Literatura de quase todas as principais nações da Europa. Na Política, o século 19 vê o surgimento das diversas formas de Socialismo armando-se para combater o Liberalismo na esfera econômica (o Capitalismo). Para fins práticos e para simplificação, vou considerar a Idade Moderna, seguindo Lewis, como o período que vai desde cerca de 1650, com o fim da Guerra dos Trinta Anos e das Guerras Religiosas, até a Primeira Guerra Mundial, em 1914-1918. Depois da Primeira Guerra, temos a Idade Contemporânea, que, em alguns círculos, tem uma modalidade de Pós-Modernidade e combate à Modernidade.

C. A Antropologia Filosófica de C S Lewis

É difícil esclarecer ou entender essa questão sem conhecer o que poderia ser chamado de a “Antropologia Filosófica” de Lewis: como ele encarava, filosoficamente, a natureza do ser humano (que ele não hesitava em chamar de a natureza do homem).

Na verdade, o que Lewis está interessado em combater é toda uma temática que começa a aparecer a partir da Idade Moderna (como ele a entendia).

C S Lewis se orgulha de ser um cidadão (um homem, ele diz) que pertence à era anterior (o período da Cultura Clássica, que inclui, além do período clássico dos Gregos e dos Romanos,  a Antiguidade Cristã e a Idade Média [20].

Na verdade, na cabeça do Lewis, há, basicamente, apenas duas culturas [21]: a Cultura Clássica (que predominou até por volta de 1450-1650, mesmo com os acréscimos e as modificações que lhe trouxe o Cristianismo), e a Cultura Moderna, que surgiu na Era Moderna, propriamente dita (1650) e invadiu a Época Contemporânea, depois da Primeira Guerra Mundial, época essa em que ele, Lewis, se (re)converteu para o Cristianismo e veio a escrever A Abolição do Homem. A chamada Cultura Pós-Moderna só surgiu e ganhou força bem depois do final da Segunda Guerra Mundial, e, portanto, fica basicamente fora do foco deste estudo.

O livro que pretendo comentar discute o confronto entre a Cultura Clássica e a Cultura Moderna, mas sofre a influência de ideias que se solidificaram, e chegaram até a se tornar populares, no final da Cultura Moderna, embora suas raízes possam ser identificadas na filosofia que tentava se afirmar na época, em especial no Mundo Anglo-Saxão: o Positivismo Lógico, a Filosofia Analítica, ou Filosofia Linguística, profundamente afetadas (se não diretamente influenciadas) pelos componentes formal ou informalmente ligados ao Ciclo de Viena, representado, na Inglaterra, pelo expatriado austríaco Ludwig Wittgenstein, em sua primeira fase, e por Alfred Jules Ayer, colega de Lewis em Oxford (este em sua única e perene fase).

Vou aqui, neste capítulo, primeiro tecer algumas considerações sobre a visão clássica da natureza humana, depois discutir a primazia cada vez maior da visão científica do mundo que caracterizou o mundo moderno, a partir de meados do século 17, e, por fim o Positivismo Lógico, ou o Cientificismo, ou o Cientismo (como preferem alguns), que essa visão do mundo acabou gerando, primeiro na Filosofia, depois na Cultura Geral, em especial na segunda metade do século 20.

D. A Visão Clássica da Natureza Humana

Na visão clássica do mundo (que teve início com os Gregos, continuou com os Romanos, e teve aceitação por uma boa parcela dos Cristãos), o homem é o que se convencionou chamar de um animal racional.

A sua animalidade caracteriza o homem como ser vivo, que tem uma “anima” que o diferencia dos seres inanimados – que não têm “anima”, que não são animados pela vida. Mas também os demais animais, e até mesmo as plantas, têm “anima”. O que diferencia o homem dos demais seres vivos e dos seres inanimados é a sua “ratio” – a sua razão.

A sua racionalidade caracteriza o homem como ser que, além de vivo, tem uma mente que o diferencia dos demais seres animais, tornando-o capaz, de fazer várias coisas que os demais animais, e, naturalmente, os seres inanimados, não conseguem fazer. A mente humana é complexa e possui pelo menos três dimensões: uma delas pensa, a outra sente, e a terceira age (“thought, emotion and will”, era como os filósofos mais antigos caracterizavam essas três “faculdades” da mente humana). David Hume escreveu seu opus magnum no século 18 em três volumes: o primeiro dedicado ao Intelecto (que ele chamava de Understanding), o segundo às Paixões (Passions), e o terceiro à Vontade (Will), que leva à decisão e à ação [22].

A faculdade de pensar nos permite criar ideias, entretê-las na mente, refletir sobre elas, raciocinar, argumentar, fazer inferências, tentar encontrar a verdade e evitar a falsidade, etc. Essa faculdade é bem conhecida e a maior parte das pessoas identifica a mente com essa faculdade, em prejuízo das outras duas dimensões da mente humana.

A faculdade de sentir nos permite ter emoções, algumas violentas, outras suaves, mostrar-nos irados contra algumas pessoas e, logo depois, solidários com o sofrimento alheio e a necessidade de quem passa por dificuldades, oscilando entre emoções violentas e suaves com certa facilidade. Essa faculdade nos permite também imaginar-nos na posição dos outros, ver as coisas do ponto de vista alheio, dispor-nos a ajudar os que precisam de ajuda (desde que estes, naturalmente, se disponham a fazer a sua parte), escolher e decidir fazer aquilo que nossa consciência manda (o bem, o certo, o justo) e escolher e decidir deixar de fazer o que nossa consciência proíbe (o mal, o errado, o injusto), etc. Coisas assim.

A faculdade de agir, por sua vez, nos permite colocar em prática as nossas escolhas e decisões, como o nosso projeto de vida, que inclui não só a definição de aonde queremos chegar na vida, ou seja, nossos objetivos e metas de longo prazo, usando para isso nossa imaginação e criatividade, mas também a definição dos valores e princípios que devem reger a nossa conduta na busca desses objetivos e metas, avaliando constantemente nosso progresso não só no atingimento de nossos fins, como nos meios que estamos utilizando para chegar lá (nossos fins e meios).

Como se pode depreender, a racionalidade humana é complexa. Animais não racionais parecem exibir algumas dessas características. Alguns animais parecem ter sentimentos e emoções, alguns cães parecem ser solidários e altruístas, mas não os gatos, etc. E há animais que parecem ser bastante inteligentes. Todavia, nenhum animal, senão o ser humano, tem uma racionalidade complexa como a nossa, que envolve pelo menos as três faculdades delineadas atrás: o intelecto, que nos permite pensar, oportunamente usar a lógica e a linguagem, que nos permite desenvolver conceitos, registrar fatos, etc., a emoção que, em conjunto com o intelecto, e sob o controle dele, nos permite descobrir o que é bom, o que é certo, o que é justo, e que nos ajuda até mesmo a querer fazer o bem, o certo e o justo, e evitar o mal, o errado e o injusto; e a vontade, que, controlada pela razão e orientada pelas emoções, dirige a ação e nos leva a de fato fazer o bem, o certo, o justo, que queremos fazer, e a evitar o mal, o errado, e o injusto, que não queremos fazer, ou mesmo, mais ativamente, que queremos não fazer. 

Em suma – e ilustrando com a questão da moralidade. A faculdade de pensar nos ajuda a descobrir o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado, o que é justo e o que é injusto; a faculdade de sentir nos ajuda a desejar fazer o bem, o certo e o justo, e a evitar o mal, o errado, o injusto; e a faculdade de agir nos ajuda a efetivamente fazer o que desejamos fazer (espera-se que o bem, o certo e o justo) e a deixar de fazer o que não desejamos fazer (espera-se que o mal, o errado e o injusto). Essas três faculdades nem sempre agem harmonicamente. Haja vista a admissão de São Paulo que o bem que ele queria fazer, esse ele não conseguia fazer, e o mal que ele não queria fazer, esse ele fazia (Romanos 7:19). Trata-se, nesse caso, de um fenômeno que os gregos chamavam de akrasia (falta de força de vontade, vontade fraca). E, embora o Evangelho relate que Jesus tenha dito que “o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mateus 26:41; Marcos 14:38), o problema não me parece ser apenas com o corpo (a carne), mas, sim, com a mente (o espírito, que nem sempre está pronto – Jesus foi otimista demais). Mais especificamente, o problema maior está com a faculdade de agir. O que Jesus admite nessa passagem também é um caso de akrasia.

Esse conjunto de características, que afeta mais diretamente a mente do que o corpo, embora os clássicos defendessem a busca de uma mente sã em um corpo também são, é o que caracteriza o que C S Lewis chamava de “Educação Clássica”, uma educação centrada no desenvolvimento integral da pessoa, mas principalmente no desenvolvimento de sua mente, de seu intelecto, de seu sentido moral (sua consciência), de seu caráter, de sua sensibilidade ao belo… Esse tipo de educação procurava orientar as pessoas para a busca integrada da verdade, do bem e do belo — elementos que, em seu conjunto, eram chamados de “Transcendentalia”, em Latim, porque nos ajudam a transcender a nossa animalidade e alcançar uma dimensão transcendental que nenhum outro animal consegue sequer entender, quanto mais atingir.

Registre-se, de passagem, que a chamada ciência moderna pode ajudar o desenvolvimento do intelecto, posto que lida com resolução de problemas, etc., e, portanto, com meios, mas não lida com fins, e, por isso, não tem nada, absolutamente nada, a contribuir para o desenvolvimento da consciência (ou sentido moral) e do sentido estético. Isso quem afirma é C S Lewis [23].

Para C S Lewis,

  • se a mente do ser humano é concebida apenas como intelecto;
  • se o intelecto do ser humano é positivisticamente entendido apenas como a faculdade de conhecer o mundo empírico, observável, mensurável, expressável matematicamente; 
  • se esse conhecimento chamado de científico é a única forma de conhecimento que pode ser reconhecido como tal;

o resto — como a metafísica, a ética, e a estética, e mesmo a psicologia — não passa de “gibberish (com a possível exceção da psicologia dita comportamentalista e de alguns aspectos de uma suposta psicologia experimental). “Gibberish” em Inglês quer dizer blá-blá-blá, sílabas juntadas sem nenhum sentido, totalmente ininteligíveis, que não caracterizam “discurso cognitivo” (que envolve o conhecimento), isto é, algo que possa ser considerado passível de comprovação ou demonstração como verdadeiro (ou de falsificação ou refutação como falso, seguindo a sugestão de Karl R. Popper). E, no entanto, isso que a visão positivista da ciência afirma não ser possível conhecer é exatamente o que é mais importante de tudo na vida: quem somos, de onde viemos, o que estamos fazendo aqui, como nos tornar plenamente humanos, para onde vamos, em vida ou, quem sabe, depois?

Retomando o início do parágrafo anterior, uma educação que concebe ou praticamente trata o ser humano dessa forma positivista ou lógico-positivista, nega a metafísica, a ética e estética, e, portanto, promove aa gradual abolição do homem. Da mente humana só sobrou um pedacinho de um terço, o terço que é identificado como o intelecto, aquele pedacinho que trata da realidade empírica, observável, tangível, mensurável. O resto do intelecto, que investiga os limites da empiricidade, a transcendência, a realidade não observável que é possível inferir do que é observável, o que jaz além do finito, bem como os sentimentos, as emoções, os valores, os princípios, o imaginável, o inventável, o ainda não descoberto, mesmo aquilo que parece indescobrível, tudo isso foi abolido. Tudo isso foi decretado como irrelevante para a educação. O que importa é STEM: Science, Technology, Engineering and Mathematics (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). O resto é “perfumaria”.

The Abolition of Man foi escrito para combater essa tendência filosófica na área da Educação. E na Filosofia, em geral, porque foi na Filosofia que ela surgiu e de lá que acabou por se deslocar para a Educação, e, posteriormente, para a Cultura Geral.

E. A Visão da Natureza Humana de C S Lewis

C S Lewis essa antropologia filosófica bastante de perto, e, assim com risco de repetir teses que já foram enunciadas, permito-me resumir as ideias dele. Para Lewis, o ser humano é tripartite, isto é, contém basicamente três dimensões:

  • Uma primeira dimensão, a sua mente, é responsável pelos aspectos intelectuais e espirituais dele, que ele compartilha com os anjos e, em última instância, com Deus;
  • A segunda dimensão, o seu corpo, é responsável pelos seus aspectos materiais (corporais) e vitais (biológicos), que ele não compartilha com os anjos e  Deus, mas compartilha com os demais animais;
  • Uma terceira dimensão, a que o diferencia tanto dos anjos e de Deus como dos demais animais, e que na mitologia é relacionada ao seu coração, que fica no peito, é responsável pelas suas emoções e sentimentos, pela sua consciência moral, pela sua capacidade de escolher, decidir e agir, levando em conta os ditames da sua mente e os reclamos do seu corpo.

O conhecido slogan latino mens sana in corpore sano contempla as duas primeiras partes, mas negligencia a terceira.

As emoções, para Lewis, têm, de um lado, que ver com estados corporais, e, por conseguinte, pertencem à segunda dimensão, o seu corpo. Mas elas também envolvem um componente intelectual, posto que é possível educar os sentimentos (através da literatura, principalmente – a área academicamente em que Lewis atuava tanto em Oxford como em Cambridge.

Sentimentos morais, porém, não são meras emoções, embora possam (e mesmo devam) vir acompanhados delas. Eles têm que ver com valores, que são adquiridos através da aplicação da razão (do intelecto) às nossas emoções, segundo a nossa consciência, agindo de conformidade com a lei moral, que é uma lei universal inscrita em nossos corações. Os sentimentos morais são adquiridos quando nossa consciência, agindo segundo os ditames da lei moral, aplica a razão a nossas emoções e as coloca sob controle, as coloca em sintonia com nossos valores, permitindo-nos agir racional e moralmente – não apenas emocionalmente.

Em um parêntese pessoal, Daniel Goleman, autor do famoso livro Emotional Intelligence, erra redondamente ao propor que é a inteligência que deve agir em sintonia com as emoções, e não vice-versa: são as emoções que devem ser educadas de modo a se tornarem inteligentes. Fim do parêntese. Mas vide a nota [24].

A educação moderna tem focado a formação intelectual das pessoas, dando alguma atenção, mas bem menor, ao cultivo de sua saúde física, através do exercício, do esporte, de alimentação saudável, mas tem negligenciado a construção de suas competências interpessoais, emocionais, decisórias e empreendedoras (ou executivas), descurando por completo do desenvolvimento de suas virtudes e da construção de seus valores, vale dizer, da formação de seu caráter. No dizer de C S Lewis, a educação moderna tem levado à predominância, em nossa época, de pessoas com mentes relativamente bem preparadas e corpos razoavelmente “sarados”, mas sem caráter, que desconhecem totalmente as virtudes essenciais que deveria nortear as ações do ser humano [25].

Lewis tende a concordar, no que diz respeito à cultura moderna, com a substância, mesmo que não com o palavreado, da máxima de David Hume, de que a razão (ou o intelecto) é escrava das paixões, ou dos sentimentos, que podem ser mais bravios e agitados, ou mais calmos e serenos, dependendo do temperamento e dos valores das pessoas, sendo incapaz de nos apontar fins e de nos encaminhar para a sua realização. 

Ao negligenciar essa terceira dimensão do ser humano, exatamente aquela que define o que lhe é especificamente “humanum“, a educação moderna promove “a abolição do homem”, um homem que tem mente e corpo mas não tem peito, isto é, não tem coração, não tem nada que faz dele um ser virtuoso com um caráter moral bem definido e, mais do que aceitável, impoluto.

Mas a educação moderna falha também em seu tratamento da primeira dimensão do ser humano. A sua mente tem sido entendida, a partir dos séculos 17 e 18, como capaz de conhecer apenas o mundo natural, observável, a realidade material, mensurável, e incapaz de, como se acreditava antes, transcender o mundo natural e se lançar em busca de pelo menos alguma compreensão do mundo imaterial, espiritual que seja, ou sobrenatural, ou que transcende a nossa finitude.

As leis que, a partir do desenvolvimento da ciência moderna, são entendidas e consideradas científicas, são leis que tratam de fenômenos naturais observáveis. As leis morais, as leis que dizem respeito não ao mundo natural observável, mas à natureza humana, e que devem reger a nossa conduta, passaram a ser desconsideradas – foram lançadas fora da dimensão considerada como cognitiva. Kant talvez tenha sido o último filósofo de renome a louvar as leis naturais, exemplificadas num céu estrelado em que astros e estrelas as obedecem, e as leis morais, que habitam o nosso peito e devem ser obedecidas pela nossa consciência.

Por isso C S Lewis deu tanta ênfase à lei moral em sua visão de mundo. Para ele, a lei moral não é uma lei exclusivamente cristã: ela é uma lei universal, que até há bem pouco tempo, todas as pessoas reconheciam e todas as culturas (inclusive todas as religiões) procuravam preservar [26].

Na verdade, em Cristianismo Puro e Simples (Livro I), Lewis chega perto de montar um argumento moral para a existência de Deus. O argumento não depende da existência de regularidades na natureza, descritas pelas chamadas leis naturais da ciência, como acontece no caso do Argumento do Desígnio, ou na teoria do Design Inteligente. O argumento depende da existência de leis morais dentro do nosso peito, por assim dizer, ou, melhor dizendo, em nossa consciência, que seriam universais, tanto na dimensão temporal (histórica) como na dimensão espacial (geográfica).

Para ser exato, as leis do direito natural (jus naturalis) não são apenas morais, mas valorativas, tendo que ver não só com a moralidade (leis relativas ao que é bom, certo e justo) como com a estética (leis relativas ao que é belo, em todas as suas gradações – sublime, majestoso, lindo, bonito, etc.). Para Lewis os valores (morais, estéticos, etc.) possuem existência objetiva – não apenas os valores morais [27].

É por isso que Lewis afirma, em A Abolição do Homem, que quem não reconhece a existência dessas leis valorativas não tem peito – é mutilado, não possuindo a terceira dimensão mencionada atrás. Em consequência disso, o homem “verdadeiro”, tridimensional, é abolido.

F. A Questão da Objetividade dos Valores

Lewis começa o primeiro capítulo de The Abolition of Man discutindo um livro texto destinado a crianças / adolescentes dos últimos anos da educação básica. Ele opta por não citar o nome real dos autores e o título real do livro, mas eles estão identificados. Ele chama o livro de The Green Book e se refere aos autores como Gaius and Titius. Mas o título real do livro é The Control of Language (Longman’s, London, 1939) e seus autores são Alec King & Martin Ketley. Hoje o livro está esgotado, sendo difícil encontrá-lo até mesmo em lojas de livros usados ou esgotados, os conhecidos “sebos”, hoje rejuvenescidos e enobrecidos com a ajuda da Informática (e ficando, cada vez mais, sob as asas da Amazon).

Numa passagem do livro (no segundo capítulo) os autores mencionam uma história em que o escritor e poeta inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) estava perto de uma cachoeira (ou catarata – “waterfall”, literalmente, queda d’água, ou salto d´água) e ouviu dois turistas comentarem a vista que se tinha da catarata: um se referiu a ela como “sublime”, o outro, como “bonita”. O texto de C S Lewis é o seguinte:

“In their second chapter, Gaius and Titius quote the well-known story of Coleridge at the waterfall. You remember that there were two tourists present: that one called it ‘sublime’ and the other ‘pretty’; and that Coleridge mentally endorsed the first judgment and rejected the second with disgust” [p.2].

A edição brasileira traduz a passagem assim:

“No segundo capítulo, Gaius e Titius citam a bem conhecida história de Coleridge na cachoeira. Havia, vocês devem lembrar, dois turistas presentes: um a chamou de ‘sublime’, e o outro, de ‘bonita’; e Coleridge mentalmente concordou com a opinião do primeiro e rejeitou com horror a do segundo” [p.2].

Ao mencionar essa passagem em uma “live” recente que eu fiz sobre C S Lewis e a Educação, uma das participantes me perguntou qual a fonte original dessa história de Coleridge. Fui pego despreparado e disse que não sabia, mas iria verificar.

Encontrei fontes que contam a história relatada por C S Lewis de uma forma um pouco diferente – nos detalhes, não naquilo que era essencial. Mas detalhes podem ser significativos. Em um artigo intitulado “A Story about Coleridge”, no blog Jamesian Philosophy Refreshed, publicado em 27 de Dezembro de 2013, o autor (que não consegui identificar plenamente) conta a seguinte história (que é citada no original em Inglês e, em seguida, traduzida para o Português por mim:

[The blog writer states:]

“This [the paragraph that follows] is a quote from a memoir by Dorothy Wordsworth, reflecting on a trip she took with two famous poets, her brother, William Wordsworth, and their similarly gifted companion, Samuel Taylor Coleridge.

[Here’s what Dorothy Wordsworth says:]

‘We sat upon a bench, placed for the sake of one of these views, whence we looked down upon the waterfall, and over the open country … A lady and a gentleman, more expeditious tourists than ourselves, came to the spot; they left us at the seat, and we found them again at another station above the Falls. Coleridge, who is always good-natured enough to enter into conversation with anybody whom he meets in his way, began to talk with the gentleman, who observed that it was a majestic waterfall. Coleridge was delighted with the accuracy of the epithet, particularly as he had been settling in his own mind the precise meaning of the words grand, majestic, sublime, etc., and had discussed the subject with William at some length the day before. Yes, sir, says Coleridge, it is a majestic waterfall. Sublime and beautiful, replied his friend. Poor Coleridge could make no answer, and, not very desirous to continue the conversation, came to us and related the story, laughing heartily.’

[The blog writer resumes his comments:]

Now: what is the point of this story? What is it that bothered and/or amused Coleridge about his new friend’s second remark?

The problem, if I understand it, is that the anonymous fellow used the terms sublime and beautiful as if they were synonyms. To the Romantics, especially the more lettered of them (those who would be reading Kant on aesthetics for example) ‘sublime’, like ‘majestic’, could very well refer to a waterfall. But ‘beautiful’? That was a very different category, intended for smaller sorts of things. ‘Beautiful’, as they understood the term, has more in common with ‘pretty’ than with ‘sublime.’

I can’t say I agree with the memoirist that the incident reflects Coleridge’s good nature, though.”

[Tradução: EC]

“Há esta passagem, retirada das memórias de Dorothy Wordsworth, que narra uma viagem que ela fez com dois famosos poetas, o seu irmão, William Wordsworth, e o amigo dos dois, o igualmente talentoso, Samuel Taylor Coleridge.

[Aqui está o que Dorothy Wordsworth escreveu:]

‘Nós estávamos sentados em um banco, colocado de modo a permitir um bom ângulo de visão, de onde se olhava e via, abaixo, a cachoeira, e o restante da paisagem, bem aberto. … Um casal, turistas mais rápidos do que nós, havia chegado até o lugar primeiro; mas os dois nos deixaram o assento e foram embora. Nós os encontramos de novo, na parada turística seguinte. Coleridge, que tem uma natureza amigável que o leva sempre a conversar com qualquer um que ele encontre, entabulou conversa com o homem, que fez a observação de que a cachoeira era majestosa. Coleridge ficou muito contente com a exatidão do epíteto usado pelo seu interlocutor, especialmente por estar tentando definir, em sua própria mente, qual era o sentido preciso de termos como grandioso, majestoso, sublime, etc. e tinha até discutido o assunto com William, em algum detalhe, no dia anterior. Sim, disse Coleridge, é uma cachoeira majestosa. Retrucou o seu amigo: Sublime e bela. Coleridge ficou mudo, sem conseguir responder, e perdeu imediatamente o desejo de continuar a conversa. Ele voltou até onde estávamos e relatou a história, rindo com bom humor.

[Volta a falar o autor do Artigo do blog:]

E agora: qual é o sentido desta história? O que foi que incomodou e/ou divertiu Coleridge na segunda observação de seu amigo?

No meu entender, o problema é que o interlocutor anônimo usou os termos sublime e belo  como se fossem sinônimos. Para os Românticos, em especial para os mais letrados dentre eles (aqueles que liam Kant ou textos sobre estética, por exemplo) ‘sublime’, como ‘majestoso’, eram termos que poderiam muito bem ser usados para se referir à cachoeira. Mas ‘bela’? Este termo estava para eles em uma outra categoria, criada para coisas de impacto menor. ‘Belo’, no entender deles, está mais perto de ‘bonito’ do que de ‘sublime’.

Não posso dizer, no entanto, que concorde com a memorialista que o incidente reflita a boa natureza de Coleridge.” [28]

Há várias divergências entre os dois relatos, como já disse, menores, mas curiosas.

Primeiro, nesta versão da história, registrada por Dorothy Wordsworth, Coleridge não ouve dois turistas conversando sobre a cachoeira: o que houve foi, isto sim, uma conversa entre Coleridge e um outro turista, cujo nome não é fornecido.

Segundo, o termo usado para descrever a cachoeira pelo interlocutor de Coleridge, em um primeiro momento, foi “majestic” (majestosa, majestática), termo que C S Lewis nem menciona em seu relato.

Terceiro, em resposta ao seu interlocutor, Coleridge concordou com ele que a cachoeira era majestosa, não introduzindo nenhum outro termo para descrevê-la.

Quarto, o interlocutor, em resposta à concordância de Coleridge, retruca com uma expressão lacônica: “Sublime and beautiful” [Sublime e bela] – ou seja, introduzindo pela primeira vez dois termos ainda não usados: sublime e bela. Ou seja, uma mesma pessoa, o interlocutor, ignorando o termo majestoso, que havia sido usado por ele e por Coleridge, usa dois outros termos para descrever a cachoeira, sublime e bela. [29]

Quinto, registre-se que nenhum dos dois usou em nenhum momento a palavra “pretty’ [bonita], como afirmou C S Lewis em seu livro.

Sexto, ao ouvir os termos “sublime e bela” usados por uma mesma pessoa, em um mesmo fôlego (por assim dizer), para descrever a mesma coisa, Coleridge desistiu de conversar com seu interlocutor. (Esses poetas românticos eram realmente radicais… uma palavra dissonante e a conversa já perde a graça!)

Sétimo, em nenhum momento o relato de Miss Wordsworth afirma que Coleridge tenha “rejeitado com horror” a opinião de seu interlocutor. Segundo ela, ele se divertiu com a história e, ao fazer isso, demonstrou seu bom humor.

Tendo Coleridge ficado horrorizado (como afirma Lewis) ou simplesmente se divertido com a história (como alega Miss Wordsworth),  o fato é que Lewis concordou com Coleridge. Se, como C S Lewis estava convicto, valores morais e estéticos são objetivos, inerindo na coisa descrita ou avaliada, e não estando (pelo menos apenas) “nos olhos de quem olha”, e a cachoeira em questão deve ser corretamente descrita ou avaliada como “majestosa” ou “sublime”, e isso faz com que descrevê-la ou avaliá-la como apenas “bonita”, ou mesmo “bela”, é simplesmente errado – epistêmica e linguisticamente. Há um erro epistêmico, porque há um erro de julgamento envolvido: a cachoeira é, de fato, majestosa e sublime e você a julga, erroneamente, como sendo apenas bela ou bonita. Há um erro linguístico, porque um termo é usado, “bonita” ou “bela”, quando o termo correto, que deveria ter sido usado, é “majestosa” ou “sublime”. O que se pressupõe aqui é que palavras se referem a conceitos, e conceitos morais e estéticos são objetivos, o que significa que descrevem ou avaliam corretamente, ou erroneamente, conforme o caso, o que existe na realidade, seja do ponto de vista moral, seja do estético. 

Quanto à pergunta da participante no meu “live” se haveria uma referência de Coleridge em um de seus livros a essa história, ela continua sem resposta, mas, pelo menos, há uma pista sobre quem pode ter divulgado a história: Dorothy Wordsworth, não o próprio Coleridge.

Mas, para os autores do Livro Verde, a coisa não é bem assim. Aqui entramos no âmago da questão. Lewis cita a seguinte passagem (que eu transcrevo a partir da tradução brasileira):

“Quando o homem disse Isto é sublime, ele parecia fazer um comentário sobre a cachoeira. … Na verdade, … ele não estava falando da cachoeira, mas dos seus próprios sentimentos. O que ele realmente disse foi Eu tenho sentimentos que minha mente associa à palavra ‘sublime’, ou, resumidamente, Eu tenho sentimentos sublimes. (…) Essa confusão está sempre presente na nossa linguagem. Aparentamos dizer algo muito importante sobre alguma coisa, e, na verdade, estamos apenas dizendo algo sobre nossos próprios sentimentos.” (p.2 da edição brasileira; ênfase acrescentada por mim, EC) [30].

Para Lewis, mesmo que os autores não explicitem o fato, nem tenham tido a intenção de produzir esse efeito, o resultado mais provável dessa passagem de seu livro é que os alunos que a lerem vão inferir que valores não existem na realidade objetiva (aquela delimitada pelo espaço e o tempo, em que existem árvores, rios e cataratas e que nossos corpos habitam), mas apenas na realidade subjetiva (aquela circunscrita pela nossa mente, em que existem nossas emoções e nossos sentimentos, bem como nossos pensamentos e as sensações impressas em nossa mente enquanto estamos vendo alguma coisa ou, na forma de memória,  depois de tê-la visto).

Como pretendem os autores do livro analisado por Lewis (apelidados de Gaius e Titius por ele), quando duas pessoas predicam, de alguma coisa, valores (estéticos – no caso, mas os valores poderiam ser morais) diferentes, afirmando, como no caso relatado, um, que a catarata é, em si, e objetivamente, majestosa ou sublime, e o outro, que ela é, em si, e objetivamente, linda ou bonita, a predicação feita por essas duas pessoa está errada (ou seja nenhuma das duas pessoas está certa), porque, quando usamos linguagem estética (ou, mais genericamente, linguagem de valores), não falamos das coisas, em si, no caso, da catarata, mas, simplesmente, expressamos nossos próprios sentimentos em relação àquelas coisas (como se apenas tivéssemos usado uma interjeição). A pessoa que disse que a catarata era majestosa ou sublime tinha sentimentos positivos mais fortes em relação à catarata do que a pessoa que disse que a catarata era apenas linda ou bonita. Mas os dois estavam errados, porque pensavam estar falando da catarata, em si, quando (em realidade) estavam apenas expressando seus próprios sentimentos. Para Gaius e Titus (para continuar usando o apelido que lhes dá Lewis), a linguagem estética (sendo uma linguagem de valores) não é objetiva: ela simplesmente serve para que as pessoas expressem seus sentimentos em relação às coisas. É como se aquele que disse que a catarata era majestosa ou sublime tivesse expressado a interjeição “Wow!!!” (ou, mais chulamente, “PQP!!!”), e o que disse que a catarata era bela ou bonita tivesse expressado a interjeição “Legal…” (ou “Valeu”). Nenhum dos dois se referiu à catarata, em si. Nenhum deles estava, na realidade, falando da catarata ou sobre a catarata. Ambos simplesmente expressava, seus sentimentos. A linguagem de valores (estéticos ou morais) não é referencial: ela é expressiva ou emocional.

(Uma breve nota: Lewis aceita que haja equivalência de conceitos ou sinonímia de termos. Ele admite que (em referência à catarata) os conceitos majestosa e sublime são equivalentes, como o são os conceitos linda e bela, e que, portanto, os termos linguísticos “majestosa” e “sublime” são sinônimos, como o são os termos “linda” e “bela”. Lewis não é tão radical a ponto de negar a possibilidade de que haja equivalência entre conceitos e sinonímia entre termos linguísticos. Mas, às vezes, chega perto… [31])

Embora Lewis não explicite o fato, da forma que o farei neste e nos próximos parágrafos, o que ele está criticando é uma tese filosófica que se expressa, hoje em dia, de várias maneiras. Darei dois exemplos.

Um desses exemplos diz respeito ao ditado popular, bastante antigo, que afirma que “a beleza está nos olhos de quem olha” — não na coisa em si. Lewis certamente discorda frontalmente desse antigo ditado.

Outro exemplo é fornecido pelo famoso filósofo britânico, Bertrand Russell, Prêmio Nobel da Literatura (1950). Ele admitiu uma vez, quando discutia o Holocausto que teve lugar na Segunda Guerra Mundial, que, quando ele afirmava que os atos genocidas de Hitler eram horrendos, tudo o que ele estava comunicando é que ele, Russell, tinha sentimentos bastante negativos em relação ao que Hitler fez, sentimentos de desaprovação, repulsa e mesmo de horror ao pensar no Holocausto ou ao ver fotografias dos campos de concentração nazistas. O termo “horrendo”, entretanto, não descrevia o conjunto de ações de Hitler e seus comparsas, mas, sim, as emoções de revolta, extremamente negativas, que Russell sentia quando dizia (ou ouvia) essas coisas. Em outras palavras: ele, Bertrand Russell, pessoalmente, simplesmente não gostava do que Hitler fez. Mas se outra pessoa, digamos um nazista radical e fanático, gostasse, não haveria nada que pudesse ser feito, em termos filosóficos ou racionais, para convencer a pessoa de que ela estava errada. As duas pessoas, Russell e o nazista radical e fanático, simplesmente sentiam de forma diferente. [32]

Em outras palavras: quando dizemos que uma mulher, ou uma cena (como uma cachoeira), ou uma pintura (como a Mona Lisa), ou uma escultura (como a Vênus de Milo) é maravilhosa não estamos falando de características da mulher, ou da cena, ou da pintura, ou da escultura: estamos falando de nosso sentimento em relação a elas; quando dizemos que aquilo que Hitler fez com os judeus foi horrendo, não estamos falando de uma característica das ações de Hitler, mas, sim, de nosso sentimento em relação a essas ações.

Segundo essa visão, no mundo natural (empírico, observável, mensurável) há fatos, que são estados de coisas objetivos — mas não existem fatos semelhantes no mundo dos valores (morais ou estéticos), pois os valores não são parte de um estado de coisas na realidade objetiva: eles apenas servem para que expressemos nossos sentimentos, que são coisas que apenas existem na realidade subjetiva da mente de cada um. Alguém pode contemplar a catarata e achá-la sublime; outro, contemplando a mesmíssima catarata, do mesmíssimo lugar, acha-la apenas bonita. Um outro poderia até achá-la sem graça, ou mesmo feia (nem sublime, nem bonita). Não há como adjudicar quem está certo nessa divergência através de um critério objetivo. Na realidade, não há divergência. Presumindo que as pessoas expressaram seus sentimentos honestamente, todas estão certas, porque todas expressaram o que estavam sentindo. Não existem fatos quando valores estão em jogo. Não existem fatos morais nem fatos estéticos que permitam que se determine o que é verdadeiro e o que é falso na área da moralidade e da estética. 

 Assim, segundo essa visão, há uma dicotomia entre fatos e valores, e não é possível derivar um valor de um fato nem inferir um fato a partir de um valor. Fatos e valores  pertencem a “reinos” diferentes, ou a aspectos essencialmente diferentes da realidade. É possível dizer, em relação à cachoeira, que ela tem tantos metros de altura, que o volume de água que nela cai por segundo é de tantos litros ou metros cúbicos, etc. Tudo isso está no reino dos fatos, e os enunciados em que essas afirmações são feitas podem ser considerados verdadeiros ou falsos, dependendo das evidências existentes. Mas não há como dizer que a catarata é sublime ou bonita, horrível ou feia, porque aqui estão sendo usados valores, conceitos e termos valorativos, e valores têm que ver com sentimentos, que não existem na realidade externa, objetiva, mas apenas na realidade interna, subjetiva, da nossa mente. Dizer que a cachoeira é sublime ou bonita, horrível ou feia não é descrevê-la: é relacioná-la com os sentimentos que temos para com ela, com as emoções que sentimos ao vê-la. Se alguém a considera sublime, outro a considera como linda, outro a considera como bonita, outro a considera como sem graça, outro a considera como feia, e outro ainda a considera como simplesmente horrível, não há como dizer que um está certo e os demais errados: todos podem estar certos — na verdade, todos podem estar certos, se é assim que de fato se sentem em relação à cachoeira [33].

Segundo Lewis, essa visão relativista dos valores está no centro da Modernidade. E essa visão, e as demais ideias que a cercam e acompanham, estão entranhadas na Educação Moderna. Há que desentranhá-las da Educação para que a Educação possa vir uma vez mais a exercer o papel que deve e precisa exercer.

4. O Desafio

Como diz o título de um excelente livro de autoria de Michael D. Aeschliman, The Restoration of Man, é preciso promover A Restauração do Homem [34].  Eis o que diz uma breve descrição do livro, contida no verso da página título:

“An intellectual giant, he [C S Lewis] fiercely and extensively critiqued the fashionable dogma known as scientism — the idea that science is the only path to knowledge, and matter the fundamental reality. Michael Aeschliman’s The Restoration of Man ably surveys Lewis’s eloquent case against this dogma, and situates him among the many other notable thinkers who have entered the fray over this crucial issue. Aeschliman shows why Lewis’s case for the human person as more than matter—as a creature with inherent rationality and worth—is a precious resource for restoring and preserving our culture’s sanity, wisdom, and moral order.”

[Tradução: EC]

“Um gigante intelectual, C S Lewis criticou, agressiva e extensamente, o dogma que virou moda, às vezes chamado de cientismo, que afirma que a ciência é o único caminho para o conhecimento e que a matéria é realidade fundamental. O livro de Michael Aeschliman analisa a eloquente argumentação de Lewis contra esse dogma. A análise demonstra que Lewis merece um lugar entre os muitos autores notáveis que decidiram combater esse dogma. A descrição que Aeschliman faz da argumentação de Lewis ressalta que a pessoa humana é mais do que matéria, sendo uma criatura à  qual a racionalidade e a dignidade são inerentes. Essa análise é um recurso precioso que nos ajudará a restaurar, para em seguida preservar, a sanidade, a sabedoria, e o ordenamento moral de nossa cultura.” [35]

Quando Aeschlimann afirma que é preciso restaurar “o ordenamento moral de nossa cultura” (poderia ter dito também que é preciso restaurar “o ordenamento estético de nossa cultura”), ele está fazendo referência à tese de Lewis de que a moralidade ou imoralidade das ações e das pessoas (bem como a beleza ou a feiura das coisas, das ações e das pessoas) é algo objetivo, que é inerente a elas – não algo meramente subjetivo, que não faz parte da realidade objetiva, porque está relacionado apenas com os sentimentos das pessoas, que é algo subjetivo, que pode variar de pessoa para pessoa (e mesmo de momento a momento, em uma mesma pessoa).

Eis o que diz Lewis acerca disso:

“Until quite modern times, all teachers and even all men believed the universe to be such that certain emotional reactions on our part could be either congruous or incongruous to it — believed, in fact, that objects did not merely receive, but could merit, our approval or disapproval, our reverence, or our contempt.”

[Tradução: EC]

“Até meados da Era Moderna, todos os professores, e mesmo todos os seres humanos, acreditavam que o universo [a realidade] era de tal natureza que certas reações emocionais nossas para com ele são congruentes ou incongruentes com a natureza dele – isto é, as pessoas acreditavam que o universo, de fato, faz jus às nossas reações emocionais positivas ou negativas, aos nossos sentimentos de aprovação ou desaprovação, à nossa reverência ou ao nosso desprezo.” [36]

5. Notas da Parte 1


[1]   Prefiro escrever C S Lewis, sem os pontos, exceto em citações.

[2]   “Prefácio de Rubem Alves”, in Eduardo Chaves, Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era (Mindware Education Editora, São Paulo, 2003, 1a edição; 2019, 2021, 2a edição; ambas as edições, hoje, no formato de ebook Kindle).

[3]   No dia 22.11.1963 eu estava em Florianópolis, na (então inabitada e deserta) praia de Canavieiras, apesar de o dia estar bastante frio, celebrando, com uma penca de colegas de escola e até hoje grandes amigos (mais de vinte), a nossa formatura no Instituto José Manuel da Conceição (JMC), de Jandira, SP. A formatura de uns era no Ginásio, a de outros (como a minha), no Clássico, mas viajávamos todos juntos. Nossa viagem de formatura saiu de Jandira, passou por Curitiba, Florianópolis, Camboriú (então inabitada e deserta também), Tubarão, Porto Alegre, e, na volta, Lages e (de novo) Curitiba, regressando a Jandira. Ainda tivemos a Colação de Grau em 3.12.1963, em que fui Orador da Turma, e o Paraninfo foi o Deputado Dr. Camilo Ashcar, presbiteriano. Mas a viagem, que durou duas semanas, no mês de Novembro de 1963, foi a coroação com chave de ouro do meu ano de 1963, em que completei vinte anos. (Estava atrasado na escola). Mas, como diz a canção gravada pelo Frank Sinatra,  “it was a very good year…”

[4]   Mesmo reivindicando ser a terceira universidade inglesa, a distância que separa a fundação da Universidade de Durham da fundação da Universidade de Oxford e da Universidade de Cambridge é enorme. Durham foi fundada em 1832, se se considera a data como sendo a da Autorização de Funcionamento pelo Parlamento, ou 1837, se se considera a data do Decreto Real. Oxford foi fundada em 1096. Fará mil anos neste século 21, e é considerada a segunda universidade mais velha do mundo em operação contínua, atrás apenas da Universidade de Bologna, na Itália, que, segundo tudo indica, começou a operar oito anos antes, em 1088. Cambridge foi fundada em 1209 (segundo sua própria forma de contar; segundo outras formas de contar, o ensino lá só começou realmente em 1220), e ela é considerada a terceira universidade do mundo em operação contínua. A Universidade de Paris foi fundada antes, em 1150, mas aparentemente teve sua operação interrompida em alguns momentos (como, por exemplo, durante a Revolução Francesa, de 1793 a 1806). A Universidade de Salamanca foi criada em 1218, depois da Universidade de Cambridge, segundo a contagem desta, ou, então, antes, segundo a contagem da maioria dos historiadores. Cambridge e Salamanca disputam, portanto, a condição de terceira universidade do mundo, em funcionamento constante. Se considerarmos a data de fundação das mais antigas universidades britânicas (a Ilha da Grã-Bretanha incluindo não só a Inglaterra, mas também o País de Gales e a Escócia), temos várias universidades escocesas que foram criadas antes da Universidade de Durham: as Universidades de Saint Andrews (1413), Glasgow (1451), Aberdeen (1495), e Edinburgh (1583). Voltando para a Inglaterra, algumas listagens inserem a fundação das Universidades de Manchester (1824) e de London (1826) antes da fundação da Universidade de Durham (que foi 1832 ou 1837). A Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, fundada em 1872, foi a primeira universidade fundada no País de Gales e a décima fundada na Grã-Bretanha. É necessário registrar que a data da fundação das universidades mais antigas (do mundo, da Grã-Bretanha, da Inglaterra) é disputada, pois é possível considerá-la como a data mais antiga em que houve alguma forma de ensino continuado no local (mesmo não sendo ensino que se possa considerar “superior”), ou a data da autorização oficial do funcionamento da instituição com status de Universidade (pelo Rei ou pelo Papa), ou alguma outra data. Esta minha pesquisa é apenas tão confiável quanto a Internet, ou seja, não muito… Veja-se, por exemplo, estes quatro sites (um é um blog, dentre os muitos encontrados em qualquer busca simples que seja feita no Google ou no Bing:

(a) “10 of the oldest universities in the world”,  https://www.topuniversities.com/blog/10-oldest-universities-world);

(b) “List of the oldest universities in continuous operation in the world”,  https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_oldest_universities_in_continuous_operation);

(c) “Evans – Evans”, https://evanevanstours.com/travel-guide/out-of-london-guide/10-oldest-universities-in-the-uk/;

(d) Blog “Sanctuary Students”, https://www.sanctuary-students.com/blog/the-10-oldest-universities-in-the-uk.

É recomendável também verificar o site de cada uma das universidades mencionadas para constatar como ela própria vê a questão de sua fundação e de sua idade. O primeiro site indicado lista a “nossa” Universidade de Coimbra como a nona mais velha do mundo, sua data de fundação sendo 1290 (a fundação inicial tendo sido feita em Lisboa, a mudança da universidade para Coimbra, mais ao norte da capital, só vindo depois).

[5]   Warnie [Warren Hamilton] Lewis, o irmão mais velho de Lewis (Clive Staples, que é o que C S significa, mas que era chamado de Jack pelos íntimos), e que o acompanhava na ocasião, registrou o seguinte em seu diário , ao final do dia 24.2.1943: “Durham’s exquisite beauty came upon us with an impact I shall long remember. The University lies all about and around the Cathedral, and was of a totally unexpected attractiveness”. (A beleza sofisticada de Durham nos atingiu com grande impacto, do qual me lembrarei por muito tempo. A Universidade fica do lado e ao redor da Catedral, e tinha atrações totalmente inesperadas”. Apud Humphrey Carpenter, The Inklings: C. S. Lewis, J. R. R. Tolkien, Charles Williams, and their Friends (HarperCollins, London, 1978, 1997), p. 221, n. 1.

[6]   Oxford University Press, Oxford, para a edição em capa dura, e HarperCollins, para a edição em brochura, a data sendo a da primeira publicação: 1943/1944. É preciso registrar que há divergência quanto à data exata da publicação da primeira edição do livro. Há referência, inclusive em livros de ninguém menos do que Walter Hooper, testamenteiro intelectual de C S Lewis (Walter Hooper, C. S. Lewis Companion & Guide, 1996, p.804; Walter Hooper & Roger Lancelyn Green, C. S. Lewis, The Authorised and Revised Biography, 2002, p.277), à data de publicação como sendo 6 de Janeiro de 1943. No entanto, como as conferências foram proferidas em 24-26 de Fevereiro de 1943, e não faz sentido imaginar que o texto das conferências tenha sido publicado antes de elas terem sido proferidas, essa data parece problemática. Além disso, o próprio Walter Hooper (Hooper, 1996, op.cit., pp.35,124) e outros biógrafos são unânimes ao afirmar que o livro foi publicado depois de as conferências terem sido proferidas, fato que depõe contra a data de 6 de Janeiro de 1943 (mas não elimina uma publicação ainda no ano de 1943, embora não em Janeiro). Finalmente, a minha cópia do livro (em Inglês) tem 1944 como a data do copyright original. Parece-me que, dificilmente, um livro seria publicado antes de receber a aprovação de seu copyright. Por isso, eu prefiro considerar a data da publicação como 6 de Janeiro de 1944, e não de 1943, sendo 1943 o ano em que as conferências foram proferidas oralmente na Universidade de Durham. Mas, como assinalei, não elimino a possibilidade de que as conferências tenham sido publicadas em primeira edição ainda em 1943. Walter Hooper (1996, op.cit., p.804) informa que uma segunda edição teria sido publicada, em 1946, por Geoffrey Bless (The Centennial Press, London). Isso aumenta a minha dúvida. Minha cópia (em Inglês) informa que um segundo copyright foi tirado em 1947 – que é o ano seguinte ao da publicação de 1946, o que parece indicar que pode ter havido a prática de tirar o copyright apenas depois de publicada a obra ou a nova edição. Mas fica a dúvida. Por isso deixo a data da publicação da primeira edição como sendo 1943/1944.

[7]   O livro está traduzido para o Português com o título A Abolição do Homem: Ou Reflexões Acerca da Educação, com Referência Especial ao Ensino de Inglês nas Escolas de Grau / Nível mais Alto (Martins Fontes, São Paulo, 2005; tradução de Remo Mannarino Filho). Pode ser que haja outras traduções para o Português, ou outras edições dessa mesma tradução (por exemplo, em Portugal ou em outros países de fala portuguesa), mas, se há, eu as desconheço.

[8]   É fácil, com base em uma primeira leitura, ou em qualquer leitura mais superficial, não perceber por que o livro tem sido considerado tão importante na área da Educação. Em primeiro lugar, o título do livro, em si, não faz referência à Educação: ele dá a entender (e corretamente) que o foco do livro está em algo que, poderíamos chamar de Antropologia Filosófica. Embora essa área de estudos seja extremamente relevante para a Educação, ela é pouco desconhecida. Em segundo lugar, a referência ao Ensino de Inglês, no subtítulo, encontra poucas menções no corpo do livro: elas, na verdade, são mínimas. Em terceiro lugar, a referência a Escolas (de série ou grau mais elevado), também no subtítulo do livro, tem, de igual forma, pouco respaldo no corpo do livro: Lewis fala muito pouco de escolas, em si. Em quarto lugar, como a maioria das pessoas, ao ouvir falar em Educação (como no subtítulo), imediatamente associa o tema com Escolas, Ensino e Professores – e não com a temática que Lewis de fato discute no corpo do livro (que é, como ressaltado, a Antropologia Filosófica, expressão que leigos em Filosofia dificilmente conhecerão), muitas pessoas ficam perdidas ao cotejar o título, o subtítulo e o corpo do livro e ao tentarem relacioná-los com a Educação, como eles a entendem.

[9]   Tirei a referência de The C S Lewis Encyclopedia: A Complete Guide to His Life, Thought and Writings, elaborada por Colin Duriez (Inspirational Press, New York, 2000), verbete “Abolition of Man, The”), p.12. A carta está incluída no livro de Lewis intitulado Letters to an American Lady (Cartas para uma Senhora Americana), que Walter Hooper publicou em 1967 e que incorpora uma pequena parcela das cartas dirigidas por Lewis a essa senhora. A “senhora americana” em questão era Mary Willis Shelburne, que escreveu sua primeira carta para Lewis em 1950, reclamando da vida, e se tornou, desde então, um “espinho na carne” para Lewis. Este, porém, reconhecendo (ou imaginando) que ela, provavelmente, era uma senhora “velha, pobre, doente, solitária e miserável”, não hesitou em religiosamente responder às suas cartas, escrevendo-lhe, no total, nada menos do que 138 cartas (número das que foram preservadas, podendo ter havido mais). Cp Walter Hooper, C. S. Lewis Companion & Guide, op.cit., p.91. Esse fato ilustra a humanidade de Lewis, que tirava tempo de suas atividades de estudo, tutoria, palestras e produção de textos para dar atenção a uma senhora carente.

[10] Michael Ward, After Humanity: A Guide to C S Lewis’s ‘The Abolition of Man’ (Word on Fire Academic, Park Ridge, IL, 2021), capítulo I.

[11] Lamento e lastimo muito essa falha em meus registros e arquivos. Muita gente elogia minha memória – mas deviam elogiar mais os meus registros e arquivos do que a minha memória. São eles, não ela, os responsáveis pela surpresa que muita gente tem diante de detalhes das coisas que publico ou menciono. Mas nem tudo é perfeito. Muitos registros e arquivos se perdem ou são deliberadamente destruídos por terceiros (neste caso, por razões que só a Deus cabe julgar).

[12] No entanto, os meus exemplares eu os comprei na Livraria do Seminário Presbiteriano de Campinas, capitaneada pelo Rev. Dr. Waldyr Carvalho Luz. É possível ver até hoje o preço dos livros que está escrito a mão na inconfundível letra do Rev. Waldyr. Cartas do Inferno, comprado em 13.10.1964, custou Cr$ 729,00. Razão do Cristianismo, comprado antes, em 18.18.1964, custou Cr$ 667,00. A moeda brasileira, de 01.11.1942 a 30.11.1964, era o Cruzeiro (Cr$), que, em decorrência da inflação, iria perder três zeros, a partir de 1.12.1964. Até a compra desses dois livros, vivi minha vida na era do Cruzeiro. Vide “Histórico das Alterações das Moedas Nacionais”, no site Yahii, em http://www.yahii.com.br/Moedas.html.

[13] A história de The Screwtape Letters é fascinante. Em 19.7.1940, Lewis, ao ouvir pelo rádio um discurso de Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, e impressionado com a capacidade de persuasão (mesmo que não convencimento) de Hitler através do discurso oral, ficou a refletir sobre o fato de que ele próprio, homem maduro e inteligente, que sabia que aquilo que Hitler estava dizendo era falso e mentiroso, ficou meio “balançado” enquanto estava ouvindo aquela voz e aquela retórica tão persuasivas. Na hora, Lewis decidiu escrever alguma coisa sobre o assunto, conforme relatou a seu irmão Warren Lewis, por carta, no dia seguinte (20.7.1940). Um dia depois, um domingo, enquanto ele assistia ao culto, Lewis decidiu o que escrever e como abordar o que queria dizer. O tema seria algo assim: “O que um diabo deve dizer ao outro quando quer convencê-lo a fazer algo mau [ou errado]”, conforme ele relatou a seu irmão Warren, em outra carta, esta de 21.7.1940. Aparentemente as cartas eram diárias entre os dois irmãos. O escrito em questão se tornou, naturalmente, The Screwtape Letters. Tendo decidido o que fazer, Lewis não perdeu tempo para fazê-lo. Por volta do Natal de 1940 a redação de The Screwtape Letters estava basicamente concluída. A obra consistia de 31 cartas de um diabo sênior, com o esquisito nome de Screwtape, a outro, bem mais jovem. A coleção de cartas poderia se chamar “Como um Diabo Educa o Outro”, ou “Como se Educa um Diabo”. Inicialmente o que veio a ser o livro foi antes publicado, em fascículos semanais, a partir de 2.5 até 28.11.1941, no jornal britânico The Guardian, que pagou a Lewis duas libras por carta — dinheiro que ele destinou a um fundo financeiramente responsável por suas obras de caridade. Com os fascículos no jornal, Lewis começou a se tornar conhecido e famoso fora da Academia. Em 9.2.1942 The Screwtape Letters foram publicadas em forma de livro, dedicado a seu amigo J R R Tolkien (autor de O Senhor dos Anéis e Hobbit), pela editora Geoffrey Bles. No Brasil o livro foi publicado em Português, com o título de Cartas do Inferno, tradução de Roque Monteiro de Andrade (Edições Vila Nova, São Paulo, 1964). Eu adquiri a minha cópia dessa edição em 13.10.1964. Posteriormente saiu uma nova tradução, com o título Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, tradução de Gabriele Greggersen (Editora Thomas Nelson Brasil, São Paulo, 2017).

[14] A história de Mere Christianity tambémé fascinante – talvez ainda mais fascinante do que a história de The Screwtape Letters, porque projetou a reputação de Lewis para o mundo, e não apenas para a Grã-Bretanha. Em 7.2.1941, J W Welch, Diretor de Transmissões Religiosas da British Broadcasting Corporation (BBC) entrou em contato com Lewis para agradecer-lhe pelo conteúdo do livro The Problem of Pain, que ele (Welch) havia acabado de ler, e que lhe fizera muito bem, e para indagar se Lewis teria interesse em gravar uma série de falas de quinze minutos cada para transmissão pela BBC. As falas seriam destinadas à população em geral, durante o período árduo em que a Grã-Bretanha estava em guerra, com transmissão também para as Forças Armadas britânicas lutando no continente europeu. Depois de alguma hesitação, e de dúvidas sobre como seria sua voz no rádio (ele nunca havia falado para um microfone antes), Lewis resolveu aceitar, se se sentisse bem em um teste de estúdio, e se ficasse convencido de que poderia se comunicar de forma eficaz com sua audiência através do rádio. Tendo se convencido de que o resultado do teste foi positivo, ele começou a preparar uma série de falas sobre o tema genérico da Moralidade. Não haveria gravação antecipada: as falas seriam ao vivo. Quatro falas foram apresentadas na BBC nas quartas-feiras à noite, das 19h45 às 20h, durante o mês de Agosto de 1941, sobre o tema, agora um pouco mais específico, “Right or Wrong: A Clue to the Meaning of the Universe” (“Certo ou Errado: Uma Pista para o Sentido do Universo”). O foco mudou da moralidade, em si, para a moralidade como fornecedora de pistas para o descobrimento do sentido do universo (inclusive da vida). Essa primeira série de falas teve um resultado extremamente positivo e a BBC foi inundada com cartas dirigidas a Lewis. Nascia o comunicador de massa. Dadas a quantidade e a qualidade das cartas que repercutiam a primeira série de falas, a BBC convenceu Lewis a voltar ao microfone para responder às principais perguntas feitas e para contestar algumas objeções, o que ele fez, em 6.9.1941, de uma só vez. No entanto, uma segunda série de falas foi solicitada pela BBC, preparada por Lewis e apresentada de 11.1 a 15.2.1942, agora sobre o tema: “What Christians Believe” (“O que Acreditam os Cristãos”). Diante do sucesso da publicação de The Screwtape Letters, a editora Geoffrey Bles resolveu publicar em livro, em Julho de 1942, as duas primeiras séries de falas de Lewis na BBC, com o título de Broadcast Talks (Conversas pelo Rádio). Ainda em 1942, de 20.9 a 8.11, teve lugar uma terceira série de falas, agora sobre o tema de “Christian Behaviour” (Conduta Cristã). Nessa série, Lewis discutiu questões interessantes relacionadas ao amor, à moral sexual, ao casamento cristão, ao divórcio, ao perdão, à fé, à esperança, etc. A série foi ao ar em oito transmissões. Em Abril de 1943 a editora Geoffrey Bles publicou a terceira série de falas com o título Christian Behaviour (Conduta Cristã). De 22.2 a 4.4 de 1944, depois de negociações feitas no segundo semestre de 1943, foi ao ar uma quarta série de falas, sobre temas teológicos mais densos (a Trindade, a Criação, a Encarnação, as Duas Naturezas e a Divindade de Cristo, a Ressurreição de Cristo, a Ascensão, etc.). Houve bem mais discussão sobre esses temas, dentro da BBC, do que no caso das três séries anteriores. A BBC até procurou colocar essa quarta série no ar somente depois das 22h, presumindo que apenas um público mais seleto ficaria acordado até mais tarde para ouvir Lewis… Mas as falas foram finalmente transmitidas no horário das outras. Seu texto foi publicado em The Listener, sempre dois dias depois de sua transmissão pelo rádio, ou seja, de 24.2 a 6.4.1944. Em Outubro de 1944, Geoffrey Bles publicou a quarta série de falas, com o título (admitamos que meio esquisito) de Beyond Personality (Além da Personalidade). Apenas cerca de oito anos depois, em 7.7.1952, os três livros com o texto das quatro séries de falas radiofônicas na BBC, de 1941-1944, foram, depois de revisados e expandidos por Lewis, transformados em um único livro, que se tornou, em termos de popularidade, o seu livro mais famoso. O livro unificado foi publicado em 1952, por Geoffrey Bles, com o título de Mere Christianity (Cristianismo Básico, em tradução literal). No Brasil, o livro veio a ser publicado com dois títulos diferentes: primeiro, A Razão do Cristianismo (1964) e, depois, Cristianismo Puro e Simples (2005), que é o título com que ele é comercializado hoje. Entre 1945 e 1952, as quatro séries de falas de Lewis pela BBC, transformadas em apenas um livro em Julho de 1952, juntadas ao seu livro The Screwtape Letters, tornaram Lewis mais do que famoso. Ele se tornou uma verdadeira celebridade. 

[15] Hoje tenho cerca de duzentos livros de ou sobre C S Lewis, impressos ou eletrônicos (neste caso, virtualmente todos eles no formato Kindle, da Amazon). Só de e sobre David Hume e Ayn Rand tenho mais livros. Aproveito para esclarecer, desde já, que não me considero defensor da Pedagogia Tradicional – sendo meus pontos de vista acerca da Educação bem mais radicais até mesmo do que os da Pedagogia Moderna, seja ela de natureza Socialista (esquerdista) ou Conservadora (direitista). Mas acho que Lewis está absolutamente correto em criticar o intelectualismo e o cientificismo (ou cientismo) que governam a Pedagogia Moderna, em detrimento da Educação Moral, do Cultivo das Virtudes, e da Formação de Caráter, que Lewis enfatiza, para os quais a Literatura é muito mais importante do que a Ciência. Mais sobre isso no texto.

[16] A propósito, em um parêntese que não tem nada que ver, no dia 24 de Fevereiro, data em que a primeira parte deste artigo é publicada, celebra-se, no Brasil,  a conquista, pelas mulheres, do direito ao voto. Foi em 1932, antes das Conferências de Lewis, por um Decreto do Presidente Getúlio Vargas, que as mulheres brasileiras conquistaram o seu direito ao voto. Esse marco comemora 91 anos este ano, junto dos oitenta anos da primeira conferência de Lewis em Durham.

[17] Na verdade, a data em que reviso e corrijo este parágrafo é 23 de Fevereiro, que, tradicionalmente, é a data considerada como da Invenção da Imprensa, por ser a data em que Johannes Gutenberg terminou de publicar a chamada “Bíblia de Gutenberg”, no ano de 1455. (A Bíblia começou a ser publicada quase cinco anos antes, em 1450). Ela foi o primeiro livro impresso através da invenção dele, usando uma prensa de tipos móveis.

[18] Em épocas mais retrógradas costumava-se chamar a Época Clássica de Idade de Ouro, a Época Moderna de Idade das Luzes, e a Idade Média de Idade das Trevas… Nenhum desses rótulos descreve bem o seu período, mas Idade das Trevas para a Idade Média é o cúmulo da ignorância. Como pode um período que tem como precursor Agostinho (354-430), que começa com Boécio (480-525), que no meio tem Anselmo de Cantuária (Canterbury) (1033-1109), Pedro Abelardo (1079-1142) e Tomás de Aquino (1225-1274), e, ao final, tem Marsílio de Pádua (1270-1342), Guilherme (William) de Ockham (1287-1347) e Nicolau de Cusa (1401-1464), ser chamado de Era das Trevas? Falta ainda mencionar de Dante Alighieri (1265-1321)!

[19] Oxford University Press, Oxford and London, 1954. Inicialmente o livro teve outro título (English Literature in the Sixteenth Century, Excluding Drama) e outra posição na série (era o terceiro volume, passou a ser o quarto). O Plano da Obra foi definido, originalmente, em 1937, e nesse momento, ou logo depois, ou mesmo antes (!), Lewis recebeu o convite para escrever a História da Literatura Inglesa no Século 16 (com a exclusão de Drama). Walter Hooper afirma que Lewis foi solicitado, em Junho de 1935, cerca de dois anos antes de ser finalizado o Plano da Obra, por F P Wilson, um dos quatro Editores Gerais da série, e que havia sido seu tutor em Inglês, quando Lewis era estudante em Oxford (em 1922-1923), a escrever o volume sobre o século 16 (Literatura e Poesia, excluindo Drama). Vide Walter Hooper, C. S. Lewis Companion & Guide, op.cit., p. 475. Há quem afirme, de forma totalmente equivocada e desinformada que Lewis só foi “engajado” no processo de escrever esse livro em 1944. Vide George Sayer, Jack: A Life of C. S. Lewis (Crossway Books, Wheaton, 1988, 1994), p.323. Há correspondência entre F P Wilson e C S Lewis, já de 1938, em que Wilson pressiona Lewis a dedicar tempo à obra e este tenta sair do projeto (sem sucesso). Vide Hooper, op.cit., pp. 474-508. Ou seja, desde 1935 Lewis sabia que teria de escrever esse livro, e só o terminou e entregou em 1952, dezessete anos depois, para a publicação de 1954. Foi um parto difícil e principalmente demorado, como se diz. O “drama” desse livro (que Lewis designou como sendo “O Hell”), está contado em detalhe por Walter Hooper, na última referência data nesta nota.

[20] Vide a esse respeito o excelente livro de Jason Michael Baxter, The Medieval Mind of C S Lewis: How Great Books Shaped a Great Mind (InterVarsity Press, Downers Grove, 2022), passim. Acho o livro fantástico, pois ele apresenta um ângulo de visão de Lewis que não é enfatizado por outros autores. Baxter investiga (entre outras coisas importantes e interessantes) quais os autores da Idade Média que foram as maiores influências na vida de Lewis. Ele menciona Agostinho, Boécio (Boethius), Tomás de Aquino e Dante (p. 9). A lista de Baxter é baseada em informação contida em C. S. Lewis, “Religion and Science,” in God in the Dock: Essays on Theology and Ethics, edited by Walter Hooper (Grand Rapids, Eerdmans, 1970), p.74. O mais surpreendente é que, numa lista que inclui também Agostinho, Tomás de Aquino e Dante, C S Lewis parece ter considerado Boécio a maior influência em sua vida, aquele que determinou a direção em que ele produziria o seu trabalho – a sua vocação. A razão é importante. Boécio viveu na transição da era clássica, propriamente dita, para a era medieval, também propriamente dita. Embora essas duas eras formem a era da Cultura Clássica, no fundamental, elas mantêm sua própria identidade. As datas de Boécio são 480-525. Ele nasceu um ano depois da Queda do Império Romano no Ocidente, derrubado pelos Povos Germânicos do Norte (antigamente chamados de Bárbaros). Boécio, porém, parte da elite romana, teve uma formação clássica, e se tornou Cônsul na época em que o “bárbaro” Teodorico ocupava o posto mais alto do governo controlado pelos invasores. Embora por um tempo tenha havido certa amizade entre Boécio e Teodorico, este, ferido pela inveja, mandou prender e torturar – e, finalmente assassinar – Boécio. Enquanto estava preso, Boécio procurou traduzir, do Grego para o Latim, o máximo de autores aos quais podia ter acesso. Ali ele escreveu seu livro mais famoso, On the Consolation of Philosophy (De Consolatione Philosophiae), em 523, dois anos antes de morrer. Seu objetivo (vocação) era não permitir que os bárbaros destruíssem a Cultura Clássica Greco-Latino-Cristã que existia. Ele tinha consciência de que vivia no limiar de uma nova era, que poderia, porque tinha o poder para fazê-lo, destruir a cultura anterior. A ele é atribuída a sistematização do Trivium e do Quadrivium, como forma de preservação da Cultura Greco-Romana. Foi essa consciência e esse sentido de vocação que C S Lewis veio a sentir diante dos “novos bárbaros” que dominam a Cultura Moderna. Vide, sobre esse assunto, além do livro de Baxter, a Introdução, de Scott Goins & Barbara H. Wyman, à tradução e edição de The Consolation of Philosophy que eles publicaram (Ignatius Press, San Francisco, 2012), pp. ix-xvii. Goins & Wyman resumem a filosofia de Boécio no seguinte epigrama: “Philosophy was the love of wisdom based on the knowable reality of truth” [Tradução de EC:] (“A filosofia é o amor da sabedoria baseado na cognoscível realidade da verdade”). Eles resumem assim a relevância e importância de Boécio para a atualidade: “There are many troubling parallels between Boethius’ world and our own. Today’s world is under attack by a different type of barbarian, highly educated ones: relativists who think that the only truth is that which can be proved by the physical sciences. As a result, our modern world seems ever more intent to push science to the limit, testing boundaries of morality and ethics. Indeed, practical science has become exalted as the supreme exercise of the intellect, used to master nature ad gain power, with little concern for moral obligation. Materialism and consumerism are results of this disregard of core values based on moral law, as humans strive to fulfill their inner emptiness with the false gods, the falsa bona about which Boethius warned. The timeless truth of Western tradition, which exalts the dignity of every human person, is in greater danger of being lost today than it was over fifteen hundred years ago, when the Goths sacked Rome. The new barbarian is far more dangerous. These barbarians have neither belief in moral law nor in morality and are practitioners of a different and more subtle kind of sacking. We are in desperate need of a corrective.” (p. xvi). [Tradução de EC:] “Há muitos paralelos entre o mundo de Boécio e o nosso. O mundo de hoje está sob ataque de bárbaros diferentes, que não deixam de ser bárbaros por serem bastante bem educados: bárbaros relativistas que pensam e acreditam que a única verdade está no que pode ser provado pelas ciências físicas. Em decorrência disso, nosso mundo moderno parece acreditar que é preciso levar a ciência até o limite, testando a resistência da moralidade e da ética. A ciência prática vem sendo exaltada como o supremo exercício do intelecto, e vem usada para dominar e a natureza e ditar as regras do poder, sem nenhuma preocupação com o dever e a obrigação moral. O materialismo e o consumismo são o resultado da desconsideração dos valores básicos (‘core values’) baseados na lei natural, enquanto os humanos buscam preencher o seu vazio interior com falsos deuses – a ‘falsa bona’ de que Boécio falou. A verdade atemporal (‘timeless’) da tradição Ocidental, que exalta a dignidade de toda e cada pessoa humana, está mais em risco de desaparecer hoje do que estava quinze séculos atrás, quando os Godos saquearam Roma. Os novos bárbaros são muito mais perigosos. Esses novos bárbaros não acreditam nem na lei natural nem na moralidade, e praticam uma nova e mais sutil forma de saqueio. Um corretivo é urgentemente necessário.” Johannes Fried, em seu magnífico livro Das Mittlealter, 3rd.edition (Verlag C H Beck, München, 2009), traduzido para o Inglês como The Middle Ages por Peter Lewis (Harvard University Press, 2015), dedica todo o primeiro capítulo a Boécio, chamando-o de “the most learned man of his time” (“o maior erudito de sua época”, e observa: “Alongside his many gifts, Boethius left the Latin West, which was not famíliar with Greek culture, a translation of one of the most seminal didactic texts in history, nothing less than a a primer for the application of reason: (…) Aristotle’s Organon, [which] provided an introduction to a mode of thinking that was subject to learnable rules and therefore susceptible to scrutiny and correction, [which] was logically comprehensible and [which] obeyed the principle of causality” (pp. 1-2). (“ Além de seus múltiplos e variados dons, Boécio deixou para o Ocidente Latino, que não era familiarizado com a cultura Grega, a tradução de um dos mais seminais textos didáticos da história, que nada mais era do que um manual básico para a aplicação da razão: (…) o Organon de Aristóteles, [que] fornecia uma introdução a um modo de pensamento que era sujeito a regras passíveis de aprendizagem e, portanto, suscetível de escrutínio e correção, [que] era logicamente compreensível e [que] obedecia o princípio da causalidade.” [Tradução: EC].

[21] Coisas assim, como visões de mundo (worldviews, Weltanschauungen), culturas e filosofias gerais, que comportam múltiplas divisões e componentes, no fim acabam se reduzindo, fundamental e maniqueisticamente, a duas: a que a gente aceita e defende e a que a gente rejeita e critica. C S Lewis não é uma exceção a essa regra. Ele não tentou se equilibrar em cima do muro nem procurou preencher o espaço do meio. Lewis, de forma honesta, clara e franca, sempre tomou posição (embora houvesse questões e assuntos que ele simplesmente ignorava, como se inexistissem). Ele nunca (ou quase nunca) tergiversava. Só em casos excepcionais ele tentava alguma acomodação. Ele não tinha nenhum medo de ser chamado de reacionário (ou pior). Ele próprio se denominou de dinossauro em sua Aula Inaugural na University of Cambridge (vide adiante). Mais do que qualquer outra coisa, admiro isso nele.

[22] A principal obra filosófica do Iluminismo Britânico (Inglês, Escocês, Irlandês) foi Treatise of Human Nature, de David Hume (London, 1739). Hume concluiu essa monumental obra, em três volumes, que é por muitos considerada o maior tratado filosófico jamais escrito em língua inglesa, em 1737 – quando tinha não mais de vinte e seis anos. Como levou três anos para escrevê-lo, o Tratado foi produzido quando ele tinha de vinte e quatro a vinte e seis anos. Vide Ernest Campbell Mossner, The Life of David Hume (Clarendon Press, Oxford, 1954, 1970), p. 104. A obra foi a primeira a defender com clareza a tese de que a razão é, e deve ser, a escrava das paixões. Mais sobre isso na sequência.

[23] Surpreendentemente, surgiu, dentro da Psicologia, na segunda metade do século 20, uma escola de Psicologia Humanista, que se rotulou de Psicologia Positiva, voltada não tanto para combater a doença mental em toda a sua variedade (até alcoolismo e tabagismo são hoje considerados doenças mentais – pobre C S Lewis, chegado ao álcool e ao fumo!), mas, sim, para promover a saúde, o bem-estar, a felicidade e a realização (eudaemonia) do ser humano. Para essa promoção, os criadores dessa escola, em especial Martin E. P. Seligman, da University of Pennsylvania (fundada por Benjamin Franklin, também chegado a este assunto) acharam essencial que as pessoas tivessem uma orientação moral positiva, calcada no desenvolvimento de um conjunto coerente de virtudes, desdobradas em traços de caráter, e que viessem a contribuir, de forma decisiva, para a formação de uma pessoa virtuosa, de caráter impoluto. Talvez a contribuição prática mais útil dessa escola foi a elaboração de um livro abrangente, escrito por Martin E. P. Seligman e Christopher Peterson, que reuniu algo parecido com o Tao (Exemplos da Lei Natural — vide em seguida) que C S Lewis sugere no Apêndice de The Abolition of Man, mas é infinitamente mais amplo e profundo. O livro, que tem 800 páginas em letra miúda, porta o título Character Strengths and Virtues: A Handbook and Classification (Oxford University Press and American Psychological Association, Oxford and New York, 2004). Cito a seguir, a partir da edição em Português de A Abolição do Homem, já identificada, o início do Apêndice, em tradução de Remo Mannarino Filho. “Os seguintes exemplos da Lei Natural são tirados de fontes que estão perfeitamente ao alcance de qualquer um que não seja historiador profissional. A lista não tem nenhuma pretensão de ser completa. Há de ser notado que autores como Locke e Hooker, que escreveram desde a perspectiva da tradição cristã, são citados lado a lado com o Novo Testamento.  É claro que isso seria um absurdo se estivéssemos tentando coletar testemunhos independentes do Tao. Mas (1) não estou tentando demonstrar a sua validade pelo argumento do consenso. Essa validade não pode ser deduzida. Nem mesmo o consenso universal poderia persuadir aquele que não percebem a sua racionalidade. (2) A ideia de coletar testemunhos independentes pressuporia que as ‘civilizações‘ surgiram no mundo umas independentemente das outras, ou mesmo que a humanidade teve várias aparições independentes neste planeta. A biologia e a antropologia envolvidas nessa suposição seriam extremamente duvidosas. Não há prova de que tenha havido (no sentido em questão) mais de uma civilização em toda a história. É no mínimo concebível que toda e qualquer civilização de que temos notícias tenha sido derivada de outra civilização, e, em última análise, de um único centro – ‘transmitida’ como uma doença infecciosa ou como a sucessão apostólica” (pp.79-80). Na sequência, Lewis apresenta oito exemplos, retirados de várias origens, do que ele considera “Leis Universais”: “(1) A Lei Geral da Caridade [“Beneficence”]; (2) A Lei Específica da Caridade [“Beneficence”]; (3) Deveres em relação aos Pais, aos mais Velhos e aos Ancestrais; (4) Deveres em relação às Crianças e à Posteridade; (5) A Lei da Justiça; (6) A Lei da Boa-Fé e da Veracidade; (7) A Lei da Misericórdia [“Mercy”]; e (8) “A Lei da Magnanimidade”. Seligman e Peterson, por seu turno, listam “Seis Virtudes Nucleares”, a saber: (1) Sabedoria [“Wisdom”]; (2) Coragem [“Courage”]; (3) Temperança [“Temperance”]; (4) Humanidade [“Humanity”]; (5) Justiça [“Justice”]; (6) Transcendência [“Transcendence”]”. Cada uma dessas virtudes é desdobrada em Traços de Caráter (de três a cinco por virtude), em um total de 24. As fontes para esse empreendimento foram as mais variadas: livros filosóficos, religiosos, e científicos de todas as origens, bem como poesias e obras literárias de ficção nas principais línguas, cobrindo, no tempo, todo o período em que a raça humana foi capaz de usar a escrita para preservar suas tradições. Vale a pena pesquisar os pontos e interesses comuns de Lewis e Seligman, embora possa parecer, à primeira vista, que eles são separados por séculos.

[24] Já que abordei a Psicologia, na nota anterior, ver Daniel Goleman, Emotional Intelligence (Bantam Books, New York, 1995). Há tradução para o Português, de Marcos Santarrita, sob o título Inteligência Emocional (Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 5ª edição, 1996). Compare-se, em relação a essa questão, a discussão da tese de Goleman que eu faço em meu livro Educação e Desenvolvimento Humano, op.cit. Na Nota 222 do livro eu afirmo que é preciso deixar claro que a emoção deve fornecer apenas a energia para a ação (qualquer que seja a ação). A decisão sobre o que fazer, no entanto, deve ser tomada com base na razão, na inteligência, e não com base na emoções. Contrário ao que afirmou David Hume (vide as referências a ele atrás e a seguir) é a emoção que deve ser a escrava da razão, não vice-versa. Por si só, a emoção nunca é base confiável para a ação. Fazer algo porque ‘eu senti que era a coisa certa a fazer’ é abrir as portas para o desastre. Já que mencionei David Hume, é bom registrar que muito se tem dito, ao longo de toda a História da Filosofia, sobre a relação entre as emoções e a razão. David Hume (1711-1776), filósofo escocês do século 18, sobre o qual escrevi minha tese de Doutoramento, de 1970 a 1972, bateu muito na tecla de que a razão é inerte, não consegue nos mover a ação, e que, portanto, é a emoção que deve nos fornecer a energia para agir. Outros filósofos (entre os quais me situo, apesar do respeito que tenho por Hume) discordam. É possível admitir que a razão, por si só, não consiga nos mover à ação, e que é necessário que as emoções nos energizem, por assim dizer, antes de conseguirmos agir. No entanto, não são as emoções que devem nos dirigir ou guiar quando estamos decidindo o que fazer. Neste caso, devemos depender exclusivamente da razão e da inteligência (que, no entanto, ao longo do processo decisório, devem levar em consideração as nossas emoções). Aqui neste texto não precisamos decidir se a razão é inerte ou se ela consegue, por si mesma, nos motivar a agir (sem a ajuda das emoções). O certo é que nossa vida será muito mais difícil se houver um conflito constante entre nossa razão e nossas emoções. Por isso, é extremamente importante harmonizá-las – mas harmonizá-las da forma certa, colocando as emoções a serviço da razão, sem deixar que as emoções ditem nossos objetivos (nossos fins) e a razão venha apenas a buscar os meios de alcançá-los, como propõem alguns, em sua visão de uma razão meramente instrumental, de uma razão puramente técnica. Esse livro [o de Goleman], que se tornou um best seller, tem, lastimavelmente, um título totalmente equivocado, inclusive no original, que contradiz até mesmo o que o próprio autor diz no corpo do livro (embora com um pouco de ambiguidade). Não é a inteligência (a razão) que deve se tornar emocional: é a emoção que deve se tornar inteligente – esta é a minha tese. Gerenciar as emoções é submetê-las ao controle da inteligência (ou da razão). É isto que, em muitos lugares, diz Goleman, no texto do livro – mas não é isso que o título do livro sugere. O próprio autor começa o livro descrevendo o que ele chama de “O Desafio de Aristóteles”. Diz Goleman na seção inicial do livro: “Em seu livro Ética a Nicômaco, investigação filosófica da virtude, do caráter e da vida ideal, Aristóteles afirma que o desafio é gerenciar a nossa vida emocional com a inteligência’ (…) Como Aristóteles percebeu, o problema não está em nossas emoções, em si, mas na sua  expressão de forma apropriada. A questão é, como podemos trazer inteligência para nossas emoções (…)” (Goleman, op.cit., p. xiv; ênfases acrescentadas; [Tradução: EC]). O mote do livro foi retirado dessa mesma obra de Aristóteles: “Qualquer um pode ficar com raiva. Isto é fácil. O que é difícil é ficar com raiva da pessoa certa, pela razão certa, da forma certa, na hora certa” (op.cit., p. ix; [Tradução: EC]). Quando  fazemos isso, estamos trazendo inteligência para nossas emoções, estamos tendo emoções controladas pela inteligência. Fica evidente que o livro de Goleman deveria ter sido intitulado Emoções Inteligentes, não Inteligência Emocional. Se essa afirmação está correta (e tenho certeza de que está), o título do livro está redondamente equivocado. No entanto, entre as duas frases citadas (no local indicado pelos três pontinhos), Goleman afirma, ambiguamente e de forma que me parece contraditória, que nossas emoções “guiam o nosso pensamento, nossos valores, nossa sobrevivência”. Talvez em muitas situações de fato guiem – mas a questão é se deveriam guiar ou não. Essa ambiguidade não estava presente em Hume, que, embora erroneamente (em minha opinião), nunca acreditou que as emoções pudessem ficar a serviço da razão. Muito pelo contrário. Ele afirmou, taxativamente, que “a razão é, e tão somente deve ser, a escrava das paixões [emoções], e nada deve pretender além de a elas servir e obedecer”. Hume, como depois C S Lewis, não tergiversou (embora estivesse defendendo tese oposta à de Lewis). Vide David Hume, A Treatise of Human Nature, op.cit., Livro II, Parte III, Seção III, que tem o título “Dos Motivos Influenciadores da Vontade” (p. 415 na edição de L. A. Selby-Bigge [Clarendon Press, Oxford, 1888, 1964]).

[25] O próprio Albert Einstein disse, em um momento mais filosófico e literário do que científico, que vivemos em uma era de meios cada vez mais aperfeiçoados e fins cada vez mais confusos… A frase que ele disse, em Inglês, é: “Perfection of means and confusion of goals seem – in my opinion – to characterize our age.” (In: Out of My Later Years, 1950).

[26] A esse respeito, vide o livro de André Gushurst-Moore, The Common Mind: Politics, Society and Christian Humanism, from Thomas More to Russell Kirk (Angelico Press, New York, 2013), em especial, para os fins deste artigo, o capítulo 12, que tem o título de “C S Lewis and the Nature of Man”, pp. 201-216. Eis a descrição do livro que faz a editora que o publicou (Angelico Press): “The Common Mind traces the theme of the sensus communis, inherited from the medievals, through the lives and writings of twelve literary figures in the modern age, ranging from Thomas More and Jonathan Swift to C. S. Lewis and Russell Kirk. It is this quality, argues the author, which, like natural law, serves as the bedrock of orthodoxy, of social and political order, and which, by its presence or absence, determines the nature of every society. The Common Mind is an altogether uncommon achievement: a rich, multivalent reading of our present cultural condition through a brilliant procession of literary portraits; and a critical work in the ongoing effort to recover a unity of life, of understanding, of principles—in short, a common mind.” (“The Common Mind discorre sobre o tema do sensus communis, herdado dos medievais, através das vidas e dos escritos de doze figuras literárias da era moderna, que vão de Thomas More e Jonathan Swift até C. S. Lewis e Russell Kirk. O autor argumento que é essa qualidade, o sensus communis, que, como a lei natural, serve de fundamento para a ortodoxia e para a ordem social e política, pois sua presença ou ausência determina a natureza de toda e de qualquer sociedade. The Common Mind é uma realização absolutamente incomum: uma leitura rica e multivalente de nossa atual condição cultural através de uma brilhante procissão de retratos literários; e um trabalho crítico no esforço continuado de recuperar a unidade da vida, do entendimento e dos princípios – em resumo, um esforço continuado de reencontrar uma mente comum”. [Tradução: EC; ênfase acrescentada.])

[27] Michael Ward afirma, taxativamente, em uma breve apresentacao do livro After Humanity: A Guide to C S Lewis’s ‘The Abolition of Man’, op.cit., feita antes do Índice (“Contents”), que em The Abolition of ManLewis defends the objectivity of value, pointing to the universal moral ecology that all great philosophical and religious traditions have acknowledged as self-evident.” (“Lewis defende a objetividade dos valores, apontando para a existência de uma ecologia moral que todas as grandes tradições filosóficas e morais reconhecem como auto evidente” [Tradução: EC; ênfase acrescentada.]). No entanto, ele [Ward] fala, nessa passagem em “ecologia moral”, apenas. E logo em seguida ele afirma: “Objective value, he [Lewis] maintains, is humanity’s ethical inheritance” (“Valor objetivo, sustenta Lewis, é a expressão que contém a herança ética da humanidade” [Tradução: EC]). Aqui ele deixa a herança estética de fora. Curioso, porque Lewis começa The Abolition of Man discutindo valores estéticos: se é admissível chamar de bonita ou bela uma catarata que é sublime e majestosa – uma catarata que é, de fato, sublime e majestosa. Para Lewis, da mesma forma que há fatos empíricos, há fatos morais e fatos estéticos. A bem da verdade registre-se que, no restante do livro, Ward fala em valores éticos e estéticos.

[28] “A Story about Coleridge”, publicada no blog Jamesian Philosophy Refreshed, em 27.12.2013,  http://jamesian58.blogspot.com/2013/12/a-story-about-coleridge.html. O autor, que parece ser o proprietário do blog, se descreve apenas como Christopher, sem sobrenome.

[29] Na discussão que existe no blog Jamesian Philosophy Refreshed, um visitante ao blog (alguém que leu o artigo) faz o seguinte comentário, no mesmo dia em que o post em questão foi escrito e publicado: “I also wonder whether Coleridge was associating the gentleman’s “sublime and beautiful” with Edmund Burke’s “A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful.” (…) Perhaps the gentleman was not consciously quoting Burke, but did so unconsciously because the title of Burke’s book was in the air, so to speak. If so, then it would not be profitable to pursue a possible Burkean connection.” [“Fico imaginando se Coleridge estava associando a referência a ‘sublime e bela’ de seu interlocutor com o livro de Edmund Burke Uma Investigação Filosófica sobre a Origem de Nossas Ideias do Sublime e do Belo. (…) Talvez o interlocutor de Coleridge não estivesse conscientemente citando o título do livro de Burke, mas se referiu à expressão de forma inconsciente, porque o título do livro de Burke estava no ar, por assim dizer. Se for isso, não adianta investigar uma possível referência ao título do livro de Burke.” [Tradução: EC].

[30] Conforme se verá, os interlocutores, segundo a versão ortodoxa da teoria emotivista da moralidade, não estavam “dizendo algo sobre nossos [seus] próprios sentimentos”, mas estavam a expressá-los. O que eles disseram era uma forma de expressar seus sentimentos, não uma forma de se referir a eles ou mesmo de descrevê-los.”

[31] Vide, por exemplo, C S Lewis, Studies in Words (HarperCollins, New York, 1959).

[32] Cp. Bertrand Russell, Human Society in Ethics and Politics [A Sociedade Humana na Ética e na Política] (1952, edição de bolso da Mentor Book, New York, 1962), principalmente o Prefácio, a Introdução e o Primeiro Capítulo da Primeira Parte, que tem o título de “Sources de Ethical Beliefs and Feelings” [“Fontes de Crenças e Sentimentos Éticos”]. Eis algumas afirmações de Russell nesse livro (com tradução fornecida na sequência): “I do not believe in the objectivity of ethical judgments”, Preface; “’Reason’ has a perfectly clear and precise meaning. It signifies the choice of right means to an end that you wish to achieve. It has nothing whatever to do with the choice of ends”, Preface; “There is no such thing as an irrational aim, except in the sense of one that is impossible of realization”, Preface; “Pure ethical sentences (…) clearly cannot be proved or disproved merely by amassing facts”, Chapter 1. (Traduzindo: “Eu não acredito na objetividade de juízos éticos”, Prefácio; “O termo ’razão’ tem um significado perfeitamente claro e preciso. Ele significa a escolha de meios corretos para alcançar um fim que se deseja atingir. O termo não tem absolutamente nada que ver com a escolha de fins”, Prefácio; “Não há nada que possa ser descrito como um fim irracional, exceto no sentido de um fim que é impossível de realizar”, Prefácio; “Sentenças puramente éticas (…) claramente não podem ser provadas ou refutadas através de apelo a fatos”, Capítulo 1 [Tradução: EC]). Para uma análise crítica, vide D. H. Munro, “Russell´s Moral Theories”, in Bertrand Russell: A Collection of Critical Essays, edited by D. F. Pears (Doubleday & Co, Garden City, 1972), pp. 325-355.

[33] Compare-se o que corretamente afirma Steve Turley, em The Abolition of Sanity: C.S. Lewis on the Consequences of Modernism (Turley Talks Publishing. Kindle Edition), pp. 12-13 (tradução para o Português na sequência): “Gaius and Titius want their readers to understand that it was actually Coleridge’s aesthetic assessment that was wrong. Coleridge was mistaken in that he didn’t realize that both commentaries on the waterfalls were merely expressions of subjective feelings. He, therefore, had no right, or, better, no basis to say that one opinion was to be preferred over another since such an evaluation would require an actual correspondence between the value that the human person places on a thing, in this case, a waterfall, and the value such a thing has in and of itself, objective to or irrespective of one’s opinion of it. And no such value-correspondence exists.” (“Gaius e Titius querem que seus leitores entendam que, de fato, o que estava errado, no caso, era a avaliação estética de Coleridge. Este estava enganado ao não perceber que os dois comentários sobre a cachoeira eram mera expressão de sentimentos subjetivos. Ele, portanto, não tinha nenhum direito – ou, melhor, nenhuma base – para dizer que uma opinião era preferível à outra, visto que esse tipo de avaliação iria requerer uma real correspondência entre o valor que a pessoa humana atribui a uma coisa, neste caso, à cachoeira, e o valor objetivo que essa coisa tem, em si e de si, própria, irrespectivamente da opinião sobre ela de quem quer que seja. Essa correspondência entre, de um lado, o valor que alguém atribui a uma coisa, e, de outro lado, o valor objetivo que essa coisa tem, em si e de si própria, simplesmente não existe.” [Tradução: EC; ênfases acrescentadas.]).

[34] Michael Aeschliman, The Restoration of Man: C.S. Lewis and the Continuing Case Against Scientism (Discovery Institute. Kindle Edition).

[35] Comentário em Aeschliman, op.cit., verso da página título.

[36] C S Lewis, The Abolition of Man, op.cit., pp. 14-15 (da edição em brochura). A passagem está citada também em Steve Turley, The Abolition of Sanity, op.cit., p. 13.



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