Uma Mensagem Pedagógica de Natal

Neste Natal de 2025 vou compartilhar algo que venho, devagar, porque pouco a pouco, aprendendo desde o ano de 1974, quando comecei a trabalhar na UNICAMP, ficando responsável pela área de Filosofia da Educação. Antes, confesso, nunca havia estudado ou refletido muito sobre a Educação. Fez 51 anos este ano de 2025. Mas hoje, estou convicto de que minha reflexão é razoavelmente inovadora e radical.

Não tenho nenhum interesse em renovar ou revitalizar a escola. Meu interesse é dar fim a ela. Estou convicto de que a escola, e toda a parafernália que vem com ela (currículos, professores, ensino, testes de vários tipos, certificados e diplomas, autores e editores de livros e sistemas didáticos, sindicatos de diretores, outros profissionais não didáticos, professores, consultores e ONGs que exploram a instituição escolar, etc.), devem ser substituídos, tão rapidamente quanto possível, por novas formas de aprender, em grupos interativos, viabilizados ou não pela atual tecnologia de informação e comunicação, coisas que, exclusivamente a seu critério, são de interesse ou importância para as pessoas (ou, caso sejam menores de idade, para as pessoas que são responsáveis por elas, enquanto o forem. Nem Home Schooling, como hoje entendido(a), deve permanecer, porque, como o nome indica, a invenção não passa de uma escola doméstica em que os pais são professores – e que, na maior parte dos casos, é fiscalizada pela besta estatal.  

Para mim, na forma em que eu hoje a entendo, a educação é o processo pelo qual nós nos desenvolvemos como seres humanos – em parte inconscientemente, mas em grande medida de forma consciente e intencional.

Desenvolver-se como ser humano significa adquirir e/ou construir as competências, habilidades e outras características pessoais e individuais que permitem a cada um de nós, viver uma vida autônoma, plena, e realizada. Ela deve ser pessoal e individualizada.

Há quem diga que nós já nascemos humanos, prontos e acabados, só faltando crescer. E, por outro lado, há quem diga que nós nascemos tabulae rasae, folhas de papel em branco, e nos tornamos humanos por viver em uma civilização que favorece essa condição, e que escreve o nosso script em nosso cérebro ou na nossa mente. Infelizmente, por falha de script ou implementação, alguns nunca se tornam humanos, o que parece contar contra a tese de que já nascemos humanos.

Em termos de operacionalidade, o ser humano, ao nascer, não sabe nada e não sabe fazer nada. Mas o bebê humano nasce com algumas características inatas, que podem até ser chamadas de instintivas, que não precisam ser objetos de sua aprendizagem. Ele sabe chorar quando não se sente confortável; sabe sugar o seio da mãe, e/ou o bico da mamadeira, que o alimenta(m); sabe digerir o alimento que ingere e o fortalece e por para for o que não foi aproveitado; sabe segurar o dedo de alguém que lhe é oferecido (algo que parece meio inútil, mas, de qualquer forma, ele sabe fazer isso)…

Mas, e, mais importante de tudo, o bebê humano sabe aprender. Aprender, ao contrário do que pensam alguns, não é algo que precise lhe ser ensinado. A gente não precisa, primeiro, “aprender a aprender”, para, só depois, conseguir aprender alguma coisa, como insistem alguns colegas meus, de cujo ponto de vista eu discordo frontalmente. A gente já nasce sabendo aprender.

Aprender é se tornar capaz de fazer o que não se conseguia fazer antes. Essa simples, quase simplória, definição de aprendizagem, além de correta, é fundamental. Descobri isso lendo Peter Senge (The Fifth Discipline). A gente aprende observando o mundo, vendo os outros fazer coisas, tentando imitar os outros, interagindo com o mundo e com os outros, querendo fazer algo que outros sabem fazer e a gente ainda não, tentando fazer algo, errando, sendo estimulado, sendo corrigido, sendo ajudado, sendo apoiado, pensando e refletindo sobre como melhorar o desempenho, até que, uma bela hora ou um belo dia a gente consegue fazer o que queria saber fazer; e, se a coisa nos for importante, a gente passa a vida inteira tentando aprimorar o que aprendeu a fazer. Um velho, como eu, precisa, por exemplo, entre outras coisas, (re)aprender a andar à medida que as pernas da gente ficam mais fracas, por exemplo. A verdade é que a gente nunca para de aprender, a não ser quando morre. E até na hora da morte a gente provavelmente vá estar aprendendo (embora a aprendizagem, neste caso, pode não vir a ser de grande utilidade, exceto como exemplo para os outros, por razões óbvias).

John Holt cita, como mote em um de seus livros (How Children Fail), uma afirmação instigante de William Hull: “Se nós ensinássemos as crianças a falar, elas nunca aprenderiam… ” Considero essa informação verdadeira, pelo menos, se a gente tentar ensiná-las a falar do jeito que ensina outras coisas na escola… “Falar, minha gente, é um processo que envolve a produção intencional de sons pela boca, algo que é feito controlando as partes bucais envolvidas: os lábios, os dentes, a língua, o céu da boca, a comunicação com as narinas, a comunicação com a garganta, etc. Por isso existem sons labiais, dentais, linguais, nasais, guturais, etc.” Já imaginaram uma coisa dessas? Ninguém aprenderia a falar nada depois de uma série de aulas desse tipo…

A educação, como disse, e como consta no título de um livro que, na primeira edição publiquei em 2003 (Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era), é o nome que damos ao processo de nosso desenvolvimento como seres humanos. A nossa educação nunca acaba.

A seguir vou discutir algumas premissas, básicas e não tanto, da ação educational.

A primeira premissa básica da educação é a seguinte:

É melhor ser bem-sucedido do que fracassar na vida.

O pior tipo de fracasso é morrer cedo, antes de ter tempo e condições para se desenvolver, por não termos tido ninguém que nos ajudasse a sobreviver e a nos desenvolver até que pudéssemos aprender a sobreviver e a nos desenvolver por conta própria, de forma autônoma.

Esse período, que começa no nascimento, em que precisamos ser ajudados a sobreviver e a nos desenvolver porque não aprendemos ainda a sobreviver e a nos desenvolver por conta própria, de forma autônoma, é chamado de infância. Nele se permite que sejamos crianças, seres dependentes, inautônomos, e, por isso, irresponsáveis e inimputáveis. Esse período já foi bem mais curto, ao longo da história, do que é hoje. Hoje em dia há muito marmanjo, em plena idade adulta, que, educacionalmente, não saiu dele – continua, pedagogicamente, uma criança.

A segunda premissa básica da educação, que já está, de certo modo, embutida na primeira (mas mesmo assim é bom explicitá-la), é a seguinte:

Ao longo do tempo é melhor que alcancemos independência, autonomia e liberdade para sobreviver e nos desenvolver, vale dizer, para aprender, mais cedo do que mais tarde. Isso significa que a tese de que a infância deve ser estendida, que devemos ser crianças cada vez por mais tempo, e, por conseguinte, que a dependência e a heteronomia devem ser prolongadas, cada vez mais, é absolutamente desastrosa para o desenvolvimento humano pleno dos indivíduos e, ousaria dizer, para a nossa civilização.

Considero essas duas premissas básicas da educação autoevidentes e inegáveis (embora seja sempre possível argumentar a favor delas e criticar a tese oposta). Ouso dizer que, se você sente necessidade de ter essas duas premissas básicas justificadas e comprovadas, é bem provável que você sofra de uma incapacidade básica para aprender e gosta de viver na dependência dos outros (ou mesmo precisa dela), sem independência, autonomia, e liberdade. É bem provável que você goste de ser ensinado, em vez de aprender por si próprio, em vez de aprender por descoberta, por sua própria iniciativa… É até possível que você adore a miserável escola que temos, adore fazer um curso um atrás do outro, orgulhe-se de ter três Mestrados, adore, depois de concluir seu Doutorado, fazer um Pós-doutorado, quem sabe múltiplos… Algumas pessoas, infelizmente, são assim.

Mas além dessas duas premissas básicas, a educação, para ser rica e realmente valer a pena, precisa se sustentar em cima de algumas premissas secundárias, adicionais.

Uma vida autônoma plena, uma vida realizada, é uma vida que nos permite ser:

  • Inteligentes e sábios, em vez de tolos e ingênuos;
  • Razoavelmente céticos, em vez de crédulos;
  • Livres, ou donos de nós mesmos, em vez de escravos, ou dominados pelos outros;
  • Realizados e felizes (“eudaimônicos”), em vez de fracassados ​​e infelizes;
  • Ricos em qualidades mentais, morais, estéticas e espirituais, e, por que não, em bens materiais, em vez de pobres, em todos esses aspectos;
  • Em especial, bons e generosos, em vez de maus e avarentos;
  • Afortunados, em vez de azarados;
  • Amados e admirados, em vez de odiados e desprezados.

Algumas dessas premissas eu custei a aceitar, e nenhuma delas eu aprendi sozinho. Alguns livros importantes que me ajudaram a chegar a elas foram:

  • John Holt, Learning All the Time: How Children Begin to Read, Write, Count, and Investigate the World Without Being Taught
  • John Holt, How Children Learn
  • John Holt, How Children Fail
  • John Holt, Escape from Childhood
  • John Holt, Freedom & Beyond
  • Neil Postman, The Disapperance of Childhood
  • Neil Postman, Building a Brige to the Eighteenth Century: How the Past Can Improve our Future
  • Daniel Greenberg, Worlds in Creation
  • Daniel Greenberg, Education in America: A View from Sudbury Valley
  • Daniel Greenberg & Mimsy Sadofsky, editors, Reflections on the Sudbury School Concept
  • Ivan Illich, Deschooling Society
  • John Abbott, The Child is the Father of the Man: How Humans Learn and Why
  • John Abbott, Learning Makes Sense: Recreating Education for a Changing Future
  • John Abbott & Heather McTaggart, Overschooled but Undereducated: Is the Crisis in Education Jeopardizing our Adolescents?
  • John Abbott & Terry Ryan, The Unfinished Revolution: Learning, Human Behavior, Community and Political Paradox
  • Carl Rogers, Freedom to Learn
  • I. C. Robledo, No One Ever Taught Me How to Learn: How to Unlock Your Learning Potential and Become Unstoppable
  • Peter Senge, The Fifth Discipline
  • Jonathan Haidt & Greg Lukianoff, The Coddling of the American Mind: How Good Intentions and Bad Ideas Are Setting Up a Generation for Failure
  • Jonathan Haidt, The Happiness Hypothesis: Finding Modern Truth in Ancient Wisdom (alternative title in a diferente edition): The Happiness Hypothesis: Putting Ancient Wisdom to the Test of Modern Science)
  • Jonathan Haidt & Corey L. M. Keyes, editors, Flourishing: Positive Psychology and the Life Well-Lived
  • Martin E. P. Seligman, Flourish: A Visionary New Understanding of Happiness and Well-Being
  • Martin E. P. Seligman, Using the New Positive Psychology to Realize your Potential for Lasting Fulfillment
  • Martin E. P. Seligman & Christopher Peterson, Character Strengths and Weaknesses: A Handbook and Classification
  • Alan Waterman, editor, The Best Within Us: Positive Psychology Perspectives on Eudaimonia
  • Norman Podhoretz, Making It
  • Omar El Akkad, One Day, Everyone Will Have Always Been Against This
  • Feliz Natal e um 2022 cheio de saúde, prosperidade e felicidade.

Em Salto, 22 de Dezembro de 2025

Eduardo Chaves



Categories: Liberalism

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