[NOTA: Este artigo foi publicado aqui, neste blog, tmbém em Inglês, em 20 de Novembro de 2019, e pode ser encontrado neste URL: https://chaves.space/2019/11/20/marriage/%5D
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Vou transcrever aqui um post que publiquei hoje (26/06/2019), em meu perfil no Facebook, post que pode ser verificado e consultado, com a discussão que se seguiu, no seguinte endereço: https://www.facebook.com/eduardo.chaves/posts/10157209804037141. Apenas incorporei ao texto os comentários que fiz ao longo da discussão no Facebook e alguns outros que me ocorreram depois.
O primeiro trecho é retirado do livro A Preface to Morals, de Walter Lippmann. O restante é comentário que foi acrescentando ao longo da discussão e da elaboração deste artigo.
– I –
Para meditar / To meditate:
“Amantes que nada mais amam do que um ao outro não devem ser, realmente, objetos de inveja. Quando duas pessoas amam apenas um ao outro, e nada mais, logo elas ficam apenas com o nada mais para amar. A emoção do amor, a despeito do romantismo que a envolve, não se sustenta a si mesma: ela dura apenas quando os amantes amam muitas outras coisas em comum, e não apenas um ao outro”.
“Lovers who have nothing to do but love each other are not really to be envied; love and nothing else very soon is nothing else. The emotion of love, in spite of the romantics, is not self-sustaining; it endures only when the lovers love many things in common, and not merely each other“.
Walter Lippmann, A Preface to Morals (1929), pp.308-309; tradução minha a partir da edição em brochura de 1960.
– II –
Seguem alguns detalhes biográficos (sobre Lippmann) e autobiográficos (sobre mim).
Comprei esse livro em 17-Abr-1972, em Pittsburgh, na Westminster Bookstore, que ficava dentro do Pittsburgh Theological Seminary. Comprei o livro já usado, por 69 centavos de dólar. Só vim a ler essa passagem ante-ontem, 24-Jun-2019, quarenta e sete anos depois de comprar o livro. Isso prova, para mim, que não devemos doar alguns de nossos livros, mesmo quando ficamos velhos, sob a falsa impressão de que nunca (mais) vamos lê-los, depois de tanto tempo. Uma hora a gente pega um deles e acha uma pérola dessas. O Rubem Alves, apesar de sua sabedoria instintiva e construída, fez essa besteira. Doou boa parte de sua biblioteca que achou que nunca mais iria usar: os livros de teologia, por exemplo… Walter Lippmann foi um grande jornalista americano. Nasceu em 1889 — 23 de Setembro — e morreu em 1974, em 14 de Dezembro, logo depois de eu voltar dos EUA para o Brasil. Era virginiano, como eu sou. Ele casou-se pela primeira vez em 1917. Doze anos depois, quando escreveu o livro do qual retirei essa citação, ele já havia percebido que tinha cometido o erro que aqui condena. Oito anos depois do livro, ele corrigiu o erro, divorciando-se e casando-se novamente, em 1937, com alguém que também precisou se divorciar para se casar com ele. Mas dessa vez os dois acertaram: o casamento durou até a morte dos dois, porque amavam muitas coisas em comum, além de um ao outro. Eles morreram, no mesmo ano, 1974, ela primeiro, apesar de um pouco mais nova, ele alguns meses depois. A história dos dois é magnificamente narrada por Ronald Steel, em sua biografia de Lippmann, Walter Lippmann and the American Century, de 1980, onde eu inicialmente vi a referência citada e fui atrás do original, que, felizmente, eu tinha na estante…
– III –
Nunca as havia visto, a essas ideias, defendidas, com tanta clareza, por escrito (na verdade, nem oralmente). Descobri que ele chegou a essa conclusão aos poucos, em decorrência de seu (primeiro) casamento, lembrando-se de algo que seu professor em Harvard, George Santayana, havia dito, e em contestação ao que Bertrand Russell vinha apregoando, na década de 20, a saber, o amor livre, o sexo impulsivo, o divórcio sob demanda. Bertrand Russell era, em relação ao amor, ao sexo e ao casamento, um cínico, inclusive na vida pessoal dele. Walter Lippmann, ao contrário, levava tudo muito a sério, inclusive, e em especial, as questões acerca das quais Russell era um cínico. Para ele o casamento sem dúvida exige amor entre os dois, mas, para durar, depende de mais coisas, em especial da afinidade, que envolve esse amar várias outras coisas juntos. É isso, mais do que a paixão inicial que acende o amor, que mantém a chama acesa. Isso, segundo Lippmann, ele aprendeu com Santayana e com a vida — e à custa de muita frustração e, no devido tempo, sofrimento. Mas a aprendizagem compensou.
– IV –
A Religião é uma afinidade importante. (Eu diria que a Política é outra — acho impossível um casal sobreviver nos dias de hoje se um é lulista radical e o outro bolsonarista radical — e até o Futebol tem a sua importância como dimensão de afinidade — não sei se eu aguentaria ficar casado com uma corintiana fanática…).
Mas a Religião às vezes radicaliza e ultrapassa os limites do bom senso, como, a meu ver, e de certo modo, a Igreja Católica o faz, ignorando o fato de que o ser humano é falível (ou seja, muitas vezes erra em suas escolhas), não é onisciente (ou seja, às vezes pensa que o pretendido cônjuge é uma coisa e ele acaba sendo outra), e, em muitos aspectos, muda de ideias e valores com o passar do tempo. Por isso, a tese católica da indissolubilidade do casamento, e teses de algumas igrejas protestantes mais conservadoras, como “Casados para Sempre”, “Casamento Blindado”, etc., precisam ser flexibilizadas e o divórcio precisa permanecer como uma opção, para evitar sofrimentos e frustrações desnecessárias.
Acho que Lippmann, que afinal de contas se divorciou, estava certo em criticar Bertrand Russell que, mais do que um libertário, era (como já disse) um cínico nessa área, acreditando que o amor e o sexo devem ser livres mesmo para pessoas casadas e legal ou moralmente comprometidas uma com a outra, exemplificando isso em sua vida, na qual não só se casou várias vezes (não acho isso em si só errado), mas teve amantes e casos, aberta e simultaneamente, mesmo na vigência do casamento, e liberalmente admitiu que suas mulheres fizessem mesmo, uma delas tendo tido até mesmo filhos com dois outros homens enquanto casada com Russell. Estou convicto de que Lippmann, que era uma pessoa muito séria e honesta, estava certo em achar que o casamento é um empreendimento que deve ser assumido e conduzido de forma muito séria — e que, por isso mesmo, deve ser encarado com a maior responsabilidade. Ninguém deve se casar pensando que, se não der certo, o divórcio está aí e a gente se separa. Mas esse reconhecimento, não implica, nem pra ele, nem pra mim, a defesa da indissolubilidade do casamento, da sua perenidade (“prasempridade”), etc. Sendo nós falíveis, não-oniscientes, mutáveis, etc., é preciso existir uma válvula de escape respeitada sem a qual vai haver muito sofrimento e muita frustração desnecessários. Mas essa válvula não deve ser usada na primeira desavença. É preciso, no casamento, buscar afinidades, contruir o relacionamento, estar atento às possíveis fragilidades. Para isso, um livro como As Cinco Linguagens do Amor, de Gary Chapman, é uma ferramenta bastante útil.
– V –
Outra tese da Igreja Católica que eu acho criticável é a de que a finalidade única ou principal do casamento é a procriação. A rejeição dessa tese (e a admissão de outras finalidades, tão ou mais importantes, como a parceria, o companheirismo, o apoio e o cuidado mútuo, os projetos comuns, etc.) abre a porta para a aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Doutra forma até o casamento entre pessoas que passaram da idade em que são capazes de procriar (sem ajuda técnica), ou que simplesmente não querem ter filhos, ficaria impossibilitado ou prejudicado. Mas não abre, a meu ver, a porta para a poligamia, o poliamor, etc., como pretendem alguns.
– VI –
Só vou citar meio livremente mais um trecho de Lippmann:
- O casamento, no presente (ele escrevia em 1930, quase um século atrás) não vai durar e resistir porque o GOVERNO baixou leis que proíbem ou, no mínimo dificultam, a sua dissolução (como acontecia até 1977 no Brasil);
- O casamento, no presente, não vai durar e resistir porque a SOCIEDADE estigmatiza os separados, apartados, divorciados, etc., punindo-os com a rejeição e o ostracismo;
- O casamento, no presente, não vai durar e resistir porque as IGREJAS, que se acreditam os baluartes da moralidade, criaram princípios morais que fazem com que o divórcio, o adultério, o sexo sem casamento (a chamada fornicação), etc. sejam considerados pecados (faltas morais), que trazem penalidades graves, se não nesta, na vida futura;
- O casamento, no presente, não vai durar e resistir porque a CIÊNCIA afirma que uma vida sexual promíscua e desregrada contribui para distúrbios mentais e emocionais;
- O casamento, no presente, só vai durar e resistir se OS DOIS PARCEIROS estiverem comprometidos com fazer o casamento dar certo e tiverem um mínimo indispensável de conhecimento ou intuição sobre como fazer isso.
Só isso. SÓ DEPENDE DOS DOIS. Manter um casamento bem sucedido hoje, quando a lei, a sanção social, a moralidade, a religião, e a ciência não mais têm condições de pressionar nesse sentido, é MUITO MAIS DIFÍCIL.
A única coisa que o GOVERNO pode fazer é disponibilizar uma forma decente e tão pouco traumática quanto possível de desfazer o casamento, caso os dois fracassem em seu objetivo de viverem juntos para sempre, ou seja, até que a morte os separe. Ou seja, instituir o DIVÓRCIO.
– VII –
Mas não quero ampliar de tal forma a discussão que se perca de vista a tese básica de Lippmann, enunciada no item I.
É isso.
Salto, 26 de Junho de 2019
Bela reflexão. Nos faz pensar sobre o casamento e sua durabilidade
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