O que Significa “Ser de Direita” Hoje no Brasil

Vi ontem [12.05.2022] um videozinho do Luiz Felipe Pondé, discorrendo sobre o que significa “ser de direita” na Universidade brasileira hoje. Embora concorde, em grande parte, com ele, resolvi resumir meu ponto de vista sobre o assunto — sem tocar na questão da Universidade, que, para mim, são águas passadas. Faz 15 anos que me aposentei da UNICAMP e posso contar nos dedos as vezes que voltei lá. Vou discutir, portanto, o que significa ser de direita no Brasil hoje. Concordo basicamente com o Pondé na tese de que ser de direita no Brasil de hoje é ser liberal clássico, defender direitos e liberdades individuais, um estado mínimo, e, por conseguinte, a economia de mercado. Sei que há gente que discorda, dando ênfase ao papel de uma “direita cultural” e a “pauta de costumes” (sexo / gênero, aborto, casamento homossexual, etc.). Acredito, como liberal (mais do que isso, vejo-me hoje bem mais próximo do libertarianismo anárquico) na liberdade de as pessoas serem aquilo que desejam ser, desde que não violem igual direito de outrem — mas detesto a criação de causas e movimentos e o proselitismo que essas causas e esses movimentos fatalmente implicam. Mais sobre isso depois.

O que significa ser “de direita” no Brasil de hoje?

  1. Ser “de direita” significa, no Brasil de hoje, em primeiro lugar, numa tese negativa: “não ser de esquerda”. Muita gente não gosta de teses negativas, mas neste caso é apropriado propor primeiro a tese negativa. Boa parte dos brasileiros que se definiu como de direita o fez para marcar posição contra o petismo e os seus petralhistas. O direitista brasileiro é, primeiro e acima de tudo, antipetista, vale dizer, anti-esquerdista. Mas reconheço que dizer que ser de direita é não ser de esquerda me obriga a definir, em seguida, o que é ser de esquerda. Não deixarei de fazer isso, como vai ficar claro em seguida.

  2. Ser “de direita” significa, no Brasil de hoje, agora numa tese positiva, considerar sempre o Indivíduo como o elemento mais fundamental nos binômios “Indivíduo e Sociedade”, “Indivíduo e Estado”. A sociedade é composta de indivíduos e não tem existência sem eles. Ela não é um ente platônico que tem existência, direitos, opiniões, voz, etc. à parte dos indivíduos que a compõem. E o estado é uma criação dos indivíduos. É difícil imaginar e crer que tenha havido uma sociedade de indivíduos sem nenhum mecanismo de governança, a chamada “sociedade natural” (erroneamente chamada de “estado natural”, a menos que o termo “estado” signifique apenas “condição”, sem um sentido mais técnico). E difícil imaginar que esses indivíduos tenham se reunido e poderado: “Oi galera, a gente tem brigado muito, vamos criar um estado, botar o Sarney na presidência, e ele cria um congresso para fazer umas leis e um tribunal para decidir quem violou as leis, etc.”. É bem mais provável que as coisas tenham acontecido de modo mais natural, espontâneo, e, em retrospectiva, se inventou o mito do “contrato social” (“one of the myths we live by”).

  3. Considerar o indivíduo o elemento mais fundamental significa que, nos conflitos inevitáveis que vão surgir entre o indivíduo e a sociedade e o indivíduo e o estado, nossa solidariedade primeira deve estar com o indivíduo. Ele é um — a sociedade são muitos, e o estado representa muitos, pois doutra forma não seria estado, a não ser pelo uso de uma força tão extrema que poria todo mundo contra ele. Isso significa, portanto, que quando falamos em direitos, a saber, o direito de se expressar (expressar tanto o seu pensamento como as suas emoções e a sua forma de ser), o direito de ir e vir (tanto dentro do país, como pra fora e pra dentro do país), o direito de se organizar e de se associar em grupos, ou se associar a grupos, para fins lícitos, o direito de possuir bens e propriedades (tanto de bens tangíveis como intangíveis, tanto de propriedades materiais como imateriais), é de direitos de indivíduos, de direitos de pessoas humanas vistas como indivíduos, não de direitos de blocos ou grupos de pessoas, que estamos falando, e que esses direitos devem prevalecer contra a força, o poder e a autoridade da sociedade e do estado. E que, quando os direitos de indivíduos conflitarem uns com os direitos de outros indivíduos, deve haver meios pacíficos e com autoridade moral e de fato para decidir quais direitos prevalecem.

  4. Isso significa, portanto, que, em uma sociedade organizada com base na primazia dos direitos individuais, esses direitos devem ter primazia, não só com base em princípios utilitários (como se verá) mas, e principalmente, com base em princípios morais. O princípio da maioria pode ser útil para decidir quem vai governar, mas, mesmo neste caso, deve haver previsão para remover maus governantes de forma indolor, e, isso, quando prevaricarem, ou por pura incompetência, ou pela prática deliberada de atos imorais — porque não sabem o que fazer ou por escolherem fazer o que não é certo. Até aí a moralidade se aplica, e ela é inerente aos indivíduos, as ações individuais. É preciso considerar sempre o indivíduo o elemento mais fundamental. Ninguém deve ser exculpado em um linchamento alegando que, “bem todo mundo estava batendo nele, e então eu também fui lá e dei umas porradinhas…”.

  5. Toda essa conversa de “direito individual” como sendo “natural”, “inalienável”, surgiu porque se acredita que haja uma “lei natural”, que se aplica ao ser humano, independentemente de qualquer sociedade em que ele viva, em qualquer época histórica. É ela a base da moralidade, e é ela que torna certos atos individuais imorais independentemente de tempo ou lugar. É por isso que a maior parte dos liberais clássicos não acredita que direitos individuais sejam direitos outorgados por uma sociedade ou por um estado. Para eles, à sociedade e ao estado só cabe reconhecer esses direitos e fazer valer esse reconhecimento (até, agora, no caso do estado, pelo uso da força, que só pode ser aplicada para impedir ou corrigir uma injustiça).

  6. Mas o apelo a princípios utilitários também é válido, porque a experiência mostra e a história prova que uma sociedade que protege os direitos e as liberdades de cada um e que, não interferindo com o direito dos indivíduos de viver a sua vida como desejam e de desfrutar de suas liberdades, sem impedimentos, desde que estejam respeitando iguais direitos e liberdades dos demais, é uma sociedade não só mais justa, mas que produz mais e distribui melhor os bens e serviços produzidos, satisfazendo os interesses e as necessidades da maioria das pessoas.

  7. Isso significa, portanto, que a sociedade e o estado não devem nada aos indivíduos a não ser o respeito à sua dignidade (enquanto eles a mantiverem) e a proteção aos seus direitos e às suas liberdades, e que a única forma legítima de os indivíduos alcançarem realização pessoal, felicidade, sucesso material e fama é respeitando esses direitos dos demais e tendo clareza sobre os seus objetivos e metas na vida (Projeto de Vida).

  8. Isso significa, também, que o estado não deve ser maior do que é estritamente necessário. Como sua função é exclusivamente respeitar e proteger direitos individuais, não estão entre suas funções garantir o bem-estar dos indivíduos em sociedade, oferecendo-lhes educação, saúde, seguridade social, muito menos moradia, emprego, esgoto, água tratada, energia, Internet, etc. Quando o estado já está exercendo essas funções, é preciso privatizá-las.

  9. Os limites extremos são individualismo anárquico, do lado direito, sem governo algum, e comunismo totalitário, condição em que o estado é tudo.

  10. Recomendaria que abandonássemos os termos “direita” e “esquerda” e nos concentrássemos nas questões fundamentais: defende o crescimento e fortalecimento de quem? Do indivíduo e das associações privadas? Em caso positivo, é dos meus. Do estado e das organizações estatais, para-estatais, etc.? Em caso positivo, não é dos meus: considero meu adversário político e vou lutar para que não prevaleça.

É só nesse sentido que se pode dizer que sou direita. A pauta cultural ou dos costumes literalmente não me incomoda. A mim não incomoda que alguém seja gay, ou bi, ou trans, que viva com alguém do mesmo sexo (ou até com mais de um), nem mesmo que faça um aborto de uma gravidez indesejável iniciante (não vejo diferença entre fazer sexo com camisinha, ou com coitus interruptus, e usar a pílula do dia seguinte: nesse aspecto sou católico, é tudo a mesma coisa) — desde que não se tente obrigar ou mesmo a constranger os outros a fazer a mesma coisa. Mas, na questão do aborto, chega uma hora é que se torna assassinato — e essa é hora é muito antes do nascimento. Isso é parte dos direitos individuais. É difícil de resolver em casos particulares? Sim, é difícil. Como é difícil fazer a coisa certa em muitas outras circunstâncias. Mas é a consciência moral de cada um (de cada indivíduo) que deve resolver. Não é a igreja ou o partido político. Ou mesmo o voto. 

Em Salto, 13 de Maio de 2022. Dia da Libertação dos Escravos. [Revisado em 1.12.2022]

 



Categories: Liberalism, Liberalismo, Liberals, Liberdade, Libertarianismo, Liberty

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s

%d bloggers like this: