No princípio do ano de 1945 a Segunda Guerra Mundial parecia caminhar para o fim – pelo menos em seu Cenário Europeu. Hitler começava a ficar encurralado na região de Berlin, com as forças soviéticas avançando sobre ele a partir do Leste e Sudeste e as Forças Aliadas avançando pelo Oeste e pelo Sudoeste. Comandava as forças soviéticas o General Gyorgy Zhukov, e as Forças Aliadas o General Dwight Eisenhower.
As três grandes potências que se aliaram contra Hitler eram governadas por líderes experientes e matreiros: Joseph Stalin, na União Soviética, Winston Churchill na Inglaterra, e Franklin Roosevelt, que acabava de tomar posse em seu quarto termo seguido (!) na Presidência dos Estados Unidos da América (EUA).
Concentro-me no caso dos EUA.
Franklin Roosevelt havia nascido em 1882. Elegeu-se presidente dos EUA no final de 1932, tomando posse em 4/3/1933, aos 51 anos. Foi eleito presidente mais três vezes (total: quatro vezes seguidas), em 1936, 1940 e 1944, tomando posse em 20/1/1937, 20/1/1941 e 20/1/1945.
Quando tomou posse pela primeira vez o desafio era a chamada Grande Depressão, que veio na sequência da Quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. Sua solução, hoje muito questionada, foi o chamado New Deal. Com o apoio da Suprema Corte Americana reinterpretou o papel do Estado, previsto na Constituição e expandiu sobremaneira as suas funções. Sua eleição seguinte já foi feita à sombra da grande ameaça que pairava sobre a Europa, com a subida de Hitler ao poder na Alemanha – primeiro como Chanceler, depois como o Todo Poderoso Führer. Mas a Segunda Guerra não havia ainda iniciado – só teve início em 1/9/1939, quando Hitler invadiu a Polônia. Os Estados Unidos não entraram na guerra de pronto, mas apoiaram o Reino Unido, seu aliado. A terceira eleição de Roosevelt, em 1940, com posse em Janeiro de 1941, já se deu, portanto, em meio ao conflito, que já tinha um Cenário Europeu e um Cenário Asiático, em que Japão havia se aliado a Hitler. Foi só com o Ataque a Pearl Harbor, pelos japoneses, em 7/12/1941, que os EUA saíram de seu isolacionismo e entraram na guerra – em ambos os Cenários, Europeu e o Asiático.
No princípio de 1945, quando Roosevelt tomou posse pela quarta vez, e, dias depois, celebrou 63 anos, a guerra continuava em ambas as frentes, mas, no Cenário Europeu parecia encaminhar-se para o fim, como observado no início.
De 4 a 11 de Fevereiro de 1945 os três grandes líderes das forças que combatiam Hitler, Churchill, Roosevelt e Stalin, se reuniram em Yalta, na Crimeia, para discutir o futuro da Europa, uma vez finda a guerra. Fizeram um acordo. Churchill, mais matreiro do que Roosevelt, não acreditava em Stalin, nem, em especial, que Stalin fosse honrar o acordo celebrado. Mas Roosevelt acreditou – não porque fosse mais ingênuo, mas porque, apesar de estar longe de ser comunista, ele próprio, claramente tinha mais simpatia pela causa representada pelo Comunismo do que Churchill – que não tinha nenhuma.
Um mês depois de findo o Encontro de Cúpula de Yalta, Roosevelt morreu (para a maioria das pessoas inesperadamente), em 12/4/1945 – menos de três meses depois de empossado em seu quarto mandato.
É neste ponto que entra em cena Harry Truman, ex-Senador, que pela primeira vez fora candidato a Vice-Presidente de Roosevelt na eleição de 1944. Nos outros três mandatos houve dois vices diferentes, um no primeiro mandato e outro no segundo e terceiro.
Truman era uma figura política relativamente obscura. Seu diploma mais elevado era o do Curso Secundário. Nunca havia cursado uma faculdade. Não era viajado nem experiente no trato de questões de política exterior. Havia lutado na Europa durante a Primeira Guerra, mas, voltando aos EUA em 1919, nunca mais havia posto pé fora do território americano. Morava em casa alugada depois de vários anos na política.
Quando ficou evidente que Roosevelt havia escolhido Truman como seu candidato a Vice-Presidente em sua Quarta Eleição, seu Principal Assessor Militar (Chief of Staff), Almirante William Leahy, chegou a explodir, dizendo: “Who the hell is Harry Truman?”
Depois da posse de Roosevelt e Truman, em 20/1/1945, Truman foi basicamente ignorado por Roosevelt e pelo seu staff, que não colocaram Truman a par da situação política e econômica interna nem, muito menos, o mantiveram informado sobre o que acontecia no cenário bélico e militar. Mas Truman era uma pessoa bastante acostumada a buscar por conta própria as informações que lhe interessavam, lendo e conversando, e, assim, a despeito do “gelo” em que foi colocado, estava bastante em dia com o andamento das coisas – em especial da guerra.
Esse fato lhe foi de grande valia, porque a hora e a vez de Truman haviam chegado. Em 12/4/1945 Roosevelt morreu – e ele foi chamado para assumir a Presidência de um país envolvido em duas guerras em extremos opostos do mundo.
Diferentemente do que acontece no Brasil em situações desse tipo, ninguém, nos EUA, cogitou de mudar o sistema para Parlamentarismo ou coisa semelhante. Truman foi imediatamente empossado na Presidência dos Estados Unidos no mesmo dia da morte de Roosevelt: 12/4/1945.
Mas muita gente duvidou que ele tivesse competência suficiente para tocar a Presidência do país, em especial no momento conturbado que o país vivia.
Há quem diga que a ocasião faz o homem. Não acredito muito nesse ditado, nessa forma em que é formulado. Mas acredito que a ocasião permite que o verdadeiro homem se manifeste e se revele. Foi isso que aconteceu com Truman. Sabedor de que o destino é matreiro, e que a Presidência podia lhe cair nos braços, Truman estava psicológica e materialmente preparado para assumir o desafio.
Os primeiros quatro meses da presidência de Harry Truman foram um dos períodos históricos mais extraordinários que é possível comprimir em quatro meses. De 12 de abril de 1945 até 12 de Agosto do mesmo ano, os primeiros quatro meses do seu governo, aconteceram, os seguintes eventos, que imediatamente projetaram Harry Truman à posição de um Presidente de “primeira grandeza”, por assim dizer:
- Em 25/4/1945, acossado pelas Forças Aliadas, Benito Mussolini, o líder fascista da Itália, aliada do Nazismo na guerra, tenta fugir da Itália para a Suíça, para, de lá buscar abrigo na Espanha, mas é interceptado por forças inimigas e executado nos dias seguintes – sendo a data de sua morte considerada como 28/4/1945;
- Em 30/4/1945, encurralado de todos os lados, Adolf Hitler, Führer da Alemanha e o líder maior do Nazismo, comete suicídio;
- Dentro de uma semana Berlin cai e Alemanha capitula em 7/5/1945, encerrando a Segunda Guerra no Cenário Europeu (mas não no Cenário Oriental);
- Em 25/4/1945 representantes de cinquenta governos se reúnem em San Francisco para começar a redigir a Constituição das Nações Unidas, Constituição que foi adotada em 25/6/1945 e assinada no dia seguinte, 26/6/1945;
- Ao mesmo tempo que eram liberados aqueles que estavam internados em Campos de Concentração Nazistas, tanto na Alemanha como na Polônia, os principais assessores de Hitler que ainda estavam vivos foram capturados e presos (Hermann Göring, Ernst Kaltenbrunner, etc.);
- De 17 de Julho a 2 de Agosto de 1945 realiza-se a Conferência de Potsdam, para decidir definitivamente os destinos da Europa – com base, em parte, no Acordo de Yalta, com Truman, o novato, sendo designado Presidente da Conferência, encontrando e enfrentando o veterano e matreiro Stalin pela primeira vez, e ficando sem o apoio de Churchill, que foi substituído no meio da reunião pelo trabalhista Clement Atlee, por ter perdido seu cargo de Primeiro Ministro na Inglaterra;
- Ao longo da Conferência de Postdam, Truman consegue de Stalin a garantia de que, se a União Soviética interferir no Cenário Oriental da Guerra, ela o fará em favor dos Estados Unidos;
- Terminada a Conferência de Potsdam, e sabedor de que os japoneses iriam pedir o apoio da União Soviética para enfrentar os Estados Unidos, Truman determina, em 6/8/1945, enquanto ainda estava no navio de volta aos EUA, o lançamento da primeira bomba atômica sobre Hiroshima, com o objetivo de poupar vidas de soldados americanos e para intimidar a União Soviética e os países que estavam sob seu controle; não tendo obtido a rendição total e incondicional do Japão, Truman determina o lançamento da segunda bomba atômica, esta sobre Nagasaki, em 9/8/1945, assim encerrando também para todos os fins práticos, a Segunda Guerra Mundial na Frente Oriental, embora a rendição total e incondicional do Japão só tenha acontecido dias depois, em 14/8/1945;
- No dia 12/8/1945, quando completava quatro meses na Presidência, e já estava de volta ao território americano, Truman fez um discurso à nação, explicando as resoluções da Conferência de Potsdam e explicando que a Europa, e, na verdade, o mundo inteiro, agora, estava dividido em duas grandes áreas de influência, uma, sob a liderança americana, democrática e amante da liberdade, a outra, sob o controle da União Soviética, autoritária e apegada à força, e comunicando que os EUA não ficariam com nenhum território adicional depois da Segunda Guerra, e não iriam intervir em nenhuma nação, mas também não permitiriam que a União Soviética fizesse isso impunemente, dando início, assim, oficialmente, ao período da Guerra Fria – necessária diante da posição inegociável da União Soviética de não compartilhar o controle do Leste Europeu.
Enfim: o novato e inexperiente Truman enfrentou Stalin de forma mais decisiva do que Roosevelt o faria. Roosevelt já havia anunciado que os Estados Unidos sairiam da Europa o mais rápido possível, depois de finda a guerra e já havia concordado, no Encontro de Yalta, que a União Soviética poderia permanecer nas regiões ocupadas pelo seu exército, se se comprometesse a realizar eleições democráticas… Truman retomou a questão da saída imediata das forças americanas da Europa e deixou claro aos aliados da Europa Ocidental, que, sem um tratado que unisse os países da Europa Ocidental, a União Soviética acabaria controlando não só o Leste Europeu, mas a Europa inteira; enquanto o tratado era negociado – que veio a ser o NATO/OTAN, assinado, formalmente, apenas em 12/4/1949, já no segundo mandato de Truman – os EUA se mantiveram na Europa Ocidental e se comprometeram a defende-la contra ataques ou incursões soviéticas. E continuam a defendê-la até hoje.
Assim, um homem simples e modesto, aparentemente despreparado, sem maiores estudos formais, foi alçado pelo destino à Presidência dos EUA, acabou presidindo de forma competente e com grande liderança sobre um conjunto compactado de eventos em um período extremamente curto, sendo assim projetado como um dos maiores presidentes que a nação americana já teve, atrás, talvez, apenas de Washington, Jefferson, e Lincoln (dentre os que vieram antes dele – dentre os que vieram depois devendo ser acrescentado o nome de Reagan, que encerrou a Guerra Fria que Truman foi obrigado a iniciar). Não considero que Franklin D. Roosevelt tenha sido um bom presidente. Na verdade, considero-o pior presidente que os EUA já tiveram: na área econômica, social, política e de política internacional. Foi nos governos dele que funcionários do governo americano, membros do Partido Comunista Americano, entregaram segredos estratégicos dos EUA à União Soviética, inclusive sobre o andamento do desenvolvimento da bomba atômica. Foi a atitude irresponsável de Roosevelt que entregou de mão beijada a Stalin todo o Leste Europeu, bem como pontos estratégicos na Frente Oriental. O grande responsável pela Guerra Fria foi Roosevelt — não Truman, que teve de lidar com faits accomplis, já acordados por Roosevelt e Stalin, muitas vezes contra a opinião de Churchill.
Tendo se tornado Presidente por força do destino, Truman se mostrou o homem certo no lugar certo, num período extremamente difícil da vida americana. O principal desafio seu foi deter as tentativas de avanço da União Soviética, enfrentando também com sabedoria e habilidade o fato de a China ter-se tornado comunista em 1949. Conseguiu se reeleger em 1948, contra o candidato republicano, no início dos anos 50 não hesitando em intervir na guerra civil que acontecia na Coreia, em decorrência da invasão do Sul pelas forças comunistas do Norte, apoiadas pela China Comunista.
Depois de concluído o seu mandato, Truman voltou para seu estado de Missouri, com sua mulher, dirigindo o próprio carro, sem seguranças e assessores, para ir morar na casa da família. Até sua morte, foi um homem mais do que benquisto pelos americanos: respeitado pela sua competência, franqueza e honestidade. Um homem que o povo sempre considerou como um dos seus: gente simples e humilde, mas que, no cargo de Presidente dos EUA, soube honra-lo, respeita-lo e, mais do que isso, prestigia-lo.
Daqui um mês e uma semana fará 74 anos que Truman assumiu a Presidência dos EUA. Eu tinha um ano e meio na ocasião.
Em Salto, 5 de Março de 2019.
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