História Contrafactual

Admitidamente, sou admirador da chamada “história contrafactual” (também conhecida como história alternativa, história especulativa, história hipotética, ou até mesmo história virtual). Estou convicto de que ela é um gênero legítimo de historiografia (e não apenas um pretexto para a ficção de fundo histórico).

História contrafactual é o exercício imaginativo de perguntar “What if?” (O que se?). O QUE teria acontecido na história SE um evento anterior, crucial, não tivesse acontecido, ou tivesse tido resultados diferentes? A pergunta é feita com o intuito de entender melhor o que de fato aconteceu.

É esse o entender de Jeremy Black e Donald M. MacRaild, em seu livro Studying History [1]. Eles afirmam que a história contrafactual é, em sua raiz, a tentativa de conjeturar o que poderia ter acontecido na história, se um evento crucial anterior não tivesse acontecido ou tivesse acontecido com resultados diferentes, para que, no processo, possamos entender melhor o que de fato veio a acontecer e por quê.

Comparem-se também, neste contexto, os livros Altered Pasts: Counterfactuals in History, de Richard J. Evans, com a contribuição de Hedva Ben-Israel [2], e Virtual History, editado por Niall Ferguson [3]. Outro livro interessante é If It Had Happened Otherwise, editado por John Collings Squire [4].

No livro de Squire discute-se a questão levantada por Sir Winston Churchill sobre o que teria acontecido com os Estados Unidos e com os americanos se Robert E. Lee tivesse ganho a Batalha de Gettysburg, em Julho de 1863, pelos Estados do Sul, na Guerra Civil Americana, em vez de George G. Meade, pelos Estados do Norte…

Niall Ferguson (o mesmo autor mencionado atrás), em seu livro The Pity of War: Explaining World War I [5], talvez seja o caso mais famoso e polêmico de história contrafactual – aqui praticada e não meramente descrita como uma possibilidade. Ferguson procura mostrar que, se a Alemanha tivesse ganho a Primeira Guerra Mundial, ela, muito provavelmente, não teria se tornado nazista em 1933, e o mundo não teria tido (entre outras realidades) Hitler, a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto, o Surgimento da Guerra Fria…  Acho essa tese extremamente plausível, mesmo que nunca possa ser comprovada.

Há muitos livros explorando esse tema, em relação às duas Guerras Mundiais, à Guerra Civil americana, à Guerra de Independência dos Estados Unidos, etc. Menciono alguns, embora em alguns casos o que temos é algo que fica entre História Contrafactual e Ficção de Base Parcialmente Histórica… A Segunda Guerra tem preferência, mas a Primeira Guerra também aparece.

Archduke Franz Ferdinand Lives!: A World without World War I, de Richard Ned Lebow [6].

An Alternate History of the Third Reich: Empire Ascendant, 1940-50, de Gary Schreckengost [7].

The Second World War: WW2 – An Alternate History, de Ralph Brandt [8].

The D-day Landing Has Failed, de Ralph Brandt [9].

The Reich Without Hitler: The Falcons of Malta, de Scott Palter & Mike Rohde [10].

Estou lendo, no momento, uma (enorme) biografia de Hitler — com quase mil páginas — e as mil páginas são um resumo de uma obra mais ampla, em dois volumes, com mais de duas mil páginas… O livro se chama Hitler: A Biography, e o autor é Ian Kershaw [11].

Já no Prefácio à nova edição (a edição resumida) Kershaw levanta uma questão importante e instigante. Hitler (nascido em em 1889) foi, até 1918, data do fim na Primeira Guerra Mundial, ou seja, até os seus 19 anos, um adolescente tímido, cheio de complexos e, segundo tudo indica, de problemas psicológicos (e sexuais) sérios. Quem olhasse o rapazote nunca iria imaginar que ele poderia um dia se tornar quem se tornou. Para que ele viesse a se tornar, a partir de 1933, o grande líder da Alemanha, é necessário que postulemos que o potencial de carisma, comunicação, liderança, etc., que ele veio a demonstrar, já estivesse presente nele — mas sem ter, contudo, condições de aflorar.

Do fim da Primeira Guerra em diante, Hitler gradualmente se tornou, do ponto de vista dos que o observavam, uma outra pessoa. Se imaginarmos que as pessoas têm um cabedal genético que pode ficar sem expressão ou pode se desenvolver, devemos admitir que Hitler mudou a partir de 1919, mas que sua mudança se deveu às circunstâncias em que a Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial, veio a se encontrar a partir daquela data: esmagada pelos seus inimigos, que tripudiaram sobre ela, cobraram-lhe impagáveis compensações, não deixaram que sua economia e sua cultura pudessem voltar a se desenvolver, e, por isso, criaram um sentimento forte de nacionalismo e de ressentimento contra os seus inimigos — agora no papel de vencedores cobrando o preço de seu esforço, de seu sofrimento, de sua destruição material, de suas mortes. Esse clima foi propício ao desenvolvimento, em Hitler, de características que até ali estavam nele dormentes.

Deixando de lado o livro de Kershaw (cuja leitura eu apenas comecei) e voltando à questão da História Contrafactual, se a Alemanha houvesse ganho a Primeira Guerra Mundial, ou, mesmo, tendo-a ganho os Aliados, se eles não tivessem humilhado a Alemanha como o fizeram, provavelmente Hitler não teria se desenvolvido como se desenvolveu, e não teríamos tido os Nazistas no poder, nem a Segunda Guerra, com o Holocausto, a Rússia / União Soviética não teria tido ocasião de vir a ocupar, na Europa do Leste, e, depois, mundialmente, o papel uma das duas grandes potências depois do fim da Segunda Guerra, a Guerra Fria não teria acontecido, etc.

Tudo isso é, naturalmente, especulação — mas é uma especulação séria que nos força a olhar para a Primeira Guerra com olhos diferentes, que nos leva a olhar para Hitler, do ponto de vista biográfico, com outros olhos, etc.

É isso… Eu e meu amigo de quase 60 anos, e meu irmão, não só de Igreja, Rev. Elizeu Rodrigues Cremm, que chamou minha atenção para a biografia de Hitler, me motivando a comprá-la, vamos tentar ler a gigantesca biografia em horas vagas ao longo dos próximos doze meses, começando agora, no início de Maio. Já começamos a ler, tanto ele como eu. Dado que o livro tem 1000 páginas e o ano 50 semanas (deixando duas para férias), se lermos 20 páginas por semana, ou 4 páginas por dia útil em cada semana, teremos condições não só de ler o livro inteiro em um ano mas de poder discuti-lo por e-mail, Messenger, WhatApp ou em pessoa…

É isso, por enquanto…


NOTAS:

[1]   Macmillan, 1997, 2000, 3a ed. 2007, seção 4.9 da terceira edição.

[2]   Brandeis University Press, 2013.

[3]   Basic Books, 1999.

[4]   Longmans, 1931, 2a ed. rev. 1972.

[5]   Penguin, 1998, 2a ed. rev. 2000.

[6] Saint Martin’s Press, 2014.

[7] Gary Schreckengost, Publisher, 2018.

[8] Ralph E. Brandt, Publisher, 2012.

[9] Ralph E. Brandt, Publisher, 2017.

[10] Final Sword Productions, 2018.

[11]   Norton, 2008, Edição Resumida de Hitler, 1889-1936: Hubris (1998) e Hitler, 1936-1945: Nemesis (2000).

Em São Paulo, 24 de Abril de 2019



Categories: Alemanha, Biografia, Biography, História, História Contrafactual, History, Hitler, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial

2 replies

  1. Obrigado pela referência. Não comecei a ler ainda. Mas vou me disciplinar. Abraço.

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  1. Ortodoxia, Heresia e História Contrafactual: “A Teaser” – Eduardo Chaves' Space

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