Gostaria, neste despretensioso artigo, de apresentar, discutir e defender a minha opinião sobre a reação dos governos (federal, estaduais e municipais) brasileiros à atual epidemia do Vírus Corona no nosso país.
Antes de fazer isso, porém, gostaria de fazer um prefácio importante. Minha opinião sobre essa questão, bem como sobre qualquer outra, não é independente da minha maneira de encarar o mundo e nossa relação com ele, em especial com o mundo humano, ou seja, a sociedade, vale dizer, a relação de cada um de nós, indivíduos e cidadãos, com os demais indivíduos e cidadãos, com o Estado e com aqueles que administram o Estado, a saber, os diversos governos (aqui no Brasil em três níveis).
Minha forma de encarar o mundo social e a relação dos indivíduos com ele é basicamente liberal: as pessoas têm certos direitos individuais básicos, que eu considero naturais, mas que, no caso brasileiro, são também protegidos pela nossa Constituição, em especial seu artigo 5o. Os constituintes que elaboraram a atual Constituição, em 1988, consideraram a cláusula que define esses direitos individuais uma das cláusulas pétreas da Constituição. As cláusulas da Constituição definidas como pétreas não podem ser alteradas por emenda: só por uma eventual nova Constituição. Essas cláusulas, portanto, são intocáveis, enquanto a atual Constituição estiver em vigência.
O artigo 60 § 4º da Constituição define como cláusulas pétreas:
- “A forma federativa de Estado;
- O voto direto, secreto, universal e periódico;
- A separação dos poderes; e
- Os direitos e garantias individuais”.
Entre esses direitos individuais estão, como especificado no artigo 5o, caput, os seguintes:
- O direito à vida,
- O direito à liberdade,
- O direito à igualdade,
- O direito à segurança, e
- O direito à propriedade.
O “direito à vida” e “o direito à propriedade” são fundamentais, mas não menos fundamental é o “direito à liberdade”, que se desdobra em vários direitos, entre os quais os mais importantes são os seguintes:
- O direito de manifestação do pensamento (inciso IV)
- O direito de expressão da atividade intelectual (inciso IX)
- O direito de locomoção (inciso XV)
- O direito de reunião (inciso XVI)
- O direito de associação para fins lícitos (inciso XVII)
Esses direitos não podem ser suspensos ou restringidos por parte do Estado na vigência da Constituição — exceto alguns deles, no caso de Estado de Defesa e/ou Estado de Sítio, como definidos, respectivamente, nos artigos 136 e 137.
Esclareça-se que o Estado de Defesa e o Estado de Sítio só podem ser decretados, em ambos os casos, pelo Presidente da República (não por Governadores ou Prefeitos), depois de ouvidos o Conselho da República e o Conselho da Defesa Nacional, e mediante autorização do Congresso Nacional (que, no caso do Estado de Defesa pode ser a posteriori, dentro de um prazo previsto).
O Estado de Defesa pode ser decretado para “preservar ou prontamente restabelecer ( . . .) a ordem pública e a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grande proporções na natureza”. O Estado de Sítio pode ser decretado no caso de “comoção grave de repercussão nacional”, em especial se não eliminada pelo Estado de Defesa, e no caso de “guerra ou agressão armada estrangeira”.
Em ambos os Estados pode ser restringido o direito de reunião. No caso do Estado de Sítio, também a propriedade dos indivíduos pode ser temporariamente requisitada pelo Estado. É só. No caso do Estado de Sítio prevê-se a possibilidade de que as pessoas possam ser obrigadas a permanecer em localidade determinada, que não uma prisão, o que parece poder incluir a residência das próprias pessoas, embora isso não seja declarado explicitamente. Isso não é previsto no caso do Estado de Defesa.
Isso dito, esclareço o que penso sobre a atual crise da seguinte maneira.
Primeiro: O Presidente da República poderia, em princípio, ter decretado Estado de Defesa, mas não o fez. Em discussão com a Presidência das duas casas do Congresso, preferiu solicitar ao Congresso que aprovasse (no que foi atendido prontamente, mediante aprovação quase unânime) a existência um “Estado de Calamidade Pública” , mas esse estado, não previsto na Constituição, não permite a suspensão ou restrição dos direitos individuais dos cidadãos, mas apenas dispensa o Executivo da necessidade de cumprir normas que limitam os gastos e regulamentam a execução orçamentária por parte do governo (não só o Executivo).
Segundo: Governadores de vários Estados, e mesmo Prefeitos de várias Cidades, extrapolaram a sua competência ao determinar (não foi uma recomendação) que (a) as pessoas ficassem isoladas, fora das ruas, retidas ou detidas em suas próprias casas, a menos que tivessem necessidade premente de sair, para executar algum serviço essencial, e (b) ao proibir que se reunissem e formassem aglomerações, ameaçando-as com prisão caso não cumprissem essas ordens. Como bem disse o ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Desembargador Ivan Sartori, os Governadores e os Prefeitos que tomaram essas medidas podem ser indiciados por crime de responsabilidade e podem ser impedidos de continuar a exercer os seus mandatos por terem violado, consciente e deliberadamente, o que diz a Constituição, nos artigos 5o e 136-137.
Terceiro: O Supremo Tribunal Federal, através de decisões monocráticas dos ministros Marco Aurélio de Mello e Alexandre de Moraes, que criaram ex nihilo um suposto direito não-constitucional de os Governadores estaduais usurparem as atribuições que a Constituição claramente declara ser do Presidente da República, mediante aprovação do Congresso, são passíveis de julgamento por crime de prevaricação e violação clara de cláusulas da Constituição.
Quarto: O Presidente da República, que discordou das medidas radicais de isolamento e reclusão tomadas por Governadores estaduais e Prefeitos, e as criticou publicamente, estava no pleno direito de fazer isso, e de solicitar, como o fez, que a Advocacia Geral da União solicitasse ao plenário do Supremo Tribunal Federal que restabelecesse a ordem legal e jurídica.
Quinto: Sou totalmente favorável a que as pessoas, individualmente, tomem a decisão de permanecer em casa, se assim puderem e julgarem necessário, em especial as que fizerem parte dos principais grupos de risco, como idosos e portadores de moléstias graves, crônicas ou agudas, e que as empresas e outras organizações sociais (ONGs, por exemplo) decidam da mesma maneira.
Sexto: Sou totalmente favorável que os responsáveis por empregos, sejam eles os dirigentes de órgãos governamentais, empresas, e ONGs, ou mesmo indivíduos (no caso de empregos domésticos), busquem viabilizar ao máximo o teletrabalho e que universidades e escolas busquem viabilizar ao máximo a educação a distância, para permitir que a grande maioria daqueles que decidirem permanecer em casa, possam fazê-lo, sem prejuízo de seu emprego, trabalho e salário e de seus estudos. Sou também favorável a que igrejas realizem seus cultos religiosos virtuais e que os eventos esportivos sejam realizados a porta fechada, sem público, mas com televisionamento.
Sétimo: Sou totalmente favorável que os brasileiros, em geral, e, em particular, os políticos, os intelectuais, os jornalistas, a mídia, e o povo em geral tenham vergonha na cara (como dizia Nelson Rodrigues) e se abstenham de tentar explorar, para fins pessoais próprios, e quase sem exceção inconfessáveis, uma situação triste e lastimável que, mesmo se gerenciada de forma legal, competente e hábil, resultará, inevitável e infelizmente, em muito óbito, sofrimento, desemprego, e mesmo fome para muita gente.
Oitavo: Da forma que vêm acontecendo as coisas, o país vive um festival de ilegalidades e se tornou quase ingovernável, através da ação ilegal de Governadores e Prefeitos, pelo apoio que lhes foi dado pelos Presidentes das duas casas do Congresso e pela mídia ativista irresponsável, que deseja derrubar o Presidente para poder mamar novamente nas tetas do Estado, e por decisões monocráticas exaradas com a mesma irresponsabilidade por ministros ativistas do Supremo Tribunal Federal, sendo necessário que se restabeleça imediatamente a ordem, punindo os que violaram a lei e extrapolaram suas funções.
É isso.
Em Salto, 14 de Abril de 2020
Post Scriptum 1 de 15 de Abril de 2020
Em artigo na Gazeta Mercantil de 14.4.2020, Rodrigo Constantino se refere a um gráfico de Hélio Beltrão, que o chama de Pirâmide de Kelsen, que reflete o pseudo-ordenamento das normas que atualmente regem o Brasil. Eis o que diz Constantino:
“Mas enquanto isso temos vários efeitos colaterais das medidas drásticas tomadas por governadores, esses certos como a luz do sol. Por exemplo: temos a evidente perda das liberdades constitucionais. Essa pirâmide ilustra bem o risco que corremos:
EC: Note-se que o que Beltrão chama de STF são decisões monocráticas dos ministros Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes. Não sei se as decisões do Pleno serão diferentes. Pode ser que não. Se não forem, ficará provado que o STF é o maior violador da Constituição Federal que temos no Brasil de hoje.
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/falta-humildade-aos-especialistas-e-mais-ainda-aos-que-falam-em-seu-nome-na-midia.
Post Scriptum 2 de 15 de Abril de 2020
Em decisão de hoje à tarde, unânime (com nove membros – um se declarou impedido e o outro está doente) referendou a decisão monocrática dos relatores afirmando o direito dos Governadores de tomarem medidas que, segundo a Constituição Federal, apenas o Presidente da República pode tomar. Estamos em estado de anomia total, que deve ser 100% debitada nas costas do mais incompetente STF que já vi em 76 anos de vida.
Categories: Corona Vírus, Crise Política
Apoiado em gênero, número e grau. Vou compartilhar com quem eu puder…
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Gostei muito da sua visão, dos argumentos, do tom mais moderado que de costume e do conjunto da obra. Obrigada por compartilhar sua visão de forma tão fundamentada, ajudando a gente a formar nossa própria opinião. 😘
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Pois eu ainda espero um “texto bomba” do prof Eduardo, daqueles beeem longos e cheios de “veneno”, pra lembrar dos bons tempos da Edutec… Até demissão de ministro estão querendo impedir… Como se o voto tivesse sido nos ministros e não no Bolsonaro…
(E nós aqui de Campo Grande damos muita risada ao ver a pecha de santo que querem colocar no mandetta – https://www.ojacare.com.br/2020/03/05/inquerito-contra-mandetta-por-desvio-r-81-milhoes-no-gisa-vai-para-a-justica-eleitoral/)
*;o)
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Estou perfeitamente de acordo com tudo o que foi exposto em seu excelente artigo…!!!!!
E Parabéns pela clareza da exposição irrefutável de suas idéias!!!
O que está acontecendo no País é um total ABSURDO…!!!!
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