Uma Coisa que Parecia tão Inocente…

Em 24 de Maio de 2010 uma lei acerca de Bibliotecas Escolares foi promulgada pelo presente Lula (com a assinatura de Fernando Haddad, então Ministro da Educação, hoje Prefeito de São Paulo). (Ela é transcrita abaixo, para referência, ao final do artigo, depois do artigo de hoje da Folha de S. Paulo.)

Em resumo a lei determinava o seguinte:

  1. Todas as escolas do país deverão ter uma biblioteca que contenha pelo menos um título para cada aluno matriculado;
  2. Elas terão 10 (dez) anos cumprir essa determinação;
  3. Os livros podem estar disponíveis em qualquer tipo de suporte.

Tudo parecia muito bom e inocente… Mas nós todos sabemos que Lula e os petralhas não dão ponto sem nó…

Como mencionei acima, a Folha de S. Paulo de hoje, 7 de Fevereiro de 2016, tem um artigo de Rubens Valente com o seguinte título:

“Lei assinada por Lula abriu frente de negócios para sócio de seu filho”

(http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/02/1737639-lei-assinada-por-lula-abriu-frente-de-negocios-para-socio-de-seu-filho.shtml)

Cito a primeira parte do artigo de Valente, colocando tudo em itálico para realçar:

“Uma lei assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio de 2010 estimulou uma nova linha de negócios de um dos donos do sítio frequentado pelo petista em Atibaia (SP).  

A lei obrigou todas as instituições de ensino públicas e privadas a possuir, até 2020, pelo menos uma biblioteca com no mínimo um título por aluno. A coleção pode existir “em qualquer suporte”, abrindo margem para bibliotecas virtuais.

Meses depois da lei, o empresário Jonas Leite Suassuna Filho, 57, que em 2009 virou sócio do filho do presidente, Fábio Luís, o Lulinha, na firma de jogos eletrônicos Gamecorp, criou a plataforma virtual “Nuvem de Livros”, que poderia ser usada para permitir que escolas tivessem acesso a uma biblioteca virtual e, assim, pudessem cumprir a legislação.

A relação entre o novo negócio e a lei assinada por Lula foi estabelecida pelo próprio Suassuna em palestra na feira de informática Campus Party de 2013. “Para cumprir essa lei -se a gente [brasileiros] fosse de cumprir lei- até 2020, dava mais ou menos 20 bibliotecas por dia [a serem construídas]. […] Opa, se eu tenho banda larga, se eu tenho uma política necessitando de bibliotecas… [sic] Então, juntando as coisas, você tinha que ter um modelo de negócios. E foi o que a gente conseguiu fazer e a gente acabou saindo na frente. Hoje ela [Nuvem] tem 1,5 milhão de clientes”, disse ele na palestra.

As informações divulgadas pelo grupo nas páginas das empresas de Suassuna na internet não permitem saber se o empreendimento deu certo ou não no ponto específico previsto na lei assinada pelo então presidente Lula.

Indagado se o serviço é disponibilizado a órgãos públicos, incluindo secretarias de educação ou escolas públicas, o advogado do empresário disse não saber informar.

Sobre o volume de negócios, o defensor disse que não mantinha esses dados à mão. “Nós fomos ver o seguinte: o Brasil tem uma lei que diz que até 2020 todas as escolas desse país deverão ter uma biblioteca com pelo menos um livro por aluno. Significa dizer que hoje, no nosso país, 15 milhões de alunos ou 65% das nossas escolas não têm uma biblioteca”, disse Suassuna, na palestra em 2013.

A lei teve por origem um projeto de 2003 do deputado federal Lobbe Neto (PSDB-SP), que disse ter acolhido uma demanda do Conselho Federal de Biblioteconomia.

O projeto do parlamentar, contudo, não previa a expressão “qualquer suporte”, que foi acrescentada a partir de um substitutivo apresentado por políticos aliados ao governo.

“Não sei como isso entrou na lei, não me recordo, precisaria rever todo o processo”, disse.

Um dos executivos responsáveis pela plataforma virtual, o publicitário Roberto Bahiense disse em novembro de 2014, em palestra na Academia Brasileira de Letras, que a plataforma foi lançada em 2011 na Bienal do Livro do Rio – um ano depois da lei.

O acesso à “Nuvem” também é comercializado por meio da Vivo, que vende por R$ 9,90 mensais acesso a cerca de 16 mil “livros, audiolivros, vídeos, teleaulas e conteúdos educativos direto do seu computador, celular ou tablet”. Suassuna também abriu uma versão da “Nuvem” na Espanha.

O empresário afirmou em diferentes entrevistas que sua carreira foi marcada por um grande sucesso nos anos 1990, quando teria vendido mais de 65 milhões de cópias de uma versão audiovisual da Bíblia narrada por Cid Moreira, ex-apresentador da TV Globo.”

Uma coisa se encaixa na outra, não é? Eu lhe viabilizo um negócio e você me dá um sítio.

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LEI No 12.244, DE 24 DE MAIO DE 2010
Dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o As instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do País contarão com bibliotecas, nos termos desta Lei.

Art. 2o Para os fins desta Lei, considera-se biblioteca escolar a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura.

Parágrafo único. Será obrigatório um acervo de livros na biblioteca de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado, cabendo ao respectivo sistema de ensino determinar a ampliação deste acervo conforme sua realidade, bem como divulgar orientações de guarda, preservação, organização e funcionamento das bibliotecas escolares.

Art. 3o Os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, nos termos previstos nesta Lei, seja efetivada num prazo máximo de dez anos, respeitada a profissão de Bibliotecário, disciplinada pelas Leis nos 4.084, de 30 de junho de 1962, e 9.674, de 25 de junho de 1998.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de maio de 2010; 189o da Independência e 122o da República.

Fonte: http://www.in.gov.br

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Fernando Haddad
Carlos Lupi

Em Salto, 7 de Fevereiro de 2016

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NOTA DE INTERESSE HISTÓRICO

A notícia da Lei 12.244 foi divulgada pela Folha no dia seguinte ao de sua publicação no Diário Oficial da União, ou seja, em 26 de Maio de 2010. Eis o texto do artigo da Folha

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2605201024.htm
Folha de S. Paulo
26 de Maio de 2010

[Sem autoria especificada]

Em dez anos, todas as escolas do país precisarão ter biblioteca. Medida, prevista em lei, vale para colégios públicos e privados

DE BRASÍLIA

Todas as escolas do Brasil deverão ter bibliotecas daqui a dez anos. A medida está prevista em lei sancionada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vale para todos os estabelecimentos, públicos e privados. O acervo de livros deverá ter pelo menos um título para cada aluno matriculado.

Segundo o censo escolar, em 2008 apenas 37% das escolas de educação básica do país tinham biblioteca.  A pior situação é na região Norte, onde só 20% dos colégios oferecem esse tipo de estrutura. No Sul, que tem o melhor cenário, 58,6% das escolas possuem biblioteca.

Estudo recente do Ministério da Cultura mostra ainda que 21% das cidades não têm bibliotecas municipais.

O autor da lei sancionada ontem, deputado federal Lobbe Neto (PSDB-SP), admitiu que o prazo de dez anos para a instalação das bibliotecas é longo. De acordo com ele, o prazo original previsto no projeto era de cinco anos, mas acabou sendo alterado na tramitação do texto.

Marcelo Soares, diretor de políticas de formação e materiais didáticos da educação básica do Ministério da Educação, diz que a pasta colabora enviando acervo e recursos às administrações que pedem verba para biblioteca.

Ele afirma que a responsabilidade principal pelo cumprimento da lei é dos Estados e dos municípios, que têm a jurisdição sobre a maior parte das escolas do país.

Para ele, a biblioteca é indispensável mesmo com o avanço da internet, porque o acesso à rede é restrito no Brasil e o ideal é a convivência dos livros com a tecnologia digital. A taxa de escolas com biblioteca no país é quase a mesma da de escolas com acesso à internet (35%).

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Três dias depois de ler essa notícia, escrevi, no meu blog, o seguinte artigo – infelizmente, sem antes conferir o texto da Lei, baseando-me exclusivamente na reportagem da Folha. Eis o meu artigo:

http://liberal.space/2010/05/29/bibliotecas-escolares/
Liberal Space
Bibliotecas Escolares

Eduardo Chaves

Foi aprovada recentemente pelo Congresso Nacional uma lei que me parece anacrônica já no nascimento. Ela obriga todas as escolas brasileiras a, dentro dos próximos dez anos, terem uma Biblioteca Escolar. Cada biblioteca deverá ter no mínimo um título diferente por aluno matriculado.

As Associações de Bibliotecárias já estão assanhadas (provavelmente a lei foi aprovada por pressão delas). Vão exigir (se é que a lei já não contempla) que cada uma dessas bibliotecas tenha uma bibliotecária formada. Já imaginou quanto emprego para bibliotecária? Já imaginou a demanda sobre os cursos de Biblioteconomia que, sob pressão dos meios digitais de informação e comunicação estavam à míngua?

Enfim, uma medida de interesse corporativista (i.e., da corporação das bibliotecárias) aprovada por um governo corporativista (i.e.,dos sindicalistas).

Se o governo eliminar os impostos das empresas que fornecem conexão à Internet em banda larga, as escolas terão acesso decente à Internet em pouquíssimo tempo e, com isso, terão acesso a livros eletrônicos. Sem esperar dez anos. Nesse caso, as bibliotecas serão desnecessárias.

Numa hora em que os livros estão todos se tornando (também) eletrônicos e o acesso à Internet universal, por que não comprar livros didáticos eletrônicos para as escolas (a um preço BEM mais barato), em vez de livros descartáveis em papel, e investir a economia em netbooks para os alunos?

Daqui a dez anos, se a lei for cumprida, todas as escolas brasileiras terão uma biblioteca física construída, livros materiais nas estantes da biblioteca, uma bibliotecária vigiando os livros – e todo mundo estará usando netbooks conecatados à Internet através de redes wireless.

Em São Paulo, 29 de Maio de 2010

———-

Lamento três coisas:

  1. Não ter conferido o texto da Lei, baseando-me exclusivamente no artigo da Folha;
  2. Não ter atentado, naquela ocasião, para o fato de que Lulla e os petralhas não dão ponto sem nó: hoje sabemos que até medidas provisórias eram negociadas e sabemos o que aconteceu no caso da Oi;
  3. Ter atribuído toda a responsabilidade pela Lei ao interesse corporativo dos bibliotecários (termo que usei exclusivamente no feminino então).

Nota acrescentada em Salto, em 7 de Fevereiro de 2016



Categories: Digital Libraries, School Libraries

3 replies

  1. Em 1981, então aluno da graduação da Unicamp, trabalhei ardorosamente por sua candidatura a reitor.

    Hoje, passeando pela rede encontrei seu blog; fui dar uma olhada, por curiosidade e descobri que seu vocabulário foi extensamente ampliado pelo Reinaldo Azevedo, incluindo Lulla e Petralhas em muitos dos seus posts.m

    Agradeço a Deus, Buda, Maomé e a todos os orixás pela eleição do prof. Pinotti.

    Já pensou se o escolhido fosse você?

    Like

    • Pois é, não? Lulla com dois eles, que eu saiba, bem como Dillma. No caso de Petralha, reconheço a dívida… Também acho que o Pinotti fez uma reitoria bem melhor do que eu teria feito. Ele co-optou toda a esquerda. Eu não teria tido estômago pra isso. Vc anda abrigado debaixo de que asas hoje? Bom lê-lo hoje e descobrir que alguém trabalhou “ardorosamente” pela minha eleição em 1981. Complete minha alegria e me diga por que vc fez isso…

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  2. Em 1981, então aluno da graduação da Unicamp, trabalhei ardorosamente por sua candidatura a reitor.

    Hoje, passeando pela rede encontrei seu blog; fui dar uma olhada, por curiosidade e descobri que seu vocabulário foi extensamente ampliado pelo Reinaldo Azevedo, incluindo Lulla e Petralhas em muitos dos seus posts.

    Agradeço a Deus, Buda, Maomé e a todos os orixás pela eleiçãO do prof. Pinotti.

    Já pensou se o escolhido fosse você?

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