Repensar, Desaprender, Inovar e Reaprender Sempre – Será?

Começo transcrevendo algo que escrevi primeiro em meu perfil no Facebook. É uma citação que eu traduzi livremente. Coloco aspas, porque afinal de contas o que segue é uma citação — embora não seja uma citação literal. Ao traduzi-la do inglês, acentuei algumas cores, abrandei outras. Tirei uma referência aos cientistas, porque a maior parte dos cientistas que conheço são culpados dos erros que o autor assinala. Substituí a referência aos cientistas por uma referência aos sábios… Quase disse filósofos, mas iria parecer uma arrogante tentativa de puxar as brasas para a minha sardinha.

Aqui vai a citação (que, no original, está em um parágrafo único):

“A inteligência é geralmente vista como a habilidade composta, ou o conjunto de capacidades, que envolvem pensar e aprender. Contudo, em um mundo que muda com a rapidez que o nosso muda, há uma outra habilidade composta, um outro conjunto de capacidades que podem ser muito mais importantes — para nós e para os outros: a capacidade de repensar e a capacidade de desaprender…

Em nossa vida diária, muitos de nós privilegiamos o conforto da convicção e da certeza frente ao desconforto da dúvida e da incerteza.

Preferimos dar ouvidos a opiniões que confirmam nossas convicções e assim fazem com que nos sintamos bem — em vez de acolher para análise e exame opiniões que, se levadas a sério, vão nos obrigar a pensar duro, com profundidade e abrangência, e, quem, sabe abandonar nossas principais crenças e convicções atuais.

Pouquíssimos estão dispostos a tanto.

Cercamo-nos de pessoas que concordam com nossas teses e com nossa forma de pensar, e até mesmo com os argumentos que nos levaram a elas. Deveríamos, isto sim, gravitar ao redor daqueles que desafiam nossas conclusões, refutam nossos argumentos, nos desafiam a pensar de modo diferente, fora da caixa, sem pressupor que nossos paradigmas e nossos mindsets são inquestionáveis…

O resultado disso é que nossas convicções e crenças se tornam notavelmente frágeis e facilmente quebradiças — antes mesmo que nossos ossos fiquem assim…

Quando pensamos, parecemos pregadores, que julgam que seu dever é defender suas crenças sagradas…

Ou parecemos promotores, que julgam que seu dever sempre é provar que o outro lado está errado…

Ou parecemos políticos que fazem campanha buscando nossa aprovação, no fundo o nosso voto e, quem sabe, uma pequena dose de adulação e puxa-saquismo…

Isso quando deveríamos pensar como os sábios, que, em sua busca pela verdade, questionam, até mesmo, e às vezes primeiro, os seus próprios pontos de vista, pressupostos e mindsets, admitindo que pouco ou até mesmo nada sabem…

A inteligência como capacidade de pensar e aprender não é, sozinha, a cura para os nossos problemas — e pode até mesmo se tornar uma maldição, que os torna piores.

Ser apenas brilhante no pensar e no aprender em geral prejudica nossa capacidade de encarar com certo desapego e mesmo ceticismo as nossas próprias crenças e convicções, nos impede de repensá-las, de analisá-las com coragem e seriedade, quem sabe de desaprendê-las, para que possamos aprender outras coisas e reaprender a pensar de outras formas.

Ser apenas brilhante no pensar e no aprender em geral prejudica nossa capacidade de ouvir com empatia e apreciação pontos de vista discordantes. Essa a verdadeira tolerância – não a condescendente admissão que cada um tem o direito de ser imbecil e aceitar a besteira que quiser (que, em si, já é um progresso diante daqueles que querem “lacrar” ou mesmo “cancelar” os que ousam discordar deles…).

Quanto mais inteligentes e brilhantes nos achamos, mais cegos ficamos para com nossos pontos fracos e com nossas limitações. Rever uma convicção e uma certeza se torna, nessas condições, quase impossível. Nessas circunstâncias a discussão racional e verdadeiramente crítica se torna inviável.”

Quem disse o que acabo de transcrever foi Adam Grant, em seu livro Think Again: The Power of Knowing What You Don’t Know, a ser lançado, infelizmente, apenas em 1.2.2021, daqui a quase quatro meses. (Vide https://smile.amazon.com/gp/product/1984878107).

A tese de Adam Grant, com a qual eu tenho enorme simpatia — quase total — é de que devemos repensar e desaprender nossas convicções e crenças, e fazer isso sempre – para poder reaprender de forma constante.

Como disse, tenho simpatia quase total por essa tese. Minha única ressalva é que quero também defender que há cercas convicções e crenças de natureza geral que são perenes e representam verdades absolutas — como, por exemplo, a de que a verdade existe, e que ela existe em todos as áreas e todos os domínios em que temos algum conhecimento: o conhecimento filosófico, que foi capaz de definir a existência do conhecimento da realidade observável (isso é empiricamente verdadeiro / isso é empiricamente falso), o conhecimento dos preceitos morais (isso é moralmente bom ou certo / isso é moralmente ruim ou errado), o conhecimento dos juízos estéticos (isso é esteticamente belo / isso é esteticamente feio), o conhecimento dos juízos de justiça (isso é justo / isso é injusto), etc. Note-se que não estou afirmando de nenhuma proposição específica que ela é empiricamente verdadeira / falsa, moralmente boa ou certa / ruim ou errada, bela ou feia, justa ou injusta. Estou afirmando simplesmente que existe, nessas áreas, hipóteses ou teorias, julgamentos, juízos, ações que têm um caráter de ser perene e absolutamente verdadeiras (ou falsas), boas ou certas (ou más e erradas), belas (ou feias), justas (ou injustas), etc. Por exemplo: a  nossa vida hoje aqui na Terra, com o estilo de vida que temos, não dura mais de 150 anos; matar uma criança pequena, inocente, com requinte de crueldade ou de forma indolor é errado; esgoto escorrendo excrementos a céu aberto é algo muito feio (além de provavelmente também errado); um casal que esperou cinco anos para poder casar e acabou de casar morrer em um acidente, causado por um raio, quando ia para a lua de mel é terrivelmente injusto. Não critique meus exemplos específicos. Critique a tese que eles supostamente ilustram se você não acredita que haja verdades perenes e absolutas.

Mesmo a esquerda atual, que está disposta a defender a tese de que ninguém nasce homem ou mulher, tenta sustentar a existência de algumas verdades absolutas: a de que é moralmente errado, por ferir a sensibilidade alheia, chamar de rapaz uma moça trans (como o fez o Rubens Ewaldo Filho numa transmissão do Oscar), que é moralmente errado impor limites ao que uma mulher pode fazer com parte de seu corpo ou com algo (como um feto) que está dentro dele. E assim vai.

Em Salto, 13 de Outubro de 2020.



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