Santa Cecília, a Virgem Maria, e Outros Heróis que eu Tenho

22 de Novembro é dia de Santa Cecília… Sei principalmente porque, quando era adolescente, lá por volta de 1957, em Santo André, SP, Cascatinha & Inhana gravaram uma valsa-prece que se chamava Santa Cecília. No meio havia uma estrofe que dizia “Ah, 22 de Novembro, dia de sua consagração”…

Eis a letra inteira da valsa-prece, aparentemente de Ado Benatti:

Ó minha Santa Cecília
Com toda veneração
Eu lhe ofereço esta valsa
Que é minha humilde oração
É vinte e dois de novembro
Dia de tua consagração
Pela tua fé esclarecida
Com que afrontaste
O cruel mundo pagão.

Foste o lírio de pureza
E destes o teu coração
Ao meigo Nazareno
Em sua eterna mansão
Minha santa padroeira
Peço tua proteção
Para o meu coração.

No YouTube há um áudio do Cascatinha & Inhana cantando a música. Não é um vídeo: apenas a foto deles aparece fixa. Ei-lo:

https://www.youtube.com/watch?v=ZfQ4LMWwqr0

Nos comentários há informações importantes, que enriqueceram o meu conhecimento do dia e da valsa-prece. Eis o que diz no YouTube um comentarista chamado Adelésio Vieira:

“SANTA CECÍLIA, Valsa-Prece com CASCATINHA & INHANA – Já estamos em novembro e novembro é o mês de Santa Cecília. Aliás, novembro é o mês de todos os santos, sobretudo, de Santa Cecília. É no dia 22 de novembro que a Igreja Católica Apostólica Romana celebra a festa de Santa Cecília, a padroeira dos músicos, dos cantores, dos corais. Vamos louvar e bendizer, neste mês de novembro, a nossa santa padroeira – Santa Cecília. Esta prece em forma de valsa, nas vozes divinas e angelicais de Cascatinha & Inhana, é uma composição de Carlos Piazolli com versos de Ado Benatti. Gravação Todamérica de 1.957, disco TA-5714 – 78 rotações – que traz no verso a linda toada “Tropeiro Gaúcho”. Que também já está no Youtube nos Canais de Adalésio Vieira [Uma mina de ouro para os amantes, como eu, do Sertanejo Raiz de verdade – EC]. Ouça com prazer, sinta esta emoção e descubra a verdade sobre nossa Música Sertaneja e nossos artistas sertanejos do passado.”

Eis o que esclarece outro comentarista, chamado Samuel Machado Filho (será parente?):

Samuel Machado Filho esclarece, no mesmo lugar: “Gravação feita exatamente no dia 23 de julho de 1957, sendo o lado A do 78, matriz TA-100078, provavelmente lançado em setembro seguinte.”

Como todos os que me seguem aqui no Facebook sabem, nasci protestante, virei ateu por um bom tempo, voltei a ser protestante. Nunca fui católico, embora meu pai, pastor presbiteriano conservador, fundamentalista mesmo em alguns aspectos, tenha se convertido ao protestantismo (pelas mãos do Rev. Edward Epes Lane, a quem devo meu nome) a partir do Catolicismo, onde chegou a ser Congregado Mariano (o equivalente masculino, se não me engano, das Filhas de Maria).

Meu pai, se lá ainda estivesse, iria virar no túmulo quando ouvisse (ou lesse – morto lê?) as duas coisas que vou dizer a seguir.

PRIMEIRA:

Além da simpatia que sinto, quase devoção (simpatia é quase amor, dizia Casemiro de Abreu), por Santa Cecília, porque ela é “a padroeira dos músicos, dos cantores, dos corais”, coisas de que gosto muito (música, cantoria e que tais), há também a ligação emotiva com Cascatinha & Inhana, a minha dupla favorita na adolescência (os tempos eram outros). Além disso, minha segunda filha, que não feicebuqueia mais, foi nascer, em 1975, justo no dia 22 de Novembro, depois de vários meses de incerteza sobre se nasceria bem ou não. Tenho certeza de que Santa Cecília intercederá em meu favor para que eu seja perdoado do pecado de não ter dado à minha filha o nome de Cecília. Quem sabe ela seria um pouquinho (mais?) santa também…

SEGUNDA:

Tenho também uma enorme afeição pela Virgem Maria — quando me refiro hoje em dia à Virgem, é a ela que me referencio. Primeiro, porque a Bíblia deixou a reputação dela meio mal marcada pela história da gravidez mal explicada que até o noivo dela achou muito estranha. Mas ele aceitou (admiro a ele, também, por isso: a fé faz milagres). Segundo, porque, virginal ou não a concepção de Jesus, e, portanto, havendo ou não dúvidas quanto à sua paternidade, quanto à maternidade de Maria nunca pairou dúvida. E, no entanto, o filho dela chegou a tratá-la de forma quase mal-educada, quando lhe disse “Mulher! Que tenho eu contigo?” (João 2:1-5). Lá na Palestina de dois milênios atrás os filhos já conseguiam ser desrespeitosos com quem os trouxe ao mundo (apesar dos esforços vãos dos exegetas em tentar mostrar que Jesus não foi grosseiro: o “meigo nazareno”, como o chama a letra de Santa Cecília, não era sempre tão meigo, como o provam, além do caso a seguir, os vendilhões do Templo judeu). Jesus poderia ter sido mais delicado. Para começar, chamando-a de “Mãe”, em vez de “Mulher”… Ele poderia ter dito algo mais doce, e cujo sentido seria o mesmo, mas dito de forma mais meiga, cordial e gentil… “Mãezinha querida,, estou sabendo… Deixe isso aqui comigo que eu cuido…” Mesmo com a grosseria filial, Maria não desacorçoou do filho. Disse aos criados para fazerem tudo o que ele lhes ordenasse… (Fico imaginando que casamento era esse em que Maria dava as ordens… Seria de uma irmã de Jesus, que os católicos que acreditam na Virgindade Perpétua de Maria me desculpem?). E ela estava ao lado da cruz quando o mataram — e viu de perto a sua morte (não como os discípulos, que a assistiram de longe). Não é para gostar de uma mulher dessas? Gente finíssima. Não é à toa que tem tantos devotos — e quase devotos, como eu…

(Até a Paloma Epprecht Machado Campos Chaves fica irritada comigo quando eu “Se Deus quiser e a Virgem Maria ajudar…”)

Para culminar, Cascatinha & Inhana também gravaram o incomparável “Ave Maria do Sertão”:

https://www.youtube.com/watch?v=4suhS12yj-E

Eis a letra:

Quando a tarde declina,
veste a campina seu manto de prata;
Tudo é beleza,
sorri a natureza no verde da mata;
Canta a passarada
na beira da estrada em doce harmonia;
São gorjeios de prece,
como quem oferece à Virgem Maria:

Ave-Maria do meu sertão!
Dai paz e amor
pro meu coração.
Ave-Maria do meu sertão!
Dai paz e amor
pro meu coração.

Acordes divinos
tangem os sinos na capelinha;
Violas, violões
soluçam paixões numa tendinha;
Regressa da roça
pra sua palhoça, de pé no chão,
A cabocla bonita
roga a paz infinita em sua oração:

Ave-Maria do meu sertão!
Dai paz e amor
pro meu coração.
Ave-Maria do meu sertão!
Dai paz e amor
Pro meu coração.

Posso ser simbolicamente apedrejado pelos cristãos mais conservadores por este post. Calvinistas, em especial, que, como o meu pai, achava que a ira, quando “santa”, era justificada… Mas que seja. Pedrada por pedrada, já levei várias. E estarei em boa companhia. Felizmente, não há mais fogueiras e não estamos na Genebra do século 16. Pobre Michel Serveto. Um outro de meus heróis. Ele e o Sebastian Castellio, que foi um dos poucos a ter coragem de defender seu – e meu – amigo Michel. O Migué e o Tião. Nasceram no século errado. E admiro os Hereges em geral (assim, com H maiúsculo).

Que Deus nos perdoe a todos como Jesus fez até com um ladrão na cruz, condenado em segunda instância, e que ele assim permita que, um dia, toda essa turma possa estar junto no Paraíso. Até o Lulla, quem sabe, se um dia ele conseguir perdoar a Deus por não ter feito a Ele, Lulla, o Filho Amado. Amém.

Em São Paulo, 22 de Novembro de 2020



Categories: Santas e Santos, Virgens

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