Já contei esta história várias vezes. Cada ano, no dia 2 de Dezembro, eu a conto de novo, acrescentando um ou outro detalhe.
Em 2004, neste dia, eu estava na área de Seattle, WA, mais precisamente em Redmond, participando de uma formação da Microsoft, dada por (hoje meu amigo) Les Foltos, criador da metodologia Peer Coaching, que a Microsoft Matriz (chamada de Corp) estaria logo depois implantando no mundo inteiro dentro da iniciativa Partners in Learning (que no Brasil se chamou Parceiros na Aprendizagem), lançada globalmente no ano anterior (da qual eu fui membro do International Advisory Board por dez anos, de 2003 a 2013). Estava acompanhando Ana Teresa Ralston, da área da Educação da Microsoft Brasil. Iríamos trazer essa formação para o Brasil e eu estava encarregado de supervisionar, academicamente, sua “localização” (algo parecido com adaptação) para o país. (O nome da metodologia aqui no Brasil veio a ser Aprender em Parceria).
No final daquele dia, Márcia Teixeira, que era Gerente Sênior da Área da Educação da Microsoft Brasil, e que havia ficado aqui, me mandou um e-mail perguntando se eu havia ficado sabendo da nova plataforma de blog que a Microsoft havia lançado naquele dia: Microsoft Space. Eu não havia. Ela me passou as coordenadas e eu, ali mesmo, durante a formação, inscrevi-me no site e criei meu primeiro blog para valer: Liberal Space.
Eu já havia experimentado manter alguns blogs, usando a plataforma Blogger, criada pela Pyra Labs, empresa que o Google havia adquirido no ano anterior (2003). Criei, no Blogger, três blogs, um de Filosofia, outro de Política, outro de Educação. Mas eles não foram para frente. Fiz mais para conhecer essa nova forma de comunicação, que então parecia promissora (algo que o futuro confirmou), mas não queria ajudar a promover um serviço de uma empresa concorrente daquela para a qual prestava consultoria e serviços. Os artigos desses três blogs foram transferidos para o Liberal Space. (Transferidos é modo de dizer: foram transcritos ou copiados, porque nunca fechei a minha conta no Blogger e, dia desses, constatei que ela ainda está lá: o Google não abre mão de um usuário nem que a vaca tussa.
O Liberal Space, que criei em 2/12/2004, porém, deslanchou. Hoje, depois de 13 anos, desdobrou-se em um sistema de blogs, com mais de quarenta blogs disponíveis (alguns de duração limitada, como Diários de Bordo, ou Blogs de Viagem), ganhou um portal, e, no todo, contém atualmente por volta de 1.500 artigos, descontadas algumas duplicações (artigos publicados em mais de um blog, por tratarem de assunto relevante a mais de um deles). Diferentemente de outros blogueiros, que sobrevivem de transcrever em seus blogs artigos de terceiros, a maioria absolutíssima de meus blogs é abastecida por artigos que eu próprio escrevo. Em um percentual pequeno (no máximo cinco por cento), eu transcrevo um artigo de terceiros, mas também o comento e, se julgar necessário, critico.
Por um tempo usei um site que tinha como portal para os diversos blogs. Hoje tenho um Blog Principal: Chaves Space. O Liberal Space passou a ser parte do meu sistema de blogs – embora continue a ser o que mais artigos contém, por duas razões: primeiro, é o mais velho, e, segundo, antes de eu diversificar os meus blogs por assunto, ele era um blog genérico, que comportava tudo. Como um liberal clássico é razoavelmente inclusivo e tolerante em sua abordagem, havia ali desde artigos sobre filosofia liberal até religião, história, política partidária, futebol, cinema, moda (feminina), observação sarcástica do gênero humano, etc.
Assim, Chaves Space serve hoje de Portal para os demais blogs, embora cada um possa ser acessado também diretamente, através de seu respectivo endereço. O Portal, porém, contém o endereço de todos.
Mas o Portal (Chaves Space) serve também para discutir a arte da comunicação, em especial por escrito, e em especialíssimo pelos mecanismos digitais, dos quais o blog está entre os mais importantes (ao lado de correio eletrônico (ou e-mail, gradualmente perdendo fôlego), de mensagens instantâneas (o chat, atualmente ganhando fôlego, em grande medida por causa do sucesso fenomenal do Whatsapp, apelidado de Zap, aqui no país – o sucesso do aplicativo não é tão grande em outros países), etc. O que se chama de Mídias Sociais (alguns as chamam de Redes Sociais, mas Redes Sociais parece ser algo mais amplo, que independe das tecnologias digitais) é uma mistura dessas coisas todas: é blog, é mensagem instantânea, é e-mail, etc., além de permitir a formação de círculos de “amigos” (pessoas com quem temos conexões especiais, que podem ainda ser diferenciados em “apenas conhecidos”, “amigos chegados”, etc.) ou pessoas que meramente acompanhamos ou que nos acompanham (sem interagir de forma mais intensa conosco). Facebook é de longe a mais importante mídia social, com bilhões de usuários. Ele permite criar ainda grupos de discussão (fechados, abertos, de acesso limitado, etc.), sites para eventos específicos (que nos permitem organizar eventos, convidar participantes, discutir agenda, etc.).
Para os que se interessam por isso, embora haja algo chamado de Ciência(s) da Comunicação, interesso-me mais pela correspondente arte – e em especial pela arte da comunicação verbal, e, nesta, em especial pela comunicação verbal escrita. Faz alguns anos, mais precisamente, sete, que, estando já há algum tempo aposentado de minha “função e identidade” de professor universitário, resolvi me identificar como “escritor”. Minha página (algo distinto de meu perfil) no Facebook está nessa categoria. O ano era 2011 e naquele ano eu celebrei (meio sozinho) cinquenta anos de carreira, contando um artigo que escrevi em 1961 (“O pobre muda de dono mas não muda de sorte”) como meu primeiro trabalho como escritor. Este ano de 2017 celebrei 56 anos de carreira, portanto…
Apesar de minha paixão pela arte da comunicação escrita, da qual a literatura é o ponto mais alto, não negligencio, no Chaves Space, a comunicação audiovisual, em especial o cinema – que, no entanto, se alicerça no roteiro, que é um texto, original ou adaptado. Aqui entre nós, no teatro, tão exageradamente louvado pelos artistas de televisão, não acho a menor graça. Gosto de novelas televisivas, porém, como gostava, antes, das novelas radiofônicas – sim, sou do tempo delas.
Mantenho no YouTube (sim, o YouTube é do Google…) o que por um tempo foi chamado de um Vlog (Video Blog), com alguns vídeos que gravei, chamado, meio pretensiosamente, de EduCativa… Ainda preciso contratar algum para pegar fitas e fitas de vídeo cassetes que contêm entrevistas em estúdio, mesas redondas, palestras, etc., que dei ou ministrei, e que foram gravadas. Dessas, a única que está no EduCativa é uma palestra de uma hora das mais de dez que dei em Taiwan (Formosa) ao longo dos anos 2003-2013.
Houve uma época na vida em que também fui um bom escritor de cartas – especialmente quando morava nos Estados Unidos, telefonemas eram caríssimos (e de péssima qualidade técnica), e a única forma viável de se comunicar era a bendita carta. (Bons tempos aqueles em que Isaurinha Garcia cantava “Quando o carteiro chegou, e meu nome gritou, com uma carta na mão…”). Mas a tecnologia matou essa forma da arte da comunicação. Na minha família corre a história de uma carta que um tio meu, Raul Chaves, recebeu de um grande amigo com o qual há tempo no tinha contato naquele tempo de comunicações (de qualquer tipo) difíceis, recebeu e que começava assim: “Meu caro Raul: Venho com o fio da espada da saudade cortar, agora, o silêncio que, sem razão, tem reinado entre nós”. Hoje começaríamos um SMS, ou, no máximo um e-mail, com “hi, long time no see” – se tanto… Foi-se a arte epistolar, sacrificada no altar da tecnologia… (humm!).
É isso. Um ano mais de vida, como começa uma musiquinha de aniversário que os protestantes / evangélicos gostam de cantar nas festas em que se comemoram essas efemérides.
Antes de terminar, mais duas coisas.
Primeiro, registro que a Microsoft, por alguma razão que desconheço e, qualquer que tenha sido, estou certo que teria dificuldade para entender, transferiu os clientes de sua plataforma Space para a empresa que detém a plataforma WordPress, que eu continuo a usar até hoje. Acho que nós, os usuários, saímos ganhando, porque a Microsoft é uma empresa de software, que produz sistemas para tudo o que é coisa, enquanto a empresa que é dona da plataforma WordPress é especializada em blogs e em criação de sites na Web. Assim sendo, entende melhor, e assim melhor os atende, os usuários dessas formas de comunicação.
Segundo, uma questão substantiva. Recentemente, Contardo Calligaris, de cujos artigos na Folha de S. Paulo eu geralmente gosto, publicou um artigo, explicando por que ele, que é italiano de nascimento, morou muito tempo na Europa, e, mais recentemente, nos Estados Unidos (em New York), insiste em sempre voltar a morar no Brasil, mais especificamente em São Paulo. A explicação dele é que foi no Brasil que ele fez seus melhores amigos. Ele menciona o fato de que aqui no Brasil chamamos de amigo até o total desconhecido que encontramos na rua (“Oi, amigo, dá pra você me informar pra que lado fica a Alameda Campinas?”). E que o Facebook teria banalizado a amizade ao chamar de amigos até mesmo os ilustres desconhecidos que nunca nem sequer encontramos de passagem na rua… O artigo, que transcrevi (com uma ressalva crítica) na minha Linha do Tempo no Facebook, gerou alguma discussão.
Minha ressalva foi a seguinte:
“Sou meio dividido em relação ao artigo do Contardo Calligaris, mas claramente discordo do último parágrafo: ‘Agora, mundo afora, a amizade é hoje uma prática que se perde. Nas redes sociais, amigos são tão abstratos quanto inimigos com quem se trocam farpas. Aparentemente, ninguém quer saber por que é amigo ou inimigo do outro.’ Acho que só quem não é usuário intenso das redes [leia-se mídias] sociais pode chegar a uma conclusão como essa.”
Um amigo meu – amigo virtual, com o qual nunca tive interação face-a-face – comentou, aparentemente apenas com base nessa minha ressalva, pois salientou que não havia chegado a ler o texto do Contardo:
“Ainda tenho dificuldade de crer em amizade exclusivamente virtual. Uma amizade não dispensa a presença física em algum momento. Principalmente para que o contato pessoal revele nuances no interlocutor, que a frieza e a distância da Internet não transmitem com fidelidade. Modesta opinião. Não li o texto do Contardo”.
https://www.facebook.com/eduardo.chaves/posts/10155832186817141
Com todo respeito, acho que o interlocutor, no mínimo, exagera. Acho que nós dois temos uma razoável amizade mesmo que exclusivamente no plano virtual. Circunstâncias diversas nos impedem de manter um convívio presencial tão rico e tão regado a bebidas e comidas diversas como o que ele desfruta com os amigos com os quais assim convive em sua terra natal. Queria aqui, para terminar este artigo, salientar dois pontos:
Primeiro, uma coisa não elimina a outra, nem a outra elimina a uma. Por força das circunstâncias tenho uma filha, a mais velha, que cresceu longe de mim, nos Estados Unidos. Mora lá até hoje. Tem duas filhas, minhas netas lindas, que nasceram e sempre moraram lá. Eu, evidentemente, as conheço face-a-face. Admito que preferiria que elas vivessem perto de mim. Mas o relacionamento que a tecnologia me permite manter com minha filha distante é essencial para a nossa convivência. Sem ele, seríamos quase desconhecidos (algo mais verdadeiro em relação às minhas netas, com as quais o relacionamento virtual é bem menos intenso, do que em relação à minha filha).
O Facebook é essencial para a manutenção de minha amizade, depois de mais de 50 anos, com gente que eu conheci face-a-face um dia, com quem estudei junto, interno, como Eliezer Rizzo de Oliveira, Walter Zoccoli, Dario Pereira Ramos, e tantos outros. (Estou deixando muita gente de fora aqui porque enumerar a todos seria cansativo para o leitor). E o que é mais importante, embora dar um bom abraço não-virtual de vez em quando seja muito importante, é que o relacionamento no plano virtual não é de segunda categoria, por não permitir olhar nos olhos, fazer um carinho no braço ou no rosto, etc. Com isso chego ao outro ponto.
Segundo, e já escrevi bastante sobre isso aqui, mesmo antes da Internet, abundam na literatura e no cinema casos de pessoas que se apaixonaram por carta, sem nunca se verem face-a-face. Dou dois exemplos famosos. O livro 84 Charing Cross Road, de Helene Hanff, que ficou famoso, virou filme com Anne Bancroft e Anthony Hopkins (que no Brasil se chamou Nunca Te Vi, Sempre Te Amei – em Portugal, “desgraciadamente”, o filme se chamou A Rua do Adeus…), conta uma linda história desse tipo, entre um livreiro inglês (dono de uma livraria no endereço que dá título ao livro, embora não haja esse número na Charing Cross Road – talvez por isso) e uma leitora americana ávida pela leitura de livros difíceis de encontrar… No segundo exemplo, o filme Love Letters, de 1945 (há mais de um filme com o mesmo nome), cujo roteiro (adaptado de um romance) é da autoria de ninguém menos do que Ayn Rand (o livro original é de autoria de Christopher Massie, na época da guerra um casal que mal havia começado a namorar é separado pela ida dele para a guerra. Na frente de batalha, ele recebe uma carta dela – mas ele mal sabe escrever e não tem gosto pela coisa, razão pela qual pede ao amigo de barraca que responda para ele, no que é atendido. Carta vai, carta vem, o romance entre os dois (ela não fica sabendo que o namorado usa um amanuense) pega fogo, e ambos não vêm a hora de a guerra terminar para que possam se casar. A guerra termina, ele volta, os dois se casam. Mas logo nas primeiras semanas do casamento ela percebe que o marido não se parece com a pessoa com a qual ele se correspondeu… Com a passagem do tempo ela se dá conta que se apaixonou por outra pessoa, a que escrevia as cartas, que ela nunca havia visto, não pelo marido, com o qual era obrigada a conviver. E o escrevinhador também estava apaixonado por sua correspondente, embora não pudesse revelar o fato. Para encurtar a história, os fatos uma hora são revelados, ela se divorcia do marido e se casa com o homem pelo qual havia se apaixonado. A paixão surgiu através de um relacionamento virtual entre duas pessoas que nunca haviam se encontrado.
Seriam casos assim mera ficção? Dizem os entendidos que não. Há várias histórias mais recente de gente que se conhece e se apaixona pela Internet. É verdade que, mais cedo ou mais tarde, essas pessoas se encontram e acabam se casando e vivendo felizes. Uma ou outra exceção não invalida a regra. Embora possa se dar o fato de que os casos que dão certo sejam mais relatados e se tornem populares, parece inegável que as pessoas se apaixonam conversando por escrito… Nem o telefone é necessário (embora hoje seja usado, não só para conversa de voz, mas para envio de fotos, às vezes até de nudes). A essência do relacionamento humano é a interação, e a essência da interação é a comunicação. Embora haja outras formas de comunicação além da verbal, esta é fundamental, e, nela, a comunicação escrita me parece ter indiscutível importância no conhecimento mútuo, quando a comunicação oral não é possível ou é difícil. É pela linguagem, especialmente a verbal, que nos damos a conhecer, que nos revelamos, que ficamos conhecendo os outros – ou até a nós mesmos: a manutenção de diários, em que colocamos no papel (ou num disco, ou em alguma memória de estado sólido) os nossos pensamento e sentimentos facilita o autoconhecimento.
Por isso, sem negar a importância dos contatos face-a-face e dos relacionamentos presenciais, quando eles são possíveis, queria contestar que os contatos e relacionamentos puramente virtuais sejam formas de interação e comunicação de segunda categoria. Não são. Quase chego a acrescentar, muito pelo contrário.
Em São Paulo, 2 de Dezembro de 2017.
Categories: Autobio, Blog, Blogging, Virtual Romance
Leave a Reply