20 Anos como Blogueiro

Conteúdo

1. Introdução

2. Blogger: Informações Generais

3. Título dos Artigos dos Blogs

A. Artigos no Blog “Me, Myself and I” (8)

B. Artigos no Blog “Philosophy” (5)

C. Artigos no Blog Libertas (21)

D. Artigos no Blog Educação (9)

4. Texto dos Artigos dos Blogs

4.A. Me, Myself and I [8 artigos]

a. Patrick Swayze is Dead (15.9.2009)

b. Vade Retro Palestra (15.9.2009)

c. Aniversário do Rubem Alves (15.9.2009)

d. Combata a Alienação Parental (2.9.2009)

e. José e Maria (29.8.2009)

f. Palestra (26.8.2009)

g. Recomendo posterous.com (26.8.2009)

h. Sou Paulista – mas Nasci em 7 de Setembro  (19.2.2004)

4.B. Philosophy [5 artigos]

a. Erros (28.2.2002)

b. Evaluation (25.2.2002)

c. Science and the School (25.2.2002)

d. Science and the State (25.2.2002)

e. Education and Schools (25.2.2002)

4.C. Libertas [21 artigos]

a. Antiglobalização e Antiamericanismo (3) [24.2.2003]

b. Antiglobalização e Antiamericanismo (2) [24.2.2003]

c. Antiglobalização e Antiamericanismo (1) [23.2.2023]

d. Esquerda e Direita [11.2.2003]

e. Justiça e Justiça Social [11.2.2003]

f. Ainda o problema da definição do “negrodescendente” [11.2.2003]

g. A questão das cotas [10.2.2003]

h. Como se determina quem é negro no Brasil? [10.2.2003]

i. Auto-estima [28.8.2002]

j. Os socializantes e as prostitutas [28.8.2002]

k. O “Doublespeak” da Esquerda [5.8.2002]

l. A Criatividade da Esquerda [24.6.2002]

m. Liberdade, Direitos e Deveres [16.6.2002]

n. Liberdades: As Negativas e as Assim-chamadas Positivas [16.6.2002]

o. Cristóvam Buarque [16.6.2002]

p. Uma Nota sobre Igualdade [16.6.2002]

q. A Virtude da Prosperidade [29.5.2002]

r. Democracia [28.5.2002]

s. Lula e Lionel Jospin [22.4.2002]

t. A Briga sobre a CPMF [18.3.2002]

u. Liberdade [27.2.2002]

4.D. Educação [9 artigos]

a. Educação e Tecnologia [24.6.2002]

b. A Escola, a Ciência, e o Estado [24.6.2002]

c. A Educação e o Estado [24.6.2002]

d. A Educação e a Escola [24.6.2002]

e. Educação e Direito de Escolha (Liberdade) [23.6.2002]

f. Modalidades de Escolas, Segundo a Relação com o Poder Público [23.6.2002]

g. O Estado e a Educação [23.6.2002]

h. A Educação, o Indivíduo e a Sociedade [28.2.2002

i. A Educação Deve Ser Agradável [27.2.2002]

o O o

1. Introdução

Por um lapso deixei de registrar, no dia 25 do mês de Fevereiro deste ano de 2022, que naquele dia eu completava 20 anos como Blogueiro. Normalmente menciono que a data do meu primeiro blog foi dia 2 de Dezembro de 2004. Esta é a data em que eu comecei para valer com meus blogs, utilizando, primeiro, uma plataforma da Microsoft, chamada Spaces, e, depois, a plataforma chamada WordPress, de uma empresa de nome Automattic. (Mais sobre isto ainda nesta Introdução).

Mas meus primeiros blogs de fato começaram em 25 de Fevereiro de 2002 – quase três anos antes, numa plataforma do Google, chamada Blogger (vide capítulo 2, “Blogger: Informações Gerais”). Considero os meus blogs no Blogger como o meu ensaio na arte de blogar… Quando eu blogava no Blogger era ainda um amador…

Meus primeiros blogs no Blogger – eu, sempre meio exagerado, de cara criei quatro – foram criados a partir de 25 de Fevereiro de 2002, mais de vinte anos atrás, portanto. Quando mudei de plataforma, passando para a da Microsoft, deixei os meus blogs já publicados no Blogger meio abandonados. Alguns, os artigos maiores e mais consistentes, eu transcrevi na nova plataforma. Os artigos pequeninos – na época eu não havia me decidido ainda escrever apenas artigos mais substantivos e mais longos, escrevendo quase que “posts”, em vez de artigos de blogs – eu deixei lá. Tudo o que publiquei Blogger continuou intacto lá. O Google não apagou nada. Sou muito grato ao Google por isso.

Compilei, neste mega artigo, de cerca de 50 páginas, tudo o que produzi no Blogger, mesmo os artigos que eu, subsequentemente, transcrevi para os meus novos blogs na plataforma da Microsoft (e que depois foram transferidos in totum, pela Microsoft, para a plataforma WordPress, onde blogo até hoje). Ao todo, são 43 artigos, de tamanho bastante desigual: alguns são minúsculos, basicamente um tweet; outros são gigantescos. Um deles, sobre antiamericanismo, tive de dividir em três artigos, para conseguir postar no Blogger.

Termino esta Introdução com uma rápida informação sobre a plataforma que a Microsoft criou em 2004 e, depois, abandonou.

Em Dezembro de 2004 eu era consultor tanto da Microsoft Corp, de Redmond, nos EUA, como da Microsoft Informática Ltda., sua subsidiária aqui no Brasil, com sede em São Paulo. Eu estava fazendo um serviço em Redmond, no dia 2, quando recebi um email de minha amiga Márcia Teixeira, então Gerente Sênior de Educação da subsidiária brasileira, informando-me de que a Microsoft havia acabado de lançar uma plataforma de blogs chamada MSN Spaces (MSN = MicroSoft Network). Imediatamente abri minha conta na plataforma e comecei a blogar… O material, inicialmente, foi pobrezinho, mas, para manter o registro histórico, digno de preservar. Criei, na ocasião, o blog Liberal Space, no endereço http://liberalspace.spaces.msn.com. Ele incorporou a maior parte dos artigos do blog Libertas, da plataforma Blogger.

Em 1º de Agosto de 2006, MSN Spaces se tornou parte da plataforma de serviços da Microsoft chamada Windows Live (uma série de serviços gratuitos: email, chat, blog, photo gallery, etc.) com o nome de Windows Live Spaces, mas manteve suas excelentes características. Foram mudados apenas a aparência e o endereço. Meu blog passou a ter o seguinte endereço: http://liberalspace.spaces.live.com.

Em 27 de Setembro de 2010, em uma decisão que nunca consegui entender, a Microsoft anunciou que iria descontinuar o Windows Live Spaces e que estava fazendo uma parceria como a empresa Automattic, proprietária da plataforma de blogs WordPress, para transferir para essa plataforma os milhões de blogs existente no Windows Live Spaces. A transferência começou a ser feita a partir de 4 de Janeiro de 2011 e foi concluída em 16 de Março de 2011, quando Windows Live Spaces deixou de existir. Assim sendo, por decisão da Microsoft e não minha, faz mais de onze anos que sou cliente da Automattic na plataforma WordPress.

Na nova plataforma o meu blog passou a ter o endereço https://liberalspace.wordpress.com. Depois, comprei o domínio liberal.space (em que space é a extensão) e o endereço passou a ser https://liberal.space apenas. Bem mais simples. Com esse endereço ele continua até hoje, mas ganhou um número enorme de “irmãos”. Tenho mais de 50 blogs na plataforma WordPress hoje. O básico ainda é gratuito. As firulas, como o uso de domínios próprios, monetização, etc. são pagas. Optei por não monetizar nenhum de meus blogs. Hoje o meu blog principal é Chaves Space, no endereço https://chaves.space (que é um domínio próprio, que eu registrei – pago 13 dólares por ano para usá-lo em meu blog). Mas esse blog dá acesso a quase todos os demais blogs meus, inclusive à “moedinha número um”, o blog Liberal Space, que, de longe, é o maior (contendo hoje mais de mil artigos).

Esta história das plataformas de blog da Microsoft foi extraída, em parte, do artigo “Windows Live Spaces”, na Wikipedia em Inglês.

2. Blogger: Informações Generais

No Blogger, cada usuário tinha um número de identificação próprio (User ID, ou Profile Number), um nome de usuário (Username, geralmente um email) e uma senha (Password).

Os quatro blogs que criei no Blogger em Fevereiro de 2002 tinham os seguintes títulos, nomes e endereços:

O Blogger não foi criado pelo Google. Foi criado por uma outra empresa, Pyra Labs, em 1999, que vendeu o serviço para o Google em 2003. Por um tempo o Google usou também o nome BlogSpot, mas posteriormente desabilitou esse nome, passando a usar apenas o nome Blogger, que permanece até hoje.

(Vide https://blogger.com e https://pt.wikipedia.org/wiki/Blogger)

3. Título dos Artigos dos Blogs

A. Artigos no Blog “Me, Myself and I” (8)

  1. Patrick Swayze is Dead
  2. Vade Retro Palestra
  3. Aniversário do Rubem Alves
  4. Combata a Alienação Parental
  5. Palestra
  6. José e Maria
  7. Recomendo posterous.com
  8. Sou Paulista – mas Nasci em 7 de Setembro

B. Artigos no Blog “Philosophy” (5)

  1. Erros
  2. Evaluation
  3. Science and the School
  4. Science and the State
  5. Education and Schools

C. Artigos no Blog “Libertas” (21)

  1. O Anti-Americanismo – 3
  2. O Anti-Americanismo – 2
  3. O Anti-Americanismo – 1
  4. Direita e Esquerda
  5. Justiça e “Justiça Social”
  6. Ainda o problema da definição do “negrodescendente”
  7. A questão das cotas
  8. Como se determina quem é negro no Brasil?
  9. Auto-estima
  10. Os socializantes e as prostitutas
  11. O “Doublespeak” da Esquerda
  12. A Criatividade da Esquerda
  13. Liberdade, Direitos e Deveres
  14. Liberdades: As Negativas (Formais) e as Assim-chamadas Positivas (Substantivas)
  15. Cristóvam Buarque
  16. Uma Nota sobre Igualdade
  17. A Virtude da Prosperidade
  18. Democracia
  19. Lula e Lionel Jospin
  20. A Briga sobre a CPMF
  21. Liberdade

D. Artigos no Blog “Educação” (9)

  1. Educação e Tecnologia
  2. A Escola, a Ciência, e o Estado
  3. A Educação e o Estado
  4. A Educação e a Escola
  5. Educação e Direito de Escolha (Liberdade)
  6. Modalidades de Escolas, Segundo a Relação com o Poder Público
  7. O Estado e a Educação
  8. A Educação, o Indivíduo e a Sociedade
  9. A Educação Deve Ser Agradável

4. Texto dos Artigos dos Blogs

4.A. Me, Myself and I [8 artigos]

a. Patrick Swayze is Dead (15.9.2009)

Patrick Swayze, de Dirty Dancing e Ghost, morreu ontem (14/9).

b. Vade Retro Palestra (15.9.2009)

Belluzzo: tire o seu time do meu caminho que eu quero passar com o meu trator…

c. Aniversário do Rubem Alves (15.9.2009)

Hoje, 15/9, há um bocado de anos, nasceu, em Boa Esperança, MG, o Rubem Alves.

d. Combata a Alienação Parental (2.9.2009)

Apoie a causa do combate à Alienação Parental:

http://apps.facebook.com/causes/345192/8183309?m=144151c6

e. José e Maria (29.8.2009)

Compramos hoje aqui para o sítio um casal de galinhas (macho e fêmea) que antigamente chamávamos de “garnizé”… Hoje, para os entendidos, eles têm outra “marca”. Comprei ração poedeira, milho, cochinho, bebedor de água.

José e Maria (Joseph und Maria Axt-Schlüssel) são os nomes que receberam em batismo (por aspersão)… Chegando aqui no sítio, o Chico (Franz Axt-Schlüssel), nosso cachorrinho, deu uma carreira no Zé, e poupou a Maria…

f. Palestra (26.8.2009)

Amanhã (27/8/2009) à noite (19h30) dou uma palestra sobre ensino superior em Campinas… Meus amigos Saul d’Ávila e Renato Sabbatini serão debatedores.

g. Recomendo posterous.com (26.8.2009)

Um novo personagem no cenário de Social Media… Posterous. Achei muito interessante o conceito de “Lifestreaming”. Você alimenta a sua conta através de e-mails enviados para “post@posterous.com”, a partir do e-mail remetente com o qual você subscreveu ao Posterous. E ele faz “crossposting” para Facebook, Tweeter, Blogger, etc… Muito interessante. A inteligência atrás do sistema é fantástica. Descobri o dito cujo através do Simão Pedro Marinho.

h. Sou Paulista – mas Nasci em 7 de Setembro  (19.2.2004)

Sou paulista – mas em vez de ter nascido em 9 de Julho, nasci em 7 de Setembro. O ano? Os idos de 1943, em Lucélia, na Alta Paulista (se é que ainda faz sentido falar nesses termos, agora que a Estrada de Ferro Paulista não corre mais por aqueles trilhos). Diz o meu registro de nascimento que nasci em Lucélia (que não era nem município na época), distrito de Baliza, município de Martinópolis, comarca de Presidente Prudente. Às 21h45. Meu pai escreveu minha biografia até os dois anos de vida. Meu pai era pastor presbiteriano e minha mãe, que acabara de fazer 19 anos quando eu nasci, era do lar. Meu pai morreu em 1991 e minha mãe faz 80 anos este ano [2004; nota posterior: ela faleceu em 2008]. Eu cresci em Lucélia, SP, Irati, PR, Marialva, PR, Maringá, PR, e Santo André, SP — com Campinas, SP sempre presente, pois aqui moravam meus avós maternos. Mal conheci minha avó paterna e meu avô paterno morreu muito antes de eu nascer, quando meu pai ainda era bem moço.

Fiz o Grupo Escolar e o Ginásio em Santo André. O Clássico eu fiz no Instituto José Manuel da Conceição, em Jandira, SP (perto de onde a Adriana mora, hoje). Vide http://jmc.org.br, um site que criei para a minha ex-escola. Depois do Clássico fui, já aos 20 anos, para o Seminário Presbiteriano de Campinas, de onde fui expulso em 1966. Do Seminário Presbiteriano fui para o Seminário Luterano, em São Leopoldo, RS, em 1967. Fiquei lá um ano, mas não terminei o curso. Dadas as vicissitudes da época, acabei indo para os Estados Unidos — Pittsburgh, PA — no final de 1967. Lá o Conselho da Educação da Pennsylvania considerou os meus estudos até aquele momento equivalentes a um grau universitário. Com isso o Pittsburgh Theological Seminary me deu um diploma de Bacharelado em Teologia. Com este, matriculei-me no Mestrado na área de História da Igreja e do Pensamento Cristão, e, tendo-o concluído, no Doutorado, que terminei em 1972, em Filosofia, na University of Pittsburgh.

Dei aula durante dois anos nos EUA, na California State University at Hayward [Nota posterior: hoje at East Bay], Hayward, CA, e no Pomona College, Claremont, CA. Voltei para o Brasil em 1974, vindo direto para a UNICAMP, onde estou até hoje, 30 anos depois. Devo me aposentar no ano que vem. [Nota posterior: na verdade, aposentei-me ao final de 2006].

Sou casado com Sueli (segundo casamento tanto meu como dela). Temos (no global, contando os meus e os dela) quatro filhos: Patrícia, Andrea, Rodrigo e Tatiana (da mais nova para a mais velha, idades de 28 a 34). Todos estão casados. Exceto pela Andrea, que mora nos Estados Unidos, os outros três moram perto de mim. Temos dois netos, Gabriel (da Tatiana e do Alexandre) e Olívia (da Andrea e do Rick). A Patrícia (casada com o Rubens) teve um bebê, Guilherme, em Setembro de 2003, bastante prematuro e com problemas, que morreu menos de uma semana depois de nascer. O Rodrigo e a Adriana estão esperando a Gabriela para Junho. É isso, por enquanto… [Nota posterior de 2022: Solicito que se desconsiderem as informações fornecidas neste parágrafo até o início dos colchetes. A maior parte está ultrapassada pela seguinte informação: “Sou casado com Paloma (terceiro casamento meu, segundo dela). Temos (no total, contando as mi e as dela) quatro filhas: Priscilla e Bianca (as duas da Paloma), e Patrícia e Andrea (as duas minhas) – os nomes estão na ordem da mais nova para a mais velha, idades de 24 a 49. As duas últimas estão casadas, as duas primeiras, encaminhadas… Exceto pela Andrea, que mora nos Estados Unidos, as outras três moram razoavelmente perto de mim, em São Paulo e Campinas. Eu estou morando com a Paloma em Salto. Tenho duas netas filhas da Andrea (Olívia e Madeline) e um neto, filho da Patrícia (Marcelo). É isso, por enquanto…”]

4.B. Philosophy [5 artigos]

a. Erros (28.2.2002)

Diz Ayn Rand em Atlas Shrugged (Quem é John Galt? Ou a A Revolta de Atlas, em Português) que uma falsidade aceita autonomamente vale mais do que dez verdades aceitas pela fé. O erro você pode corrigir depois.

b. Evaluation (25.2.2002)

Changing subjects a bit to speak about evaluation.

In relation to complex subjects, involving a large number of variables, many of them not well defined, as is the case with education and/or human development, what is important to evaluate is often impossible to evaluate by precise and objective criteria, and what is possible to evaluate by precise and objective criteria is often not so important.

The United Nations Development Program created a Human Development Index (HDI) to help member nations evaluate their status in relation to human development. It is certainly important to evaluate human development at the individual, national and even global level. However, it is not easy to do so. So, indicators are defined that will hopefully allow us to evaluate the status of human development in a nation by precise and objective criteria. The indicators are percentage of children in school, life expectancy at birth and per capita income.

However, what guarantee is there that a larger number of years of schooling correlates positively with more and better learning and education? What guarantee is there that a longer life is a happier life? What guarantee is there that a larger income makes people more humanly developed, helps them actualize their human potentials better?

c. Science and the School (25.2.2002)

I remembered something else that is related to this.

Paul Feyerabend, in Against Method, argues that we should separate the school from science — break the monopoly that science has on the school, so that black magic, voodoo, etc. could also be taught as enterprises as legitimate, from the point of view of the school, as science is.

This is going too far, since what gives science (as it ought to be pursued – see Popper) its credentials is rationality itself. Feyerabend’s suggestion is tantamount to claiming that there is no valid distinction between reason and unreason, rationality and irrationality — which is a view he holds, I believe.

d. Science and the State (25.2.2002)

After writing the previous post I remembered another important separation that should take place.

Ayn Rand, in Atlas Shrugged (Quem é John Galt? Ou a A Revolta de Atlas, in Portuguese), argues that “Free Scientific Inquiry” is a pleonasm — and that, therefore, “National Science Foundation” is a contradiction.

Let us also separate science from the state.

e. Education and Schools (25.2.2002)

This is my first post to this blog. It is, therefore, experimental.

I am toying with the idea (suggested by Ivan Illich, em Deschooling Society) that, in the same way that faith and church had to separate one day, education and schools have to part their ways. The school has become an obstacle to education, much the same way the church has become an obstacle to faith.

Although the church and the schools can be controlled by the state (even though it is arguable that they ought not), faith and education ought not — because they cannot.

I strongly recommend a book that deals with this question from a historical and philosophical point of view: E. G. West, Education and the State (Third Edition, Revised and Expanded, Liberty Fund, Indianapolis, 1994).

4.C. Libertas [21 artigos]

a. Antiglobalização e Antiamericanismo (3) [24.2.2003]

[Este artigo tem três partes e esta é a terceira: a segunda e a primeira estão abaixo, nessa ordem.]

V. Antiglobalização e Antiamericanismo

O antiamericanismo vem hoje freqüentemente disfarçado de antiglobalização. Os grupos (geralmente ONGs) que erigiram a globalização como o inimigo a combater, e que incluem as corjas de desordeiros e baderneiros que destroem propriedade, impedem o livre trânsito de pessoas, e virtualmente paralisam cidades, procurando, assim, impor pela força seu ponto de vista toda vez que há uma reunião dos líderes do mundo desenvolvido e de, como no caso de Davos, de outras pessoas eminentes que desejam discutir os destinos da economia mundial, — esses grupos, repito — não são contra a globalização, em si: são contra os Estados Unidos, o liberalismo político e o capitalismo, que nada mais é do que o liberalismo econômico.

As pessoas que compõem esses grupos são os órfãos do comunismo que, desde 1989, estavam à procura de uma causa. Encontraram a causa de sempre, o antiamericanismo, o antiliberalismo, o anticapitalismo — só que, eufemisticamente, a rebatizaram de antiglobalização. E os mais radicais dentre eles continuam a usar os mesmos métodos: a guerrilha urbana, só que agora globalizada.

Que não haja dúvida: da mesma forma que o comunismo era uma ideologia globalizada e globalizante (haja vista as Internacionais Comunistas e Socialistas, a intenção de reunir os trabalhadores do mundo inteiro em um só movimento, a interferência nos afazeres internos de países que eram julgados passíveis de “conquista”, etc.), o movimento organizado por seus órfãos também o é. Uma sofisticada rede de comunicação e logística organiza as chamadas “manifestações” e busca apoios de governos que têm simpatia pela “causa” (como o governo Lula, que subsidiou significativamente a realização do último Forum Social de Porto Alegre, agora que o PT não mais controla o governo do Rio Grande do Sul, que anteriormente era responsável pelo subsídio).

Os órfãos do comunismo são contra a globalização apenas quando ela assume um caráter liberalizante, que remove das mãos dos governos o controle da economia.

Ou vejamos. O comunismo (ou mesmo o socialismo de inspiração marxista) visava a colocar todos os meios de produção nas mãos do Estado. Para implantar o comunismo, portanto, era importante tomar de assalto o Estado, que deveria controlar toda a economia (e, na verdade, toda a vida política e social, pois o comunismo sempre foi um projeto totalitário).

Os anos 80 representaram, de um lado, o sucesso da economia liberal (nos Estados Unidos, com Reagan, e na Inglaterra, com Thatcher) e, de outro lado, o mais completo fracasso das economias comunistas (no leste europeu e na União Soviética). Com isso, o liberalismo econômico, ou seja, o capitalismo, ficou literalmente sem adversários. Tornou-se hegemônico. Em nível de governo, ninguém (de alguma importância no cenário mundial) mais duvida da eficácia das principais teses liberais.

Acontece que, quanto mais liberal o mundo, mais a economia sai do controle dos governos e passa para as mãos de agentes privados. Os órfãos do comunismo, portanto, se deram conta de que, para alcançar o seu projeto político, de vir a controlar a economia mundial, e, através dela, a vida das pessoas, não bastava tomar de assalto os governos, porque estes controlavam cada vez menos a economia. Decidiram lutar, portanto, no plano da “sociedade civil organizada”, pretendendo criar uma força política — o chamado “Terceiro Setor” — que se inseriria entre o governo e a iniciativa privada. Está aí a gênese das ONGs. Elas se pretendem representantes da sociedade (que persistem em chamar de civil, como se houvesse uma sociedade incivil ou a civil) — mas na maior parte não têm a menor representatividade, só se tornando conhecidas quando, através de seus aliados na mídia, conseguem alguma visibilidade. Muitas ONGs não passam de um punhado de pessoas lutando por subsídios governamentais para levar adiante o seu “pet project”. Ninguém ali é eleito por ninguém, além de si próprio.

O chamado “Terceiro Setor” recebeu de pronto apoio da maior parte das agências e dos órgãos das Nações Unidas, em que se encastelam quantidades significativas de “órfãos do comunismo”, e que aspiram a se tornar um sistema de “governança global”.

A luta no plano da “sociedade civil organizada” se destina, portanto, não a combater a globalização, em si, mas, sim, a globalização de tendência liberalizante, ou seja, o capitalismo. E, naturalmente, os Estados Unidos, que personificam o capitalismo para a esquerda. Não tendo conseguido a vitória do comunismo, os seus órfãos procuram garantir que o inimigo do comunismo, o capitalismo, também não seja vitorioso: a meta é destruí-lo. Uma vez destruído, pretendem montar uma “governança global” controlada pelas ONGs em que, como na ONU, ninguém é eleito mas todo mundo se arroga em representante de uma parcela significativa da sociedade.

O resto é retórica. Dizer que lutam pelo combate à pobreza e à desigualdade social é só cortina de fumaça. Lutam, isto sim, para derrotar o capitalismo liberalizante, ainda que essa derrota possa significar mais pobreza e mais desigualdade. E, naturalmente, lutam para chegar ao poder político.

Nessa luta, não se furtam de usar a mentira deslavada e de incorrer, eles próprios, em contradições.

Entre as mentiras deslavadas estão as afirmações de que o liberalismo econômico torna os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres em termos absolutos. As estatísticas estão aí para mostrar que isso não é verdade. Os pobres melhoram de situação em todo lugar em que o livre comércio domina. Que os ricos também melhorem, e que a desigualdade em termos absolutos assim aumente, não significa nenhum problema para os pobres — apenas para os intelectuais que defendem o igualitarismo absoluto, cuja causa (já mostrei em meu artigo “Igualitarismo, Justiça Social e Inveja”) são a inveja e o ressentimento.

Quanto às contradições, existem em enorme quantidade. Quando, recentemente, o governo Bush aumentou o nível de seus subsídios à agricultura, houve uma crítica generalizada. As contradições? Primeira: a Comunidade Européia, que se pretende, através especialmente da França, o contraponto da influência americana, oferece subsídios duas vezes maiores aos seus agricultores. Segunda: se os antiglobalistas são, como de fato são, contrários à liberalização do comércio, deveriam aplaudir a ação antiliberalizante do governo americano, em vez de criticá-la. Mas não: eles defendem a abertura total do mercado americano e um fechamento cada vez maior dos mercados com os quais o mercado americano teria de interagir… Mas nenhum analista assinala isso na mídia.

O antigo Primeiro Ministro francês, o socialista Lionel Jospin, flagrantemente derrotado por Le Pen nas últimas eleições, afirmava, ainda quando no governo, que era preciso lutar por uma globalização “sob o controle dos Estados”…

Esta aí a raiz do problema. Os estados nacionais perderam espaço para a iniciativa privada com a globalização. Para os comunistas e socialistas de inspiração marxista é preciso combater ESSA globalização, colocando a globalização ou de volta debaixo do controle dos estados ou nas mãos da ONU. Ao mesmo tempo, tenta-se a controlar as Nações Unidas, o que não é difícil, porque qualquer paisico de nada, não raro governado por um ditador, tem, ali, na Assembléia Geral e nos diversos órgãos, um voto, que vale tanto quanto o dos Estados Unidos. Fala-se, agora, em “governança global”, sob as Nações Unidas. Seus vários órgãos baixam determinações que devem, supostamente, se tornar leis nos países membros — ou pelo menos nos países signatários de seus acordos.

Longe de ser o burro que seus inimigos pretendem, Bush demonstra descortínio e visão ao se recusar a assinar o tratado de Kyoto (que nem os seus inimigos cumprem) e a retirar apoio do Tribunal Internacional (que, controlado pelos seus inimigos, fatalmente estariam processando os Estados Unidos e seus líderes a todo momento). No caso da guerra contra o Iraque, já deu mais satisfação do que devia à ONU: trata-se de dar prosseguimento a uma guerra em que os Estados Unidos foram atacados em seu território por terroristas que encontram abrigo em vários países islâmicos, dos quais o Iraque é hoje (agora que o Afeganistão do Talibã foi vencido) o que lhes dá cobertura mais ostensiva, além de já ter demonstrado seu espírito expansivo e belicoso no ataque ao Iran e ao Kuwait e de ter dado provas de que, podendo, não hesita em usar armas químicas e biológicas contra os que considera seus inimigos dentro do próprio país (os curdos e os xiitas).

É isso.

Vou parar por uns dias — não porque não tenha mais a dizer, mas porque quero deixar tempo para debatermos essas três mensagens que foram inspiradas no livro de Jean-François Revel mencionado na primeira mensagem.

[Final]

b. Antiglobalização e Antiamericanismo (2) [24.2.2003]

[Este artigo tem três partes e esta é a segunda: a terceira está acima e a primeira estão abaixo, nessa ordem.]

IV. A Europa e os Estados Unidos

A Europa foi, do século XV até a metade do século XX, o centro do mundo. Durante esse período ali tiveram lugar as principais realizações artísticas e culturais, a filosofia européia se tornou padrão e referência para o resto do mundo, ali surgiu e se desenvolveu a ciência moderna, a revolução industrial começou e cresceu ali, muitas das principais idéias políticas e econômicas que vieram a dominar o mundo ali firmaram suas raízes. É preciso que também se diga que as principais potências européias — Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, e, antes delas, Portugal e Espanha — partiram para conquistar e dominar o resto do mundo num processo de colonização e formação de império que até hoje ainda produz seus efeitos.

Durante esse período os Estados Unidos eram vistos pelos europeus de forma condescendente. É verdade que politicamente os Estados Unidos conseguiram montar uma sociedade aberta, democrática, baseada no respeito aos direitos humanos, que (diferentemente das nações européias) nunca foi vítima de um golpe político ou militar e nunca experimentou uma ditadura em seus mais de 225 anos de democracia. É verdade, também, que, especialmente ao longo do século XIX, especialmente depois da Guerra Civil, que acabou com a escravatura, essa sociedade entrou definitivamente na era industrial, e começou a assumir ares de potência industrial, especialmente em decorrência do clima de liberdade e de abertura, que acabou por permitir o surgimento de vários inventores que produziram uma série de inovações tecnológicas. Apesar de tudo isso, os europeus viam os americanos, em regra, como nada mais do que um bando de cowboys, e a sociedade americana como uma sociedade tosca e primitiva, sem qualquer refinamento, sem criatividade na literatura, na música, na pintura, sem uma filosofia especulativa digna do nome (posto que adotava uma filosofia eminentemente terrestre, o pragmatismo), e governada por um puritanismo religioso e moral.

É compreensível que a Europa, ao ver os Estados Unidos saírem de uma posição de relativa obscuridade para assumir, ao final da Primeira Guerra mundial a posição de grande potência mundial, ao final da Segunda Guerra, a posição de maior potência mundial (posição apenas ameaçada pela União Soviética) e, ao final dos anos oitenta, a posição de única “hiperpotência” mundial, se sentisse envolvida por um sentimento de inveja e ressentimento. Isso, apesar de os Estados Unidos haverem duas vezes salvado a Europa, em especial a França, da catástrofe.

É compreensível, portanto, que hoje, os países que menos conseguem esconder a sua inveja e o seu ressentimento dos Estados Unidos, que se expressam num antiamericanismo radical, sejam a França, a Alemanha e a Rússia. A França, ressentida por ver suas pretensões de ser potência mundial, pelo menos no âmbito cultural e lingüístico, sendo realizadas nos Estados Unidos, uma ex-colônia européia que, a liberando duas vezes, acabou por humilhá-la (é comum que nos ressintamos contra os que nos fazem bem, às vezes mais do que contra os que nos fazem mal). A Alemanha, por ter sido duas vezes derrotada. Nada mais é necessário. E a Rússia, por ter perdido a Guerra Fria e ter deixado de alcançar a hegemonia mundial que aspirava a conseguir e por ter capitaneado um experimento desastroso, o comunismo.

Apesar de hoje em dia os desinformados, por ignorância ou intencionalmente, persistirem em dizer que o mundo inteiro está contra os Estados Unidos, os únicos dois países da União Européia que não apoiam os Estados Unidos no esforço de guerra contra o Iraque são… a França e a Alemanha. A Rússia faz coro com eles. TODOS os outros países da União Européia, e todos os outros que contemplam ingressar na União Européia, estão do lado dos Estados Unidos. Jacques Chirac achou até mesmo que podia repreender os países que aspiram a ingressar na União Européia por manifestarem seu apoio aos Estados Unidos. Ficou com a cara no chão. Recebeu críticas desmoralizadoras de todos os cantos. E nem mesmo a Alemanha ficou de seu lado. A repreensão voltou para cima dele como um boomerang.

Não podemos nos esquecer de que os Estados Unidos nunca demonstraram desejo imperialista de conquistar e dominar política e militarmente o mundo, como o fizeram aquelas que um dia foram potências européias e que ficaram conhecidas pela sua vocação colonizadora e imperialista: a França, a Alemanha e a Rússia — para não mencionar a Inglaterra, e, num plano menor (nos séculos mais recentes), Portugal e Espanha. A Europa inventou o imperialismo e o colonialismo, as duas pragas do século XIX, e o comunismo, o nazismo e o fascismo, as três grandes ilusões totalitárias do século XX.

A Europa arruma os problemas que, depois, os Estados Unidos são chamados a consertar e arranjar.

O problema sério que hoje existe entre Israel e os palestinos não foi criado pelos americanos: foi criado pelo antissemitismo europeu. Os Estados Unidos, freqüentemente acusados de assumir uma postura imperialista unilateral, estavam, no início do governo Bush (atual), dispostos a manter uma postura equidistante do conflito Israel-palestinos. Quando as tensões se elevaram lá, e os Estados Unidos não intervieram, foram acusados de pelos europeus de… isolacionistas! Se correr, o bicho pega, se fica, o bicho come…

O problema dos Bálcãs foi criado pelos europeus. Quando a coisa ficou séria, chamaram os Estados Unidos para colocar ordem na casa.

A guerra do Vietnam foi uma herança de quem? Da França e sua política colonialista e imperial. Quando esta não agüentou mais lidar com o problema, os Estados Unidos tiveram de intervir.

Mas os dois principais exemplos são as duas guerras mundiais, nas quais os Estados Unidos relutaram a entrar, só vindo a participar por insistência dos aliados e para salvar a eles e à sua causa.

Quem são os países belicosos? Basta contar o número de guerras entre a França e a Espanha, entre a França e a Inglaterra, entre a França e a Alemanha, entre a França e o Império Austro-Húngaro, entre a França e a Rússia, entre a França e a Itália, entre a França e suas colônias (na Indochina, na África) — quase todas elas, de resto, perdidas pela França. (Se há um país que deveria estar acostumado a perder guerras é a França — que só não as perdeu contra a Alemanha quando os Estados Unidos intervieram do seu lado).

A França, cuja cultura e língua um dia dominaram as cortes do mundo (inclusive a do Brasil), é forçada a ver hoje sua principal entidade científica (o CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique) adotar o inglês como língua oficial para suas publicações e reuniões…

Apesar disso, os europeus, em especial os franceses e alemães, se revestem de pacifistas e de culturalmente superiores.

No plano do pacifismo, os europeus se esquecem de que “dar uma chance à paz”, quando se trata de Saddam Hussein, é dar uma chance a um ditador assassino e irresponsável, que não hesita em aplicar armas biológicas contra muçulmanos que habitam em seu próprio país (os cursos ao norte e os xiitas ao sul). A guerra, por outro lado, é uma chance para aqueles que já são, e no futuro poderão ser, suas vítimas.

No plano da cultura, os europeus esnobam os presidentes americanos, a quem chamam de “ator de segunda categoria” (Reagan), “pastor fundamentalista” (Carter), “cowboy a serviço da indústria petroleira” (Bush, filho) — quando não os chamam de bêbados, ignorantes e semianalfabetos. (Ainda um dia desses recebi uma versão requentada da velha piada sobre um incêndio na Casa Branca e do lamento do Bush de que seus dois livros haviam sido queimados, antes mesmo de ele os colorir — piada que eu já ouvia nos próprios Estados Unidos, primeiro sobre Spiro Agnew, primeiro vice-presidente de Nixon, depois sobre Gerald Ford, segundo vice-presidente de Nixon).

O esnobismo europeu sobre a cultura americana, então, nem se fala. A sociedade americana é vista como predominantemente racista e autoritária, uma sociedade na qual os imigrantes são oprimidos e em que tudo acontece em função dos ricos, que se tornam cada vez mais ricos, e em detrimento dos pobres, que se tornam cada vez mais pobres…

Se os Estados Unidos fossem isso que os seus inimigos fazem questão de acreditar, à revelia das evidências, o fato de que tantos querem ir para lá e de fato vão, e, chegando lá, não só não pensam em voltar como fazem de tudo para levar para lá seus parentes e amigos, só poderia ser explicado pela imbecilidade humana ou, então, por uma tendência inelutável para o masoquismo.

[Continua com “Antiglobalização e Antiamericanismo (3)”]

c. Antiglobalização e Antiamericanismo (1) [23.2.2023]

[Este artigo tem três partes e esta é a primeira: a segunda e a terceira estão acima, nessa ordem.]

Jean-François Revel escreveu um livro que eu gostaria de ter escrito: L’Obsession Anti-américaine: Son Fonctionnement, ses Causes, ses Inconsequences [A Obsessão Anti-Americana: Seu Funcionamento, Suas Causas e Suas Inconseqüências] (Plon, Paris, 2002, 300 p). Encomendei o livro dia 11/2, recebi-o dia 18/2 e terminei de lê-lo ontem. Revel é membro da Academie Française, filósofo, jornalista, autor renomado, etc..

Vou procurar resumir, nesta e em outras mensagens, as teses principais de Revel — interpretando-as livremente. O que vai seguir não é propriamente um resumo, mas um conjunto de reflexões provocadas pelo livro de Revel e inspiradas nele. Não segue a ordem do livro.

I – Crítica aos Estados Unidos e Antiamericanismo

É preciso, em primeiro lugar, distinguir entre, de um lado, o fazer críticas aos Estados Unidos (à sua política externa ou à sua vida interna, aí incluídas a sua política, a sua economia, a sua cultura [o “American Way of Life”, a literatura, a música e o cinema americano, o seu invocado racismo, o seu decantado puritanismo, sua visão do “politicamente correto”, o chamado “multiculturalismo”, ,etc.]), e, de outro lado, o antiamericanismo obsessivo, mecânico, automático, que funciona como um reflexo condicionado.

A crítica aos Estados Unidos, como, de resto, a qualquer outro país, é algo inteiramente legítimo e aceitável, e que não é preciso sequer procurar entender ou interpretar. Eu próprio (Eduardo Chaves), que no geral sou claramente pro americano, tenho criticado violentamente o movimento do politicamente correto, do multiculturalismo, etc. Quem acompanhou minha lista EduTec e vem acompanhando minha lista LivreMente sabe disso.

O fenômeno que se denomina de antiamericanismo, porém, vai muito além da crítica, perfeitamente compreensível e legítima aos Estados Unidos, e tem causas que apenas a história, a sociologia ou, em alguns casos, a psicologia social conseguem esclarecer.

II – As Muitas Faces do Antiamericanismo

Analisando o antiamericanismo historicamente, podemos detectar quatro momentos em que ele se faz sentir e muda, até certo ponto, de identidade.

Antes da Primeira Guerra Mundial virtualmente inexistia o antiamericanismo, como movimento organizado. Embora os Estados Unidos tenham se tornado uma economia pujante ao longo do chamado longo século XIX (que termina na Primeira Guerra), especialmente depois do término da Guerra Civil, ele adotava uma política externa isolacionista, não se envolvendo diretamente nos assuntos de outras nações. Os Estados Unidos não podiam ser considerados, até o final da Primeira Guerra, uma potência mundial (que se comparasse à Inglaterra, à França e a Alemanha). Assim, não geraram suficiente hostilidade para que aparecesse um movimento organizado de oposição à sua atuação.

A primeira onda de antiamericanismo surgiu com o final da Primeira Guerra Mundial (1918), da qual os Estados Unidos saíram como grandes vencedores, e especialmente com a deflagração e consolidação da Revolução Comunista na Rússia. A partir do momento em que um país adota o marxismo como filosofia política, os Estados Unidos, agora lançados no papel de potência mundial, em decorrência de seu papel na Primeira Guerra, e como país mais importante a adotar a filosofia política liberal e o capitalismo como teoria e prática econômica, passam a ser, para os comunistas e as esquerdas de inspiração marxista em geral, o demônio a exorcisar.

A segunda onda de antiamericanismo surgiu no final da Segunda Guerra Mundial (1945), da qual os Estados Unidos novamente saíram como grandes vencedores e na qual a União Soviética, comunista, circunstancialmente aliada, teve um importante papel coadjuvante, depois de ter namorado Hitler, com quem por algum tempo fez aliança. O fim da Segunda Guerra define o início da Guerra Fria e a divisão do mundo entre duas grandes potências, os Estados Unidos e a União Soviética.

O fim da Segunda Guerra caracteriza uma segunda onda de antiamericanismo porque, além do antiamericanismo oriundo das esquerdas comunistas e socialistas, mas de inspiração marxista, surge um antiamericanismo tipicamente originado nas duas principais candidatas a potência mundial, no continente europeu, a França e a Alemanha.

A França, por ter perdido, aparentemente para sempre, sua condição, sempre almejada, de potência mundial, humilhada que fora pela ocupação alemã e pela aceitação de um governo pelego durante o período da ocupação, situação humilhante, que se tornou mais humilhante ainda nos anos seguintes com o fracasso de sua política externa na África (Algéria, por exemplo) e no Oriente (Líbano e Indochina, por exemplo). Pior, para o orgulho francês, foi ter de reconhecer, ainda que relutantemente, que, não fora pelos Estados Unidos, a França teria sido anexada à Alemanha.

A Alemanha, por ter sido derrotada pela segunda vez por aliados liderados pelos Estados Unidos. Nas negociações do pós-guerra, a Alemanha foi forçada a aceitar condições humilhantes de convivência na Europa (como, por exemplo, não ter um exército), em geral impostas pelo espírito de vingança francês, mas aceitas pelos Estados Unidos e demais aliados.

Ao antiamericanismo de natureza ideológica, inspirado pelo marxismo, e que poderia ser chamado de “antiamericanismo de esquerda”, acrescenta-se agora o antiamericanismo nacionalista, que pode ser chamado de “antiamericanismo de direita”, que se caracteriza pela revolta contra os Estados Unidos, seja pela inveja (por eles terem se tornado a potência mundial que a França desejava ser), seja pelo ressentimento (por terem os Estados Unidos pela segunda vez seguida derrotado e humilhado a Alemanha). Note-se, de resto, que freqüentemente os direitistas que hoje se reúnem em torno de Le Pen e os sindicalistas comunistas (como os membros da CGT francesa) se uniram, em causa comum, contra os Estados Unidos.

Mas durante o período da Guerra Fria esses dois antiamericanismos foram contrabalançados e, até certo ponto, colocados em xeque pelo receio do comunismo por parte daqueles que não eram comunistas ou socialistas.

A terceira onda de antiamericanismo surgiu com a Queda do Muro de Berlin e o debacle generalizado no comunismo no Leste Europeu e na União Soviética. Com esse debacle os Estados Unidos foram alçados ao status de única potência mundial (militar, política, econômica, e em parte cultural). Na verdade, passaram de superpotência para o que alguns francesas chamam de hiperpotência isolada. Esse novo status dos Estados Unidos exacerbou o antiamericanismo de esquerda (agora rebatizado de antiglobalização, na área econômica, de antiunilateralismo, na área política, e, por vezes, de antimonocultura [anticultura dita de massa], na área cultural). Alimentando o antiamericanismo, agora se acrescenta, à inveja da França (que queria ser potência mundial e não foi) e ao ressentimento da Alemanha (que foi derrotada pelos Estados Unidos), tanto a inveja como o ressentimento da Rússia (que deixou de ser potência mundial e passou ao status de grande derrotada na Guerra Fria).

A quarta onda de antiamericanismo surgiu com a reação americana aos eventos de 11 de Setembro de 2001. A decisão americana de reagir à guerra declarada que lhe fora pelos terroristas de inspiração muçulmana, atacando o Afeganistão (onde se escondia Osama Bin Laden) e, posteriormente, se propondo atacar o Iraque, fez com que às forças antiamericanas de esquerda e de direita se juntasse todo o mundo islâmico e boa parte dos intelectuais e dos movimentos sindicais e “onguistas de esquerda” do Terceiro Mundo (que, de resto, sempre foram de inspiração marxista e, portanto, já antiamericanos).

Os Estados Unidos acabaram alçados à condição de única potência mundial na esfera militar, política, e econômica e de principal potência mundial na esfera cultural, em decorrência de uma série de acontecimentos não iniciados por eles.

Os Estados Unidos custaram a entrar na Primeira Guerra Mundial, mantendo uma posição que era acusada de ser isolacionista, só vindo a entrar no conflito para ajudar a Inglaterra e, naturalmente, a França.

Algo muito semelhante aconteceu na Segunda Guerra Mundial, que não foi iniciada pelos Estados Unidos e que não teve os Estados Unidos entre os seus principais protagonistas até os seus estágios mais avançados.

As duas guerras mundiais foram iniciadas por países europeus e não pelos Estados Unidos. Estes entraram nas duas guerras a pedido das forças aliadas (que se opunham às pretensões imperialistas da Alemanha).

As três grandes ideologias totalitárias do século XX, que estiveram na raiz especialmente da Segunda Guerra Mundial, o nazismo, o fascismo e o comunismo, jamais tiveram presença significativa nos Estados Unidos: são uma invenção tipicamente européia.

Nesse contexto, registre-se que os Estados Unidos jamais foram um poder colonial. Essa dúbia honra cabe tão somente a países europeus: Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Holanda e, em menor grau, a Alemanha.

O debacle do comunismo, embora certamente desejado pelos Estados Unidos e por tantos quantos amam a liberdade, não foi produzido pelos Estados Unidos, mas ocorreram exclusivamente em razão dos problemas internos (“das contradições internas”?) dos regimes comunistas no Leste Europeu e na antiga União Soviética.

Por fim, o ataque ao Afeganistão foi simplesmente uma defesa ao ataque dos terroristas lá radicados e o eventual ataque ao Iraque será resultado evidente da política expansionista do Iraque, que já fez guerra ao Irã, invadiu o Kuwait, aterrorisa seus outros vizinhos (como a Jordânia e a Arábia Saudita), aniquila setores inteiros de sua própria nação, e ameaça todo o mundo livre com o uso de armas de destruição em massa.

III – As Armas e os Agentes do Antiamericanismo

As principais armas do antiamericanismo de todas as estirpes são a desinformação, a mentira, a má-fé. Os antiamericanos se consideram em guerra contra os Estados Unidos — e numa guerra, acreditam eles, vale tudo, em especial a desinformação, a mentira, a má fé. O antiamericanismo viceja não porque inexistam informações abundantes, confiáveis e facilmente encontráveis sobre os Estados Unidos, tanto no que diz respeito à sua política externa como à sua vida interna. Os antiamericanistas de todas as estirpes agem não tanto por ignorância, mas por má fé. Nos casos em que for por ignorância, essa ignorância deve ser classificada de voluntária, porque as fontes necessárias para dissipar essa ignorância estão à disposição de qualquer um.

Os principais agentes do antiamericanismo são os intelectuais de esquerda, apoiados por uma mídia de tendência cada vez mais esquerdista. Comparados  a esses agentes, os intelectuais da direita radical (nacionalistas franceses, neonazistas, etc.), se é que existem, são insignificantes.

Ao terminar esta primeira mensagem, é oportuno registrar que os Estados Unidos estão longe de ser um país perfeito: têm muitos defeitos e cometem muitos erros que eu, que já morei lá por mais de sete anos, conheço perfeitamente. A crítica desses defeitos e desses erros é legítima e deve ser considerada com toda a seriedade. Há muitos intelectuais americanos, de cujo lealdade aos Estados Unidos é impossível suspeitar, estão entre os mais ácidos críticos desses defeitos e erros.

Não é da crítica aos Estados Unidos que estamos tratando aqui e estaremos tratando nas próximas mensagens: aqui se trata do antiamericanismo obsessivo, mecânico, automático, que funciona como se fosse um reflexo automático — do tipo “é americano, sou contra”.

[Continua com “Antiglobalização e Antiamericanismo – 2”]

d. Esquerda e Direita [11.2.2003]

Em 28 de outubro de 2002 coloquei as mensagens abaixo transcritas em minha Lista de Discussão “LivreMente” (vide http://livremente.net) [que não existe mais]. As mensagens discutem o assunto levantado em uma carta dirigida à Folha de S. Paulo no mesmo dia, por um leitor do jornal, sobre o significado de “ser de direita” no Brasil de hoje [de então, 2002, antes da primeira eleição do Lula para a Presidência]. A carta também é transcrita, a seguir.

Esta é a carta dirigida à Folha por Éverton Jobim:

“Ser de direita – liberal ou conservador – não significa defender os satisfeitos e os privilegiados da sociedade. Ser de direita significa valorizar aquilo que de positivo existe nas instituições políticas e sociais do país, como as liberdades individuais e os direitos civis e políticos, buscando alterar o quadro de injustiça social sem comprometer esses princípios e acreditando mais nos indivíduos e no mercado do que no poder do Estado de promover o bem-estar. Ser de esquerda, por outro lado, significa querer mudar o perfil social do país por meio de uma intervenção maior do Estado na economia, entendendo haver uma injustiça intrínseca no funcionamento do mercado.”

(a) Everton Jobim (Rio de Janeiro, RJ)

Como disse, eu respondi à carta  do leitor com uma mensagem (email), colocada no setor de Cartas do jornal, e  com duas outras mensagens (uma mensagens dividida em duas partes), que coloquei na linha Lista de Discussão LivreMente, que transcrevo a seguir.

Este é o email que dirigi à Folha, comentando a carta de Everton Jobim:

De: “Eduardo O C Chaves”
Data: Seg Out 28, 2002 8:23 am
Assunto: Esquerda e direita (Ref. à Carta à Folha, publicada hoje, 28/10/02).

Concordo com o que diz o missivista, embora eu mesmo expresse a coisa em outras palavras: ser de direita é valorizar a liberdade mais do que a igualdade (com tudo que isso implica); ser de esquerda, o contrário (também, com tudo que isso implica). É por isso que a direita defende um estado mínimo e a esquerda um estado onipresente (ou quase). Para a direita, o Estado existe para garantir a liberdade e dos direitos do indivíduo; para a esquerda, para promover a igualdade entre eles.

Eduardo
eduardo@chaves.com.br

A seguir, transcrevo o primeiro email (ou primeira parte do email) que coloquei na Lista de Discussão “LivreMente”, que começa respondendo a um email de minha amiga e colega Lenise Garcia:

De: “Eduardo O C Chaves”
Data: Ter Out 29, 2002 9:47 am
Assunto: Esquerda e Direita (1) [era: Lula]

Diz a Lenise [Profa. Dra. Lenise Garcia, da Universidade de Brasília]

>Eduardo, a sua definição de “direita” certamente não se aplica ao que tivemos no Brasil – direita totalitária e estatizante… Na minha opinião essa história de “direita” e “esquerda” já era, se é que um dia foi :-)<

Você faz duas afirmações, Lenise.

Com a primeira, tenho de concordar. Realmente, Lenise, sua afirmação é correta: minha definição de direita (sem aspas) não se aplica ao que tivemos no Brasil durante o período do governo militar. Há duas conclusões que podem logicamente ser tiradas do que você observa:

a) minha definição de direita é inadequada (como você parece supor)

ou

b) o regime militar brasileiro não foi exata ou totalmente (como geralmente se presume) um regime de direita (no sentido claro em que eu uso o termo).

Para mim, a classificação esquerda/direita (que continuo achando relevante) se aplica primariamente a idéias (teses de filosofia política). Pessoas, instituições, movimentos, etc. podem ser classificadas como de esquerda ou direita à medida que dão assentimento a essas idéias, as aceitam, as endossam, procuram colocá- las em prática.

Consideremos as idéias do Liberalismo Clássico que eu defendo. Na minha definição de direita, eles são claramente de direita. Vamos considerar o Liberalismo, portanto, como balizador da direita.

Agora consideremos um movimento complexo como a o Regime Militar Brasileiro.

O Liberalismo, como já observado, tem na liberdade o seu conceito essencial e mais importante.

Na área política, nenhum governo brasileiro foi menos liberal do que o governo militar (com exceção, talvez, do governo Vargas durante os anos do Estado Novo). Os direitos individuais foram sistematicamente violados durante o governo militar, a liberdade de expressão, associação, e ação política foi drasticamente reduzida, a integridade (física e emocional) e a segurança das pessoas foram desrespeitadas ao extremo – tudo isso fazendo com que o governo militar dos anos 1964 a 1984 seja classificado como, no plano político e social, o menos liberal dos governos que o Brasil já teve (repito, com a possível exceção do governo Vargas no Estado Novo). Logo, no plano político, o Regime Militar Brasileiro não foi liberal. Ergo, não foi de direita, no sentido proposto.

Na área econômica, o governo militar foi um governo que interveio diretamente na economia, agindo como empresário, decretando monopólios e áreas estratégicas, fazendo reservas de mercado, controlando e manipulando taxas de câmbio e inflação, procurando seduzir, quando não subornar, o empresariado para parcerias que basicamente eliminavam o livre funcionamento do mercado. Embora a retórica do governo militar fosse, no plano político, anti-comunista, em nenhum período de vinte anos da história do Brasil a presença do estado na economia cresceu tanto quanto durante o governo militar.

Também na área econômica, portanto, é impossível considerar o governo militar como liberal. Ergo, também na área econômica o Regime Militar Brasileiro não foi de direita, no sentido proposto.

Na área social, a presença do estado nas áreas da educação, da cultura, da saúde, da seguridade social, da infraestrutura (minas e energia, transporte, moradia, comunicações etc.), só cresceu durante o governo militar. Os espaços reservados para a livre iniciativa privada diminuíram consideravelmente. Assim, também aqui é impossível considerar o governo militar como liberal. Ergo, também na área social o Regime Militar Brasileiro não foi de direita, no sentido proposto.

Por fim, na área da educação, o governo baixou, de forma autoritária, uma reforma da educação de nível superior (Lei nº 5540/68) e da educação de nível básico (Lei nº 5692/91). Através de Atos Institucionais e vários decretos restringiu a liberdade de professores e estudantes, aposentou arbitrariamente professores, e expulsou alunos das escolas. Também aumentou consideravelmente o número de universidades federais, expandiu o ensino público na área da educação básica, criou programas governamentais de alfabetização de adultos (MOBRAL, por exemplo) e de ensino supletivo. Estendeu a faixa etária em que a escolaridade era obrigatória para oito anos (sete a quatorze anos). Se permitiu o crescimento do ensino superior privado, fê-lo às custas da autonomia deste, que ficou atrelado ao Ministério da Educação e ao então Conselho Federal da Educação. Nenhuma dessas medidas é de natureza liberal. Ergo, também na área educacional o Regime Militar Brasileiro não foi de direita, no sentido proposto.

É forçoso concluir, portanto, que o Regime Militar Brasileiro nos anos de 1964 a 1984 foi qualquer coisa menos liberal. Se o Liberalismo fica à direita do espectro político, o Regime Militar Brasileiro claramente não fica lá — fica mais próximo do extremo oposto. Na realidade, o controle que ele exerceu sobre a política, a economia, a sociedade brasileira, em geral, e a educação, em particular, foi de tal monta que ele fica em boa companhia ao lado das ditaduras nazista, fascista e comunista, todas elas caracterizadas pela tese de que o estado deve controlar os mais diferentes aspectos da vida nacional — até mesmo os mais recônditos.

Você pode pretender considerar o Regime Militar Brasileiro como paradigmático de um regime de direita e, em função disso, considerar minha definição inadequada. Mas essa seria uma inversão injustificada da ordem. Conceitos precisam ser claros e coerentes. O meu conceito de esquerda e de direita é tanto um como o outro, e se aplica, paradigmaticamente, ao comunismo / socialismo, na esquerda, e ao liberalismo, na direita. Se um movimento extremamente complexo não se enquadra debaixo do conceito, isto não significa que o conceito seja inadequado, mas, sim, que o movimento não é necessariamente coerente.

A meu ver, a única coisa que dá uma certa plausibilidade à tese de que o Regime Militar Brasileiro era de direita foi sua oposição ferrenha ao comunismo. Mas nem todos os que se opõem ao comunismo o fazem a partir de uma posição liberal, de direita. Concluir, portanto, que o Regime Militar Brasileiro era de direita por causa de sua oposição ao comunismo é um non sequitur.

Quanto à sua segunda observação, de que a distinção esquerda / direita “já era, se é que um dia foi”, só me resta dizer que os fatos mostram que ela continua sendo uma distinção importante e útil, quando aplicada a idéias. As pessoas, as instituições e os movimentos em geral são muito complicadas para serem inequivocamente rotuladas como sendo de esquerda ou direita, embora seja possível determinar sua tendência predominante.

A eleição recém-concluída mostra quão importante é para as pessoas se considerarem (ainda que de forma não totalmente correta) de esquerda. O termo direita foi tão conspurcado pela esquerda, que lhe atribuiu uma série de conotações negativas e uma carga autoritária que ele não tem, que muitas pessoas se envergonham de se dizer de direita. Mas o fato de não admitirem (pelo menos em público) não as torna menos de direita: isto é, pessoas que se preocupam mais com a preservação da liberdade do que com a promoção da igualdade e do bem estar.

Eduardo
eduardo@chaves.com.br

Este é o segundo email (ou segunda parte do email) que coloquei na Lista de Discussão LivreMente:

De: “Eduardo O C Chaves”
Data: Ter Out 29, 2002 10:07 am
Assunto: Esquerda e Direita (2) [continuação]

Aos interessados no problema recomendo o livro Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma Distinção Política, de Norberto Bobbio (Editora da UNESP, São Paulo, 1995).

Para Bobbio o critério que demarca a esquerda da direita é a postura em relação à questão da igualdade. Eu, por outro lado, defendo, como critério de demarcação, a determinação das atribuições do governo (que é um conceito um pouco mais amplo, porque inclui a questão da igualdade).

Vou argumentar aqui que os dois critérios, apesar de conceitualmente diferentes, acabam tendo, na prática, idêntica aplicação.

1) Estado Absoluto e Estado de Direito

Antigamente, governos eram onipotentes: faziam o que queriam – e, como disse alguém de cujo nome não me lembro, obedecia que tinha juízo (quem não tinha, sofria as conseqüências). Isso vai até o século XVIII e caracteriza o período chamado do absolutismo, em que se defendia o direito divino dos reis de governar autocraticamente.

Ao chegar ao seu final, o século XVIII mudou isso – primeiro nos Estados Unidos, em seguida na França, com a criação de governos republicanos e constitucionais. Com isso ficou inaugurado, em termos de história política e em termos de filosofia política, o período moderno, em que prevalece não o Estado Absoluto, mas o Estado de Direito.

É um princípio básico do direito moderno que:

a) às pessoas privadas (físicas ou jurídicas) tudo é permitido, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe;

b) ao estado (isto é, ao governo, em todos os seus poderes, órgãos e níveis) nada é permitido, exceto aquilo que a lei expressamente autoriza.

Torna-se imprescindível, portanto, no estado moderno, de direito, criar uma constituição que esclarece o que o governo pode fazer – quais as suas funções, quais as suas atribuições – e, conseqüentemente, o que ele não pode fazer.

2. O Estado de Direito Liberal

O primeiro grande esforço nesse sentido foi a Constituição Americana, que criou um estado liberal (às vezes chamado de clássico): ao governo só compete cuidar da segurança dos cidadãos — e, portanto, manter a ordem:

* Através da polícia, impedindo que um cidadão viole os direitos dos outros;

* Através do exército, impedindo que um outro estado viole os direitos dos seus cidadãos;

* Através de um sistema legislativo-jurídico, normatizando situações de possível conflito (legislativo) e resolvendo os conflitos que, ainda assim, vierem a acontecer (judiciário).

Fora disso, o governo está proibido de agir – até mesmo para ajudar os cidadãos, para tornar sua condição social ou econômica mais igualitária, ou mesmo para promover o seu bem-estar. Assim, o governo não deve atuar na área da educação, da saúde, da moradia, do transporte, do emprego – muito menos criar empresas para atuar na economia.

E aos cidadãos compete o quê? Fazer qualquer coisa que cada um desejar, absolutamente qualquer coisa, desde que ao fazê-la não se viole os direitos de um outro cidadão.

Quais são esses direitos?

* O direito à integridade física (direito à vida e à segurança)

* O direito à liberdade (ao livre pensamento, à livre expressão do pensamento e dos sentimentos, à livre associação, à livre movimentação – o famoso ir e vir) – enfim, o direito de agir em busca da felicidade – como ele a vê e bem a entende

* O direito à propriedade

Assim, o bem-estar do cidadão é algo que deve ser buscado pelo próprio cidadão, sem a ajuda do governo – contando, porém, com a ajuda de outras pessoas que livremente se disponham a cooperar.

3. E o Problema da Igualdade?

Os Pais Fundadores da nação americana falavam em igualdade – mas a igualdade que tinham em mente era igualdade perante a lei: a lei não poderia discriminar as pessoas em termos de circunstâncias de nascimento (nobre ou plebeu), ou de posses (rico ou pobre), ou de convicções religiosas (temente a Deus ou ateu) ou mesmo de convicções políticas (republicano ou monarquista). Embora no início da sociedade americana mulheres e negros não tivessem direitos iguais aos dos homens, e, na verdade, os homens sem propriedade não tivessem direitos iguais aos dos homens proprietários de terras, as coisas foram se corrigindo pouco a pouco. Primeiro, os homens brancos sem terra acabaram por receber glebas de terra. Depois se aboliu a escravatura e se os negros passaram a ser titulares dos mesmos direitos. Finalmente, as mulheres conseguiram, em grande medida, se equiparar aos homens, no que diz respeito à titularidade de direitos.

Os americanos, em geral, não enfatizaram, ao longo do século XVIII e de grande parte do século XIX, nenhuma outra igualdade além dessa igualdade formal, perante a lei. Nem mesmo a chamada “igualdade de oportunidades”. Segundo eles, as oportunidades aparecem para todos – o que diferencia uns de outros é a capacidade de uns de aproveita- las, enquanto outros não as percebem, não têm a motivação para ir atrás delas, ou não têm capacidade de se valer delas em proveito próprio.

A grande ênfase do estado liberal de direito estava na liberdade: o governo deveria sair da frente dos cidadãos e deixá-los agir (só intervindo se eles violassem direitos de outros cidadãos). Como as pessoas são diferentes, por dotação genética, pelas cirscunstâncias em que nasceram e viveram, pelo aprendizado que foram capazes de obter, a sociedade vai ser altamente desigual em termos de resultado final. Uns vão se sair extremamente bem, outros razoavelmente, outros não vão se dar bem. É assim que deve ser.

Aos que não se derem bem de modo algum, resta contar com a generosidade dos que se saíram melhor – generosidade esse que só se expressa de formula voluntária e que se destina a quem os que a oferecem julgarem merecedores.

Na França, como se sabe, houve muita ênfase na tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”. No início, a igualdade também foi entendida de maneira formal (igualdade perante a lei) – e a fraternidade foi em grande parte esquecida.

Foi só a partir de meados do século XIX, com o surgimento do movimento socialista, que começou a se enfatizar uma igualdade não-formal, substantiva: igualdade de condição social e material (em geral chamada de “igualdade de resultados”).

Os liberais se opuseram a essa igualdade substantiva por uma razão simples. As pessoas são extremamente diferentes em termos de talentos naturais (características genéticas), em termos das circunstâncias em que nasceram e viveram, em termos da educação que tiveram, e até mesmo em função da sorte que têm.

Assim, é de esperar – e justo – que alcancem resultados diferentes através de suas ações. As ações filantrópicas (voluntárias) das pessoas que se saírem melhor na vida vão aliviar as condições dos mais desfavorecidos – mas apenas daqueles que lhes foram mais próximos e pelos quais elas sentirem que estão naquelas condições sem culpa própria e que, com um pouco de ajuda, conseguirão se levantar e cuidar de si próprios.

A única forma de tentar impor uma certa igualdade é pela força – e isso quer dizer, violando os direitos daqueles que se saíram melhor na vida, punindo-os por serem competentes ou por terem tido sorte.

Segundo os liberais, nenhuma sociedade vai se tornar bem sucedida se ela é construída no princípio de que a competência, a inteligência, o esforço, e, conseqüentemente, o sucesso devem ser punidos em favor daqueles que fracassaram. O socialismo, afirmaram os liberais, se bem sucedido, vai socializar a miséria: todos vão se tornar igualmente pobres. (Como disse Mme de Staël, os socialistas preferem as igualdades do inferno, em que todos igualmente sofrem, às desigualdades do céu, em que alguns serão recompensados mais do que os outros).

4. A Esquerda e a Direita

Embora a nomenclatura esquerda/direita tenha surgido nos debates da Assembléia Nacional durante a Revolução Francesa, seu sentido moderno e atual só se cristalizou ao longo desse debate.

A tese dos liberais, de que o governo deve se limitar às suas funções de mantenedor da ordem, ficou sendo conhecida como a direita. A tese dos socialistas, de que o governo deve ativamente procurar impor condições mais igualitárias até chegar ao horizonte de uma sociedade totalmente igualitária, ficou sendo conhecida como a esquerda.

Obviamente, a direita sempre defendeu, como parte de seus princípios, a igualdade perante a lei, a igualdade de direitos. A esquerda, porém, acabou por se dividir, ao longo do tempo, em uma esquerda totalitária, a ser implantada através de uma revolução e que iria impor uma ditadura (a do proletariado) e uma esquerda não disposta a sacrificar tanto a liberdade, que procuraria manter o máximo possível de liberdade compatível com a busca de igualdade (de resultados) para todos. O comunismo foi a esquerda totalitária. Alguns formas de socialismo que pretendiam manter a democracia e a chamada democracia-social são a esquerda mais democrática.

Alguns pensadores liberais acreditam (a meu ver com razão) que, a despeito das boas intenções de alguns socialistas, que acreditam, sinceramente, que é possível chegar ao socialismo pela via da liberdade, o caminho do socialismo é, como disse von Hayek, “o caminho da servidão” — isto é, da não-liberdade.

5. E o Anarquismo?

O Anarquismo é a teoria política que defende a ausência de governo. Ele fica, portanto, mais radicalmente à direita do que o liberalismo. Se os liberais defendem um estado mínimo, um governo apenas aquelas poucas funções indispensáveis à manutenção da ordem pública, os anarquistas abrem mão até disso: para eles, a melhor situação é aquela em que não há governo, e em que, portanto, os seres humanos se esforçam por resolver suas divergências de forma voluntária, sem um estado que defina normas e as faça cumprir.

É evidente que numa sociedade anarquista, as pessoas podem ter propriedades privadas ou ter tudo em comum, podendo haver, portanto, sociedades anarquistas de caráter mais individualista ou mais comunitário. Houve experimentos na história em que até mesmo os parceiros sexuais e os filhos das pessoas eram de todos – não havendo, portanto, nem mesmo “propriedade pessoal” dos parceiros ou dos filhos. Em outras se definiu que as pessoas teriam como propriedade pessoal os objetos de uso diário – roupas, material de higiene, instrumentos musicais, livros, etc., mas que o restante – a terra, os utensílios e as máquinas agrícolas, etc. etc. – seriam de todos.

Não é, porém, essa forma interna de organizar a comunidade que caracteriza o anarquismo. Como o nome indica, o anarquismo é a tese de que podemos e devemos viver sem estado, sem governantes. Assim, faz total sentido situar o anarquismo à direita do liberalismo, que, embora reconheça que precisamos de estado e de governo, quer tê-lo o menor possível, por receio de que ele, aumentando suas funções, se torne (como se tornou) uma ameaça maior à liberdade dos cidadãos do que os outros cidadãos ou as outras nações.

6. O Continuum Esquerda / Direita

Quer consideremos a igualdade, como o quer Bobbio, quer consideremos a definição das funções do governo, como eu sugiro, a posição das várias filosofias políticas num contínuo é a mesma, a saber:

Na “ponta” esquerda, o comunismo, defendendo a igualdade total e a concentração de todos os poderes e da posse de todos os meios de produção nas mãos do estado ou do governo.

Na “meia” esquerda, o socialismo não comunista, que deseja ainda preservar um modicum de liberdade, e que, portanto, não busca a igualdade total, mas uma certa igualdade.

Na “ponta” direita, o anarquismo – que não quer governo nenhum, e, a fortiori, não quer um governo que promova a igualdade ou concentre em si a propriedade dos meios de produção.

Na “meia” direita, o liberalismo, que admite a necessidade de um governo, mas o quer pequeno, cuidando apenas da manutenção da ordem pública e da garantia das liberdades e direitos individuais.

E no centro?

No centro temos a social-democracia moderna, caindo para a esquerda, e o neo-liberalismo, caindo para a direita. O centro em geral desagrada tanto aqueles mais à sua esquerda como aqueles mais à sua direita.

Como está evidente no debate atual, em que alguns se caracterizam e denominam como sociais-democratas (haja vista o governo do Brasil hoje, exercido pelo Partido da Social-Democracia Brasileira) mas são descritos, pelos seus oponentes, como sendo neo-liberais. Numa rara frase apta e correta, FHC um dia se disse “neo-social” e não “neo-liberal”, porque pende para a esquerda e não para a direita. O que ele está fazendo, no entender dele – e também no meu – é recuar na direção do centro a partir de um modelo de governo que havia descambado para a esquerda, malgré soi.

A diferença básica entre sociais-democratas e neo-liberais está naquilo que eles acreditam que o governo deve promover. Educação e saúde – ambos concordam que sim. Emprego – ambos em princípio concordam, discordando, possivelmente, sobre a forma em que esses empregos devem ser gerados, os sociais-democratas favorecendo uma atuação direta do governo na geração dos empregos, os neo-liberais favorecendo a “desonerização” da produção, em especial da folha de pagamento.

E assim vai.

7. E o Totalitarismo e o Autoritarismo?

O termo “totalitarismo” foi cunhado para se referir a um estado ou governo que interfere em todos os aspectos da vida (políticos, econômicos, sociais) — até mesmo os aspectos mais pessoais e íntimos são regulados pela atividade estatal ou governamental. O termo “autoritarismo” foi cunhado para se referir a um estado ou governo que, sem ser exatamente totalitário, restringe consideravelmente as liberdades das pessoas, negando-lhes, boa parte do tempo, alguns de seus direitos individuais.

Os termos “totalitarismo” e “autoritarismo” também podem ser aplicados a ideologias que defendem, respectivamente, o controle total ou parcial da sociedade pelo estado ou governo.

Há razoável consenso de que o comunismo, o nazismo e o fascismo são ideologias autoritárias e que as “transubstanciação” dessas ideologias em estruturas estatais ou governamentais, como, por exemplo, respectivamente, na URSS, na Alemanha e na Itália, bem ilustram o totalitarismo.

É evidente que não há como conceber um “anarquismo totalitário” – visto que o anarquismo é contra a existência de governos. Também não se concebe um “liberalismo totalitário”, visto que o totalitarismo é anti-liberdade e o liberalismo (como indica o nome) é pro-liberdade.

Na verdade, totalitarismo e liberdade são termos antitéticos. Expressões como “totalitarismo liberal” ou “liberalismo totalitário” são contradições explícitar: nem como oxímoros se qualificam.

Embora seja facilmente concebível uma social-democracia autoritária, é mais difícil imaginar uma social-democracia totalitária – porque ao cair no totalitarismo o componente “democracia” se esvai e o estado ou governo se torna uma ditadura socialista.

Assim sendo, só pode haver totalitarismo quando há um estado abrangente, com múltiplas funções. É por isso que os totalitarismos até aqui existentes – e espero que não haja mais nenhum – ficam todos do lado da esquerda, não da direita.

Não é admissível esquecer que o termo “Nazi” é uma abreviação de “Nazional Sozialismus” – Socialismo Nacional.

A ditadura brasileira, conquanto não tenha chegado a ser totalitária, certamente foi autoritária: como vimos, durante o período da ditadura, os direitos e as liberdades individuais deixaram de existir, o governo cresceu enormemente, assumiu mais funções, não só interveio na regulamentação da economia como atuou diretamente na economia, criando inúmeras “bras”, etc. Não há a menor semelhança entre a ditadura militar brasileira e o liberalismo, e, conseqüentemente, a direita.

A única característica da ditadura brasileira de 1964-1984 que dá alguma plausibilidade à tese de que ela foi de direita é a sua radical oposição ao comunismo. Na minha modesta opinião, a autoritária ditadura militar brasileira foi semi-fascista – mas nunca de direita. A razão do ódio ao comunismo está no fato de que os próximos em geral se odeiam mais do que os extremos, porque têm mentalidades e objetivos muito semelhantes.

Deixo a questão por aqui. Não me move o interesse de fazer prosélitos para o liberalismo. Desejo apenas esclarecer meu ponto de vista, especialmente diante da afirmação, a meu ver açodada, da Lenise de que a distinção esquerda/direita “já era — se é que um dia foi”.

Eduardo
eduardo@chaves.com.br

e. Justiça e Justiça Social [11.2.2003]

Vou tecer aqui, especialmente inspirado no artigo “An Untitled Letter”, de Ayn Rand, publicado em “Philosophy: Who Needs It?” (A Signet Book, New American Library, New York, 1982, pp. 102-119), algumas considerações sobre o conceito de justiça, especialmente relacionadas ao livro A Theory of Justice, de John Rawls (disponível em tradução brasileira).

O conceito de justiça, segundo Aristóteles, tem que ver com a forma como se distribuem as riquezas de uma sociedade (isto é, os bens e recursos existentes em uma determinada sociedade) — inclusive bens e recursos intangíveis, como reconhecimento, glória, fama. É pressuposto que esses bens e recursos tenham valoração positiva, isto é, sejam desejáveis (sejam vistos como riquezas).

Uma distribuição justa, segundo Aristóteles, é aquela que é feita com base no que cada um contribuiu para a criação ou existência dessas riquezas. Quem mais contribuiu, recebe mais. Quem nada contribuiu, nada recebe. O mundo de fala inglesa tem um verbo de tradução difícil para o Português: “to earn”. A melhor tradução desse verbo é “fazer por merecer”, “fazer jus a”. Uma distribuição justa é aquela em que os bens e recursos vão para aqueles que “earned them”, isto é, que fizeram por merecê-los, que fizeram jus a eles, em virtude de sua contribuição para a criação ou existência desses bens e recursos.

Essa visão de justiça é corretamente denominada de retributiva. Uma distribuição justa é aquela que retribui cada um na proporção de sua contribuição para a criação dos bens e recursos existentes em uma sociedade.

Essa visão de justiça, que considero a visão clássica, e que é pressuposta até mesmo nos Evangelhos (na parábola dos talentos), pressupõe que as pessoas são diferentes, tanto por sua dotação genética como pelo contexto e pela forma em que são criadas, em suas qualidades, habilidades, competências, ambição, persistência, perseverança, etc., e, que, portanto, vão contribuir de forma diferenciada para os bens e recursos que vão existir em uma determinada sociedade. Nada mais justo, portanto, dentro dessa visão, que cada um faça por merecer, ou faça jus a, uma cota desses bens e recursos proporcional à sua contribuição para a geração dessas riquezas.

Na época atual se tornou costume defender, porém, o que se chama de uma “nova justiça”.

O Papa Paulo VI, segundo divulgou o New York Times de 2 de Janeiro de 1973 (trinta anos atrás), conclamou o mundo a buscar “uma nova justiça”. Diz ele (segundo o jornal): “A verdadeira justiça reconhece que todas as pessoas são, em substância, iguais. (…) O que é menor, ou mais pobre, ou mais sofredor, ou mais indefeso, ou mesmo aquele que mais baixo caiu, merece, tanto mais, ser assistido, levantado, cuidado e honrado. Aprendemos isso com o Evangelho” (apud PWNI, p. 103).

É notável como se pode dizer tanto em tão poucas linhas.

Em primeiro lugar, o Papa Paulo VI defende a tese de que “todas as pessoas são, em substância, iguais”. O que quer dizer isso? Que têm iguais qualidades? Iguais habilidades? Iguais competências? Igual ambição? Igual persistência e perseverança? Provavelmente ele teria suficiente bom senso para responder que não. Mas no que consistiria então essa “igualdade em substância”? O Papa não explica.

Em segundo lugar, note-se que o Papa coloca num mesmo pacote “o menor, o mais pobre, o mais sofredor, o mais indefeso” — que são categorias que, digamos, não têm conotação moral — e “aquele que mais baixo caiu” — que é uma categoria que certamente tem uma conotação moral. Alguém pode ser pequeno, pobre, sofredor e indefeso em decorrência de fatores sobre os quais não teve escolha. Mas ninguém “cai” (no sentido de “cair baixo na vida”) se não for em decorrência de suas próprias ações, pelas quais deve ser considerado responsável. Neste caso, não se trata de, digamos, má sorte, mas, sim, de comportamento imoral.

Em terceiro lugar, note-se que o Papa propõe que todos esses tipos sejam “assistidos, levantados, cuidados” — até aqui, tudo bem — e acrescenta: “honrados”. Honrados??? Honrar alguém que “mais baixo caiu”? Tudo bem que tenhamos pena de quem se vê nessa situação. Mas há uma enorme diferença entre ter pena e honrar. O que esse que “mais baixo caiu” fez para merecer ser honrado, para fazer jus a honra?

Em quarto lugar, se alguém se dispuzer a assistir e levantar aqueles que “mais baixo cairam”, e a cuidar deles, quem merece a honra? Os que assistiram, levantaram e cuidaram, ou os que foram assistidos, levantados e cuidados?

Começa-se a notar que a “nova justiça” do Papa é realmente nova.

Ou, talvez, não tão nova assim. Karl Marx, em sua análise do Programa Gotha (“Critique of the Gotha Program”, em Marx & Engels: Basic Writings on Politics and Philosophy, editado por Lewis S. Feuer (Doubleday & Company, Inc., Anchor Books, New York, 1959), p.119), enuncia um princípio que incorpora uma nova visão de justiça. Afirma ele: “De cada um segundo as suas habilidades, a cada um segundo as suas necessidades“.

Segundo essa nova justiça, a distribuição dos bens e recursos existentes em uma sociedade não se fará de forma proporcional à contribuição de cada um, mediante as suas habilidades, na sua criação ou existência, mas, sim, as necessidades de cada um. Em suma: quem de mais necessita, recebe mais; quem de nada necessita, nada recebe.

Além do que ela explicitamente declara, essa visão de uma nova justiça traz em si, de forma mais ou menos implícita, vários reconhecimentos.

Em primeiro lugar, ela reconhece que os bens e os recursos que existem em uma sociedade, e que são passíveis de ser de alguma forma distribuídos, são, em sua maior parte, criados ou gerados pelo ser humano, através do seu trabalho.

Em segundo lugar, ela reconhece que são os homens de maiores habilidades os principais responsáveis pela criação ou geração da riqueza que se contempla distribuir. Doutra forma, não haveria porque exigir que cada um contribuísse para a criação ou geração dessas riquezas “segundo as suas habilidades”. Em outras palavras, o enunciado de Marx implicitamente reconhece a profunda desigualdade humana no que tange à criação ou geração de riquezas — isso é, no plano da produção.

Em terceiro lugar, ela reconhece que, equacionado o problema da produção de riquezas (que será feita de forma desigualitária, reconhecendo a contribuição diferenciada dos homens de maior habilidade), trata-se, agora, de resolver apenas a sua distribuição. Pode-se, portanto, afirmar que Marx é não só o pai do comunismo e do socialismo, mas, também, da social democracia, que não só convive bem com o modo de produção capitalista, mas o considera essencial para a geração de riquezas — desde que, naturalmente, a esquerda assuma a tarefa “distributiva” (ou “redistributiva”). A “distribuição” (ou “redistribuição”) não se fará mais, na social-democracia, pela via revolucionária, mas, sim, pela via da taxação (dos impostos).

Essa nova justiça é hoje conhecida como “justiça social”. Essa assim chamada “justiça social” de justiça não tem nada. Chamar de justiça social aquilo que, na verdade, é enorme injustiça, é um dos clássicos exemplos da “novilíngua” da esquerda. A maioria população não gosta de injustiças. Mas agora a esquerda pretende perpetrar as maiores injustiças. Se o fizer abertamente, porém, será repelida pela maioria da população. Nada mais conveniente, portanto, do que chamar de “nova justiça” ou “justiça social” aquilo que, de fato, não passa de injustiça.

Observem-se os absurdos que já foram propostos em nome da tal “nova justiça”.

Na década de 70 um ganhador do Prêmio Nobel em Economia, Jan Tinbergen, da Holanda, propôs, numa conferência internacional em Nova York, que criasse “um imposto sobre a capacidade pessoal dos indivíduos” — imposto esse que poderia começar, modestamente, incidindo sobre as pessoas que tirassem as melhores notas nas escolas… (Mal sabia ele que desempenho acadêmico nada tem que ver com real capacidade de criação e geração de riquezas…). (Apud PWNI, p. 103).

Em um artigo publicado no New York Times de 20 de Janeiro de 1973, sob o título “A Nova Desigualdade”, Peregrine Worsthorne declara que, da mesma forma que considerávamos injusto que alguém recebesse um maior quinhão de riquezas apenas porque era filho de um conde ou de um duque, devemos considerar injusto que alguém, hoje, receba um maior quinhão por ter nascido com maior capacidade, ou ter desenvolvido melhor suas capacidades por ter nascido em um ambiente propício. (Apud PWNI, pp. 104-105).

O que Worsthorne (que nome adequado!) está propondo é que consideremos as capacidades (competências, habilidades, valores, atitudes, etc.) de um indivíduo como uma forma de privilégio que é preciso abolir, pois elas seriam semelhantes aos privilégios de nascença que vigoravam na nobreza. Por isso ele é endosse os movimentos que propõem a eliminação de “distinções educacionais”, como as envolvidas em exames, notas, diplomas, etc.

Começa a ficar claro que a luta por uma “nova justiça” não é uma luta a favor dos “menores, mais pobres, mais sofredores, e mais indefesos”: ela é uma luta contra os “maiores, os mais ricos, os mais felizes, os mais capazes de cuidar de si próprios”. Em outras palavras: é uma luta contra os homens de habilidade. Não basta extrair mais deles, por taxação, para dar aos mais necessitados: é preciso acabar com eles, para que os mais necessitados não tenham sua auto-estima reduzida pela comparação com os bem-sucedidos.

Nesse contexto aparece John Rawls, com seu livre Uma Teoria da Justiça. Rawls pretende passar como alguém que não é tão radical. Ele não se descreve como um “igualitário”, porque admite que desigualdades de riqueza (como de poder e autoridade) podem ser justas e justificadas.

Puxa, parece que finalmente alguém com bom senso filósofo aparece. Mas a impressão dura pouco.

Segundo Rawls, as únicas desigualdades que podem ser consideradas justas e justificadas são aquelas, das quais podemos razoavelmente esperar que operem em benefício daqueles que estão em situação pior — os desavantajados. Assim, só seria justo e justificado que alguém tivesse recursos para cobrir as despesas em que necessariamente se incorre para formar um alto especialista médico se, sem esse esse especialista (i.e., sem as despesas necessárias para formá-lo), os que estão em situação pior ficassem em situação ainda pior. Não seria justo e justificado incorrer nessas despesas para simplesmente transformar em realidade o natural desejo de alguém capaz, hábil e competente de se tornar um especialista médico — porque ele simplesmente é bom e merece!

“A pessoa talentosa”, diz Rawls, “não fez por merecer (“earned”) nada, seja lá quem ela for. Ela só pode se beneficiar de sua sorte (“fortune”) se vier também a beneficiar aqueles que saíram perdendo”. (Apud PWNI, p.109).

Que uns nasçam com talentos e outros não, ou que uns nasçam com muitos talentos, e outros com poucos, parece ser, para Rawls, uma injustiça da natureza. Essa suposta “injustiça” teria de ser compensada por uma “justiça social”. Segundo esta, quem é competente não tem direito aos frutos de seu talento — só os incompetentes é que sim. Estes devem se beneficiar daquilo que não conseguem alcançar, mas os competentes são privados de igual benefício.

Isso é brincar com o termo justiça.

Aquilo com que a gente nasce não pode ser objeto de avaliação moral. Logo, não se pode falar em injustiça da natureza quando alguns nascem com vários talentos e outros com poucos, ou sem talento algum. Justiça e injustiça são termos que fazem sentido apenas em um contexto moral. Não há, portanto, nenhuma injustiça natural a ser compensada por uma suposta justiça social. Conseqüentemente, a chamada justiça social, ela sim, não passa de flagrante injustiça, pois nega a alguém o direito de usufruir o resultado de seus esforços.

E aqui vemos outra falha na análise de Rawls: ninguém se forma um alto especialista médico apenas por seus talentos inatos. O processo exige dedicação, esforço, e muito trabalho. Além disso, quem se dedica a se tornar um alto especialista médico (ou um grande concertista, ou qualquer outra coisa) abre mão de uma série de outras coisas desejáveis — na convicção de que abrir mão delas será compensado por aquilo que alcançar. Mas Rawls lhe nega esse direito: dele vem a habilidade, mas os frutos dessa habilidade irão para os outros, em atendimento às suas necessidades…

Dificilmente algo mais deturpado poderia ter sido inventado pela mente humana.

f. Ainda o problema da definição do “negrodescendente” [11.2.2003]

Transcrevo a seguir artigos de vários jornais sobre o problema da determinação de quem é negro ou pardo no Brasil, tornado de suma importância pela opção pelas cotas.

Eduardo O C Chaves
eduardo@chaves.com.br

Folha de São Paulo, 11/02/2003 – São Paulo SP

ONG vai conferir cor de aluno para evitar irregularidade em matrícula

Educafro promete até fotografar fila da inscrição na Uerj

Antônio Gois da Sucursal do Rio

A reserva de vagas para negros e pardos na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) pode provocar polêmica no momento da matrícula dos beneficiados pelo novo sistema. A ONG Educafro, que coordena 56 cursos pré-vestibulares para negros e carentes, afirma que irá fiscalizar, até mesmo com máquinas fotográficas e câmeras de vídeo, se os alunos que estão se inscrevendo pelo critério de cotas raciais são realmente negros ou pardos. O objetivo é ter uma prova para processar por falsidade ideológica eventuais candidatos que tentem se aproveitar da lei. “A Educafro já está se preparando para evitar essa situação. A consumação do ato ilícito vai acontecer no ato da matrícula”, afirma o coordenador da Educafro, Frei Davi Santos. O critério escolhido pela Uerj para determinar quem é negro ou pardo foi a autodeclaração, o mesmo usado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Na avaliação da coordenação do vestibular, a Uerj não terá condições de processar os estudantes. “A gente vai seguir o que está na lei, que estabelece o critério de autodeclaração. Procuramos com juristas e cientistas elementos que poderiam definir, por exemplo, quem é pardo, mas não encontramos resposta”, diz Sônia Wanderley, assessora da coordenação do vestibular da Uerj.

Apesar de a polêmica em torno da definição de negros e pardos já ter sido prevista pela universidade, a reitoria da Uerj vê o atual processo de inscrição como normal e não acredita que haverá muitos casos de candidatos que consigam a vaga se aproveitando indevidamente da lei. Não houve, segundo a Uerj, um aumento expressivo da porcentagem de candidatos que se autodeclararam negros ou pardos neste vestibular, em comparação com os concursos anteriores, quando ainda não havia o critério racial. Por causa da greve da instituição, em protesto contra o atraso dos salários pelo governo do Estado, a Uerj ainda não definiu as datas de matrícula.

Folha de São Paulo, 11/02/2003 – São Paulo SP

Crime seria de falsidade ideológica

Da Sucursal do Rio

Para Renato Ferreira, advogado da Educafro, o caminho para processar os estudantes que tentarem se aproveitar “indevidamente” da lei de cotas raciais é denunciar o crime ao Ministério Público, que poderia mover uma ação penal contra esses candidatos pelo crime de falsidade ideológica. Processar alguém que se declarou “indevidamente” negro ou pardo, no entanto, é um ato que encontra resistência entre cientistas.

“Não há critério científico aceito de forma unânime que determine quem é negro ou pardo”, afirma o geneticista Sérgio Pena. Ele participou de pesquisa que concluiu que raça é um conceito social e que nem todo negro no Brasil é, do ponto de vista genético, um afrodescendente, assim como nem todo afro-brasileiro seria, necessariamente, um negro. Ferreira e Pena concordam que a universidade precisa definir melhor o critério de classificação de negros ou pardos.

O pesquisador participou de uma pesquisa que concluiu que raça é um conceito social e que nem todo negro no Brasil é, do ponto de vista genético, um afrodescendente, assim como nem todo afro-brasileiro seria, necessariamente, um negro. Ferreira, da Educafro, e Pena, da UFMG, concordam num ponto: a universidade precisa definir melhor o critério de classificação de negros ou pardos. “Não basta dizer que o candidato se declarou negro ou pardo. É preciso ter algum critério para identificar isso. Caso contrário, a vontade do legislador vai por água abaixo”, afirma Ferreira.

O Globo, 11/02/2003 – Rio de Janeiro RJ

Notas baixas e critérios de cotas para negros provocam polêmica na Uerj Ediane Merola

O desempenho de candidatos aprovados no vestibular da Uerj por meio da reserva de vagas para alunos de escolas públicas foi inferior ao resultado de quem participou do concurso tradicional. No curso de engenharia mecânica (campus de Friburgo), por exemplo, a nota máxima do Estadual 2003 foi 95,75, mas o melhor resultado na prova da rede pública foi 44,25. As diferenças persistem nas notas mínimas dos aprovados: 34,5, no exame comum, e 5,25, na reserva de vagas.

Para diminuir distorções como essa, o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, Fernando Peregrino, e a reitora da Uerj, Nilcéa Freire, querem se reunir com representantes do Ministério da Educação (MEC) para pedir recursos a fim de oferecer aulas extras e ajuda de custo.

– O estado está numa situação difícil e precisamos de R$ 12,7 milhões para fazer o acompanhamento desses alunos, disse Peregrino.

Outra polêmica provocada pelo resultado da Uerj é a cota para negros e pardos. Como os candidatos se declararam afrodescendentes, nem sempre a cor da pele comprova se eles têm direito às cotas. Primeiro colocado entre os candidatos da reserva e terceiro geral, com 98,25 pontos, Daniel Araújo Fernandes, de 25 anos, não sabe se é pardo, mas também não se considera branco:

– Pelo dicionário, quem não é branco ou negro é pardo. Não agi de má-fé ao me declarar pardo – diz Daniel, acrescentando que a sua bisavó era negra.

O coordenador da ONG Educafro, que promove pré-vestibulares para estudantes negros e carentes, frei David Raimundo dos Santos, vai pedir à Uerj para solicitar a certidão de nascimento de quem se declarou negro ou pardo para confirmar se o candidato tem mesmo direito à vaga. Segundo ele, os documentos emitidos até 1988 trazem registrada a cor:

– Quem é pardo ou negro mas na certidão consta como branco poderá pedir à Justiça que faça a correção.

Segundo Sônia Wanderley, assessora do vestibular da Uerj, não há mudanças previstas em relação à cota para afrodescendentes. A expectativa é em relação à reserva para a rede pública, que, de acordo com a lei, deve avaliar as três séries do ensino médio. Segundo Peregrino, o estado precisa de verba para cumprir a lei ainda este ano: – Não há precisão de quando o dinheiro virá.

O Dia, 11/02/2003 – Rio de Janeiro RJ

Vagas garantidas na raça

Associação promete processar por falsidade ideológica quem mentiu sobre origem para passar em vestibular da Uerj e Uenf Adriana Freitas e Élcio Braga

Será na raça que a Educafro – entidade que organiza cursinho pré-vestibular para carentes – espera defender a reserva de vagas para negros na universidade pública.

O coordenador da entidade, frei David Raimundo, disse que processará por falsidade ideológica o candidato branco que se declarou negro ou pardo. “Voluntários usarão câmeras e gravadores para flagrar a configuração do crime durante a pré-matrícula”, ameaçou o religioso.

Sexta-feira, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) divulgaram o resultado do vestibular. Foi o primeiro com a aplicação do Decreto-lei 30.766, que reserva metade das vagas a alunos que estudaram apenas em escolas públicas e 40% a negros e pardos.

Com isso, ficou muito mais fácil brigar por uma vaga entre candidatos autodeclarados afrodescendentes ou da rede pública. No Estadual (vestibular comum) para Medicina, a relação candidato-vaga foi de 48,28 na segunda fase – enquanto o índice para os alunos vindos da rede pública era de 5,57.

Para universidades, basta a palavra do candidato A polêmica é que a Uerj e a Uenf aceitam apenas a declaração do aluno para definir com quem ele disputará a vaga. “Não existem dados científicos para avaliar quem é pardo. Se alguém achar que houve fraude, que entre com uma ação”, justificou a assessora da Direção do Departamento de Seleção Acadêmica da Uerj, Sonia Wanderley.

Advogado especializado na área civil-constitucional, João Tancredo explica que mentir sobre a origem étnica pode gerar processo criminal por falsidade ideológica. “Vale o espírito da lei, que é proteger os carentes e dar chances aos negros”, observou Tancredo. É muito difícil, porém, provar que alguém não seja mestiço no Brasil. “Atualmente, em nenhum documento, é discriminada a cor de uma pessoa. É uma forma de mostrar que todos são iguais. Mas alguém que por pouco não passou pode entrar com ação de indenização contra a Uerj e contra alguns aprovados pelo regime de cota”, ponderou.

Frei David entregará hoje à Uerj proposta para exigir que os candidatos autodeclarados negros apresentem a certidão de nascimento, que até 1988 informava a cor da pele. O frade ressalta que o decreto determina, no Artigo 2º, que caberá às universidades criar critérios mínimos de qualificação para acesso às vagas. Ele teme a desmoralização da lei. “A reserva corrige uma injustiça. É como a história de um atleta da elite que recebe treinamento, equipamento e alimentação especiais. Outro, pobre, treina sozinho. A corrida entre eles, sem compensações, seria uma injustiça”, compara.

O Dia, 11/02/2003 – Rio de Janeiro RJ

Federais, o próximo alvo da reserva

Depois da experiência em duas universidades estaduais, a reserva de vagas ganha corpo nas unidades federais. Assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa eleitoral, o secretário nacional do PT no Combate ao Racismo, Martvs das Chagas, lembrou que a implementação da política de cotas foi uma promessa de campanha.

Apesar de considerar desnecessário uma lei nacional que determine a adoção da reserva, Martvs acredita que, sem imposições, várias universidades seguirão a Uerj. “O Governo terá apenas de complementar o que está consolidado. Ocorre um movimento social, que, acredito, atingirá todas as universidades”, disse ele, cotado para assumir a Secretaria para Promoção da Igualdade Racial, criada ontem por Lula. Para ele, o novo órgão discutirá o tema nas primeiras reuniões. A tendência é que o Governo Lula incentive a reserva de vagas.

O secretário alerta sobre a necessidade de se discutir critérios, inclusive com os adversários da idéia, para corrigir distorções na aplicação das cotas. “A cor da pele não é o único determinante para definir os beneficiados. Os ascendentes ou os traços podem ajudar na identificação”, observou.

g. A questão das cotas [10.2.2003]

Eu previ – e está acontecendo. Vou prever mais um pouco:

Primeiro, você constata que um determinado grupo na sociedade (como, por exemplo, os negros, ou “negrodescentes”) tem, em sua média, desempenho pior do que o da média de todos os membros da sociedade em relação a um determinado parâmetro (como, por exemplo, ingresso na universidade pública).

Segundo, você atribui esse pior desempenho a uma discriminação da sociedade contra esse grupo.

Terceiro, você sugere que a única forma de vencer essa discriminação é através de uma medida discriminatória (chamada, agora, de antidiscriminatória) que trate os que em tese são discriminados de forma favorecida.

Quarto, você estabelece o sistema de cotas (no acesso à universidade pública) para os membros desse grupo (no caso, os negros), medida essa que tem amplo apoio de significativos setores da esquerda igualitária ou antidesigualitária, que luta pelo fim de toda forma de discriminação e de desigualdade.

Quinto, você constata que os beneficiários dessa medida discriminatória (rotulada de antidiscriminatória) têm desempenho na média pior do que o dos que entraram na Universidade pela porta da frente. (Em geral se espera alguns anos para constatar isso: aqui isto já está sendo constatado antes do fato, de forma “preemptiva”).

Sexto, você já anuncia, de antemão, que os (agora) beneficiados pela discriminação das cotas serão (mais uma vez) discriminados em decorrência do programa que foi instituído a pedido deles próprios.

Sétimo, você reivindica ajuda financeira e programas remediais para os cotados. para que possam melhorar seu desempenho.

Oitavo, diante da continuidade (inevitável) da diferença de desempenho, em prejuízo dos cotados, se afirmará que as causas do problema estão no fato de que a “cultura” que lhes é transmitida na universidade é uma cultura alheia e alienante — no caso, a cultura dos brancos ou a dos europeus (não a cultura que lhes é própria, a dos negros e dos africanos).

Nono, você institui na universidade programas de estudos africanos, ou negros, ou afrobrasileiros e dá permissão aos cotados de trocarem cursos do currículo em que se julgam prejudicados por cursos desses programas.

Décimo, você argumenta que ninguém pode ministrar aulas nesses programas a não ser que seja negro, pois as especificidades da cultura e da história negra exigem uma pigmentação especial para serem corretamente compreendidas e aprendidas.

Décimo primeiro, você argumenta que os currículos da educação fundamental também precisam ser des-discriminados com a introdução de cursos de história e cultura negra.

Décimo segundo, com isso você cria um mercado de trabalho que anteriormente não existia para os negros ou negrodescendentes.

Décimo terceiro, você descobre que a sociedade continua achando que essa coisa toda foi montada para criar oportunidades de emprego para quem não teria condições de obtê-los em condições normais.

Décimo quarto, você diz que branco não tem jeito mesmo: é racista pela sua genética — hereditariamente racista, como se fosse.

Décimo quinto, as relações entre as pessoas de cor diferente acabam se tornando piores do que eram antes.

h. Como se determina quem é negro no Brasil? [10.2.2003]

Fico intrigado com a questão de como se classifica alguém como negro, ou, como parece estar se tornando comum, “negrodescendente”, no Brasil.

Negros “puros”, em cujos ancestrais nunca houve nenhuma miscigenação (pelo menos até, digamos, a décima geração), no Brasil são poucos. Brancos “puros” (conceituados de forma análoga) são em maior número. Mas há certo consenso de que a maioria dos brasileiros é resultado de alguma miscigenação entre brancos e negros — e, portanto, tecnicamente parda. Pelo que consta, até Sua Alteza FHC seria pardo (num percentual admitidamente pequeno).

O que me intriga, é porque os pardos em geral são considerados como parte da população negra (negrodescentens) — como quando se diz que o Brasil é um país majoritariamente negro.

Alguém que possui um pai negro e uma mãe branca (ou vice-versa) será 50% negro e 50% branco e, portanto, tem tanto direito de se considerar branco (brancodescendente) como negro (negrodescendente). Alguém que possui um avô negro e os demais avôs brancos, é 75% branco e 25% negro, e, portanto, tem mais direito de se considerar brancodescendente do que negrodescendente. E assim vai.

Já ouvi dizer que nos Estados Unidos uma pessoa, para ser considerada branca “pura”, não pode ter tido nenhum ancestral negro até a décima sexta geração, algo assim. Eu tinha a impressão de que esse critério, possivelmente inventado pelos brancos americanos, no Brasil nunca iria funcionar, e achava bom que não funcionasse.

Aqui no Brasil para determinar se alguém é ou não negro — ou pardo — vem se usando a declaração da pessoa. No entanto, muitas pessoas não têm a menor idéia da existência, muito menos do grau, de miscigenação entre seus ancestrais. EU, por exemplo, sei quem foram meus bisavós, todos eles de extração lusitana. Mas antes deles? Nem sei quem foram nem donde vieram. Se um filho ou neto meu for à UERJ e se declarar pardo, eles aceitam? Se aceitarem, o número de negros e pardos na população brasileira tenderá a crescer rapidamente, sinto dizer. Uma coisa é a pessoa se declarar negra quando isso só traz desvantagem. Outra, bastante diferente, quando traz vantagem (como, por exemplo, entrar numa universidade pública mesmo com uma média no vestibular bastante inferior à dos alunos que não se declaram negros).

O movimento negro, para se dizer representativo e reunir força política, é favorável a isso. Para se fortalecer, ele quer se dizer representante de toda pessoa que tenha pelo menos um pequeno percentual de miscigenação entre seus ancestrais. Em outras palavras: os negros brasileiros parecem ter adotado uma forma de classificar os negros que é IDÊNTICA, sem tirar nem por, à adotada pelos brancos nos Estados Unidos!!! Que lá é freqüentemente considerada racista.

Durma-se com um barulho desses.

Ou será que eu não entendi alguma coisa?

i. Auto-estima [28.8.2002]

Fala-se muito, hoje, em auto-estima.

Os socializantes defendem a tese de que os pobres têm direitos sociais que lhes garantem uma “rede de segurança”: educação, saúde, emprego, seguro desemprego, renda mínima, etc. Enfatizam que essas coisas devem ser concedidas aos pobres como direitos deles e deveres da sociedade, e não como as esmolas, que de fato são, porque assim preservamos a “auto-estima” dos pobres, que seria destruída se fossem objetos de nossa generosidade (e não de nosso dever).

Ayn Rand, em Atlas Shrugged (Quem é John Galt? Ou A Revolta de Atlas é o título em Português) corretamente nos lembra de que nossa auto-estima é decorrente de nossa capacidade de, usando autonomamente a nossa mente, chegarmos aonde queremos.

Um aluno, na escola, que tira nota 10 porque colou, não tem sua auto-estima elevada. Somente aquele que tira uma boa nota em decorrência de sua capacidade.

O pobre inteligente e esforçado sabe que o que ele está recebendo é uma esmola e luta ainda mais para não precisar se tornar objeto dela: é assim que ele aumenta sua auto-estima.

O pobre burro e vagabundo se acostuma com a esmola e acaba por acreditar que ela é de fato algo a que ele faz jus. Assim, acrescenta a arrogância às suas outras características negativas.

j. Os socializantes e as prostitutas [28.8.2002]

Ayn Rand, em Atlas Shrugged (Quem é John Galt? ou A Revolta de Atlas é o título em Português) faz uma analogia interessante entre os socializantes e as prostitutas.

As prostitutas entregam o seu corpo a qualquer um, mesmo a desconhecidos ou até mesmo a pessoas pelas quais não têm o menor respeito ou admiração. Fazem isso por dinheiro.

Os socializantes entregam a sua mente (pois o que é o dinheiro, se não o fruto do trabalho de nossa mente?) a qualquer um, mesmo a desconhecidos ou até mesmo a pessoas pelas quais não têm o menor respeito ou admiração. Fazem isso sem pagamento algum.

As prostitutas pelo menos têm um critério: entregam o corpo em troca de dinheiro.

Os socializantes nem esse critério têm: são as prostitutas da mente.

k. O “Doublespeak” da Esquerda [5.8.2002]

A esquerda freqüentemente ganha o confronto com os liberais no plano da manipulação lingüística.

Boa parte do aparente apoio que a população dá à esquerda é decorrente do fato de que a esquerda ludibria a população — e o fez através da manipulação lingüística.

A maioria da população não quer maior controle de suas vidas. Mas a esquerda não lhe vende maior controle de suas vidas: vende-lhe “mais liberdade real” — sem esclarecer que “a maior liberdade real” de uns representa maior controle das vidas de outros, e que, mais cedo ou mais tarde todo mundo paga por essa “maior liberdade real” (que não é liberdade nem para os recipientes).

A população não quer mais e mais altos impostos. Mas a esquerda não lhe vende mais e mais altos impostos: vende-lhe a promessa de “igualdade de resultados” — sem esclarecer que “igualdade de resultados”, numa sociedade minimamente democrática, só se busca (sem que jamais se alcance) através de mais impostos e de impostos cada vez mais altos.

A população não quer injustiças. Mas a esquerda não lhe vende injustiças: vende-lhe a promessa de “justiça social” — sem esclarecer que “justiça social” é o que antigamente se chamava de injustiça.

Quem vai ser contra mais “liberdade” (real)?

Quem vai ser contra mais “igualdade” (de resultados)?

Quem vai ser contra mais “justiça” (social)?

É isso que a população pensa, porque é enganada por uma esquerda inescrupulosa que usa como sua principal tática o doublespeak.

George Orwell sabia que se a escravidão for chamada de liberdade, a guerra for chamada de paz, e a injustiça for chamada de justiça, é fácil convencer as pessoas a ser favoráveis à escravidão, à guerra e à injustiça. Nos Estados Unidos os socializantes são chamados de quê? De liberais! A esquerda aprendeu essa lição melhor do que ninguém. Ela ganha de nós, liberais, porque nós, como racionalistas, acreditamos que as palavras têm sentido e que é imoral deturpar esse sentido. A racionalidade e moralidade impõem limites ao que estamos dispostos a fazer.

l. A Criatividade da Esquerda [24.6.2002]

Dizem que a direita é mais eficiente do que a esquerda. Pode ser. Mas a esquerda é muito mais criativa.

De 14 a 17 de Maio de 2001 participei em Brasília da Oficina para a Inclusão Digital realizada pela Secretaria da Presidência da República, realizada pelo e-gov — Comitê Interministerial para o Governo Eletrônico, órgão vinculado diretamente à Presidência da República (vide http://www.governoeletronico.gov.br/).

Vou aqui tecer alguns comentários de natureza pessoal sobre o evento, com o intuito de mostrar algumas das estratégias a que a esquerda vem recorrendo para manter o seu objetivo de tomar de assalto o governo e controlar as nossas vidas, roubando-nos a liberdade de que ainda dispomos.

1. Embora tenha participado de três Grupos de Trabalho e de todas as plenárias, procurei restringir minhas manifestações, nessas ocasiões, a questões em que o meu ponto de vista pessoal, no meu entender, não conflitava com, nem ia além, de posições oficiais ou conhecidas do Instituto Ayrton Senna (instituição em cujo nome participei do evento). Nos comentários que farei a seguir, porém, estarei me manifestando exclusivamente em meu nome pessoal, como cidadão, e, portanto, dizendo uma série de coisas que não julguei apropriado dizer durante o evento.

2. Apesar de o objetivo declarado do evento ser, como já ressaltado, “promover(…) um amplo debate, reunindo governos, setor privado e a sociedade civil organizada, para examinar a temática da Inclusão Digital e identificar as alternativas mais adequadas para sua viabilização”, e apesar da predominância absoluta de empresas privadas entre os patrocinadores, as empresas — isto é, a iniciativa privada — foram claramente alijadas da participação nos Grupos de Trabalho, que eram o lugar em que realmente estava acontecendo o que era importante.

3. Esse alijamento não foi não-intencional, por se presumir que não haveria entre as empresas pessoas interessadas no assunto (pois há: a Microsoft acabou de lançar um livro com o título de Inclusão Digital). O alijamento se deu de forma absolutamente consciente e deliberada. O Programa distribuído aos participantes dos Grupos de Trabalho esclarecia: “Cabe lembrar que podem indicar participantes para os grupos de trabalho: organizações civis sem fins lucrativos, fundações, autarquias, entidades de classe, institutos de pesquisa, universidades, governos estaduais e municipais, assembléias e câmaras legislativas, tribunais, procuradorias e promotorias e entidades internacionais com participação brasileira”. Ou seja: as empresas privadas serviram para patrocinar o evento e para, mediante uma referência a ela no Programa, dar a impressão aos leitores de que a Oficina iria reunir os “três setores”: governo, iniciativa privada, e o “terceiro setor”. Na realidade, tratou-se de uma reunião entre o governo e o terceiro setor, com alijamento deliberado da iniciativa privada.

4. Acho essa omissão particularmente arbitrária e injusta, porque muitas empresas têm feito um trabalho excepcional nas áreas chamadas de exclusão social e de exclusão digital. O Instituto Ayrton Senna, em particular, realiza quase que a totalidade de seus programas e projetos em parceria com empresas privadas, que os financiam. O “Sua Escola a 2000 por Hora”, por exemplo, é realizado em parceria com a Microsoft e com a Tele Centro-Oeste Celular. Embora a Microsoft fosse patrocinadora do evento e um funcionário seu, Carlos Eduardo Félix Ximenes, tenha dado uma palestra no período da tarde da terça-feira, ele não pode participar dos Grupos de Trabalho.

5. Na realidade, o governo FHC vem, desde o início, procurando cooptar o chamado Terceiro Setor para apoiar o governo – em muitos casos, com sucesso. O caso mais ostensivamente ilustrativo dessa estratégia do governo foi tentativa de “mesclar” o Betinho com a Comunidade Solidária. O Comunidade Solidária mudou de nome, passando a se chamar Comunidade Ativa, e estava presente no evento. O Secretário Executivo do “Programa Comunidade Ativa”, Osmar Gasparini Terra, disse, textualmente, em palestra proferida na manhã da terça-feira, “trazer para dentro do governo a sociedade civil organizada”. Recentemente FHC indicou Zilda Arns, Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança, para o Prêmio Nobel da Paz, tentando fazer dela uma “Irmã Dulce Brasileira” (vide Veja de 28/03/01), e procurando ganhar apoio das entidades do Terceiro Setor que a apoiam e admiram.

6. A forma utilizada para tentar cooptar o Terceiro Setor é o oferecimento, pelo governo, de “parcerias”, que, a maior parte das vezes, significa a transferência de recursos do governo para entidades do Terceiro Setor. É preciso registrar que embora haja um número significativo de entidades do Terceiro Setor absolutamente sérias e que apresentam uma real alternativa ao “Primeiro Setor”, o governo, buscando recursos de fontes privadas para financiar o seu trabalho, há um número elevado de entidades do Terceiro Setor que foram criadas apenas para obter verbas oficiais e se tornar, assim, uma forma de “terceirização do serviço público”. Algumas até são conduzidas por pessoas sérias, mas não resta dúvida de que o campo está aberto a todo tipo de picaretagem.

7. O tópico “Inclusão Digital” se presta bem às entidades do Terceiro Setor que pleiteiam verbas públicas, porque sendo a inclusão digital relacionada à tecnologia, em especial ao acesso à Internet, faz sentido argumentar que os recursos do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (instituído pela Lei 9998, de 17 de agosto de 2000), que serão, estima-se, da ordem de pelo menos um bilhão de reais por ano, sejam alocados a projetos de inclusão digital. Até agora, o Governo Federal tem controlado sozinho esses recursos, mas está havendo enorme pressão, da parte de governos estaduais e municipais e de entidades do Terceiro Setor, para que os recursos sejam compartilhados com os demais níveis de governo e com a “sociedade civil organizada”. Na verdade, houve, no encontro, propostas de que a gestão desses recursos ficasse a cargo da “sociedade civil organizada”.

8. Aqui talvez seja o lugar de discutir essa expressão: “sociedade civil organizada”. Os menos avisados poderão pensar que essa expressão é apenas uma forma mais afrescalhada de se referir a todas as pessoas e entidades que, na sociedade, não são governo. Uma pessoa não iniciada, que não desejasse que o governo controlasse a destinação dos recursos do FUST, provavelmente diria, por exemplo, que o uso dos recursos do FUST deveria ser controlado pela sociedade, não pelo governo. Mas isso, segundo os iniciados, seria inviável. Como é que a sociedade exerceria esse controle? Além do mais, iriam as empresas participar desse controle? O termo “civil”, na expressão “sociedade civil”, é colocado para deixar as empresas de lado. Quando se fala em “sociedade civil”, em contextos como esse, as empresas estão fora. Quando se acrescenta o “organizada”, pretende-se excluir mais gente ainda: as pessoas, como indivíduos. Para participar da “sociedade civil organizada” é preciso, naturalmente, ser uma organização. Mas igrejas são organizações. Também o são sindicatos, partidos políticos, etc. Para restringir ainda mais o universo do que se entende por “sociedade civil organizada”, foi até mesmo promulgada uma Lei, a de nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999.

9. Para ser considerada uma “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público”, e portanto, fazer parte da “sociedade civil organizada”, uma organização precisa, segundo o Art. 3º:

A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:

I – promoção da assistência social;

II – promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

III – promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;

IV – promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;

V – promoção da segurança alimentar e nutricional;

VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

VII – promoção do voluntariado;

VIII – promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;

IX – experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

X – promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;

XI – promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;

XII – estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.

10. Além disso, para ser considerada uma “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público”, e portanto, fazer parte da “sociedade civil organizada”, uma organização não pode, segundo o Art. 2, ser desses tipos:

I – as sociedades comerciais;

II – os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional;

III – as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais;

IV – as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;

V – as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios;

VI – as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;

VII – as instituições hospitalares privadas não gratuitas e sua mantenedoras;

VIII – as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;

IX – as organizações sociais;

X – as cooperativas;

XI – as fundações públicas;

XII – as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas;

XIII – as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

11. Ainda há outras exigências formais para o enquadramento, mas, para as organizações que se enquadram fica aberta, conforme estipula o Art. 9º, a possibilidade de “parceria” com o Poder Público “destinad(a) à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei” (o item 9, neste capítulo deste documento).

12. Os Termos de Parceria devem estabelecer “previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e o detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos, com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e consultores” (Item IV do § 2º do Art. 10).

13. Por fim, conforme estipula o Art. 18, “as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data de vigência desta Lei.”. O § 1º estipula que “findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores”.

14. Esses elementos todos explicam “a corrida do ouro” – o ouro sendo os recursos do FUST. Os representantes de governos estaduais e municipais tentavam garantir que a gestão do FUST não seria feita apenas pelo Governo Federal, mas que incluiria os níveis estaduais e municipais. Os representantes das entidades do Terceiro Setor tentavam garantir que a gestão do FUST seria feita com a “sociedade civil organizada” ou, até mesmo, se possível fosse, pela “sociedade civil organizada”, sem a participação do governo. E as empresas – especialmente as empresas de telecomunicação, que vão ser responsáveis por gerar esse recursos? Bem, elas geram mas não gerem… – a prevalecerem as posições majoritárias no encontro.

15. Não tenho nada contra a sociedade se organizar. Também nada tenho contra o fato de que qualquer um pode criar uma ONG. Mas não gosto de ver o governo repassando dinheiro para ONGs e outras entidades criadas e administradas por gente que não conheço e não sei quem é – porque o dinheiro que está sendo repassado é, em última instância, o meu dinheiro. Por mais que deteste o governo, quando ele extrapola o que considero suas legítimas funções, o governo tem pelo menos a legitimidade de ter sido eleito por uma parcela significativa da população. Ninguém elege diretor de ONG. Uma ONG não precisa ter representatividade nenhuma para poder fazer uma “parceria” com o Poder Público. E quando vejo o apetite com que vão atrás das “verbas”, fico preocupado.

16. Para se ter idéia de até onde vai a “cara de pau” de alguns dos participantes do encontro, um dos grupos aprovou a seguinte recomendação ao governo, que foi o item 173 da minuta de Relatório Final (suprimida, na votação final, por proposta minha): “Reservar parte do lucro das escolas e faculdades particulares para a produção de equipamentos de baixo custo utilizados pelas ações de inclusão digital”.

17. Eis algumas outras propostas aprovadas que, a meu ver, não só nada têm que ver com inclusão digital como não fazem porque justificar a inversão de recursos dos pagadores de impostos:

a) Incluir o financiamento de atividades relacionadas com a preservação, promoção e divulgação de identidades culturais diversas no Fundo de Universalização de Serviços de Comunicação – FUST;

b) O resgate dos idiomas indígenas e de outras minorias étnicas pode ser grandemente alavancado pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação – isso enriquece o patrimônio lingüístico nacional; c) Estimular, através das tecnologias de informação e comunicação, o uso das 170 línguas indígenas, bem como as faladas por afro-remanescentes.

18. E assim vai. Fico me perguntando se as línguas indígenas, de “afro-remanescentes”, e de outras minoriais étnicas são línguas nacionais ou estrangeiras. Se são línguas nacionais, então o inglês é língua nacional, pois é língua de uma minoria étnica na região de Americana e Santa Bárbara d’Oeste. Se não são, como fica, diante dessa proposta, a “defesa do idioma nacional” capitaneada pelo Deputado Aldo Rebello?

19. Concluo. A esquerda abandonou o projeto de conquistar o governo pela revolução. Usa, hoje, meios mais sutis. Entre eles está o “doublespeak” de que falava Orwell. Testemunhei, nesses quatro dias, a extensão em que está ocorrendo uma revolução lingüística em nosso meio. A questão da “sociedade civil organizada” já foi mencionada. Há dois outros exemplos.

a) Havia um Grupo Destinado a discutir “Diretrizes para a Elaboração de Sites Públicos”. O primeiro cuidado do grupo foi mudar o tema para “Diretrizes para a Elaboração de Sites Governamentais”, porque havia pessoas no grupo que consideravam que os sites das entidades do terceiro setor também são “sites públicos” – e elas não queriam ninguém se metendo a dar diretriz sobre como elas deveriam construir seus sites… Na plenária final houve até uma discussão do que se quer dizer por “público”. Alguém ingenuamente mencionou que todos os sites da Internet são públicos, porque são acessíveis a todos… A isso se retorquiu que “público”, neste caso, quer dizer “de interesse público”. Mas, continuou o ingênuo, será que um site de uma empresa não pode ser de interesse público? Não, não, apressaram em responder. O site, para ser considerado público, precisa prestar um serviço público, isto é, um governo que só o governo deveria prestar, mas que ele pode delegar, através de uma parceria, para uma entidade da “sociedade civil organizada”…

b) Dado o fato de que muitas entidades da “sociedade civil organizada” se consideram “públicas” e parceiras do governo, houve, também, a tentativa de se considerarem governo, criando a distinção entre “governo estatal” (o governo, propriamente dito) e “governo social” (o governo com elas).

Durma-se com um barulho desses.

m. Liberdade, Direitos e Deveres [16.6.2002]

Talvez a característica mais marcante do pensamento liberal clássico seja sua insistência na tese de que nossa liberdade está alicerçada no reconhecimento de direitos, pertencentes e inerentes ao indivíduo, que não são concedidos pelo Estado e que, portanto, nem o Estado pode abolir — embora lhe compita garanti-los.

São estes os direitos reconhecidos pelo liberalismo para cada indivíduo:

* o direito à vida

* o direito à segurança (da própria pessoa e de seus bens)

* o direito à livre expressão (de opiniões, de estilos de vida)

* o direito à livre locomoção (de ir e vir)

* o direito à livre associação (com quem concorde em se associar com ele)

* o direito à propriedade (de terra, bens e dinheiro)

* o direito à ação na busca de sua felicidade (da forma que lhe parecer mais adequada).

Esses direitos são considerados naturais pelo pensamento liberal porque eles nos pertencem simplesmente em virtude de sermos seres humanos — não em virtde de sermos cidadãos deste ou daquele país. Sendo naturais, nascemos e morremos com eles: por isso, são também imprescritíveis e inalienáveis. Se eles não forem observados, não teremos condições de nos manter e sobreviver, muito menos de viver a vida que escolhemos viver, como seres racionais e livres.

Cada direito que eu tenho (ou que qualquer pessoa tem) impõe um dever a todos os demais seres humanos.

No caso dos chamados direitos individuais, o dever imposto a todos os demais seres humanos é um dever negativo: o dever de não interferir com meus direitos. Esse é um dever “negativo”, pois se trata de um dever de não-agir, de inagir. Assim, se alguém está interferindo com o meu direito de expressão, ou por me obrigar a me expressar, quando não quero, ou por me impedir de me expressar, quando desejo fazê-lo, eu posso, num país livre, chamar a polícia para que ela obrigue esse alguém a parar de interferir com meu direito de expressão.

É por isso que as liberdades que correspondem a esses direitos — liberdade de expressão, locomoção, associação, propriedade, ação — são chamadas de liberdades negativas (ou formais). Eu sou livre para me expressar ou agir quando ninguém me impede de fazê-lo. Não é necessário, para que eu tenha liberdade de expressão ou ação, que alguém me dê um microfone, ou um palanque, ou uma estação de rádio, ou uma estação de televisão, ou um jornal, ou uma editora, ou um site na Internet. Isso cabe a mim conquistar, se concluir que preciso desses meios para ser feliz — isto é, para viver a vida que, racional e livremente, escolhi para mim.

Pensadores de esquerda inventaram, porém, há pouco tempo (é bom que se diga), uma outra modalidade de direitos: os chamados direitos sociais, que envolveriam o direito à educação, o direito ao tratamento de saúde, o direito à moradia, o direito ao transporte, o direito ao emprego, o direito à aposentadoria, o direito a uma remuneração mínima e digna (mesmo na ausência de emprego), e não sei quantos mais direitos (o número aumenta a cada dia e com assustadora rapidez). Afirmam eles que os direitos individuais (a que correspondem as liberdades negativas ou formais) defendidos pelos liberais de pouco valem sem esses novos direitos. Na verdade, alguns chegam a chamar os direitos de expressão, locomoção, associação, propriedade e ação de “direitos burgueses” — considerando essa expressão uma expressão pejorativa.

Mas há um problema sério com esses alegados direitos sociais. Se eles são de fato direitos (como alegam os pensadores de esquerda), eles devem impor um dever correspondente sobre todos os seres humanos e sobre cada um deles, individualmente. Assim, se alguém tem direito a educação ou a tratamento médico, e não os está recebendo, alguém tem o dever de provê-los; se alguém tem direito ao emprego e está desempregado, alguém tem a obrigação de lhe dar um emprego ou de lhe pagar uma remuneração digna à guisa de seguro desemprego (mesmo que ele nunca tenha feito tal seguro) ou à guisa de renda mínima que todo ser humano deve ter, mesmo que desempregado.

Mas quem é esse alguém que tem tais deveres? Você? Se alguém estiver com câncer ou com AIDS e bater à sua porta exigindo que você cumpra o seu dever de lhe dar tratamento médico, você reconhecerá esse dever e fará isso? Se alguém estiver desempregado e bater à sua porta exigindo que você cumpra o seu dever de lhe dar um emprego ou uma remuneração digna enquanto estiver desempregado, você reconhecerá esse dever e fará isso?

Dificilmente.

As pessoas em geral não reconhecem que esses deveres recaiam sobre elas, individualmente. Entretanto, muitos alegam que esses deveres recaem sobre o governo. Mas o governo não tem um centavo que não seja confiscado de você ou de mim — e confiscado quer dizer tomado pela força, pois se não pagarmos nossos impostos, seremos presos. Assim, se é o governo que tem o dever de dar cobertura a todos os direitos sociais, em última instância somos você e eu que o estaremos fazendo, através de nossos impostos.

Mas pode ser que nem você nem eu queiramos fazer isso — ou queiramos ser obrigados a fazer isso. Pode ser que você e eu concordemos que há muitas pessoas que, se receberem uma remuneração sem trabalhar, não vão procurar emprego muito seriamente. Pode ser que você e eu discordemos de um estatista (não confundir com estadista) como Cristóvam Buarque que acha que toda mulher com filhos, trabalhadora ou desempregada, seja remunerada, sem trabalhar, para que crie os filhos, até que eles passem de cinco anos, achando que, se mais esse suposto direito social vier a ser reconhecido, vai haver muita gente que vai fazer de ter filhos uma profissão (como já acontece nos Estados Unidos, em que mães solteiras recebem casa e alimentação gratuita do governo) — e que a conta vai bater no seu e no meu bolso… [Vide minha nota sobre a proposta de Cristóvam Buarque, abaixo].

Os chamados direitos sociais, portanto, não são direitos, porque eles impõem a terceiros deveres positivos, ou seja, o dever de agir de diferentes formas (e não apenas de não interferir), dever esse que viola a sua liberdade de ação e o seu direito à propriedade de seu próprio dinheiro. Não pode haver um direito que, para ser implementado, envolva a violação das liberdades básicas e dos direitos de outra pessoa.

n. Liberdades: As Negativas e as Assim-chamadas Positivas [16.6.2002]

As liberdades negativas são também chamadas de formais e as assim-chamadas positivas, de substantivas.

No sentido tradicional do termo, liberdade quer dizer liberdade negativa ou formal. Nesse sentido, uma pessoa é livre se ela não é coagida por outras pessoas, isto é, se não é obrigada a agir, ou constrangida a deixar de agir, por terceiros.

O que recentemente veio a ser chamado de “liberdade positiva” ou “liberdade substantiva” (ou, às vezes, com muita “cara de pau”, “liberdade real”, como se a outra não fosse), é algo que está muito mais próximo de “capacidade, habilidade, meios, recursos, poder ou possibilidade real” do que de liberdade.

É óbvio que qualquer pessoa, no Brasil, é livre para, por exemplo, comprar uma mansão no Morumbi — livre no sentido de que ninguém a obriga a, ou impede de, comprar uma mansão no Morumbi. Como também é óbvio que muitas pessoas não têm meios ou recursos financeiros para comprar uma mansão no Morumbi, alguns filósofos (geralmente de esquerda) resolveram, arbitrariamente, negar que essas pessoas sejam livres para comprar a referida mansão.

Foi assim que surgiu a noção de “liberdade positiva” ou “liberdade substancial”. Ser livre, nesse sentido, é poder (isto é, ter meios ou recursos, capacidade ou habilidade, possibilidade real de) fazer aquilo que se deseja fazer.

Outro exemplo. É óbvio que qualquer pessoa, no Brasil, é livre para, por exemplo, obter um doutorado na USP — livre no sentido de que ninguém a obriga a, ou impede de, fazer esse doutorado. Mas também é óbvio que muitas pessoas não conseguem fazer esse doutorado porque não têm capacidade ou preparo suficiente para ser aprovada nos processos seletivos. Em decorrência disso, muitos filósofos (em geral de esquerda) negam, de maneira arbitrária, que essas pessoas sejam livres para fazer esse doutorado.

Por que afirmou que os defensores da liberdade positiva ou substantiva sejam arbitrários na sua conceituação de liberdade?

A resposta básica é que a aquisição de uma mansão no Morumbi ou o acesso a um doutorado da USP é livre. Que a aquisição e o acesso são livres quer dizer que ninguém é obrigado a, ou impedido de, se valer deles. Ser livre, porém, não quer dizer que todos precisam ser capazes de fazer essa aquisição ou de aceder a esse doutorado. A liberdade, no caso, é uma condição, extremamente importante (na verdade, sine qua non), para que alguém possa fazer alguma coisa — mas não é condição suficiente. Para que as pessoas possam fazer uso dessa liberdade, elas precisam cumprir outras condições: ter dinheiro suficiente (no caso da mansão) ou ter capacidade e preparo (no caso do doutorado) — ou, talvez, ainda alguma outra coisa.

Que as pessoas não sejam igualmente ricas ou igualmente capazes ou preparadas pode ser algo a ser lamentado — mas não significa que sejam menos livres.

Veja a nota seguinte [anterior, aqui], sobre direitos e deveres.

o. Cristóvam Buarque [16.6.2002]

Em entrevista dada à Revista Isto é, publicada em 7/6/2002, Cristóvam Buarque defende um assim chamado projeto para “acabar com a pobreza em uma década ao custo de R$ 40 bilhões por ano”.

Entre outras besteiras, ele defende o seguinte: “A minha proposta é mais simples e dentro do mercado: garantir licença remunerada para toda mulher, trabalhadora ou desempregada, para que ela crie os filhos até cinco anos.”

Cabe, em primeiro lugar, perguntar: a mulher desempregada com filho até cinco anos, terá licença remunerada de quê? Já está desempregada, e, portanto, sem trabalhar fora de casa. Vai receber licença de quê? Cristóvam Buarque não se digna responder.

Cabe, em segundo lugar, perguntar: quem vai remunerar essas licenças? No caso da mulher desempregada, parece que o único candidato viável é o governo (isto é, você e eu). No caso da mulher empregada, estaria Cristóvam Buarque pensando no empregador (visto que fala que essa proposta seria “mais simples e dentro do mercado”)?

Cabe, em terceiro lugar, perguntar se uma mulher que viesse a ter um filho a (pelo menos) cada cinco anos, dos 15 aos 45 anos, passaria em licença remunerada esses trinta anos de vida fértil. (Lembro-me de um filme muito antigo de Sofia Loren, em que, para não ser presa, ela estava constantemente ou grávida ou amamentando, exigência que levou seu marido Marcello Mastroiani à beira do colapso físico e mental — acho que o filme se chamava “Ontem, Hoje e Amanhã”, algo assim).

É difícil dimensionar a medida de ingenuidade ou “mau-caratismo” que uma tal proposta envolve. Se a tal licença remunerada ficar por conta do governo, Cristóvam Buarque se acha no direito de solucionar um problema metendo a mão no seu e no meu bolso. Não sei sobre você, mas eu não concordo com isso. Se a tal licença ficar por conta dos empregadores, no caso de mulheres empregadas, Cristóvam Buarque se acha no direito de solucionar um problema metendo a mão no bolso deles. Também não concordo com isso, porque em última instância seríamos, novamente, você e eu que acabaríamos por pagar a conta final na forma de maiores preços de produtos e serviços.

Ter filhos é uma decisão pessoal e livre de uma pessoa ou um casal, pela qual apenas a mulher e o homem envolvidos podem ser chamados a assumir responsabilidade. É uma distorção da liberdade exercer um direito e mandar a conta (a responsabilidade) para terceiros.

Cristóvam Buarque, pelo jeito, se acostumou tanto a meter a mão no bolso alheio que nem sente mais que isso pode vir a ser considerado um problema pelos donos do bolso.

Xô, Satanás.

p. Uma Nota sobre Igualdade [16.6.2002]

Amartya Sen, em seu livro Inequality Reexamined (Harvard University Press, Cambridge, MA, 1992), chama a atenção para várias questões importantes relativas ao problema da Igualdade vs Desigualdade.

Em primeiro lugar, Amartya Sen deixa claro que a premissa básica para toda discussão do problema da igualdade é a diversidade huamana — ou seja, o fato visível e notório de que seres humanos são diferentes uns dos outros e, portanto, desiguais. Se os seres humanos fossem ostensivamente iguais (em características físicas e mentais, especialmente em motivação e capacidades, e, portanto, em desempenho — para não falar nas circunstâncias em que nascem e que em são levados a viver), não haveria porque estar lutando pela igualdade e contra a desigualdade. Seres humanos são visível e notoriamente desiguais — por isso há um problema a ser analisado, discutido e, eventualmente, resolvido em relação à igualdade.

Em segundo lugar, Amartya Sen assinala que todas as filosofias políticas admitem que, a despeito de toda essa desigualdade, há algum aspecto em relação ao qual deve haver (note-se bem) igualdade entre todos os seres humanos. A igualdade, portanto, não é um fato que se possa descrever, mas um valor que se deseja prescrever. As várias filosofias políticas divergem, porém, acerca de qual deva ser esse aspecto — ou seja, acerca da questão “Devemos buscar igualdade em relação a que aspecto?” Até mesmo os liberais clássicos (hoje chamados de libertários nos Estados Unidos), que são os maiores opositores do egalitarianismo (como comumente entendido), admitem que deva haver igualdade de direitos individuais (ou liberdades formais) entre os seres humanos. Assim, a grande questão a separar as filosofias políticas não é que umas defendem a igualdade e outras a combatem, mas, sim, a questão do aspecto (ou dos aspectos) em que, segundo cada uma delas, deve haver igualdade.

Em terceiro lugar, Amartya Sen destaca o fato de que virtualmente todas as filosofias políticas admitem que, ressalvado(s) o(s) aspecto(s) em relação a que defendem que deva haver igualdade, possa haver desigualdades em relação aos outros aspectos. Assim, os liberais clássicos (ou libertários) defendem igualdade de direitos individuais (liberdades formais), mas acham que, havendo essa igualdade, é virtuamente impossível evitar que haja outras desigualdades (especialmente desigualdade econômica e social), dadas as diversidades (em termos de motivação, ambição, capacidade, circunstâncias, oportunidades, sorte) existentes entre os seres humanos. Os defensores da igualdade de renda, por exemplo, podem conviver com desigualdades de bem-estar, porque as pessoas, sendo diferentes umas das outras (nos aspectos citados), darão destinos diferentes às suas rendas iguais, umas usando-as bem, para promover seu bem-estar, outras desperdiçando-as. Mesmo os que defendem igualdade de bem-estar, se os houver, terão que conviver com outras desigualdades, porque o que é bem-estar para um pode não ser para outro, e, portanto, um pode precisar de muito mais renda do que outro para alcançar o mesmo nível de bem-estar (seja lá como for que se meça bem-estar) do outro — e isso representa desigualdade de renda. E assim por diante.

Em quarto lugar, e no mesmo espírito do que acabou de ser dito, Amartya Sen faz uma distinção importante entre igualdade em relação a meios ou recursos e igualdade em relação a fins ou resultados. Alguns aspectos em relação aos quais se tem defendido que deva haver igualdade são meios para outras coisas, como, por exemplo, renda, “bens primários” (Rawls), “recursos” (Dworkin), etc. Outros aspectos são fins ou resultados (“outcomes”): bem-estar (saúde [ausência de morbidade ou doença], longevidade [ausência de mortalidade prematura] ou felicidade [capacidade de ação, satisfação de desejos, auto-estima elevada, sentido de realização, etc.], etc.

Em quinto lugar, Amartya Sen defende a tese de que o fato de duas pessoas terem igualdade de meio (digamos, igualdade de renda) não lhes garante, necessariamente, igualdade de resultados (bem-estar, felicidade), porque uma pode ser capaz de transformar esse meio no fim desejado, ou seja, transformar essa renda em bem-estar, felicidade, etc., enquanto a outra, por qualquer de várias razões, pode ser incapaz de fazê-lo.

Em sexto lugar, mesmo a sugestão do próprio Amartya Sen sobre o aspecto relevante em que devemos buscar igualdade, a saber, capacidades, não resolve o problema, como ele mesmo admite. Ainda que (por mais impossível que pareça) consigamos que todos os seres humanos venham a ter capacidades iguais, ainda assim não podemos garantir que essas capacidades vão se traduzir nas ações necessárias para lhes trazer igual bem-estar ou felicidade — a menos que se postule que todos os seres humanos sejam absolutamente idênticos, tese, porém, que contradiz, frontalmente, a observação inicial acerca da diversidade e desigualdade humana.

É nesse contexto que devemos procurar analisar o problema da igualdade — analisando qual das propostas de “igualdade basal” (proposta acerca do aspecto em que devemos buscar igualdade entre os seres humanos) faz mais sentido.

Eu, como bom liberal clássico, defendo a tese de que a única igualdade que faz sentido buscar é a igualdade de direitos (ou liberdades formais). Mas não vou argumentar a favor dessa tese agora.

q. A Virtude da Prosperidade [29.5.2002]

Gostaria de recomendar um dos livros mais interessantes que já li sobre a questão de desigualdade e da pobreza: Dinesh D’Souza’s The Virtue of Prosperity: Finding Values in an Age of Techno-Affluence (Simon and Schuster, New York, 2000).

Vale a pena ler. O tratamento é equilibrado, mas firme do lado do pensamento liberal.

r. Democracia [28.5.2002]

Muito se discute hoje em dia a respeito da democracia.

No meu entender a democracia, vista do ponto de vista do liberalismo, é um sistema de governo caracterizado pela proteção dos direitos individuais e, portanto, pela máxima expansão possível da liberdade dos cidadãos.

A democracia, para poder expandir ao máximo a liberdade, precisa considerar como a única função legítima do estado a manutenção da segurança dos cidadãos (que envolve sua proteção no plano interno e externo e a criação de mecanismos para a resolução pacífica de conflitos entre eles), a fim de que cada pessoa possa levar adiante os seus objetivos pessoais.

Para garantir direitos individuais e expandir ao máximo a liberdade, uma Constituição deve declarar invioláveis os direitos à vida, à segurança, à expressão, à locomoção, à associação e à propriedade, assim categoricamente proibindo infração ou redução desses direitos pelo próprio governo (através de legislação) ou por quem quer que seja.

Esses direitos devem ser interpretados negativamente. Assim, o direito à expressão, por exemplo, proíbe o governo ou qualquer outro cidadão ou instituição de interferir com a expressão de minha opinião ou de meu estilo de vida — mas não obriga o governo ou qualquer outro cidadão ou instituição a me dar um forum (espaço em jornal, rádio ou televisão, uma página na Internet, um caminhão com sistema de som, etc.). De igual forma, o direito à associação proíbe o governo ou qualquer outro cidadão ou instituição de interferir com a minha associação com quem quer que seja que queira se associar comigo — mas não obriga o governo ou qualquer outro cidadão ou instituição a zelar para que eu não discrimine outras pessoas em minhas associações, nem obriga ninguém a se associar comigo nem a me aceitar em suas associações, nem me obriga a aceitar esse ou aquele nas minhas associações. Associações, numa democracia liberal, são livres, e, portanto, podem impedir determinadas pessoas ou grupos de pessoas de participar delas, com base em qualquer critério que hajam por bem escolher.

A forma de escolha dos governantes não é tão importante quanto o fato de, na democracia, haver mecanismos que permitam que os governantes sejam pacificamente destituídos quando não obedecerem à Constituição ou deixarem de gozar da confiança da maioria dos eleitores. Eleições periódicas (a cada quatro anos, por exemplo) não são um mecanismo muito eficiente nesse sentido, pois logo após tomarem posse muitos governantes começam a fazer barbaridades. Um voto de desconfiança, como em sistemas parlamentaristas, é uma forma bem mais eficiente de derrubar um governo que deixou de gozar da confiança da população. Se o governo continua a gozar da confiança da população, pode ficar no poder por quanto tempo quiser, sem necessidade de novas eleições.

s. Lula e Lionel Jospin [22.4.2002]

Lula publicou, recentemente, no Carta Maior, o discurso que fez na França a favor da candidatura do socialista Lionel Jospin. O título da publicação foi: “Vitória de Jospin será ponto contra postura dos EUA”. A chamada para o artigo ainda estava na Home Page do UOL no dia 21/4/2002, junto com a notícia de que Lionel Jospin ficou em terceiro lugar no primeiro turno das eleições presidenciais francesas, atrás de Jacques Chirac, atual presidente, de centro-direita, e de Jean-Marie Le Pen, de extrema-direita.

E agora Lula? Você parece ser um tremendo pé frio. Visitou o Chavez na Venezuela e ele só teve problemas desde então. Visitou o Jospin, na França, e ele perdeu tão feio que anunciou que está desistindo da política…

(Quem quiser consultar o artigo inteiro Lula pode visitar:

 http://agenciacartamaior.uol.com.br/perspectivas/perspectivas.asp?artigo=224).

t. A Briga sobre a CPMF [18.3.2002]

A briga entre o PFL e o governo está resultando em pelo menos um benefício para os cidadãos: a não-renovação (pelo menos temporária) da maldita CMPF.

No entanto, o FHC e aquele idiota do Arnaldo Jabor, em discursos aparentemente afinados e sincronizados, vêm dizendo quase que textualmente a mesma coisa: “Pressionem os seus parlamentares, porque o Brasil está perdendo 400 milhões de reais por semana: esse é um dinheiro que está sendo roubado de você, de mim…”

Ora, ora: de onde saiu essa? Quando, por uma briguinha entre eles, o meu dinheiro fica no meu bolso, é aí que eu estou sendo roubado? O que é isso? Estamos presenciando a Novilíngua de 1984 em sua versão tucanesa em 2002? Quando não sou roubado, então é que sou roubado???

O Brasil não está perdendo 400 milhões de reais por semana. O Brasil, que somos nós, está GANHANDO esse dinheiro! Quem o está perdendo é o governo, que é outra coisa inteiramente. Através de uma lógica orwelliana, o governo acha que tem o direito de meter a mão em nosso bolso toda hora que precisa reforçar seu caixa.

Note-se o procedimento que o governo vem adotando em relação ao reajuste da tabela do Imposto de Renda. Por cerca de oito anos o governo não reajustou essa tabela (embora tenha reajustado os preços de tudo o que é produto e serviço das empresas estatais ou submetidas a controle de preços), fazendo com que o brasileiro sofresse não só pelo aumento dos preços de produtos e serviços controlados pelo governo mas, também, pelo aumento cavalar de impostos que o não-reajuste da tabela do Imposto de Renda acarretou.

Agora, que se tenta corrigir, em parte, a injustiça, o governo quer meter a mão em outro bolso nosso, aumentando a CSL das empresas. Acostumou-se tanto a roubar que, quando se lhe proíbe (parcialmente) de roubar, quer ser ressarcido “do prejuizo”!!!

Seria de rir — se não fosse de chorar…

u. Liberdade [27.2.2002]

Apesar de Erich Fromm dizer que o homem tem medo da liberdade, eu tenho plena convicção de que a liberdade é o bem maior que o homem almeja, porque ela é conditio sine qua non para qualquer outra coisa que ele queira fazer.

Embora seja inegável que a liberdade seja condição necessária para qualquer coisa que o homem queira fazer, ela certamente não é condição suficiente. Para conseguir fazer o que queremos, precisamos, além de liberdade, motivação, ambição, capacidade, circunstâncias, oportunidades, sorte…

Algumas dessas coisas independem de nós, mas a maioria está, ou pode vir a estar, sob nosso controle.

4.D. Educação [9 artigos]

a. Educação e Tecnologia [24.6.2002]

Quando se fala em educação e tecnologia a maioria das pessoas imediatamente pensa no uso da tecnologia para melhorar o ensino do professor em sala de aula, para transmitir informações de forma mais eficiente e atraente. Pressupõem, assim, ingenuamente, que educação e ensino são termos sinônimos e que usar a tecnologia na educação é usar a tecnologia para ensinar melhor matemática, física, química, biologia, história, geografia, etc.

Bill Gates, por incrível que possa parecer aos que não o conhecem muito bem, tem uma visão muito mais correta da questão do que a maioria dos educadores. Em um vídeo chamado “The Connected Learning Community”, Gates diz que a tecnologia vai mudar a educação (sic; não o ensino) por colocar pessoas em contato com pessoas e com a informação de que precisam para fazer o que desejam.

Há muitas coisas importantes — e absolutamente corretas — na posição de Gates.

Primeiro, a ênfase que ele coloca no fato de que a educação se faz através da interação entre pessoas, não da interação de uma pessoa com uma máquina (mesmo que uma máquina seja usada para colocar uma pessoa em contato com outra).

Segundo, o conseqüente reconhecimento de que o computador vai afetar a educação muito mais por ter se tornado um meio de comunicação interativa do que por ser um equipamento de processamento de informações.

Terceiro, a ênfase que ele coloca na aprendizagem, e não no ensino. A aprendizagem pode ocorrer em decorrência do ensino. Mas a aprendizagem que permanece e tem significado para o aprendente é aquela que acontece quando ele, assumindo uma postura ativa, interage com outras pessoas busca de resposta às suas perguntas ou de soluções para os seus problemas.

b. A Escola, a Ciência, e o Estado [24.6.2002]

Paul Feyerabend, em Contra o Método, argumenta que devemos separar a escola da ciência — quebrar o monopólio que o saber científico tem sobre a escola, tornando possível, por exemplo, que magia negra, voodoo, etc., também possam ser ensinadas na escola como empreedimentos tão legítimos como a ciência.

Isso é, naturalmente, loucura de Feyerabend, pois o que dá à ciência (como ela deve ser praticada — vide Popper) suas credenciais, e, portanto, lhe abre as portas da escola, é a racionalidade. A sugestão de Feyerabend é equivalente à tese de que não há distinção válida entre razão e não-razão, racionalidade e irracionalidade (tese absurda que, a meu ver, ele realmente defende).

O que devemos separar é a ciência e a educação do estado, eliminando o controle que o estado exerce sobre a pesquisa científica e a escola.

A propósito, Ayn Rand, em Atlas Shrugged, argumenta que a expressão “Pesquisa Científica Livre” é um pleonasmo — e que, portanto, “Fundação Nacional da Ciência” é uma contradição de termos.

c. A Educação e o Estado [24.6.2002]

Recomendo sem reservas um livro que trata do tema acima do ponto de vista histórico e filosófico: E. G. West, Education and the State (3a. edição, The Liberty Fund).

d. A Educação e a Escola [24.6.2002]

Ivan Illich sugere que, da mesma forma que a fé e a igreja tiveram que se separar um dia, a educação e a escola devem se separar. A igreja, que foi criada para ser o local privilegiado em que a fé era cultivada, tornou-se, um dia, um obstáculo à fé. A escola, hoje, está se tornando, segundo Illich, um obstáculo à educação.

Apesar de a igreja e a escola poderem ser controladas pelo estado (mesmo que se argumente que não o devam), a fé e a educação não devem — porque não podem!

e. Educação e Direito de Escolha (Liberdade) [23.6.2002]

No Brasil, atualmente, um casal cujos filhos chegam à idade escolar tem alguma liberdade (direito a algumas escolhas) — mas não muita(s).

O casal não tem, por exemplo, a liberdade (o direito) de educar seus filhos em casa: é obrigado pelo governo a colocá-los na escola. Recentemente um casal lutou por esse direito, mas não o teve reconhecido, o governo argumentando que toda criança com idade entre 7 e 14 anos tem que estar na escola. Esse direito foi negado apesar da inegável competência da mãe das crianças de educá-las (era professor) e apesar de o casal se dispor a submeter as crianças educadas em casa aos exames requeridos pelo governo ou mesmo aos exames de uma escola pública indicada pelo governo.

A única escolha (liberdade) básica que um casal cujos filhos chegam à idade escolar tem é de optar por colocá-los na escola pública ou na escola privada. Se o governo devolvesse aos casais que optam por colocar seus filhos na escola privada, e, portanto, optam por não usar a escola pública, o dinheiro correspondente ao custo dessas crianças na escola pública, essa escolha (liberdade) seria mais significativa. Do jeito que são as coisas, o casal que opta por colocar seus filhos na escola privada “paga duas vezes” pela educação de seus filhos: paga pela educação que recebem na escola privada e paga, através de seus impostos, para custear a escola pública que seus filhos não estão usando.

Se um casal escolhe colocar seus filhos na escola pública, não tem escolha direta sobre a escola que eles vão freqüentar, pois, em geral, as crianças são obrigadas a freqüentar a escola pública mais próxima de sua residência (mesmo que os pais prefiram uma outra). Para conseguir que os filhos freqüentem uma outra escola pública os pais são obrigados a mudar de residência, o que pode envolver ônus financeiro (ou, então, a mentir sobre sua residência).

As escolas públicas, assim, têm uma clientela cativa, independentemente de sua qualidade.

Uma forma de melhorar a qualidade da escola pública seria dar aos pais um “voucher” por filho em idade de escolarização obrigatória que fosse equivalente ao custo médio de um aluno na escola pública e deixar que eles escolhessem a escola que gostariam que seus filhos freqüentassem (ainda que privada — ficando os pais responsáveis por complementar o valor do “voucher” caso a escola fosse mais cara do que o custo médio de um aluno da escola pública. Essa medida não acarretaria aumento de gastos para o poder público e obrigaria as escolas públicas a entrar num regime de competição, até mesmo com as escolas privadas, melhorando, assim, sua qualidade — ou, então, ficando sem alunos e sendo obrigadas a dispensar os seus professores e a fechar suas portas, porque sua manutenção viria dos “vouchers”, e não de repasse direto de recursos por parte do poder público.

Essa medida, se acoplada à eliminação da obrigatoriedade da escolarização, poderia também eliminar o absurdo que existe hoje no Brasil, de o governo oferecer uma escola gratuita à população (paga com impostos gerais) e, por cima, ainda pagar a população para colocar seus filhos nela (através da “bolsa-escolas”). Os pais que não desejassem colocar seus filhos na escola não receberiam nenhum “voucher”, pois este seria destinado apenas aos pais que tivessem seus filhos comprovadamente matriculados em uma escola — pública ou privada, sendo ambas pagas pelos usuários, com o recurso fornecido pelos “vouchers”.

f. Modalidades de Escolas, Segundo a Relação com o Poder Público [23.6.2002]

Modalidades “Puras”:

a) Escola estatal (totalmente financiada pelo poder público)

b) Escola privada sem fins lucrativos (sem nenhum recurso público)

c) Escola privada com fins lucrativos (sem nenhum recurso público)

Modalidades “Mistas”:

a) Escola estatal com parcerias privadas (com entidades lucrativas ou não-lucrativas)

b) Privada sem fins lucrativos subsidiada pelo poder público

c) Privada com fins lucrativos subsidiada pelo poder público

Modalidade “Especial”

a)Escola privada que recebe alunos subsidiados pelo poder público (através de “vouchers”, por exemplo)

(Neste caso o subsídio não é dado à escola: é dado ao aluno ou à sua família.)

g. O Estado e a Educação [23.6.2002]

Há diferentes níveis em que o estado pode interferir com a educação (mais especificamente, com a escolarização) das pessoas:

a) Tornando a educação (ou melhor, a escolarização) obrigatória;

b) Regulamentando e fiscalizando a educação ministrada pelas escolas (todas privadas);

c) Financiando a educação (escolarização) — pelo menos aquela que é obrigatória;

d) Ministrando ele próprio a educação — pelo menos aquela que é obrigatória — em escolas estatais, mas admitindo a existência de escolas privadas;

e) Considerando a educação um monopólio estatal mas admitindo que a iniciativa privada possa participar da educação no regime de “concessão”;

f) Considerando a educação um monopólio estatal e proibindo a iniciativa privada de ministrar a educação, i.e., de possuir escolas, promovendo, assim, a total estatização (nacionalização) da educação.

Nos níveis a-c o estado não ministra a educação — não tem escolas. Nos níveis d-f o estado ministra a educação — tem escolas. Nos níveis d-e as escolas estatais convivem com escolas privadas; no nível f, não.

h. A Educação, o Indivíduo e a Sociedade [28.2.2002

A educação é um processo que atua no nível do indivíduo. Se esperamos que a educação dê alguma contribuição para a mudança da sociedade, essa contribuição será forçosamente mediada pela ação de indivíduos.

Assim, não faz o menor sentido imaginar que, para mudar a educação, precisamos, primeiro mudar a sociedade.

A sociedade só será mudada se indivíduos resolverem mudá-la — e eles só resolverão mudá-la se, mediante sua educação, se convencerem da necessidade de fazê-lo.

i. A Educação Deve Ser Agradável [27.2.2002]

A educação deveria ser a coisa mais agradável que existe, pois envolve a construção de nossa vida, daquilo que queremos e pretendemos ser. É um crime a escola, que deveria ser o principal agente da educação, ter se tornado chata, enfatizando aprendizados que nada têm que ver com a vida.

Em Salto, 14 de Julho de 2022 [data da transcrição de todo este material como um artigo de blog]



Categories: Liberalism

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