Nos últimos cinco dias a Paloma e eu passamos cerca de dez horas dentro de um carro em movimento. Ela ainda podia manipular o celular dela, mas eu, dirigindo, só tinha, como alternativa de comunicação, conversar com ela — o que não é, nem de longe ruim: gosto muito de conversar com ela.
Mas a gente não conversa literalmente o tempo todo. Há intervalos em que a gente dá tratos à bola para encontrar assunto interessante para conversa seguinte… Dez horas é um longo tempo para ficar literalmente conversando o tempo todo.
Em um desses intervalos eu me lembrei de que, naquele dia (ontem, dia 25.7.2022), um amigo meu estava viajando para a Alemanha para visitar o filho, a nora e os netos, que moram lá. Tanto o filho quanto a nora são pastores da Igreja Evangélica na Alemanha (Evangelische Kirche in Deutschland), criada depois da Segunda Guerra (1948) e que, de certo modo, uniu os protestantes alemães em uma igreja protestante que abrange luteranos, calvinistas e até mesmo outras tendências oriundas da Reforma Protestante. O meu amigo (que não é difícil descobrir quem é, para quem me segue no Facebook) morou na Alemanha por vários anos, como funcionário de uma empresa automobilística alemã que tem subsidiária no Brasil.
Enfim, este é o contexto da história.
Não sou especialista em História da Igreja Contemporânea (do Pós-Guerra para cá), e não conheço detalhes do que vou comentar, que pode conter imprecisões e até erros. No que houver de erro, considerem que eu, em vez de estar falando de amigos meus, estou falando de personagens de ficção acerca dos quais qualquer semelhança com qualquer ser humano real, vivo ou morto, é mera coincidência. Isso significa que imprecisões e erros de fato não alteram o meu argumento, relacionado ao título do artigo.
O cara é brasileiro, oriundo do interior do Estado de São Paulo, vai trabalhar numa empresa alemã, casa-se (pode ter se casado antes de ir trabalhar nessa empresa), e, em determinado momento, é transferido para a Alemanha, onde um filho nasce, cresce, estuda, se forma pastor, se casa com uma colega, alemã, tem filhos, resolve continuar a morar na Alemanha quando os pais retornam para o Brasil, etc., e agora os pais/avós vão visitar os filhos/netos. (NOTA: na vida real, pode ser que o filho tenha nascido no Brasil e ido para a Alemanha com os pais ainda menor de idade: os detalhes não afetam a história).
Dados os fatos do caso (reais ou fictícios) o filho não escolheu os seus pais nem participou da decisão deles de ir morar na Alemanha — nisso o filho não teve liberdade alguma. Os pais dele escolheram isso, de forma, acredito, livre, embora em resposta a um convite (ou ordem) da empresa. Convite ou ordem, eles poderiam ter aceito ou rejeitado a iniciativa da empresa (mesmo sendo ordem, ele poderia sempre ter se recusado a cumpri-la, demitindo-se da empresa).
Mas, a partir de um certo ponto, o filho começou a agir de forma livre. Ele escolheu livremente (é lícito e razoável presumir) estudar teologia, namorar quem quis, casar-se com ela, ficar na Alemanha, e ter seus próprios filhos. Nessa sequência de ações toda, o filho agiu, no sentido básico e comum do termo, com toda liberdade, exercendo sem qualquer coação, seu livre arbítrio (é lícito presumir).
MAS, e este é um “mas” importante, se os pais não tivessem ido para a Alemanha com o filho (presumo — ele pode até ter nascido lá), se a Mercedes Benz (oops… estou revelando mais do que pretendia…) não tivesse enviado o meu amigo para lá, ou se meu amigo fosse partidário do que, quando eu estudava nos EUA, se chamava de ZPG – Zero Population Growth, política do casamento sem filhos, se nada disso tivesse acontecido, o rapaz não teria sido capaz de exercer seu livre arbítrio. Logo, o livre arbítrio do filho é resultando de um conjunto de eventos que, da perspectiva dele, filho, foram totalmente determinados (mesmo que nenhum dos eventos tenha sido determinados para seus pais).
Esses fatos, reais ou imaginados, aqui narrados mostram que a questão do livre arbítrio é fácil de entender se você foca a lente em CLOSE UP. Em close up o filho, evidentemente, é o que é hoje em decorrência do exercício de seu livre arbítrio. Mas o livre arbítrio dele é condicionado pelo livre arbítrio de seus pais, o que torna o livre arbítrio do filho determinado, quando o foco se abre e se toma um contexto mais amplo (wide) em consideração.
Conclusão (temporária, hesitante, precária): somos livres, em certo sentido ou em certa perspectiva, e determinados, em outro/a.
É isso, por enquanto. Este assunto virou conteúdo de uma conversa agradável com minha mulher, companheira, parceira, colega… Espero que seja de interesse para alguns amigos, que decidam participar da conversa, ampliando o seu escopo.
Em Salto, 26 de Julho de 2022.
Categories: Determinismo, Livre Arbítrio
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