Livros, Leitura e Aprendizagem

Estou entre aqueles que defendem a aprendizagem ativa, a aprendizagem que acontece quando a gente está fazendo alguma coisa. Pode ser uma coisa concreta, envolvendo objetos físicos. Mas o mais frequente é que seja a procura de uma resposta adequada a uma questão importante e desafiadora, a busca de uma solução para um problema que nos confronta, a exploração de saídas para uma condição que nos deixa aflitos, ansiosos, chocados, paralisados.

Livros sempre foram minha principal fonte de aprendizagem. Pode parecer que aprender pela leitura (usando os olhos) seja algo parecido com aprender pela audição (usando os ouvidos), como nas salas de aula da maioria das escolas e outras instituições de ensino. Mas não é a mesma coisa. A aprendizagem na sala de aula escolar, em primeiro lugar, é obrigatória, compulsória, impositiva. Em segundo lugar, ela raramente é uma aprendizagem de algo que nos interessa e que corresponda aos nossos desejos e necessidades. Em terceiro lugar, a fala é fugaz e volátil. Se alguma coisa foi dita e você tenta refletir sobre ela por um tempo, pequeno que seja, você perde o que veio depois e, muitas vezes, o fio da meada. Infelizmente, ninguém inventou um jeito de dar um “pause” na fala ao vivo, fazer um “rewind” para ouvir de novo o que foi dito, poder interromper o fluxo de ideias para ir pesquisar alguma coisa que nos interessou mais particularmente. A menos que (como hoje é possível) a fala tenha sido gravada, é impossível ouvir uma fala que, por um motivo de força maior, se perdeu e que se desejava não ter perdido…

O livro, manuscrito, impresso ou eletrônico, supre todas essas carências da fala. Todas elas, sem exceção.

Não dá para a gente aprender tudo por observação e experiência direta, ou por reflexão própria. Temos de recorrer, vicariamente, à observação, à experiência, e à reflexão de terceiros — devidamente analisada e examinada por nós. Se não somos muito criativos e sensíveis, podemos, no entanto, nos beneficiar da criatividade e da sensibilidade alheia, registrada num texto. E a observação, a experiência, a reflexão, a criatividade, a sensibilidade de terceiros nos chegam principalmente pela leitura. A alguns poucos (em relação aos demais) podemos ver e ouvir em viva voz ou pelo rádio, televisão, fitas, discos, etc. Mas ao restante, os que já morreram, só pelos escritos que deixaram. Não fosse isso ainda estaríamos nos primórdios da aprendizagem e da cultura humana. Nos primórdios da civilização.

Uma última coisa… Quando gosto particularmente de um romance, quase sempre reluto em ver um filme feito sobre ele — porque geralmente me desaponto. O filme, em primeiro lugar, tem de encurtar a história. Muita coisa essencial fica de fora. Quando adolescente assisti ao filme Guerra e Paz, baseado no livro de Liev Tolstoy. Era um daqueles filmes de 3h40 que tinha um intervalo (como Dr Jivago). Mas mesmo assim, é impossível incluir mil páginas de texto denso em quatro horas de filmagem. A história filmada acaba sendo outra. A mesma coisa vale para A Revolta de Atlas, de Ayn Rand. O livro também tem mais de mil páginas — e precisaram fazer três filmes para cobrir, com pouco sucesso, sou forçado a admitir, a trama complexa do filme. Em segundo lugar, ao ler um romance, nós criamos uma “visualização mental” dos personagens. A história é aquela que, com base na criação do texto, a nossa imaginação recria com base no texto. Quando você vê o livro transformado em filme quase nunca os personagens são os que você havia imaginado, e vem a decepção. Rara é a vez em que o filme sai melhor do que o livro. Uma delas é As Pontes de Madison. Genialidade do diretor, que no caso também era produtor, roteirista e ator: Clint Eastwood — para mim um dos maiores cineastas vivos.

É isso. Digno de refletir nessas questões nesta tarde agradável aqui em Salto.

Em 5 de Dezembro de 2020



Categories: Liberalism

5 replies

  1. Ótimo texto. Eu também reluto muito para assistir adaptações.

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  2. De certa maneira o seu texto me conforta pois, durante o período de estudos na escola, sempre tive dificuldade em compreender as informações passadas nas aulas (de certa forma o TDAH não colaborava também). Mas agora, estudando a distância, fazendo minha segunda graduação é que estou tendo uma verdadeira experiência de aprendizagem, justamente pelo fato da autonomia que se tem que ter em ler, pesquisar e, novamente, ler muito (o que pra mim, não é nenhum sacrifício, pois amo a leitura). Obrigada pelo texto 😄

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  3. Artigo muito claro e sucinto .Parabéns.

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