Tomás de Aquino
No dia de hoje, 6 de Dezembro, no ano de 1273, aconteceu um evento de profundo significado na História da Igreja e do Pensamento Cristão.
Nesse dia, Tomás de Aquino, o maior teólogo medieval, e, segundo a Igreja Católica, o maior de todos os tempos, teve, enquanto dirigia a Missa, uma experiência mística de tal profundidade e amplitude que ele suspendeu seu trabalho no seu opus magnum, Summa Theologica. Nunca mais retomou o trabalho que, até aquele dia, era a obsessão de sua vida. “Não posso continuar”, disse ele ao seu criado. “O que me foi revelado faz com que eu considere tudo o que até aqui escrevi como nada mais do que um monte de palha. Agora só me resta esperar o fim da minha vida.” E ele morreu no ano seguinte, 1274. Viveu apenas 49 anos, pois tinha nascido em 1225.
Em seu trabalho prévio, Tomás havia apresentado sua doutrina do Cognitio Dei, seu entendimento das diversas formas de conhecer a Deus. Para ele, eram três:
- Pela razão, refletindo sobre a realidade que existe (disponível para todo ser humano, mesmo o não cristão). A Summa Contra Gentiles se atém a esse tipo de conhecimento natural de Deus.
- Pela fé, acolhendo a revelação que Deus fez através dos autores das Escrituras Sagradas (disponível para os cristãos). A Summa Theologica expõe o entendimento de Tomás sobre essa forma de conhecimento revelado de Deus.
- Pela experiência, através de uma visão direta, chamada em Latim de visio beatifica, um contato direto com Deus que envolvia uma apreensão direta da realidade da pessoa divina e de suas qualidades.
Para Tomás, essa terceira via para o conhecimento de Deus é infinitamente mais poderosa e impressionante do que as duas formas anteriores, a razão e a fé (e disponível apenas para muito poucos cristãos). Sobre essa forma de conhecimento de Deus ele escreveu um pouco, antes de ter a sua visio beatifica. Depois que a teve, sua voz e sua pena teológica se calaram para sempre. Ninguém sabe no que consistiu a sua experiência direta de Deus. Parece ter sido algo inefável, inexprimível em palavras. Como disse Ludwig Wittgenstein, séculos depois, acerca do que ele chamou de experiência de Das Mystische, “wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen” (Sobre aquilo de que não é possível falar deve-se calar).
Quando eu estava no ano letivo final do meu Mestrado, no Pittsburgh Theological Seminary, em 1969-1970, escrevi um trabalho de cerca de 80 páginas sobre “Cognitio Dei in the Thought of Saint Thomas Aquinas”. No semestre seguinte, escrevi outro trabalho, menos longo, sobre a “The Epistemology of Saint Thomas Aquinas”, que dava sustentação filosófica à sua visão do Conhecimento de Deus — embora sua epistemologia fosse basicamente empirista, baseada em Aristóteles. Ao todo, ficou um trabalho combinado de cerca de 120 páginas. Os dois trabalhos foram escritos para a disciplina de Teologia Sistemática, em dois módulos semestrais de responsabilidade do Prof. Dr. John Bald.
Apesar de minha tradição protestante e presbiteriana, fiquei fã de Tomás de Aquino, o Doctor Angelicus dos católicos. Dizem os entendidos que houve cinco grandes teólogos na História do Pensamento Cristão: Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, João Calvino, Friedrich Schleiermacher e Karl Barth. Desses cinco, fico com Aquino em primeiro lugar e não abro, colocando Schleiermacher em segundo. Foram duas grandes viradas na História do Pensamento Cristão, a de Tomás e a de Schleiermacher. Poder-se-ia perguntar por que Calvino não está entre meus favoritos, sendo eu presbiteriano. A resposta é que, na minha forma de ver as coisas, as grandes revoluções no Pensamento Cristão foram, no século 13, com Aquino, a sistematização da Razão e da Fé, e, no século 19, com Schleiermacher, na sequência da crítica de David Hume à Razão e à Fé feita no século 18, o século do Iluminismo. A Reforma Protestante foi uma revolta teológico-eclesiástica, mas não criou uma teologia drasticamente diferente da que existia antes. Na realidade, os principais reformadores, Lutero e Calvino, passaram por cima de Tomás indo se alimentar em Agostinho. Foi Schleiermacher que abandonou a teologia da razão e da revelação, instituindo propondo a adoção da experiência religiosa como fonte de inspiração para a teologia. Essa experiência é calcada em aspectos que envolvem mais o sentimento e a emoção, com um forte componente moral, reduzindo a importância e o significado da palavra — do logos doutrinário. O foco muda também a ênfase da teologia para a ética e a conduta, em detrimento da crença e do cognitivo (tanto razão como fé), preparando o terreno para a teologia liberal do século 19.
Dos cinco grandes teólogos, Barth eu meio que ignoro: gosto mais de Emil Brunner (por um tempo seu grande amigo) do que de Barth… Brunner pelo menos admite uma analogia entis, uma analogia de ser, e um Anknüpfungspunkt, um ponto de contato, entre o imanente e o transcendente, o finito e o infinito, o humano e o divino, que independe da revelação. Pelo menos, é assim que eu os entendo…
Em Salto, 6 de Dezembro de 2020
Categories: Liberalism
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