A tese de que a escola convencional ou é irrelevante para a educação das crianças, ou até mesmo as prejudica, tem nobres antecedentes. Famosos luminares do século 19 a defenderam, como Lev Tolstoy (1828-1910), nas passagens citadas no artigo anterior aqui neste blog. Mais abaixo transcreverei passagens de outros luminares do século 19 e alguns do século 20.
Mas quero começar com a transcrição de uma passagem de um educador e psicólogo que é atual, contemporâneo, ainda vivo e bem conhecido: Howard Gardner.
“Frequentar a maioria das escolas de hoje realmente traz o risco de prejudicar as crianças. Seja qual for o significado que a instrução possa ter tido no passado, para a maioria das crianças de nossa sociedade ela já não tem nenhum significado. A maioria dos alunos (e, por falar nisso, a maioria dos pais e professores) não é capaz de dar razões realmente convincentes para frequentar a escola. As razões não podem ser discernidas na própria experiência escolar, nem as pessoas acreditam que aquilo que se aprende na escola será realmente utilizado no futuro. Tentem justificar a equação quadrática ou as guerras napoleônicas para um aluno de segundo grau de uma cidade do interior – ou para seus pais. O mundo real aparece em outro lugar: nos meios de comunicação, no mercado de trabalho, e com excessiva frequência no submundo das drogas, violência e crime. Muito, se não a maior parte, do que acontece nas escolas acontece porque é assim que acontecia nas gerações anteriores, não porque nós tenhamos bases lógicas convincentes para mantê-lo hoje. A afirmação muito comum de que a escola é basicamente um lugar de custódia em vez de educação contém um traço de verdade.”
[Howard Gardner, Inteligências Múltiplas: A Teoria na Prática (Artes Médicas, Porto Alegre, 1995), tradução brasileira de Maria Adriana Veríssimo Veronese do original em Inglês Multiple Intelligences: The Theory in Practice (New York, Basic Books, 1993), p. 171. (Foram feitos pequenos ajustes na tradução, para melhorar a sua qualidade)].
Fantástica a tese de Howard Gardner, não é? E coerente com a tese de Lev Tostoy.
Agora vejamos passagens de mais três luminares do século 19: Samuel Butler, Charles Darwin e Mark Twain.
Eis, por exemplo, o que disse Samuel Butler (1835-1902), o autor da utopia Erewhon (Nowhere, detrás para diante, com duas letras com lugar trocado,de 1872:
“Fico às vezes imaginando como é que o mal causado pela escola às crianças e jovens não deixa, a maior parte das vezes, marcas mais claramente perceptíveis, e como é que moços e moças conseguem crescer tão sensatos e bons, a despeito das deliberadas tentativas feitas pela escola de entortar ou mesmo interromper o seu desenvolvimento. Alguns, sem dúvida, sofrem danos de tal monta que sentem seus efeitos até o fim da vida. Mas muitos parecem não se deixar afetar pela vida da escola e uns poucos até se saem bem. A razão disso me parece ser que o instinto natural dos jovens se rebela de forma tão absoluta contra a formação que recebem na escola que, não importa o que possam fazer os professores, nunca conseguem que seus alunos os levem suficientemente a sério”.
[Samuel Butler, em Erewhon, passagem citada por Karl Popper como moto de uma seção de “Replies to My Critics”, in The Philosophy of Karl Popper, org. por Paul Arthur Schilpp (Open Court, La Salle, IL, 1974), Vol. II, p. 1174].
Charles Darwin (1809-1882) também fez comentários pouco lisonjeiros sobre sua educação escolar. Eis o que disse Darwin sobre um dos cursos que fez: “Durante meu segundo ano em Edimburgo, frequentei as aulas de Jameson sobre Geologia e Zoologia, mas elas eram incrivelmente enfadonhas. O único efeito que tiveram em mim foi a decisão de jamais ler um livro de Geologia em toda a minha vida ou de jamais estudar essa ciência de alguma forma”.
[Apud Dean Keith Simonton, A Origem do Gênio: Perspectivas Darwinianas sobre a Criatividade (Editora Record, Rio de Janeiro e São Paulo, 2002), tradução brasileira de Carlos Humberto Pimentel D. da Fonseca e Luiz Guilherme B. Chaves do original em Inglês Origins of Genius: Darwinian Perspectives on Creativity (Oxford University Press, Oxford, 1999), pp. 167-168, que por sua vez a retirou de F. Darwin, org., The Autobiography of Charles Darwin and Selected Letters (Dover, New York, 1958, originalmente publicado em 1892), p. 15].
Mark Twain (1835-1910), com o seu costumeiro e mordaz senso de humor, disse:
“Jamais permiti que minhas atividades escolares interferissem na minha educação”.
[Apud Dean Keith Simonton, op.cit. [na citação anterioor], p. 170, que, por sua vez, a retirou de C. T. Harnsberger, org., Everyone’s Mark Twain (Barnes, New York, 1972), p. 553].
Já em grande parte no século 20, Albert Einstein (1879-1955) foi ainda mais mordaz:
“Na verdade, não passa de um milagre que os métodos modernos de instrução ainda não tenham estrangulado por completo a santa curiosidade da investigação; porque esta plantinha delicada, longe do estímulo, fica necessitando principalmente de liberdade; sem isso, ela vai por água abaixo, com certeza. É um erro muito grave pensar que o prazer de ver e procurar pode ser promovido por meio de coação e do sentido do dever”.
[Apud Dean Keith Simonton, op.cit. [nas duas citações anteriores], p. 167, que, por sua vez, a retirou de P. A. Schilpp, org., Albert Einstein: Philosopher-Scientist (Harper, New York, 1951), p. 17].
Eis o que diz o próprio Karl Popper (1902-1994), nascido e morrido no século 20:
“Tem-se dito, e com verdade, que Platão foi o inventor tanto de nossas escolas secundárias como de nossas universidades. Não conheço melhor argumento para uma visão otimista da humanidade, nem melhor prova de seu amor indestrutível pela verdade e pela decência, de sua originalidade, de sua teimosia e de sua saúde, do que o fato de que esse devastador sistema educacional não tenha até hoje sido capaz de arruiná-la completamente”.
[The Open Society and Its Enemies, Vol. I: “The Spell of Plato” (Princeton University Press, Princeton, NJ, 1962, 1966, 1971), p. 136].
[As traduções do Inglês são minhas. Todas estas passagens foram aqui transcritas a partir de notas de rodapé de meu livro Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era, 2a edição, 2019, Mindware Education Editora e Amazon Books (E-book formato Kindle), São Paulo, SP.]
Eduardo CHAVES
Em Salto, 18.4.2021
Categories: Liberalism
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