Sempre achei interessante observar o comportamento das pessoas quando estou em ambientes em que há várias, ou mesmo muitas, como em salas de espera de médicos e outros profissionais, festas, aeroportos, etc. Estando, como estou, em um grande complexo hoteleiro, como é o caso do Rio Quente Resorts, vejo-me em um excelente laboratório para esse tipo de coisa.
Aqui na chamada Pousada do Rio Quente o mix de pessoas que se reúne é bastante original em diferentes épocas e ocasiões do ano. Na semana passada (em que não estive aqui) provavelmente o mix era bastante diferente porque a semana incluiu um feriadão, Corpus Christi. O mix desta semana, porém, que teve início no domingo, dia 3 de Junho, é próprio. Sendo começo de Junho, a maioria das escolas ainda não entrou em férias. Isso quer dizer que resort não tem crianças em idade escolar nesta semana – nem seus pais, geralmente casais na faixa 30 e 45 anos. Os clientes que aqui estão nesta semana podem ser classificados em três grandes categorias: (a) idosos (maioria); (b) casais jovens com crianças em idade pré-escolar; (c) as suas crianças, algumas bem pequenas, com idade ao redor de um ano ou entre um e dois anos. É verdade que há aqui alguns casais de meia idade (faixa de 45-60, por aí), cujos filhos já terminaram sua escolarização, até mesmo em nível superior, e que estão aqui sem os filhos, que não vieram porque, em regra, não estão mais interessados em acompanhar os pais, em especial num passeio que, para alguns deles, parece meio cafona. Casais jovens sem filhos, aqui, embora haja um ou outro, são uma raridade (não só nesta época). Em geral eles têm mais o que fazer em outros lugares (embora por aqui o pessoal ande todo meio pelado o tempo todo por causa da quantidade enorme de piscinas e outros brinquedos aquáticos).
Assim, para quem se considera observador do comportamento e das atitudes da espécie humana, os espécimens do laboratório dignos de análise aqui se limitam, em sua maioria, a idosos, casais jovens com filhos pequenos, e as próprias crianças pequenas. Em muitos casos todas essas categorias fazem parte de uma família só: os avós das crianças pequenas acompanhando os seus filhos, ainda jovens, mas pais dos seus netos. Três gerações.
Antes de entrar no assunto da crônica, propriamente dito, devo registrar que, modéstia à parte, tenho muito sucesso na comunicação com crianças em idade pré-escolar, em especial as menorzinhas. Ainda ontem, durante o almoço, me perguntava por quê. Uma razão, provavelmente, é que gosto delas e demonstro o fato olhando para elas, sorrindo, fazendo um oizinho com os dedos da mão, etc. Elas em geral correspondem. Se são muito pequeninas, olham fixo e sorriem — e, depois, continuam olhando para mim. As mais velhinhas retribuem o oi dado. As na faixa-limite (por volta de cinco anos), conversam. O início da conversa em geral é “Como é o seu nome?”, “Quantos anos você tem?”… Na piscina, no primeiro dia, um menino de uns cinco anos, que nadava muito bem, veio até mim e me perguntou se eu não lhe emprestava a minha máscara com snorkel para ele. Disse que sim, mas que ela provavelmente era muito grande. “Você aperta a correia que dá”, disse ele. E deu. Ficou com ela um tempão. Cheguei a bater um papinho até com o tio do guri, que é de Catalão. O pai, pelo que me disse, estava dormindo numa espreguiçadeira. Mas o papo com o tio não foi muito longe.
Nesses nossos dois primeiros dias aqui “puxamos prosa”, com três casais. “Puxar prosa” é expressão típica de mineiros e goianos, que parecem predominar aqui nesta época de crise de combustíveis, dada a proximidade geográfica. Embora muitos que me conhecem me achem calado “demais da conta”, em geral o puxador de prosa sou eu, não a Paloma.
Ontem, vi-me sentado, no “bar molhado” de uma das piscinas, ao lado de um simpático rapaz de cerca de 30 anos. Eu tomava uma caipirinha de pinga (que custou o absurdo preço de 25 reais) e ele uma cerveja (numa caneca que, depois, vou comentar). Puxei prosa – e descobri a primeira das provas de que o mundo é pequeno. Ele era de Patrocínio, em Minas, cidade em que meu pai e meus tios do lado paterno todos nasceram, e que eu já visitei muito na vida porque ainda tenho parentes lá. É plantador de café, oriundo do Paraná, onde eu também morei quando criança. Conversa vai, conversa vem, e chegou a mulher ou namorada dele, que me pareceu estar na casa dos “low twenties” (podia ser minha neta), e, em seguida, a Paloma, que estava nadando (inclusive por baixo da água) com sua máscara com snorkel e sua máquina fotográfica GoPro presa na cabeça (que filma embaixo da água). A conversa foi boa e agradável, chegando a durar um tempo significativo para esses encontros furtivos. Num determinado momento, a moça disse que é dentista, e eu retorqui dizendo que tinha uma filha que também era dentista — mas que era bem mais velha do que ela… A moça perguntou quantos anos minha filha tinha e eu disse que faria 43 este ano. Ela ficou com um jeito assim meio surpreso e disse para a Paloma: “Mas ela é sua filha também?” A Paloma respondeu que não, e disse que ela também tem 43 anos, ao que a moça retorquiu dizendo que a mãe dela tinha mais ou menos essa idade… Daí concluí que a Paloma poderia ser mãe da moça, pois a Bianca parece ser mais ou menos da mesma idade dela — e que eu poderia ser avô dela (porque sou de fato mais velho do que os dois avôs das nossas meninas… Coisas da vida).
Hoje (4/6/2018), ao descermos para o café da manhã, encontramos no elevador um casal de idosos – a Paloma acha que ele é mais velho do que eu, mas ela às vezes erra nessa avaliação. Começamos a conversar (só com ele, a mulher não parecia muito disposta a conversar), e ele era do Paraná, perto de onde eu morei quando criança. Mas assinalou que era paulista tendo nascido no centro-oeste do Estado de São Paulo – não muito longe da cidade onde eu próprio nasci, Lucélia… Ele me perguntou o que eu fazia, ou se era aposentado, e, quando lhe falei que era aposentado da UNICAMP, me perguntou o que eu achava do Mackenzie. A pergunta já me sugeriu que ele era evangélico… Respondi à pergunta e lhe perguntei se ele, porventura, era evangélico, e ele disse que era, sim, presbiteriano – como nós dois. Esclareceu que originalmente era da Igreja Presbiteriana original, mas que hoje era membro da Igreja Presbiteriana Independente – exatamente o que aconteceu comigo, pessoalmente… Disse também que era presbítero na igreja: emérito, mas também re-eleito, depois de ter obtido a honraria de ser emérito. Disse a ele que meu pai havia sido pastor presbiteriano por quase 50 anos, inclusive no Paraná e no Centro-Oeste paulista, e ele perguntou o nome do meu pai. Por incrível que pareça, ele conheceu meu pai. Este o segundo conjunto de coincidências. (Um outro trecho de conversa curioso… Num dado momento ele indicando a Paloma me perguntou: “Ela é o que sua?” Eu respondi: “Mulher — mas pela idade poderia ser filha, não é?” Ele riu amigavelmente e disse algo como “Tudo bem, isso hoje é normal…”).
Ainda hoje, por volta das 13h30, quando descíamos para o almoço, encontramos outro casal de idosos no elevador. Eu disse que havia muitos aqui. Ele estava com uma camiseta com foto da cidade e a frase “Ubatuba”. Perguntamos se eram de lá. Eles disseram (diferentemente do caso anterior, a mulher dele também participou da conversa neste caso) que eram de Santo André – mas tinham uma casa de veraneio em Ubatuba, onde, agora, passavam a maior parte do tempo. Mais um conjunto de coincidências, o terceiro: eu cresci (dos oito aos dezessete anos) em Santo André – e os pais da Paloma moram (pelo menos parte do tempo, agora) em Ubatuba, para onde vamos com menos frequência do que eles cobram…
Fiquei imaginando… Num conjunto de sete hotéis em que só aquele em que estamos hospedados tem mais de 250 quartos (258, para ser preciso), e que possui, no total, 1.153 apartamentos (liguei para a recepção para perguntar), que compartilham o complexo aquático, todas as pessoas com que “puxamos prosa” tinham algum ponto de contato conosco… a cidade de Patrocínio, o Estado do Paraná, a região centro-oeste do Estado de São Paulo, a Igreja Presbiteriana (Independente), Santo André, Ubatuba… Coincidência, pura e simples? Ou não? Será que alguma coisa nos faz nos aproximar de gente que, por alguma razão desconhecida, quiçá a providência divina, tem algo em comum conosco? Ou será que, quaisquer que fossem as pessoas, sempre encontraríamos algum ponto comum, do tipo, são são-paulinos como nós, ou têm uma filha com o mesmo nome de uma das nossas, ou de uma das nossas netas, ou das nossas irmãs, cunhadas, sobrinhas, sobrinhas-netas, ou têm uma profissão como um de nós ou uma de nossas filhas, ou são da mesma cidade ou nasceram na mesma cidade em que um de nós nasceu, ou próximo dela, ou fazem aniversário no mesmo dia, ou conhecem alguma cidade no exterior que nós também conhecemos, ou também são fãs do Ney Matogrosso, ou da Fernanda Montenegro, etc…
Fiquei me perguntando: será que, dado um pouco de tempo e de prosa, a gente sempre acha pontos em comum com qualquer pessoa? A primeira pessoa que encontrei na vida que havia nascido na mesma cidade que eu (Lucélia) eu encontrei em Berkeley, nos Estados Unidos — milhares de quilômetros de onde ambos havíamos nascido. Há alguns anos, a Paloma e eu estávamos visitando Óbidos, em Portugal, e encontramos lá, em cima da linda muralha da cidade, uma freira que pertencia à mesma congregação que era dirigida por uma grande amiga minha (que, na época, estava muito doente e desde então, infelizmente, faleceu).
São coincidências da vida… Ou atos da providência. Para quem tem dificuldade para aceitar, categoricamente, a existência e/ou ação desta, eu chamo a coisa de provincidência: quem sabe providência, quem sabe coincidência, quem sabe um pouquinho das duas coisas, quem é que vai garantir que isso não é possível?
Antes de terminar, vou cumprir a promessa e falar sobre a caneca de chopp. Trata-se de uma caneca de plástico, imitando (muito bem) o vidro. No “bar molhado”, mais tarde no primeiro dia, o dia da conversa com o casalzinho que de Minas (ele estava bebendo um chopp na caneca, vocês se lembram), eu pedi uma caneca de chopp (porque o preço da caipirinha eu me recusei a pagar novamente no mesmo dia). A moça trouxe, eu tomei, o chopp estava muito bom. Ao olhar a conta, depois, vi o preço e assustei-me: o chopp custara 24 reais. Eu chamei a moça e disse: “Filha, eu tomei um chopp só, como é que pode custar 24 reais?” Ela me disse que eu havia comprado a caneca também, porque a “promoção” deles é que, a primeira vez que você toma o chopp em caneca, precisa comprar a caneca, mas que, depois, a caneca é sua e, se você andar com ela (provavelmente pendurada na cintura do maiô) o “refill” do chopp custa apenas 12 reais. Resultado, eu morri com uma caneca de plástico por 12 reais, porque eu pedi um chopp na caneca, e não simplesmente um chopp, que viria em um copo de plástico — e a caneca estava em “promoção”! Deus sabe o que custaria se não estivesse em promoção…
Irritei-me com o fato, mas, por insistência da Paloma, não vou deixar que isso atrapalhe nossos dias aqui… Com o dinheiro que gastamos com o básico do hotel, a gasolina, os pedágios, as bebericagens e comericagens extras, o que são 12 reais? Bom senso.
Em Rio Quente, GO, 4 de Junho de 2018.
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