William Warren Bartley, III (1934-1990)

Estou a reler este livro, que comprei e li em Outubro de 1990 — quase 31 anos atrás: Unfathomed Knowledge, Unmeasured Wealth: On Universities and the Wealth of Nations (Conhecimento Impossível de Imaginar, Riqueza Impossível de Medir: Sobre as Universidades e a Riqueza das Nações), de William Warren Bartley, III (Open Court, La Salle, IL, 1990).

O autor, que a partir de Agosto de 1972, eu passei a chamar de Bill Bartley, foi meu orientador de doutorado na University of Pittsburgh (1970-1972). Ele morreu poucos meses depois de o livro ser entregue à editora. Quando o livro foi publicado ele já estava morto. Nascido em 2 de Outubro de 1934, cerca de nove anos antes de mim, ele morreu em 5 de Fevereiro de 1990, aos 55 anos — vai fazer 32 anos daqui a seis meses mais ou menos.

Quando li o livro em 1990 não fiquei com a impressão que hoje tenho ao relê-lo. Hoje estou convicto de que se trata de um livro testamento, deixado por alguém que sabia que estava morrendo e que não sobreviveria para ver as controvérsias que o livro provocaria. Mesmo em vida Bartley foi uma pessoa que cutucava e incomodava os outros. Foi orientado em seu doutorado por ninguém menos do que Karl R. Popper, o qual, embora tenha tido com ele uma briga que durou onze anos, mas que terminou em reconciliação, admitiu que Bartley foi o aluno mais brilhante que ele jamais havia orientado — tanto que o nomeou seu testamenteiro intelectual, responsável por rever e, se fosse o caso, publicar uma quantidade enorme de textos inconclusos. Embora Bartley tenha editado um número significativo de livros ainda inéditos de Popper, morreu sem terminar totalmente sua tarefa — até porque também Friedrich von Hayek lhe deu incumbência idêntica (que também foi iniciada mas não pode ser concluída). O testamenteiro intelectual de Bartley foi Stephen Kresge, seu companheiro durante boa parte da vida, que resolveu ir adiante com a publicação do livro que estou relendo, mesmo que ele exibisse sinais de que era uma obra ainda meio inacabada, certamente não ainda totalmente polida, mas que precisava ser declarada conclusa pela urgência das denúncias que Bartley ali fazia.

A Introdução do livro, assinada por WWB, e que tem a data de Junho de 1989. (O Muro de Berlin iria cair em 9.11 daquele ano. A Introdução) contém apenas duas notas de rodapé, a primeira só uma referência (sem citação) a um artigo de Sidney Hook, que tem o título de “Intellectual Rot” (Podridão Intelectual), publicado em Measure (1989), e a segunda uma nota que contém a seguinte citação:

“A partir de cerca de 1960, a base social do Marxismo, que até então estava nos  movimentos dos trabalhadores, mudou, gradual, mas firmemente, para a Universidade.”

O texto vem de um artigo de Frank Parkin, com o título “The Law-like and the Man-made” (Aquilo que Parece Lei e Aquilo que é Feito pelo Homem), publicado no Times Literary Supplement, de 25 de Julho de 1980,  p.838.

Eis a minha tradução do texto da primeira parte da Introdução (que tem apenas duas partes) — cerca de uma página e meia no original. Ela é complementada por uma segunda parte, mais duas páginas, no original, que eu não vou traduzir.

Leia. Você vai adorar — ou vai detestar. Não vai ficar neutro, como neutro Bill Bartley nunca foi. O título da primeira parte é o seguinte:

O que me ensinaram, e o que eu aprendi

Eu fui ensinado, quando estudante, que a universidade é um mercado livre de ideias, no qual novas ideias são sempre bem-vindas e falsidades podem ser criticadas e contestadas, sem que haja recriminações, onde imperam padrões de discurso cavalheiresco e gentil entre pessoas honradas, honestas e corteses, onde, mais do que se permitir, espera-se que que as pessoas pensem de maneira corajosa, profunda e ambiciosa.

[ . . . ].

 O que eu aprendi por mim mesmo, enquanto professor, foi que as questões, as pessoas e as maneiras eram muito diferentes. O que impera na universidade são doutrinas, modas, ideologias (a palavra usada para designar não importa). São elas que decidem que pesquisas serão feitas, que professores serão contratados, e o que eles vão ensinar — na maioria das áreas, mas especialmente nas artes e nas chamadas ciências humanas (e até em algumas ciências exatas). A maioria dessas ideologias (vou usar esse nome) tem estado por aí por muitas décadas, impedindo que da universidade saia genuína inovação — mas a partir dos anos 60 elas passaram gradualmente a controlar a universidade.

Descobri que a maior parte dessas ideologias é simplesmente falsa, e concluí que da segunda metade do século 20 em diante, a universidade passou a viver numa era de superstições.

Aos poucos percebi que é prudente, para quem quer progredir na carreira dentro das paredes da Academia, alinhar-se com a moda reinante. Se a pessoa adota essa estratégia, e faz referência, de vez em quando, a um ou outro nome considerado sagrado pela ortodoxia, e deixa escapar, quando em vez, um ou outro slogan daqueles que já se tornaram verdadeiros chavões entre o grupo mandante, ela pode dizer, de maneira sempre discreta e de preferência indireta, quase qualquer coisa que queira — inclusive coisas que não fazem sentido algum — e provavelmente receberá até algum elogio. A pessoa que assim se comporta terá uma liberdade de vitrine. Ela pode até vir a ser benquista pela sua discrição, pelo seu modo oblíquo de dizer as coisas, e, talvez, quem sabe, até, ironicamente, pela sua originalidade!

Para viver dessa forma, viver uma vida de faz-de-conta e de fachada, se não de total fingimento e disfarce, ao mesmo tempo em que se pretende estar em busca da verdade, é importante não só se tornar totalmente cínico, como saber, com toda confiança, até onde se pode ir, quem é de dentro, e o que está dentro, e quem é de fora, e o que está fora, das linhas demarcatórias do Permissível… É prudente não fazer nenhuma crítica de alguém que é de dentro, reservando as críticas apenas para os que são de fora. É prudente não fazer nenhuma crítica de ideias que estão de dentro, abusando do direito de falar qualquer bobagem das ideias que estão de fora. Ao fazer isso, é conveniente deixar clara a importância do “pensamento crítico” requerido. Uma outra alternativa que permite sobreviver é vestir o manto de estudos estreitamente especializados, e adotar, para emitir opiniões, uma linguagem tão complicada que torna ainda mais obscuro o que é dito.  Essa prática em nada contribui para o desenvolvimento de um estilo comunicacional claro e preciso, mas permite sobreviver aperfeiçoando um estilo no mínimo curioso.

E se as normas forem violadas?

Se quem comete a violação o faz de forma chocante e contundente, e suficientemente cedo na carreira, o infrator não terá futuro. Sua carreira estará terminada. Na primeira oportunidade será posto para fora, e, enquanto isso não acontecer, não terá oportunidade alguma como professor ou pesquisador.

Se a violação é cometida por alguém que já conseguiu passar por vários postos de sentinela, tendo alcançado algum progresso ou avanço em sua carreira, talvez por possuir uma personalidade atraente, envolvente, bem humorada, não-ameaçadora, a pessoa provavelmente sobreviverá, mas será ignorada, ou, pelo menos, nunca sendo levada a sério.  Se tiver sorte, poderá vir a ser considerada como a pessoa excêntrica do grupo, um palhaço que é benquisto por ser divertido e nunca falar a sério (mesmo quando está falando a sério). Esse tipo de punição é difícil para quem considera ideias algo sério, mas há formas piores de punição.

[ . . . ]

Será que exagero? Talvez — mas só um pouquinho.

A natureza humana permite que boa parte das pessoas consiga se adaptar a quase qualquer ambientem e ali fazer o que querem, conseguindo se safar das piores complicações, por exibir um pouco de flexibilidade, paciência e generosidade, chegando até mesmo a se divertir em alguns momentos do processo. Sendo assim, as universidades, embora contenham alguns brucutus que não conseguem nem querem aprender, e alguns guerrilheiros ativistas que fazem qualquer coisa para conseguir uma fatia de poder, também contêm, dentro de suas paredes, em especial entre aqueles que possuem um pouco de senso de humor e uma pele bastante grossa, um nível surpreendente de vitalidade, sensibilidade, tolerância e até mesmo compaixão que lhes permite explorar o que desafia a sua curiosidade. E há sempre, no nível de graduação, gente que chega à universidade munido das ilusões que eu um dia tive, e que ainda não conhece as regras do jogo, e que, por isso, consegue aprender e se divertir por um tempo dentro dos muros que cercam aquela suposta Catedral do Saber. Há gente que passa por ela e, tempo depois, se lembra, com romantismo, dos momentos idílicos ali passados.

Mas a grande questão, que este livro se dedica a investigar, é: “Será que o saber é promovido e o conhecimento e a sabedoria crescem dentro dos muros da universidade hoje em dia”?

Traduzido por Eduardo Chaves e transcrito em Salto, 2 de Agosto de 2021.



Categories: Liberalism

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