Ideias têm Consequências: A Importância das Ideias de Truman

[NOTA: Comecei este pequeno ensaio no dia 7.4 – e o termino exatamente no dia em que imaginava publicá-lo, hoje, 12.4.2023. Hoje faz exatamente 78 anos que Harry S. Truman assumiu, em 1945, por causa da morte de Franklin Delano Roosevelt (FDR) horas antes, a Presidência dos Estados Unidos da América. FDR tinha 63 anos quando morreu – e Truman tinha 61 ao ocupar o seu lugar. Os EUA estavam ativamente envolvido nas duas extremidades da Segunda Guerra Mundial: na Europa, contra a Alemanha de Adolf Hitler, e na Ásia, contra o Japão do Imperador Hiroito. Embora FDR fosse paralítico, por causa de poliomielite, ninguém esperava que ele fosse morrer naquela ocasião. Em seus três mandatos anteriores como Presidente, FDR teve outros Vice-Presidentes. Para o quarto mandato sequencial, escolheu, contra a recomendação de seus assessores, e para surpresa do país inteiro, em especial da mídia dita progressista, o Senador Truman, um obscuro senador do Partido Democrata – oriundo do Estado de Missouri, no centro-norte do país. Truman, conforme ele próprio admitiu, tornou-se Presidente dos EUA por acaso. Não tinha essa ambição. Concordou em ser o candidato a Vice-Presidente na eleição presidencial do fim de 1944 para prestar um serviço ao seu partido (o Partido Democrata), e, esperava ele, quem sabe à nação. Muitos outros políticos lutaram ferrenhamente pela posição e, para não favorecer um grupo contra os outros dentro do partido, FDR escolheu alguém que não aspirava ao cargo. Truman foi o último Presidente dos Estados Unidos a não ter curso superior. Este pequeno artigo foca a pessoa dele, em especial suas ideias, suas atitudes, sua postura. Considero-o, ao lado de Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Ronald Reagan, um dos maiores Presidentes americanos. Começo o artigo no dia 7.4.2023 – Sete de Abril. Mudando de assunto um poucoi, nesse dia, em 1831, aqui no Brasil, Dom Pedro I abdicou o trono brasileiro, que passou para o então menino Dom Pedro II, que por alguns anos precisou de Regentes (dos quais o mais famoso foi o Regente Feijó.) Desculpem-me os leitores a mudança do assunto…]

o O o

Hoje (7.4.2023) é um dia em que o meu plano de atividades é atípico. Pretendo vagabundear intelectualmente um pouco. E eu faço isso escrevendo sobre coisas que não estão em meu plano de atividades prioritárias, mas que eu, por acidente, encontrei, e que me causaram impacto, porque elas fazem parte de um mosaico de questões que eu considero muito importantes.  

Tenho escrito poucos artigos nos meus blogs ultimamente, e isso por várias razões. Vou mencionar três.

A primeira dessas razões é que estou envolvido em um grande projeto filosófico e pedagógico que têm consumido a maior parte do meu tempo que poderia ser dedicado à escrita: esmiuçar e ampliar um pouco os pontos de vista de C S Lewis sobre a educação. Faz cerca de 25 anos que eu passei a me considerar progressista, individualista, e futurista na área da educação. Defendi, até bem pouco tempo atrás, a tese de que a educação tem mais que ver com o futuro do indivíduo, que precisa, para ser tornar autônomo, se desenvolver, construir habilidades e competências, definir um projeto de vida próprio, e buscar executá-lo – isso, naturalmente, SE ele quiser progredir na vida e não viver como um parasita, dependendo dos outros (dos pais e da família, por exemplo), ou, dependendo de mesadas do governo. Lewis me convenceu de que cada um de nós, como indivíduo, e nós, como um todo, como sociedade, não devemos construir o futuro desconstruindo totalmente o passado, tentando recomeçar do zero, construindo um homem totalmente novo e uma sociedade totalmente nova, como se nada do passado fosse digno de consideração e mesmo preservação. Pensar que a educação envolve apenas a construção de habilidades e competências, das quais as mais importantes seriam as da área cognitiva, é um erro grave. É preciso também pensar em competências da área emocional, mas, acima de tudo, é preciso pensar na formação moral das pessoas, para que entendam a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado, e optem pelo caminho do bem e do certo. É preciso também pensar na formação ou no desenvolvimento do caráter, na vivência de uma vida virtuosa, uma vida que se pauta pela verdade, pelo bem, pelo certo, pelo belo… Nessa área a literatura – a boa literatura, a literatura que permanece, que atravessa séculos – é muito mais importante do que a ciência. A ciência lida com intelecto do ponto de vista dos meios, não tem nenhuma competência na área normativa dos fins. Albert Einstein reconheceu isso quando disse que a nossa civilização, centrada na ciência e no conhecimento científico, se tornou uma civilização focada na construção de meios cada vez mais aperfeiçoados, mas de fins cada vez mais confusos… A ideia positivista de que não há conhecimento fora da ciência é uma ideia errada e nefasta, porque marca como especulação não cognitiva e, por conseguinte, inútil, a investigação filosófica, a literatura, o fortalecimento das demais artes… Isso leva a Exposições de Arte em que um homem deitado pelado no chão ou um penico cheio de cocô ao lado de um vaso de flores são considerados arte…

A segunda razão pela qual tenho escrito relativamente pouco é que estou tentando fazer andar, agora de forma acelerada, o meu projeto de autobiografia, que venho tocando em marcha lenta há cerca de quarenta anos, e que, agora, tenho medo de morrer sem concluir. Por isso, ele figura ente as minhas atuais prioridades. (A chegada dos 80 anos faz a gente estreitar foco e se concentrar naquilo que é prioritário.)

Em terceiro lugar, tenho, além desses dois projetos importantes, mais um, esse urgente, de que me senti obrigado a participar e que nada têm com a escrita: a reforma do nosso sítio, que foi escolhido como local de celebração do casamento de minhas filhas mais novas. Esse projeto tem me roubado muito do tempo que normalmente dedicaria à escrita.

Essas três razões explicam por que tenho escrito pouco em meus blogs, ultimamente.

Mas hoje (7.4.2023) estou meio folgado até a hora do casamento de uma prima querida, ao qual devo ir. O casamento é às 17h. Contando o tempo necessário para arrumação e traslado, tenho ainda mais ou menos cinco horas para vagabundear intelectualmente. E já gastei cerca de uma hora fazendo isso, enquanto a Paloma e a Priscilla fazem exercícios e a Paloma, agora, faz as unhas. As minhas unhas, tendo nascido feitas, me permitem não desperdiçar tempo fazendo-as…

Essa uma hora passada, eu a gastei navegando por uma enorme coleção de livros  (muitos custando um ou dois dem oferta que a Amazon US escolheu para me apresentar. Preço máximo: US$ 2.99 (mas muito custando um ou dois dólares do que isso). Na lista encontrei dois livros que me atraíram. Li as resenhas, passei os olhos pelo índice, li com atenção uns pedaços e acabei ficando cerca de seis dólares mais pobre (considerando que riqueza ou pobreza se meça em dinheiro, o que não é sempre o caso – fiquei mais rico, se considerar que a riqueza mais importante muitas vezes está no conteúdo valioso de livros velhos e baratos, e que riqueza na forma de ideias é um tipo de riqueza que a gente não perde quando compartilha com os outros…).

O primeiro dos dois livros se chama Ideas Have Consequences, de Richard M. Weaver. Duvido que alguém que passe por este blog tenha conhecimento desse autor. E o tema parece óbvio: alguém duvida que ideias tenham consequências? (Alguns marxistas ortodoxos talvez ainda defendam a tese de que ideias não têm consequências, porque elas são consequências, não causas, das condições materiais de existência, que seria o que importa… Mas acho essa tese marxista digna do lata de lixo. E é por força de livros como o de Weaver que gente se dá conta desse fato.) O livro de Weaver foi publicado originalmente em 1948, quando eu tinha cinco anos, e teve uma segunda edição, expandida, publicada em 2013, quando eu tinha setenta anos, dez anos atrás. A expansão da segunda edição não teve que ver com uma ampliação do texto do autor. Ele, nascido em 1910, dois anos antes de meu pai nascer, morreu em 1963, ano em que eu terminava o Curso Médio, no auge dos meus vinte anos. (Até eu entrar no Seminário, em 1964, minha educação escolar estava com o ritmo atrasado por pelo menos uns dois anos e meio. Depois de 1964, o ritmo felizmente acelerou, e de 1964 a 1972 eu completei o Bacharelado, o Mestrado e o Doutorado, antes mesmo de completar os meus 29 anos.) Voltando à expansão do texto, ela se deu mediante o acréscimo de um Prefácio, por Roger Kimball, um autor que eu há tempo admiro, e de um Posfácio, por Ted J. Smith III, um autor que desconheço, e que se propõe (Smith) a esclarecer o Sitz im Leben e a gênese do livro de Weaver.

O título do excelente Prefácio de Roger Kimball é “As Consequências de Richard M. Weaver”. Kimball afirma que a grande contribuição de Weaver decorre do fato de que ele não estava preocupado, ao escrever o livro Ideas Have Consequences, em exercer sua profissão de Professor de Retórica. Era isso que ele era, profissionalmente. A principal contribuição dele foi ser um profeta, numa hora em que ninguém achava que um profeta era necessário.

A função do profeta é proclamar más notícias em alto e bom tom, e anunciar o desastre que nos espera se não mudarmos o curso de nossa trajetória, e fazer isso quando a maior parte das pessoas acha que tudo caminha bem… Nenhum profeta jamais chegou à praça pública afirmando: “Tive uma conversinha privada com Deus e ele me disse que está muito contente com o rumo que as coisas vêm tomando, e, por isso, me pediu que lhes informasse que, na opinião dele, devemos continuar na direção que vimos trilhando ultimamente: esta é a direção correta… Parabéns a todos nós!”

Weaver era um Isaías falando em 1948, quase na metade exata do século 20, para um povo que acreditava que, depois da tormenta representada pela Segunda Guerra, havia chegado (pelo menos para ele) um tempo de bonança. A atuação dos Estados Unidos na guerra havia sido decisiva para vitória dos Aliados, tanto na guerra européia como na guerra asiática. A indústria americana cresceu enormemente no período da Segunda Guerra. Na área tecnológica, o primeiro computador eletrônico havia sido produzido. Na guerra, os EUA demonstraram que possuíam uma arma que ninguém mais no mundo havia ainda produzido, a bomba atômica, que forçou os orgulhosos japoneses a se renderem em poucos dias. Longe de ver essa arma de forma negativa, os americanos, em geral, estavam em um clima de “conosco ninguém pode” em 1947.

Mas, antes do fim da guerra, em Abril de 1945, faz 78 anos no dia de hoje, meses antes de terminar a guerra na Europa e na Ásia, Franklin Delano Roosevelt (FDR) morreu, no início de seu inédito quarto mandato seguido como Presidente dos EUA. Isso deixou o povo americano apreensivo, porque a guerra ainda estava por vencer e o homem que assumiu a Presidência foi Harry S. Truman, um matuto de Missouri, um estado que fica na parte central do Norte dos Estados Unidos, um exemplar da sabedoria popular, que nem curso superior tinha, e nunca havia posto os pés fora dos EUA, não conhecendo quase nada daquilo que é necessário conhecer para conduzir a política externa do país que ficava mais complicada em meio a uma guerra feroz – guerra essa em que alguns dos aliados, como a Rússia (URSS) de Stalin, era poderosa demais, e a França, ocupada, era mais do que frágil, a ponto de ser totalmente impotente, e, portanto, poderosa de menos, e, por isso, eram, se não mais perigosos do que os inimigos, pelo menos igualmente preocupantes… Com aliados como esses, quem precisa de inimigos?

No entanto, em 1947, um ano antes de o livro de Weaver ter sido publicado, o povo americano surpreendeu a mídia e todos os analíticos políticos encastelados nessa mídia, reelegendo Harry S. Truman, que, Vice-Presidente eleito em 1944, havia assumido a Presidência no ano seguinte, em Março de 1945, para ficar quase quatro anos à frente do Governo Americano – ou seja, para governar aquela que era, no final da guerra, e no pós-guerra, a potência maior do Ocidente.

Eu adoro as chamadas coincidências – que frequentemente chamo de “provincidências”, porque fico em dúvida se realmente são coincidências ou se são fruto da ação inesperada (mas sempre com um propósito, geralmente difícil de entender) da divina providência… Em 1948 Weaver publicou seu livro sobre a tese de que ideias têm consequências exatamente no mesmo ano em que um presidente que a intelligentsia e a mídia dos Estados Unidos supunha ser totalmente bronco, sem ideias, quase um apedeuta, pois nem curso superior tinha, foi surpreendentemente reeleito pelo povo (que não raro tem ideias que a intelligentsia não percebe e que a mídia não divulga).

O Prefaciador do livro de Weaver, Kimball, se pergunta quais teriam sido as consequências das ideias de Weaver, distribuídas no livro de 1948. Não vou discutir as ideias que Kimball tem sobre as ideias de Weaver. Eu vou me perguntar quais teriam sido as ideias de Truman, que, também em 1948, assumiu por mais quatro anos a presidência dos EUA, contra basicamente todos os prognósticos ditos inteligentes e científicos. Para se ter uma ideia, o Chicago Daily Tribune de 3.11.1948, dia posterior ao da eleição, chegou a anunciar, em primeira página, a vitória (não a previsão da vitória) de Thomas Dewey, candidato republicano que concorria contra Truman, criando o que pode com certeza ser descrito como a maior “barriga” do jornalismo mundial… A foto de Truman segurando o jornal do dia seguinte ao da eleição, que anunciava, não previa, a vitória de seu oponente, é uma das fotos mais vistas e celebradas no mundo, pois prova que, mesmo os jornais mais credenciados do mundo, erram, e são levadas ao erro por suas convicções políticas e ideológicas… (Vide acerca da “barriga” do jornal a página do site Opera Mundi de 3.11.2011, disponível aqui: https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/17568/hoje-na-historia-1948-chicago-tribune-erra-resultado-das-eleicoes-nos-eua)…

Enfim… Quais eram as ideias de Truman que tiveram tantas consequências (o Japão que o diga)?

Há um livro que procura demonstrar que Truman foi o presidente dos EUA e, quiçá, o líder mundial que mais realizou nos primeiros 120 dias de seu governo (12.4.1945, dia em que Roosevelt morreu e Truman assumiu a Presidência, e 14.8.1945, dia em que Truman anunciou a rendição incondicional do Japão aos Estados Unidos). Eis o resumo feito por A. J. Baime no seu livro The Accidental President: Harry Truman and the Four Months that Changed the World – primeiro em Português e, a seguir, no Inglês original:

“Os primeiros quatro meses da presidência de Truman viram o colapso da Alemanha Nazista, a criação das Nações Unidas [com sede em New York], os bombardeios de cidades japonesas que mataram milhares de civis, a revelação e a liberação dos mortíferos campos de concentração nazistas, o suicídio de Adolf Hitler, a execução de Benito Mussolini, e a captura, como criminosos de Guerra, do número dois de Hitler, Hermann Göring, e do ‘principal ‘lobisomem’ nazista, Ernst Kaltenbrunner. Houve também a queda de Berlin, a vitória em Okinawa (que o historiador Bill Sloan qualificou de a ‘a mais mortífera campanha de conquista jamais empreendida pelas Forças Armadas americanas), a Conferência de Potsdam, em que o novo presidente americano se sentou à mesa de negociações ao lado de Winston Churchill e de Joseph Stalin, na Alemanha ocupada pelos soviéticos, em uma tentativa de definir o mapa de um novo mundo. A humanidade foi testemunha da primeira explosão atômica, da destruição atômica de Hiroshima e Nagasaki, do aparecimento da Guerra Fria, e do início da corrida nuclear. Nunca antes o destino encurralou tanta história em um período tão curto. ’Os quatro primeiros meses posteriores à morte do Presidente Roosevelt em 12 de Abril [que foram os quatro primeiros meses da Presidência de Truman] foram, é plausível afirmar, um dos períodos mais densos, do ponto de vista político e militar, da história da humanidade’, escreveu um colunista do New York Times na época. ‘Eles dificilmente encontram paralelo em qualquer outra época da história da humanidade’”. [Tradução de Eduardo Chaves]

ORIGINAL: “The first four months of Truman’s presidency saw the collapse of Nazi Germany, the founding of the United Nations, firebombings of Japanese cities that killed many thousands of civilians, the liberation of Nazi death camps, the suicide of Adolf Hitler, the execution of Benito Mussolini, and the capture of arch war criminals from Hitler’s number two, Hermann Göring, to the Nazi ‘chief werewolf’ Ernst Kaltenbrunner. There was the fall of Berlin, victory at Okinawa (which the historian Bill Sloan has called ‘the deadliest campaign of conquest ever undertaken by American arms’), and the Potsdam Conference, during which the new president sat at the negotiating table with Winston Churchill and Joseph Stalin in Soviet-occupied Germany, in an attempt to map out a new world. Humanity saw the first atomic explosion, the nuclear destruction of Hiroshima and Nagasaki, the dawn of the Cold War, and the beginning of the nuclear arms race. Never had fate shoehorned so much history into such a short period. ’The four months that have elapsed since the death of President Roosevelt on April 12 have been one of the most momentous periods in man’s history’, wrote a New York Times columnist at the time. ‘They have hardly any parallel throughout the ages.’” [Loc.71-83 da edição Kindle do livro The Accidental President: Harry Truman and the Four Months that Changed the World, de A. J. Baime (Houghton Mifflin Harcourt, Boston, 2017)]

Hoje, como já disse, é o dia 12.4.2023 – estamos na segunda semana do quarto mês do terceiro mandato de Lula, este inegavelmente  forjado pelo STF. (E hoje, por coincidência, faz exatamente 78 anos que o Presidente Roosevelt morreu e o então Vice-Presidente Truman tomou posse pela primeira vez na Presidência dos Estados Unidos.) O que é, aqui no Brasil, que o pinguço que deveria estar na cadeia fez nesses primeiros quatro meses de governo? Se fez alguma coisa positiva, compare-se o que ele fez com o que Truman fez em seus primeiros quatro meses como Presidente dos Estados Unidos. Só pergunto para a gente poder refletir um pouco.

E quero sugerir aquilo que constitui o título deste ensaio… Ideias Têm Consequências… E a diferença entre os primeiros quatro meses do governo do Truman e os do governo do molusco está nas ideias que eles têm.

Embora em um sentido diferente daquele em que Lula um dia foi uma pessoa simples, Truman, é possível dizer, era uma pessoa realmente simples. Não era apenas pobre (que morava em casa alugada, lá no miolo dos Estados Unidos, onde voltou a residir quando terminou o segundo mandato). Há pobre que se acha melhor do que o resto do mundo, que é arrogante. Truman (que, para quem é Presidente dos EUA, era inegavelmente pobre) não era dessa estirpe. Ele nunca havia frequentado uma universidade e, por isso, não defendia as ideias mirabolantes da esquerda. Era uma pessoa do povo, e, como tal, uma pessoa que compartilhava do chamado senso comum. Entrou para a política municipal e depois de nível federal, por força de circunstâncias locais, regionais, e nacionais – não por que desejasse ganhar dinheiro ou se vingar de alguém. Não tinha aspirações altas. Queria apenas fazer, tão bem quanto fosse capaz, o que lhe parecia certo ou correto. Um dia, faltando gente honesta e de princípio para se candidatar ao Senado americano por seu estado, seu nome foi lembrado pelo seu partido: o Democrata. Ele era uma pessoa boa, um cara certinho – e, naquele ano, o partido não tinha condições de ganhar mesmo, imaginaram os políticos profissionais. Lançaram o seu nome. O povo os decepcionou: elegeu a Harry Truman para o Senado Federal americano. Mais de uma vez.

No Senado Truman teve um desempenho modesto. Não era daqueles de propor projetos mirabolantes que visam a transformar o país da noite para o dia, nem criar um homem novo e uma sociedade mais igualitária. Não era um grande orador e sua presença não se fez sentir na Tribuna. Foi reeleito porque era uma pessoa boa, do bem, honesta, que cumpria o que prometia, e em quem se podia confiar. Quando chegou a hora de escolher o candidato para a Presidência em 1944, o Partido Democrata não teve escolha. Escolheu, pela quarta vez, o ganhador Roosevelt. Para vice? Vamos colocar o Truman, que (imaginava-se) não fede nem cheira, e, por isso, ninguém é contra – e, afinal de contas, Roosevelt não vai morrer tão cedo. Well, menos de três meses e meio depois da posse, Roosevelt morreu e aquele que ninguém, fora do seu estado natal e de origem política, sabia exatamente quem era, virou Presidente dos Estados Unidos, da noite para o dia, e aparentemente por força do acaso, com três anos e nove meses de mandato para cumprir e uma guerra de abrangência mundial para ganhar: Harry S. Truman.

Seus primeiros quatro meses foram mirabolantes. A intelligentsia e a mídia relutaram em lhe dar crédito, imaginando que o Partido Democrata havia arranjado bons assessores para ajudar o tosco presidente, que às vezes usava gíria (fella, como o povão fala e escreve, em vez de fellow, como escrevem e dizem “les bien-pensants”…), que assassinava a gramática (confundido “as” com “like”), etc. Não havia os bons assessores. Truman tinha suas próprias ideias, era coerente com elas, e fazia aquilo que ele, com o cristão que sempre havia sido, concluía que era certo. Isso foi mais do que provado um tempo depois, quando se tratou de decidir que seria criado um país para Israel na Palestina. As lideranças do seu partido, envenenadas pelas ideias esquerdistas, eram contra. Defendiam a causa dos palestinos. Mas Truman, como bom cristão, acreditava ter chegado a hora de dar novamente uma pátria ao povo judeu… Foi favorável, resistindo pressões a que a maioria dos governantes não teria resistido, em relação à criação do Estado de Israel. Truman não seguia a opinião de políticos famosos, nem as das lideranças do Partido Democrata, ao qual ele pertencia, nem, muito menos, as da mídia dita progressista… Seguia, depois de ouvir os outros, o que sua consciência de cristão e homem de bem lhe determinava. Disse que nunca se arrependeu de uma decisão assim tomada. Israel está aí até hoje para provar que ele estava certo, o país mais poderoso do Oriente Médio, malgrado a guerra que lhe movem os árabes do mundo inteiro e as esquerdas de tudo que é país, desenvolvido ou não.

Truman não era um carreirista. Eis o que ele disse acerca de si próprio, depois de revelar que, porque ele e o presidente que o sucedeu, o General Dwight Eisenhower, eram de partidos opostos e não se davam muito bem, ele havia imaginado que precisaria ir andando, com sua mulher, carregando, cada um, sua pequena mala com roupas e pertences pessoais, até a estação ferroviária para pegar o trem para Missouri, no dia final do seu segundo mandato. Ou, então, chamar um taxi. Não foi preciso. Eisenhower fez-lhes a gentileza mínima de fornecer transporte da Casa Branca até a estação do trem. Mas Truman disse o seguinte

“Mas, se tivesse sido necessário [ir a pé ou de taxi], isso não me incomodaria nem um pouco. Eu estava lá [na Casa Branca] mais ou menos por acidente, seria possível dizer. Nunca imaginei que eu estivesse lá porque era especial. É muito fácil, em Washington, quando você ganha uma eleição renhida, imaginar que você é o tal. Já vi isso acontecer com um monte de colegas. Mas eu concentrei meus esforços para não permitir que isso acontecesse comigo. Tentei nunca esquecer, nem por um minute sequer, quem eu era, de onde eu havia vindo, e para onde eu iria voltar quando meu mandato terminasse. Se você consegue fazer isso, as coisas geralmente funcionam como deveriam, afinal, e tudo dá certo quando seu termo lá termina”.

[ORIGINAL] “But that wouldn’t have bothered me. I was there more or less by accident you might say, and I just never got to thinking that I was anything special. It’s very easy to do that in Washington, and I’ve seen it happen to a lot of fellas. But I did my best not to let it happen to me. I tried never to forget who I was and where I’d come from and where I was going back to. And if you can do that, things usually work out all right in the end.” [Apud Merle Miller, Plain Speaking: An Oral Biography of Harry S. Truman (Rosetta Books, 1974, Kindle Edition, 2018), p. 10.]

Do que fazia parte da Casa Branca, Truman não levou nem ,um guardanapo, nem sequer um lápis. Deixou tudo lá – porque nada que estava lá quando ele chegou era dele: pertencia ao povo americano que cedia, a ele e à sua família, o direito de usar e o dever de cuidar, enquanto lá estivessem.

Ideias têm consequências e fazem a diferença. Eis o que diz o jornal O Globo, quando da mudança de Lula, ao término do seu segundo mandato presidencial:

Mudança de Lula envolve 11 caminhões e fica mais cara do que o previsto

Agencia EFE

Rio de Janeiro, 27 jan (EFE).- Para a mudança de residência do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foram necessários 11 caminhões para transportar, entre outras coisas, os milhares de presentes que ele recebeu durante seus oito anos de Governo, informou nesta quinta-feira o jornal O Globo.

Diante da quantidade de presentes recebidos pelo ex-presidente em seus dois mandatos, o valor da mudança aumentou em 22% em relação ao previsto inicialmente, e chegou a R$ 22.721,00.

‘No valor inicial (da mudança), que serviu de base para a contratação dos serviços, não estavam incluídos alguns artigos que posteriormente foram transportados’, afirmou uma fonte ligada à Presidência.

Segundo o jornal, a maioria dos presentes que permaneciam no Palácio do Planalto e na residência oficial foi transferida para a cidade de São Paulo, onde em breve será inaugurado o Instituto Lula.

Na mudança foi necessário inclusive um caminhão refrigerado para transportar as centenas de garrafas de vinhos e de cachaça que Lula recebeu durante seus oito anos de governo.

Nos onze veículos contratados também foram transportadas as 335 mil cartas que Lula recebeu, oito mil quadros e peças de artesanato, 9.697 fotografias e vídeos, 9.027 livros e outros 8.517 presentes.

Entre os presentes recebidos por Lula durante seu Governo destaca-se uma espada de ouro vermelho com pedras de rubi, esmeralda e brilhantes, dada pelo rei da Arábia Saudita, Abdullah Bin Abdulaziz Al-Saud.

Lula também recebeu um conjunto de taças de prata da rainha Elizabeth, da Inglaterra, um capacete de Ayrton Senna, 590 bonés e mil camisetas (85 delas de times de futebol).”

[https://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/01/mudanca-de-lula-envolve-11-caminhoes-e-fica-mais-cara-do-que-o-previsto.html]

Que contraste, não é? Truman achava que ele estava naquela posição por um acaso, e que ele nada tinha de especial que fizesse que ele se sentisse diferente dos outros, superior a eles. Ele servia o país do qual era Presidente. Lula se serviu do país em que foi eleito Presidente para se esbaldar e se enriquecer – e enriquecer sua família. Ele levou do Palácio da Alvorada mais bebida alcoólica que ele, mesmo sendo pinguço, será capaz de consumir até que a morte o contemple. No sítio de Atibaia o estoque de bebidas era assustador. Levou também 8.517 presentes recebidos como Chefe de Estado. Mais de nove mil livros – ele que, acredito, nunca leu um inteiro, de capa a capa.

Ideias têm consequências e fazem a diferença. O Presidente Truman sabia, e disso não tenha dúvida, que o que estava na Casa Branca para seu uso, enquanto fosse Presidente, não era dele, e que mesmo eventuais presentes recebidos de líderes de outros países deviam ser incorporados ao acervo dos bens públicos da Presidência da República para presidente subsequentes também usarem e desfrutarem, enquanto morarem lá,

“Qualquer coisa, tudo que estava ali, pertence ao povo americano. Eu apenas tive o privilégio de usar tudo que lá estava por um certo tempo. Isso é tudo. E tendo em vista de que o que lá havia tinha sido emprestado para mim, e eu incluo nisso o poder inerente à Presidência do país, eu tinha de usar essas coisas com o maior dos cuidados, de modo a repassá-las, na melhor condição possível, ao cara que viesse a me suceder. E na grande maioria dos casos eu acredito que eu fui bem sucedido nesse mister”.

[ORIGINAL:] “Everything, all of it, belongs to the people. I was just privileged to use it for a while. That’s all. And since it was only lent to me, and by that I’m includin’ the power of the Presidency, such as it is, I had to try to use whatever it was with great care so that I could pass it on to the next fella in the best condition possible. And for the most part I think you can say I succeeded.”

[Apud Merle Miller, Plain Speaking: An Oral Biography of Harry S. Truman, op.cit., p. 10-11.]

Na escrivaninha de Truman na Casa Branca, além de um quadrinho que dizia “The buck stops here” (“A cadeia decisória termina aqui”), havia um outro, com uma frase de Mark Twain:

“Sempre faça o que é certo. Isso deixará algumas pessoas recompensadas – e surpreenderá os demais.”

[ORIGINAL] “Always do right. This will gratify some people & astonish the rest.”

[Apud Merle Miller, Plain Speaking: An Oral Biography of Harry S. Truman, op.cit., p. 14.]

Que falta faz alguém assim na Presidência do Brasil.

Em Salto, 12 de Abril de 2023



Categories: Liberalism

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