Religião e Igreja; Educação e Escola

Minha área principal de atuação na academia e na vida sempre foi a Filosofia – na verdade, a História das Ideias. A Filosofia tem um corpo teórico próprio, que envolve, basicamente, a Metafísica (Estudo do Ser ou da Realidade) e a Epistemologia (Estudo do Conhecimento). O problema básico da Filosofia tem sido descrever, analisar e ordenar (catalogar, classificar) o que existe – que tipo de coisas fazem parte da realidade – e como podemos ter conhecimento disso. Minha paixão número um está nessa área. 

Mas a Filosofia, hoje em dia, em especial a partir do fim do século 19 em diante, começou a se dedicar a estudar (a partir de um nível lógico mais elevado) outras disciplinas, como a Religião, a Ciência, a História, a Política, a Arte, a Educação, etc. Neste caso, foram criadas várias subáreas da Filosofia que vêm seguidas do nome “Filosofia” mais a preposição “de”: Filosofia da Religião, Filosofia da Ciência, Filosofia da História, Filosofia da Política (aqui o “de” às vezes é suprimido em favor da expressão “Filosofia Política”), Filosofia da Arte, Filosofia da Educação, etc. 

Mas, dentro dessas subáreas da Filosofia, tenho concentrado meu interesse na Filosofia da Religião, na Filosofia da Política, e na Filosofia da Educação. Secundariamente, tenho me ocupado da Filosofia da Ciência e da Filosofia História. Ou seja, meu interesse mais substantivo tem sido a História das Ideias Religiosas, Políticas e Educacionais. Neste artigo vou deixar as Ideias Políticas meio de lado e me concentrar no que me parece ser um paralelismo interessante entre a Religião e a Educação. 

Tanto a Religião como a Educação começam com a constatação de certos interesses humanos. 

Como surge a Religião? Há várias explicações. David Hume, meu santo padroeiro, em seu livrinho The Natural History of Religion, sugere que as religiões surgem de nossas esperanças e de nossos medos. Esperamos que nossa vida seja longa e feliz, que encontremos alguém que nos agrade com quem possamos convivê-la, que nosso trabalho produza bons frutos e tenhamos recursos para viver de forma menos dura, mais amena, mais agradável, etc. Mas constatamos que as coisas, para alguns, vão bem e dão certo, enquanto para outros, vão mal e dão errado. E nos perguntamos por quê? Será que existem seres superiores, quem sabe espirituais, que cuidam de diferentes aspectos de nossa vida? Da duração e da qualidade da nossa vida? De nossos amores? De nosso trabalho? Será que é possível influenciá-los com louvores, elogios, adorações, presentes, quiçá sacrifícios? Ir bem e dar certo na vida, em contraposição a ir mal e dar errado, depende desses comportamentos nossos? Acho essa um interpretação bastante razoável da origem das religiões. 

E como surge a Educação? Constatamos que, ao nascer, diferentemente do caso de outros animais, não sabemos virtualmente nada e não sabemos fazer quase nada (a não ser chorar, quando não estamos bem ou confortáveis). Mas constatamos que somos bons, não necessariamente na área de sobreviver, mas em aprender coisas que nos permitem crescer, nos desenvolver, nos tornar alguém que escolhe como e com quem vai viver, etc. Educar é isso: é se tornar capaz de saber e saber fazer coisas que inicialmente não sabíamos e não sabíamos fazer. 

Mas, com o tempo, tanto a Religião como a Educação vão se tornando mais complexas e, assim, surgem instituições e profissionais para se ocupar de atividades que antes eram desenvolvidas, tanto na área da Religião como da Educação, no lar, no seio da família, com os pais e os demais parentes. E assim surgem Igrejas e Sacerdotes, bem como Escolas e Professores. A Religião e a Educação se institucionalizam e se profissionalizam. Os dois conjuntos de atividades, as religiosas e as educacionais, gradualmente saem do lar e do seio da família e passam para a uma instituição própria, onde são executados por profissionais e não pelos pais, pelos demais membros da família, pelos amigos, pelas pessoas que habitam na mesma comunidade. E entre os profissionais envolvidos estão intelectuais que se ocupam de desenvolver referenciais teóricos na área da Religião e da Educação. Assim surgem a Teologia (Teoria da Religião) e a Pedagogia (Teoria da Educação). [Algo parecido acontece em outras áreas, como a Saúde, que é institucionalizada e profissionalizada com o passar do tempo, saindo do âmbito da família e da comunidade].

Eu, pessoalmente, e a duras penas, cheguei à conclusão de que a institucionalização, a profissionalização e a ideologização [construção de teorias e referenciais teóricos] da Religião e da Educação foram sérios erros, dos quais vamos, no devido tempo, nos arrepender. Erros lastimáveis, que precisam ser corrigidos e revertidos. Aprendi isso com Ivan Illich – mesmo na área da Religião. Ele defendia não só a desescolarização da Educação, mas também a desigrejação e dessacerdotização da Religião. E, aqui entre nós, com a desinstitucionalização e a desprofissionalização dos cuidados médicos]. Levou muita paulada – numa causa que hoje me parece certa mas que escandaliza aqueles que acreditam que, se você tem um problema religioso, deve procurar uma igreja e um sacerdote; se você tem um problema de aprendizagem, deve procurar uma escola e um professor [e, se você tem um problema de saúde, deve procurar um hospital e um médico]… 

A situação na área da Religião é, de certo modo, menos grave, em grande medida porque os Pais Fundadores da nação americana decidiram separar a Igreja do Estado, impedindo, assim, que o Estado meta o seu inconveniente bedelho em questões religiosas. Os países que não adotaram a solução americana de separar a Religião do Estado, sofrem com a ingerência do Estado em sua vida também na área religiosa. Na Educação isso, infelizmente, não aconteceu. Nem os Pais Fundadores da nação americana viram a necessidade de separar a Educação do Estado. Com isso, no devido tempo, permitiram que, até nos Estados Unidos, com sua tradição de liberdade, a maior parte da Educação ficasse nas mãos do Estado. É contra isso que devemos lutar agora. As bandeiras de Home Schooling e de Unschooling e Deschooling têm, diante de si, uma primeira e enorme batalha, que é tirar a Educação das mãos do Estado. Só depois de tirar o inconveniente bedelho do Estado das questões educacionais que vamos conseguir decidir se a Educação será feita prioritariamente no lar, ou se ela se fará, de forma libertária, nos meios de comunicação hoje disponíveis. Antes de tudo, porém, é preciso tirar a Educação das mãos do Estado, separar a Educação do Estado, desestatizar a Educação. 

Eu custei a perceber os paralelos entre essas duas áreas (e várias outras). Mas hoje estou convencido de que é necessário, não retroceder, repentinamente, em uma virada de 180 graus, que é virtualmente impossível, mas, aos poucos, mudar a direção em que caminhamos. E acho que as tecnologias digitais nos ajudam a fazer isso. 

Em Salto, 1 de Janeiro de 2023



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