Cinco Gerações de Meios de Comunicação, com Foco nas Três Últimas

Às vezes me vejo motivado a ler mais de um livro ao mesmo tempo, e sobre basicamente o mesmo assunto.

Ontem (26.3.2024), por acaso, encontrei na Amazon US um livro que chamou minha atenção:

Merchants of Truth: The Business of News and the Fight for Facts (Mercadores da Verdade: A Notícia como Negócio e a Luta pelos Fatos), de Jill Abramson (2019).

O preço da edição em ebook estava baratinho (US$ 2.99) e eu comprei – e pus-me a ler.

Logo no início de seu livro, Abramson, que foi Diretora Executiva do The New York Times, confessa que, depois de ser dispensada desse, ficou meio zonza, tentando entender o que havia acontecido para levar os proprietários do jornal a lhe darem o “bilhete azul” (que, em Inglês, é cor-de-rosa, “pink slip”), depois de tantos Pulitzer Prizes que foram conquistados pelo jornal durante o tempo em que ela foi Diretora Executiva (foram 24 Pulizers). E resolveu fazer o que David Halberstam havia feito, exatamente quarenta anos antes, em 1979, com seu livro:

The Powers that Be (Os Poderes Constituídos)

A tradução, que é minha, me parece apta, embora não seja exatamente literal, mas Os Poderes que São não me soa bem. Como eu já tinha esse livro em meu Kindle, há algum tempo (comprei-o faz cinco anos, em Maio de 2019), abri duas janelas e fui lendo pedaços, ora de um, ora de outro. Halberstam (que é ganhador do Pulitzer Prize) examina as histórias e os caminhos de quatro empresas envolvidas com os meios de comunicação: os jornais The Washington Post e Los Angeles Times, a rede de televisão CBS News (CBS=Columbia Broadcasting System), e a revista semanal Time. Três gêneros diferentes. Abramson se propôs investigar dois jornais famosos, The New York Times (onde ela trabalhou) e The Washington Post, bem como duas empresas que poderiam ser descritas como Redes Sociais ou New Media: BuzzFeed e Vice Media. Digamos que dois gêneros diferentes, apenas, ignorando uma possível diferença de gênero entre as duas mídias mais recentes (que eu desconheço).

Os dois livros são tentativas de entender as duas gerações mais recentes que aconteceram na área do que hoje se chama de meios de comunicação, ou mídia (“media”) — mas que já foi chamada por outros nomes, a mudança de nomes sendo indicativa das revoluções que assolaram essa área. Por isso esta parte inicial para rapidamente discutir nomes…

Na realidade, em um artigo que escrevi e publiquei na véspera da virada do século e do milênio, no ano 2000, já havia discutido o que, naquela ocasião, chamei de “As Revoluções na Área dos Meios de Comunicação” – assunto que eu havia começado a discutir, alguns anos antes, no meu livro Multimídia: Conceituação, Aplicações e Tecnologia, de 1992 (que, pelo que sei e que me consta, foi o primeiro livro escrito sobre multimídia por um brasileiro em língua portuguesa). Designei essas cinco revoluções em termos de criações ou invenções humanas que representam diferentes Gerações dos Meios de Comunicação:

  1. A invenção da linguagem oral
  2. A invenção da linguagem escrita
  3. A invenção da linguagem impressa
  4. A invenção da linguagem audiovisual
  5. A invenção da linguagem digital

As duas primeiras invenções, e as revoluções que produziram, estão muito atrás no tempo para merecer atenção aqui. Por isso, vou ignorá-las. (Cumpre-me esclarecer que há gente que discorde da afirmação de que a linguagem oral dos seres humanos seja uma invenção – mas vou deixar essa discussão fora do escopo deste artigo.)

A terceira invenção, que introduziu a revolucionária Terceira Geração dos Meios de Comunicação, já tem mais de 500 anos. Ela gerou, a curto, médio e longo prazo, o livro impresso, os panfletos, as revistas periódicas (mensais, quinzenais, semanais), o jornal diário, as newsletters (literalmente, “Cartas de Notícias”, com várias periodicidades, de semanal até anual, como as cartas que os missionários mandavam para a matriz fazendo um relatório, dizendo como as coisas andavam, agradecendo o apoio moral e financeiro e pedindo que ele continuasse…), etc. Os vários livros de Elizabeth L. Eisenstein contemplam a discussão dessa invenção, que recebeu originalmente o nome de “printing” (que virou “tipografia”, “gráfica” e, oportunamente, “prensa de tipo móvel” e “imprensa” em Português – o nome “imprensa” vindo a receber conotações mais específicas, com o tempo).

A quarta invenção (e sua revolução), que também não teve início recente, introduziu a Quarta Geração dos Meios de Comunicação, a Geração Audiovisual. Ela começou com o visual, isto é, com coisas como os desenhos nas cavernas, lá atrás, depois produziu as ilustrações dos livros manuscritos, a pintura em telas, vitrais, tetos e paredes de igrejas, em azulejos coloridos e desenhados, o desenho geométrico e livre, a fotografia, o cinema, a televisão, o vídeo (tudo no plano da tecnologia chamada de analógica), e na área do áudio, a gravação do som (em discos, por exemplo, depois em fitas, depois em discos compactos com tecnologia óptica), o telefone, o rádio (tudo, também, no plano da tecnologia chamada de analógica). Os inúmeros livros de Marshall McLuhan privilegiam a discussão dessa invenção, que recebeu o nome de “media” (que era um termo em Latim, plural de “medium”, que foi anglicizado como “media”, e que virou “mídia” em Português, que é um termo plural que tem plural, “mídias”, que eu vou usar). O livro de Halberstam, mencionado atrás, investiga o impacto dessas mídias audiovisuais sobre, especialmente, as mídias impressas, em especial os jornais diários e as revistas semanais.

A quinta invenção (e sua revolução), que estamos vivendo atualmente, introduziu a linguagem e as tecnologias digitais. Ela nos trouxe, primeiro, as calculadoras eletrônicas, depois os computadores eletrônicos alfanuméricos, depois os computadores eletrônicos multimídia (que processam números, textos, imagens e sons), depois os computadores eletrônicos multimídia miniaturizados, que virtualmente se universalizaram com os chamados “smartphones” – e tudo isso veio acompanhado de vários tipos de equipamentos, todos rapidamente interligados em redes de equipamentos, das quais a Internet é a rede das redes, e em aplicações, como o email (correio eletrônico), a Web, o chat (a mensagem escrita instantânea), as redes sociais (aplicativos que interconectam pessoas), tudo em formato multimídia (isto é, permitindo que sejam usados textos, sons e imagens, estáticas, isto é, sem movimento, ou dinâmicas, isto é, em movimento). O livro de Abramson, mencionado atrás, investiga o impacto das mídias digitais, em especial das redes sociais, sobre as mídias impressas, em especial os jornais diários, e as mídias audiovisuais, em especial a televisão, com seus noticiários (que antigamente eram chamados de “jornais falados”, no rádio e na televisão, neste caso a fala sendo acompanhada da imagem dos falantes).

 Moral da história.

Hoje vivemos uma revolução avassaladora que faz com que jornais de primeira linha e canais de televisão se sintam ameaçados pelas redes sociais. Na verdade, eles diariamente perdem leitores e espectadores para as redes sociais, que se situam em plataformas como o conjunto de plataformas Meta (Facebook, Instagram, Messenger, WhatsApp), Youtube, Twitter/X, e, agora, a Truth Social, do ex-presidente americano Donald Trump – e inúmeras outras. A extensão e profundidade da atual revolução, que é objeto de atenção de Abramson, nos faz até esquecer a revolução anterior, que foi objeto de atenção de Halberstam. Mas as coisas se misturam, porque grandes jornais americanos, como The New York Times e The Washington Post, estão no olho do furacão das duas crises. (O mesmo acontece com os jornais brasileiros, como O Globo, O Estado de São Paulo, e a Folha de S.Paulo, bem como com a Rede Globo de Televisão — TV Globo. Espero que todos esses meios de comunicação morram, logo, mas que a morte seja lenta, sofrida e dolorida.)

O segundo desses jornais, The Washington Post, sobreviveu a crise da Revolução Audiovisual, porque a crise política decorrente do escândalo do Watergate, que acabou por derrubar (via renúncia negociada, com perdão antecipado completo) o Presidente Richard Nixon, foi provocada e alimentada pelos repórteres investigativos do Post. Ninguém que tinha trinta anos em 1973, e morava nos Estados Unidos, como eu, se esquece desse fato. Mas The Washington Post não sobreviveu à crise da Revolução Digital: para não quebrar, a família que o criou e o mantinha até há pouco tempo foi obrigada a vender o jornal para o fundador e principal acionista da Amazon, o multibiliardário Jeff Bezos, o inventor, primeiro, da livraria virtual online, depois do ebook, entregue, instantaneamente, em quase qualquer lugar do mundo, e hoje o principal varejista do planeta, vendendo praticamente tudo através de seu site e testando lojas físicas que vendem de tudo, em Seattle, sem nenhum funcionário.

O primeiro desses jornais, e o mais famoso jornal dos Estados Unidos, The New York Times, que precisou dispensar Abramson e outros grandes salários para sobreviver por mais um tempo, luta, como afirma Abramson, para conseguir vender notícias, acerca de fatos e acontecimentos, e opiniões sobre as notícias e os acontecimentos noticiados, a uma audiência que rapidamente aprendeu a consumir notícias e opiniões de graça nas redes sociais… No afã de sobreviver financeiramente, sem precisar vender o jornal para algum outro multibiliardário, The New York Times frequentemente passa, não só por crises financeiras, mas, também,  por crises de credibilidade e confiabilidade – além de alguns vexames notórios.

Além disso, as mídias da revolução anterior, a quarta (em especial o rádio e a televisão) também vêm sofrendo bastante com a concorrência das mídias digitais — tanto quanto as mídias impressas que caracterizaram a terceira revolução (os jornais, as revistas, e até mesmo os livros impressos), e que já haviam sofrido uma grande crise com a concorrência das mídias audiovisuais. Ninguém mais liga o rádio, nem usa um Discman ou um iPod ou mesmo um Pen Drive, para ouvir música. Ouve no telefone, em um dos aplicativos (o Spotify parecendo ser o mais popular hoje em dia).

Em outras palavras: as mídias da terceira e da quarta geração passam, hoje, por uma crise tão ampla e profunda que pode até vir a decretar o seu fim, na sua forma tradicional, evidentemente – embora elas sempre possam tentar se adaptar às tecnologias que caracterizam a quinta geração das mídias, reinventando-se – como, de certo modo, já tentam fazer hoje, com versões digitais de jornais e revistas, sites paralelos que são atualizados o dia inteiro com novas notícias, que só vão aparecer nos jornais impressos do dia seguinte, etc. O problema é que, para sobreviver, elas precisam cobrar pelo acesso, e as pessoas dispostas a pagar por algo que podem obter de graça, de sites institucionais ou pessoais, diminuem, em número, a cada dia. A tentação é cobrar uma mensalidade pequena, para aumentar o número de leitores, mas mesmo assim, a qualidade acaba caindo. A tentativa de sobreviver financeiramente, baixando os preços, acaba por reduzir o número de acessos pagos, fazendo com que elas experimentem o pior dos mundos: redução de receita E queda de qualidade, que mutuamente se alimentam, um do outro e o outro do um… Esse é o prelúdio do fim, que já chegou para o Jornal do Brasil e vários outros jornais que um dia foram grandes e de grande qualidade.

A única salvação seria a compra dessas por um multibiliardário que fez fortuna no mundo digital e não sabe o que fazer com tanto dinheiro… Mas poucos deles estão dispostos em investigar em mídia convencional. Preferem, como Elon Musk, investir em redes sociais. Até Donald Trump, ele por força das circunstâncias, criou a sua – e, pelo que se noticia, ganhou quase quatro bilhões de dólares em um dia (o dia da IPO de sua rede Truth Social). Quem pode mais, chora menos.

Em Salto, 27 de Março de 2024

Eduardo Chaves



Categories: Liberalism

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