Memória e Esperança na Teologia e na Educação

Tive dois professores excelentes no meu Mestrado em Teologia (M.Div) no Pittsburgh Theological Seminary (PTS) em Pittsburgh, de 1967 a 1970: Ford Lewis Battles (História da Igreja) e Dietrich Ritschl (História do Pensamento Cristão). Até 1967 minha intenção era me especializar no estudo do Novo Testamento. De 1967 em diante, meu objetivo foi outro: especializar-me em História da Igreja e do Pensamento Cristão. E foi isso que fiz – porque esses dois mestres me mostraram que essas duas áreas (que na verdade, no fundo são duas faces de uma área só) eram fascinantes. Acho isso até hoje.

O primeiro livro de Ritschl que li se chamava Memory and Hope. O livro foi publicado em 1967, ano em que cheguei a Pittsburgh, e minha cópia tem um uma dedicatória dele, em Latim: “Dietrich Ritschl studium magnum tibi optat” (Dietrich Ritschl lhe deseja um proveitoso estudo).

Explicando o título do livro, Ritschl afirma:

“The only legitimate starting point for theological thinking is the ‘Christus praesens’, connected with the ‘memory’ and ‘hope’ of the Church. [It] is neither Scripture, nor the historical Jesus, nor the historical-risen Christ” (Preface, p.xii).

[Tradução de EC: “O único ponto de partida legítimo para o pensamento teológico  é o ‘Christus praesens’ [o Cristo presente aqui e agora], que se conecta, de um lado, com a ‘memória’ que a Igreja carrega consigo [as Escrituras e a Tradição], e,  de outro lado, com a ‘esperança’ que essa Igreja tem [a visão do futuro que ela deseja]. Esse ponto de partida não está nem nas Escrituras, nem no Jesus Histórico, nem mesmo no Cristo historicamente ressuscitado”.]

A leitura dessa passagem fez com que eu abandonasse, inacabado (até hoje), um enorme trabalho que eu vinha escrevendo há cerca de três anos sobre “A Busca do Jesus Histórico”, e passasse a dedicar minha atenção à História da Igreja e do Pensamento Cristão. Os seis grandes trabalhos (um por semestre) que escrevi no Mestrado, em lugar de uma dissertação, foram sobre os seguintes temas:

  • Sola Scriptura and the Problem of Scripture and Tradition [Sola Scriptura e o Problema da Escritura e da Tradição]
    • Thomas Aquinas’ Theory of Knowledge [A Teoria do Conhecimento de Tomás de Aquino]
    • Cognitio Dei in the Thought of Saint Thomas Aquinas [Cognitio Dei no Pensamento de São Tomás de Aquino]
    • Erasmus on War and Peace [Erasmo sobre Guerra e Paz]
    • The Fundamentalist-Modernist Controversy in the Presbyterian Church of the USA [A Controvérsia Fundamentalista-Modernista na Igreja Presbiteriana dos EUA]
    • The Social Gospel in America: A Study of its Origins [O Evangelho Social na América: Um Estudo de suas Origens]

Como se pode facilmente constatar, os seis trabalhos, que em seu conjunto corresponderam a uma Dissertação de Mestrado (mais de 500 páginas no total), foram na área da História da Igreja e do Pensamento Cristão.

No meu Doutorado, no Departamento de Filosofia da Universidade de Pittsburgh, concluído em 1972, minha tese foi também nessa área: David Hume’s Philosophical Critique of Theology and its Significance for the History of Christian Thought [A Crítica Filosófica à Teologia por Parte de David Hume e o seu Significado para História do Pensamento Cristão], com 620 páginas.

Algum tempo depois, quando já era Professor Titular de Filosofia da Educação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), li o livro Democracy and Education de John Dewey, publicado em 1915, e nele me chamou a atenção uma “dialética” parecida com a de Ritschl, só que aplicada à Educação (não à Teologia). Diz Dewey:

“Education may be conceived either retrospectively or prospectively. That is to say , it must be treated as a process of accommodation the future to the past, or as an utilization of the past as a resource in a developing future” (p.79, no Sumário do Capítulo 6, intitulado ”Education as Conservative and Progressive [“A Educação como Conservadora e Progressista”]).

[Tradução de EC: “A educação pode ser vista ou retrospectivamente ou prospectivamente. Em outras palavras, ela pode ser tratada como um processo de acomodação do futuro ao passado, ou como um a utilização do passado como recurso na construção do futuro.”]

Dewey, fazendo uso, como Ritschl, dos conceitos de passado e futuro, que representam memória e esperança, propõe que vejamos a educação como uma interação, ou mesmo uma síntese interativa, entre o que desejamos construir como futuro na sociedade, sem ignorar, desconsiderar, e desprezar a importante herança que o passado nos oferece para a construção desse futuro.

Acho essa ideia genial. A educação é conservadora e progressista, fica espremida em um presente que tem, de um lado, um projeto que representa e a esperança do futuro, e, de outro, a experiência contida na memória do passado. Não se trata de optar por uma alternativa ou pela outra: as duas são essenciais, como, no caso da Educação, bem mostrou a Paloma Chaves em sua Tese de Doutoramento, defendida no ano passado (2022).

Em Salto, 24 de Outubro de 2023



Categories: Liberalism

Leave a comment