O Mais Importante dentro do Importante

Desde que escrevi um livrinho sobre administração do tempo, no início da década de 80 (em 1982: faz mais de quarenta anos), tenho sempre em minha consciência o fato (que procurei identificar e analisar no livrinho) de que administrar o tempo é definir prioridades e usá-las para planejar e gerenciar a vida. Em outras palavras: administrar o tempo é equilibrar a alocação do seu tempo entre o importante e o urgente.

Há atividades que são importantes e urgentes. Elas são as coisas mais prioritárias que existem. Precisam ser feitas, precisam ser feitas primeiro, e, se possível, precisam ser feitas rápido.

Há coisas que não são nem uma coisa, nem outra. Em relação a elas a decisão é simples e indiscutível: simplesmente ignorá-las, esquecer delas.

O duro é equilibrar a alocação do tempo que resta, depois que as coisas importantes e urgentes foram feitas, entre, de um lado, o importante, mas não urgente, e, de outro lado, o urgente, mas não importante.  

Tive um lampejo de sabedoria, há pouco, que nunca havia me ocorrido antes, quando escrevi meu livrinho (e um artigo, de 1988, que resumiu a essência do livrinho, e que foi a coisa mais popular que já escrevi: “Administrar o Tempo é Planejar e Gerenciar a Vida” [https://chaves.space/2021/01/13/administrar-o-tempo-e-planejar-e-gerenciar-a-vida-v-5-2021-original-de-1998/]). O lampejo de sabedoria foi o seguinte: faz diferença o momento de sua vida que você está vivendo, e há momentos em que aquilo que é mais urgente é fazer o que é mais importante.

Isso nunca me ocorreu antes porque escrevi o livrinho quando tinha menos de quarenta anos. Hoje tenho oitenta, mais do que o dobro da idade que tinha em 1982. Não percebi antes o fato de que o momento de sua vida que você está vivendo faz diferença porque nunca tive oitenta anos antes. Quando você chega aos oitenta, as coisas urgentes da vida se tornam extremamente incômodas, porque você tem tanta coisa importante para fazer e o tempo está se esgotando a cada dia, e as urgências não param de cair em cima de você… Quando você chega aos oitenta, você tem aquela impressão de que você está vivendo nos descontos da prorrogação… O lampejo de sabedoria foi perceber que, quando o fim está próximo, você precisa transformar o que é mais importante para você naquilo que é mais urgente – porque, caso contrário, não vai sobrar tempo para o que lhe é mais importante.

Li, ontem, em um livro de Richard Feynman, uma historieta que narrava o fato de que, quando ele descobriu, meio de repente, que estava muito doente e não teria mais muito tempo de vida, ficou aliviado e tranquilo e disse a um amigo que tudo o que ele tinha a dizer (por escrito ou oralmente) ao mundo, ele já tinha de alguma forma dito, e que, portanto, podia agora dizer adeus ao mundo com serenidade, e que os outros que se virassem para encontrar o que de importante ele disse (si’il en eut). Não cheguei a esse ponto ainda. Há coisas sobre a minha vida, sobre a educação, sobre a religião e sobre a filosofia que eu gostaria de dizer e ainda não disse, ou, se já disse, que gostaria de dizer melhor, de forma mais clara e precisa do que antes. Dificilmente vou conseguir fazer tudo o que quero. E, portanto, tenho de selecionar, entre o que me é importante, o que é mais importante. E fazer dessas coisas, as mais importantes entre as importantes, as minhas urgências.

Não vai ser fácil. A concorrência é feroz.

Em Salto, 26 de março de 2024.

Eduardo Chaves



Categories: Liberalism

2 replies

  1. Caro Prof. Eduardo,

    Desculpe o “Prof.”, é um hábito do qual não consigo largar desde que, certa vez no século passado, fui repreendido pelos meus colegas em Hamburgo ao chamar meu orientador de Andreas – eu deveria chamá-lo de Herr Doktor Professor Hemmerich. Anos mais tarde, em Berlin, ao pegar um táxi no aeroporto para o Laboratório Síncrotron de lá, falei o endereço e o taxista não compreendeu e começou a me tratar mal. Lembrei então de mostrar meu crachá de lá e o sujeito mudou completamente comigo e passou a me tratar de Herr Doktor Professor Cavasso. É um respeito pelo conhecimento e titulação que o brasileiro não tem…

    Tenho recebido sua Newsletter, cuja leitura é sempre um momento agradável que me faz sair do mundo da Física e mergulhar em outros assuntos. Me surpreendi dessa vez com a menção de Richard Feynman – que é muito conhecido dentro dos círculos da Física, porém muito pouco conhecido fora dela. Acabei me identificando com seu argumento de que ” faz diferença o momento de sua vida que você está vivendo, e há momentos em que aquilo que é mais urgente é fazer o que é mais importante.” Fiquei curioso e tentei acessar o link do seu livro de administração do tempo, porém não tive sucesso. Sobre o tema, me veio na memória o filme sobre a vida do papa Pio XII – em certo ponto do filme ele afirma que “O importante é ter paz no coração – todo o resto é consequência”.

    Por falar em religião, após ler algumas Newsletters suas sobre as ideias de Bart Ehrman acabei devorando uns 5 livros dele – os que encontrei traduzidos em português porque ainda não me aventuro a ler nada fora da minha área em outra língua, com exceção de um ou outro artigo de jornal. O estudo do Novo Testamento é um tema fascinante – provavelmente hoje minha escolha profissional não seria a mesma que foi há 30 anos atrás. O resultado é que nunca mais assisti a uma Missa da mesma forma, percebi que na Leitura do Evangelho os padres escolhem a dedo os trechos mais “suspeitos” dos evangelhos. Vou parar por aqui porque o assunto dá pano pra muitas e muitas mangas…

    Um grande abraço,

    Reinaldo.

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    • Caro Reinaldo (permita-me, por favor, o tratamento informal). Em primeiro lugar, desculpe-me demorar dez dias para responder seu interessante comentário. Ando meio assoberbado com meus escritos e com tarefas domésticas, no sítio em que moro, em Salto, pois estamos temporariamente sem caseiros… Procurando seus dados na Web, vi que você trabalha (não sei se ainda) na Universidade do ABC (eu vivi em Santo André de 1952 a 1961) e que fez pós-doutorado na UNICAMP, acme redito que numa época em que eu ainda estava trabalhando lá, antes de me aposentar, no final de 2006. (Trabalhei lá de Junho.1974 [vai fazer 50 anos em menos de dois meses] a Dezembro.2006 [estando já aposentado, Gott sei dank, há quase 20 anos]. Muitas coisas curiosas no seu comentário. O livro de Feynman, que eu menciono no texto, e que lhe causou certa estranheza (natural, eu diria, como meu causou seu interesse por Ehrman), ganhei de um amigo da University of Virginia em 2003, faz mais de vinte anos. Só vim a lê-lo mais detidamente agora em função do que encontrei no artigo sobre ele na medium.com, e especialmente em decorrência do que ele disse sobre a educação brasileira (e que ainda serve para a educação em geral). Eu tinha uma cópia digital daquela foto dele com físicos brasileiros que foi enviada por uma prima, que é filha de Humberto Lenz César, professor de Física da UFC até não muito tempo atrás, e que está na foto. Outros filhos do meu primo Humberto, como Carlos Lenz César, fizeram toda sua Pós-Graduação em Física no Instituto Gleb Wataghin da UNICAMP, e tive o privilégio de acompanhar sua trajetória mais de perto. Hoje Carlos está aposentado da UNICAMP, como Professor Titular de Física, e vive em Campinas e Fortaleza, alternando. Santo André e Campinas são, portanto, pontos de conexão que temos, sem saber que tínhamos. Quanto a Bart Ehrman, gosto muito de lê-lo, tenho mais de vinte livros dele, e, de vez em quando, assisto a alguns cursos e aulas que ele ministra online. Ultimamente tenho-o relido bastante porque estou em processo de preparar uma nova edição, revista e bem expandida, de meu livro Uma Breve História da Igreja Antiga, dos Primórdios até a Queda do Império Romano no Ocidente (476), originalmente publicado em 2017, que discute os primeiros cinco séculos do Cristianismo e trata de vários assuntos em que Ehrman tem nos dado uma contribuição que eu considero imprescindível. Vejo que você foi (ou ainda é) católico. Eu fui (e ainda sou) protestante (presbiteriano). Ainda sou, apenas porque, como disse uma vez (em 1981) Rubem Alves, meu amigo durante 50 anos, e meu colega na UNICAMP por cerca de 30, algumas coisas a gente continua sendo porque um dia foi (“sou, porque fui” é a frase dele), e essas coisas, tendo entrado na corrente sanguínea da gente, não saem mais, e parecem até ser capazes de alterar um pouco o nosso DNA. Enfim, obrigado por se dar ao trabalho de escrever esse comentário tão gentil e por ler meus textos. Eu sou um ex-acadêmico pouco convencional que não tem quase nenhuma saudade da vida acadêmica (embore continue a estudar e a escrever como um doido, ainda aos 80 anos), dado o estado em que, a meu ver, se encontram nossas universidades, aqui no Brasil (e também nos EUA, onde estudei). Gostaria muito de conhecê-lo pessoalmente. Se você mora em Santo André, não será difícil para mim, porque vira e mexe estou lá, pois tenho um irmão e duas irmãs que lá residem. Se você tiver interesse em um encontro face-a-face, por favor, que deixe uma nota no meu email (eduardo@chaves.pro) ou em um dos meus whatsapp (cujas coordenadas você pode facilmente localizar no Facebook, a partir do perfil @eduardo.chaves. Mais uma vez, danke sehr. Eduardo Chaves.

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