O Heptágono da Era da Reforma: 1450-1650

Tornou-se costume considerar a chamada “Era da Reforma” (digamos que uma era que começa com a invenção da prensa de tipo móvel por Johannes Gutenberg, por volta de 1450, e termina como o fim da chamada Guerra dos Trinta Anos, em 1650 – as datas mais precisas são 1455 e 1648), que teve lugar basicamente na Europa Central e nas Ilhas Britânicas, como uma era dividida basicamente em dois polos:

  • De um lado, a Igreja Católica Apostólica Romana, com sede em Roma, mas espalhada por toda a Europa, liderada inicialmente pelo Papa Leão X, representando o status quo conservador;
  • De outro, a Reforma Protestante, que veio a produzir diversas Igrejas Protestantes, com diversos sub-polos (pelo menos cinco): em Wittenberg, na Saxônia (Alemanha – na verdade, no Sacro Império Romano no Ocidente); Estrasburgo (uma cidade livre, na Alsácia, entre a França e a Alemanha), Zurique (principal cantão da Suíça, então chamada de Confederatio Helvetica, predominantemente de Língua Alemã), Genebra (cidade livre com vínculos com a Suíça, mas não fazendo parte da confederação, e falando Língua Francesa), e Londres (capital da Inglaterra., nas Ilhas Britânicas), e tendo como lideranças iniciais principais, respectivamente, Martinho Lutero, Martin Bucer, Ulrico Zuínglio, João Calvino, e o Rei Henrique VIII.

Essa visão da Era da Reforma só enxerga os principais atores, digamos, ainda que reconheça que, no caso da Reforma Protestante, eles estejam divididos em basicamente cinco grupos que constituem a chamada Reforma Magisterial (que viam, na Reforma Protestante, um movimento que rompia com a Igreja Católica (com a Cúria Romana e o Papa, basicamente), mas permanecia vinculada ao chamado Poder Temporal ou Poder Secular (basicamente político e militar), representado pelo Eleitorado da Saxônia, pelo Conselho Municipal de Estrasburgo, de Zurique e de Genebra, e pela Monarquia Inglesa. (que, neste caso, mantinha diversos acordos com as lideranças políticas e militares do País de Gales e da Escócia, na Ilha da Grã-Bretanha, e com a Irlanda, na Ilha da Irlanda, acordos esses que, oportunamente, vieram a criar, nas Ilhas Britânicas, o chamado Reino Unido, que, de certo modo, existe até hoje).

Essa visão míope deixa de fora cinco grupos importantes, embora minoritários e, por conseguinte, secundários:

  • Um movimento reformador liberal e humanístico, mas não radical, dentro da própria Igreja Católica, liderado por Desidério Erasmo, originalmente de Roterdã, nos Países Baixos (Holanda, no caso), mas, depois, radicado em Basileia, uma cidade livre, com vínculos com a Confederação Helvécia);
  • Um movimento reformador radical, de natureza mais política e revolucionária, que se tornou mais forte na região central da Europa (dominada pelo Sacro Império Romano do Ocidente), e que teve, como principal liderança, Thomas Münzer, cuja vida foi relativamente curta;
  • Um movimento reformador radical e pacifista, de natureza mais espiritual e comunitária, que, tendo início na região de Zurique, espalhou-se para os Países Baixos (Holanda, principalmente) e para o Leste Europeu (Morávia, principalmente), e que é chamado de Anabatista (mas o nome não é tão importante), e que produziu, oportunamente, sob diversas lideranças, os Irmãos Suíços, os Irmãos Moravianos, os Menonitas, os Amish, etc., e que propugnava pela total separação do movimento reformado do poder temporal e secular;
  • Um movimento reformador radical e pacifista, de natureza mais intelectual e teológica do que espiritual, que questionava, principalmente, a doutrina da Divindade de Jesus Cristo, e, portanto, a doutrina da Trindade e a doutrina de Deus defendida pelos Reformadores Magisteriais, e que produziu alguns sub-grupos, o mais famoso dele sendo os Socinianos;
  • Um movimento reformador dissidente e separatista, de natureza mais eclesiológica, prática e moral, que se tornou mais forte nas Ilhas Britânicas, em oposição à Reforma Anglicana, e que resultou no movimento chamado Puritano, que, oportunamente, produziu as Igrejas Congregacionais e Batistas (embora aquelas, as Congregacionais, tenham também vínculos com a Reforma Calvinista e estas, as Batistas, tenham também vínculos com a Reforma Radical, de natureza Anabatista).

Destes cinco grupos que chamei de minoritários e, portanto, secundários, os três do meio são normalmente chamados de Reforma Radical (em contraposição à Reforma Magisterial). Considerados como um meta-grupo, mesmo que seus componentes não se considerassem unidos, a Reforma Radical se torna um movimento bastante forte e significativo, que não pode e não deve ser ignorado. As Igrejas Metodistas, embora tenham algum vínculo com a Igreja Anglicana (elas possuem bispos, por exemplo), são fruto do “coração aquecido” de John Wesley em um culto dos “Irmãos”.

Assim, ao todo, temos, no período contemplado, pelo menos Sete Movimentos Reformadores de natureza bastante distinta, e com objetivos diversificados, que não deveriam ser confundidos uns com os outros, embora alguns deles sejam meio híbridos.

  • A Igreja Católica Apostólica Romana (o status quo);
  • A Reforma Magisterial, que enfrentou a Igreja Católica, e que foi classificada, principalmente, em Reforma Luterana, Reforma Calvinista e Reforma Anglicana;
  • A Reforma Liberal e Humanística, capitaneada por Erasmo, que tinha estreitas ligações com a Cúria Romana, e acabou produzindo uma Mini-Reforma Católica, pejorativamente chamada de Contra-Reforma pelos Protestantes da Reforma Magisterial, e que, a partir da segunda metade do século 17 (segunda metade) e dos séculos 18 e 19, se protestantizou, tornando-se a fase Moderna da Teologia Liberal, que vicejou, principalmente, na Alemanha;
  • A Reforma Radical Político-Revolucionária que surgiu na Europa Central (principalmente na Alemanha do Sacro Império Romano no Ocidente) foi aniquilada, na primeira metade do século 16, só vindo a adquirir nova vida no século 20, com os movimentos revolucionários de esquerda, de inspiração marxista;
  • A Reforma Radical Espiritual-Comunitária teve continuidade e hoje é um movimento significativo;
  • A Reforma Radical Intelectual-Teológica foi combatida severamente no século 16, em especial por Calvino, que lhe fez o favor de promover solicitando e endossando a execução de Miguel Serveto, mas subsiste até hoje com a Igreja Unitária e outros movimentos anti-trinitários e modernistas;
  • A Reforma Dissidente e Separatista se tornou forte nas Colônias Inglesas na América do Norte, de onde surgiram, no século 18, os Estados Unidos da América, onde, no princípio do século 19, surgiram as Igrejas Adventistas, a Igreja Mórmon, e, no século 20, as Igrejas Pentecostais e várias outras (como a Igreja da Unificação do Rev. Moon).

Estudantes de Teologia interessados na chamada Reforma Protestante fariam bem em ampliar seu leque de interesse concentrando-o nas Reformas Religiosas do período de 1450-1650.

Meus “três heróis” desse período são Desidério Erasmo, André Rodolfo Bodenstein von Karlstadt (perseguido por Lutero) e Sebastião Castélio (perseguido por Calvino). Estou escrevendo um artigo sobre eles.

Em São Paulo, 9 de Junho de 2023.



Categories: Liberalism

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