Eu e os Missionários Americanos no Brasil

[Compartilho este artigo que escrevi em 15.7.2018 e publiquei, originalmente, em meu blog Instituto JMC.]

A mensagem do Patrocínio (F. Silva) trouxe à minha consciência de maneira mais focada o papel  em nossa vida de Manuelinos dos missionários americanos que trouxeram para o Brasil o Protestantismo, mais especificamente, no nosso caso, o Presbiterianismo. Temos aqui conosco, nesta lista, o Rev. Olson Pemberton, Jr. com seus quase cem anos, ainda lendo todas as mensagens com atenção, respondendo na lista ou em privado, chamando nossa / minha atenção para detalhes e implicações, chamando outras pessoas a participar da discussão, etc. 

O Rev. Pemberton é o último missionário americano no Brasil a ter papel importante na minha vida. Foi Diretor do JMC nos dois primeiros anos que lá passei (1961-1962) e continuou uma presença importante em minha vida, “on and off”, nos 56 anos desde então.

O papel de missionários americanos em minha vida vai, porém, bem mais longe, para trás… Ou seja, eu, como o Patrocínio, também tenho ancestrais importantes nessa linha.

Meu pai, Oscar Chaves, nasceu em 1912, em Patrocínio, MG (coincidência falar nisso respondendo a uma mensagem do Patrocínio F. Silva…). Nasceu no lar católico de Carlos Gonçalves Chaves e Alvina Jacintha de Oliveira Chaves — ambos descendentes de portugueses, quem sabe ele, o meu avô, oriundo de Chaves, cidade no Trás-os-Montes, ao Norte de Portugal, a 10km da divisa da Espanha — cidade que eu vim a conhecer apenas em 2006, mas pela qual me apaixonei. (Se não fosse muito complicado, iria gostar se minhas cinzas um dia fossem espalhadas, de cima da Ponte Romana (construída no século I), sobre o Rio Tâmega, que cruza a cidade). 

Meu pai foi Congregado Mariano, mas se desencantou com a Igreja Católica, por motivos que não conheço muito bem, mas que, provavelmente, têm que ver com seu descobrimento do Massacre de São Bartolomeu, na França, mas especialmente em Paris, em 24 de Agosto de 1572. A Igreja Católica passou a ser detestada pelo meu pai a partir do momento em que ele descobriu o que ela fez com os protestantes (“huguenotes”) franceses. 

Desencantado da Igreja Católica, meu pai explorou por um tempinho, o Espiritismo de Allan Kardec, mas, finalmente, achou sua casa no Presbiterianismo, em 1932, quando tinha dezenove anos, pela mão de um missionário americano a quem devo meu nome: Rev. Eduardo Epes Lane. Também deve seu nome a ele o Instituto Bíblico Eduardo Lane (IBEL), de Patrocínio, onde hoje trabalha uma neta do Rev. Eduardo, Mary Lane, minha amiga. 

Convertido ao Presbiterianismo, meu pai, naquele fervor de neófito, quis logo ir (vir) estudar para ser pastor, mas o Rev. Eduardo o segurou, para ter certeza de que ele, o meu pai, tinha certeza do que estava querendo, já que havia passado meio rápido do Catolicismo e pelo Espiritismo. Mas ao final de 1933 o Rev. Eduardo deixou que meu pai viesse para o JMC, e para tanto tomou as devidas providências. Meu pai veio, no início de 1934, e ficou no JMC por cinco anos, até 1938. Em outro momento compartilho aqui um misto de autobiografia e biografia (neste caso escrita por mim) do meu pai. 

Quando me tornei professor de História da Igreja na Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (FATIPI), em São Paulo, no ano de 2014, fui estudar melhor a História do Protestantismo Brasileiro, com atenção maior ao Presbiterianismo. 

Fiquei ciente e consciente de que o Presbiterianismo Brasileiro tem, na verdade, duas vertentes. Ashbel Green Simonton veio para o Brasil em 1859, às vésperas do início da Guerra Civil nos Estados Unidos, enviado pela chamada Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América — a primeira e principal denominação presbiteriana do país, criada em 1706. Assim que a Guerra Civil começou, porém, em 1861, essa igreja se dividiu em duas: a Igreja do Norte (Presbyterian Church in the USA) e a Igreja do Sul (Presbyterian Church in the US). 

Simonton, acompanhado de seu cunhado Alexander Latimer Blackford, veio para o Rio de Janeiro, em 1859, onde os dois fundaram a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro em 1862. Mas Blackford foi enviado por Simonton para São Paulo, onde fundou, em 1865, a Igreja Presbiteriana de São Paulo — a primeira igreja evangélica da cidade de São Paulo, pelo que consta. Em 1903, com a divisão da Igreja Presbiteriana brasileira, esta igreja, que era pastoreada na época pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira, líder do movimento de cisão, ficou com os Independentes, e é hoje a Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, conhecida como a Catedral Evangélica de São Paulo, na Rua Nestor Pestana 136-152, na Consolação. Meu colega Elizeu Rodrigues Cremm foi pastor auxiliar dessa igreja por mais de 30 anos, sendo hoje um de seus pastores jubilados. Ele pode, qualquer hora, contar a história do envolvimento histórico da Catedral na vida do JMC e da Associação dos Ex-Alunos do JMC, que, o mais das vezes, realizaram suas reuniões nas dependências dela. 

Finda a Guerra Civil americana, em 1865, a Igreja Presbiteriana do Sul, que tinha muitos ex-membros já no Brasil, que fugiram para cá quando viram que a guerra viria, radicando-se em Santa Bárbara d’Oeste, e, depois, fundando a cidade de Americana, perto de Campinas, resolveu enviar seus missionários para o Brasil — e os enviou para Campinas, no ano de 1869, dez anos depois do envio de Simonton e Blackford pela Igreja do Norte. Um dos missionários sulistas foi o Rev. Edward Lane, pai do Rev. Eduardo Epes Lane, que, com seu companheiro, Rev. George Nash Morton, fundou a Igreja Presbiteriana de Campinas, em 1870, e, na mesma data, o Colégio Internacional de Campinas. Este foi, posteriormente, removido para Lavras, MG, quando um surto de febre amarela apareceu em Campinas e ameaçava os alunos do Colégio. 

Foi nas dependências desse Colégio Americano, então abandonadas, que o Seminário Presbiteriano do Sul (SPS), conhecido como o Seminário Presbiteriano de Campinas, foi, no devido tempo, depois de algumas idas e vindas, instalado em Campinas em Fevereiro de 1907. Foi lá que o meu pai estudou, de 1939 a 1941, na esquina da Rua Uruguaiana com a Rua Doutor Quirino. Foi lá que ele conheceu minha mãe. E ele, que já havia sido convertido pela mão do Rev. Eduardo Epes Lane, acabou vindo estudar no Seminário instalado num prédio que havia sido construído pelo pai do Rev. Eduardo Epes Lane, o Rev. Edward Lane. 

As instalações do Seminário de Campinas atuais, na Avenida Brasil 1.200, foram construídas em grande terreno doado à Igreja Presbiteriana do Brasil pelo Rev. Eduardo Epes Lane, cuja residência ficava na Avenida Brasil 800, a 400m de distância. Logo, eu vim a estudar no mesmo seminário em que meu pai estudou, só que em novas instalações, mas estas também foram tornadas possíveis por um missionário americano, filho daquele que houvera construído as instalações do Seminário em que meu pai estudou. 

Tem mais. No Seminário de Campinas, em 1966, no auge da crise que assolou a igreja, a Igreja Presbiteriana do Brasil removeu o então reitor, Rev. Júlio de Andrade Ferreira — e quem eles colocaram como Reitor? O Dr. Eduardo Lane (vamos chama-lo de III), filho do Rev. Eduardo Epes Lane (o Eduardo Lane II). Foi um papel ingrato, mas o Dr. Eduardo Lane, que era médico e presbítero da Igreja Presbiteriana do Jardim Guanabara, que funcionava no Seminário, não se furtou de assumir a Reitoria do Seminário, com sérios prejuízos para sua vida profissional e e pessoal, para tentar salvar um pouco do que o furacão, representado pelo Rev. Boanerges Ribeiro, estava destruindo. 

Oportunamente, em 1974, quando vim trabalhar na UNICAMP, tornei-me colega do Dr. Eduardo Lane III, que trabalhava na Faculdade de Medicina, com seu irmão mais novo, John Cook Lane, enquanto eu trabalhava na Faculdade de Educação. 

Eduardo Lane III já moreu. Agora, sou amigo de dois dos vários filhos dele, a Mary Lane, já mencionada, e o William Lacey “Billy” Lane, que foi diretor da Faculdade de Teologia Sul-Americana de Londrina até há pouco tempo atrás. Consta que ele virá trabalhar no Seminário Presbiteriano de Campinas na sequência — sendo a quarta geração dos Lanes a se envolver, de uma forma ou de outra, com aquela instituição. [Ele de fato veio e se encontra no SPS no momento — Nota de 20.4.2024.]

Como disse, meu nome foi escolhido por meu pai em homenagem ao Rev. Eduardo Epes Lane (o Eduardo Lane II). Minha mãe sugeriu que ele acoplasse o nome dele ao do seu querido pastor e mentor, e eu virei Eduardo Oscar. 

Quando eu nasci, recebi vários cartõezinhos e presentes de missionários americanos: Rev. Eduardo e Dona Mary Lane, Rev. Charles Harper, Miss Frances, etc. 

Não sou daqueles deterministas que acreditam que nossa história é nosso destino. Apesar de presbiteriano, não sou predestinacionista no sentido calvinista, muito menos no sentido pós-calvinista. Mas acho que nossa história tem um papel importante em nossa vida. Por isso escrevi o artigo “Identidade e Memória”, que está incluído em uma das mensagens desta Lista de Discussão. [A Lista de Discussão em questão era dos ex-alunos do Instituto JMC.]. 

Enfim, muita conversa para confirmar a tese do Patrocínio, de que, em geral, ignoramos, inconscientemente ou não, o papel dos missionários americanos em nossa história, e, por conseguinte, em nossa vida e em nossa identidade. À semelhança do que ele, Patrocínio, fez, sinto-me filho do meu pai, naturalmente, mas neto do Rev. Eduardo Lane II e bisneto do Rev. Edward Lane (o Eduardo Lane I, original, que veio para o Brasil (Campinas) em 1869, e que fundou a Igreja Presbiteriana de Campinas, que é hoje, a Igreja Presbiteriana Independente de Campinas. A Igreja original de São Paulo virou Independente, a Igreja original de Campinas virou Independente — assim, eu também virei Independente, em 2010, depois de um Exílio de quase 40 Anos fora da Igreja — a minha peregrinação no deserto… Mas nem por isso reneguei o valor do trabalho dos missionários americanos. 

Conheci pessoalmente a segunda geração dos Lanes, fui amigo e colega da terceira, e sou amigo, atualmente da quarta (através da Mary e do Billy Lane). Mas a quarta geração dos Lanes também tem um Eduardo Lane, o IV, e ele tem um filho, que é Eduardo Lane V e este tem um filho que é Eduardo Lane Vi… A Mary Lane conta essa história num livrinho que ela publicou recentemente (já neste ano de 2018) pelo IBEL, e que vale a pena ler… Mas os Eduardo Lane IV, V e VI eu, infelizmente, não conheço. 

Eduardo Chaves
ec@jmc.org.br

https://chaves.space/2022/01/14/eu-e-os-missionarios-americanos-no-brasil/



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