Rudolf Bultmann e a Questão da Ortodoxia e da Heresia

Rudolf Bultmann e a Questão da Ortodoxia e da Heresia

Eduardo Chaves

Conteúdo

1. Introdução

2. Rudolf Karl Bultmann

3. Rudolf Bultmann e Walter Bauer

4. O Ponto de Vista de Bultmann Digerido e Resumido

5. Bultmann, Neo-Ortodoxo ou LIberal?

         A. O Liberalismo Teológico como Movimento Histórico

         B. O Liberalismo Teológico como Posição Filosófico-Teológica

         C. Bultmann, a Maior Estrela do Liberalismo Teológico no Século 20

6. O Desafio que o Liberalismo Teológico nos Coloca Hoje

7. Notas

1. Introdução

Quando, em 2017, escrevi meu livro Breve História da Igreja Antiga: Dos Primórdios à Queda do Império Romano no Ocidente [1], acabei, ao longo do processo, e sem ter planejado, dando foco e destaque à questão da Ortodoxia e da Heresia, nos cinco primeiros séculos do Cristianismo.

Desde então, faz mais de quatro anos, tenho discutido em diversos artigos meus, disponíveis nos meus blogs, a questão da Ortodoxia e da Heresia, expandindo e aprofundando o meu entendimento do problema. Meu artigo mais recente sobre esse assunto foi “Ortodoxia, Heresia e História Contrafactual: ‘A Teaser'”, publicado no meu blog Chaves Space [2]. A expressão “a teaser” quer dizer, no contexto, “um trailer”, ou “uma degustação”, ou “um preview“, ou “um chamariz” — porque mais coisas vêm atrás (da mesma forma que outras coisas vieram antes). Este artigo é uma das coisas que dão continuidade ao que escrevi no artigo anterior.

Nas leituras que fiz para elaborar o artigo anterior, o mais recente, minha atenção foi levada para três autores, conhecidos meus há muito tempo, embora um deles bem há mais tempo do que os outros dois, que discutiram essa questão, mas que eu não havia lido, ou relido, nos últimos anos, no contexto dessa minha preocupação, quase obsessão, com este assunto: Rudolf Bultmann, Alister E. McGrath, e Bart D. Ehrman. Por isso, na sequência deste, sobre Bultmann, estou preparando mais dois artigos: um sobre Alister E. McGrath e outro sobre Bart D. Ehrman, em ambos os casos discutindo Ortodoxia e Heresia. (O artigo sobre Ehrman discute o best seller de Dan Brown, The Da Vinci Code (O Código da Vinci), que, segundo ele, apesar de ser uma obra de ficção, contém várias heresias (ou “heresias”, talvez).

Desses três autores, certamente Rudolf Karl Bultmann (1884-1976), que faleceu faz 45 anos neste ano de 2021, é o que me fala mais de perto, por várias razões. Primeiro, porque, na minha opinião é de longe o mais importante deles. Segundo, porque é aquele com quem convivo há mais tempo, e até, ouso dizer, com carinho e intimidade, em decorrência da grande afinidade que sempre tive com ele. É verdade que também tenho algumas desafinidades fundamentais com ele, mas essas a gente, como em um casamento feliz, releva. Faz 57 anos que leio Bultmann com atenção e cuidado — desde 1964, quando entrei no Seminário Presbiteriano de Campinas (SPS). Em 1965 cheguei até a traduzir e publicar (de forma apostilada) um longo e polêmico ensaio dele — Neues Testament und Mythologie [3].  A ousadia me saiu, então, bastante cara, envolvendo-me, na ocasião, e desde então, em acusações de heresia, justamente o tema que desde 2017 tanto tempo meu tem ocupado. Em 1967 passei um semestre na Faculdade de Teologia (FT) da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), em São Leopoldo, RS, onde estudar Bultmann era normal: na verdade, estava na ordem do dia. Não precisava ser feito à socapa. Afinal de contas, Bultmann sempre foi Luterano. Luteraníssimo. Alguém já disse que precisamos ter cuidado quando atiramos em Bultmann porque o tiro pode atingir Lutero, tão próximo está um do outro… Mas em temperamento, foram muito diferentes. E não são apenas as ideias de Bultmann que me fascinam: a personalidade e o temperamento dele também me encantam. A partir do segundo semestre de 1967 fui estudar no Pittsburgh Theological Seminary (PTS), em Pittsburgh, PA, EUA, instituição presbiteriana, onde o Calvinismo era a via preferencial. Mas Bultmann, apesar de luterano, era bem-vindo e tratado com deferência e respeito. Lá em Pittsburgh comprei tudo que era livro de Bultmann, e sobre Bultmann, que eu encontrei, fosse em Inglês, fosse em Alemão, e até em Francês. Ali continuei a estudá-lo durante todo o tempo em que fiz o Mestrado (1967-1970). Depois, em 1970-1972, fui fazer o Doutorado na University of Pittsburgh, na mesma cidade, e me envolvi com Filosofia e História, acabando por deixar Bultmann (e a teologia) meio de lado. Mas só meio. E isto até 2014 [4].

Quando desisti de ser pastor, em 1970, e resolvi ser professor universitário, continuei a me considerar cristão — mas um cristão liberal [5]. Depois de um certo tempo, passei a me considerar, primeiro um agnóstico, depois um cético, e, finalmente, para todos os fins, um ateu. Fingir que não para quê? Os críticos do Liberalismo Teológico dizem que este é o caminho natural: liberal, duvidoso, agnóstico, cético, ateu. O passo seguinte é o Inferno. De 1970 até 2010 fiquei, durante 40 anos, para todos os efeitos, fora da igreja: não era membro de nenhuma e não frequentava regularmente nenhuma. Foi minha peregrinação no deserto, depois do meu êxodo da Igreja. Não tive um Moisés que me guiasse nem, muito menos, um YHWH que falasse diretamente comigo através de numa sarça ardente.

Quando vim para a UNICAMP, em 1974, passei dar aula de Filosofia da Educação no Curso de Graduação em Pedagogia, e de Epistemologia / Filosofia da Ciência, na Pós-Graduação em Educação (primeiro Mestrado, pouco tempo depois também Doutorado). Com o tempo, retomando as raízes que eu criei enquanto fazia o Doutorado, que estavam fincadas em David Hume e Karl Popper, fui me tornando um cético também em relação à ciência… — em regra a referência para todos os críticos da religião modernos, menos Hume e alguns outros. Com o tempo, esse ceticismo de Hume em relação à ciência, atualizado, me ajudou a decidir a retomar, em privado, minhas leituras e meus estudos de Teologia. Meio escondido. No devido tempo, foi o ceticismo em relação à ciência que me deu coragem suficiente para voltar para a Igreja, em 2010. Mas houve também os empurrõezinhos da minha mulher, Paloma, que nunca desistiu… Ela nunca conseguiu entender que um filho de pastor, nascido e criado na Igreja, que tinha Bacharelado e Mestrado em Teologia, pudesse ser ateu. Para ela, não fazia sentido, não tinha cabimento…

De 2014 a 2017, estando já aposentado da UNICAMP, tornei-me, por um tempo, Professor de História de Igreja e do Pensamento Cristão na Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (FATIPI) e voltei a ler Bultmann, agora por dever de ofício, no contexto da História do Pensamento Cristão Contemporâneo (do final da Primeira Guerra até hoje), que integrava a disciplina História da Igreja IV do Curso de Teologia. (Agora reduziram apenas para três disciplinas). Não que Bultmann fosse adorado ali. Pelo contrário. Até Barth era mais benquisto do que ele… Mas pude ler, em 2015, uma fascinante biografia de Bultmann, publicada com o título Rudolf Bultmann: A Biography, em 2008, originalmente em Alemão, traduzida para o Inglês em 2013. O autor era Hammann Konrad. E, naturalmente, Bultmann voltou a ocupar lugar de destaque em minhas ruminações e elucubrações. Escrevi dois artigos com o termo “elucubrações” no título, descrevendo as primeiras como perigosas. E aqui estou, ocupado com entender e, ao mesmo tempo explicar, a questão da Ortodoxia e da Heresia. Entender eu estou convencido de que já consegui. Mas explicar para os outros, ajudar os outros a entender, é mais difícil do que conseguir, a gente mesmo, entender. Não tenho vocação proselitista ou missionária, mas sempre achei que quem quer saber deve ter material acessível à mão para poder estudar e entender.

2. Rudolf Karl Bultmann

Foi com certa surpresa que encontrei uma referência a Bultmann no livro The Heresy of Orthodoxy, de Andreas J. Köstenberger e Michael J. Kruger [6]. Digo “com certa surpresa” porque o livro em questão foi publicado em Wheaton, IL, que, de certo modo, é a capital mundial do Evangelicalismo mais conservador: Wheaton College abriga os papéis não só de C. S. Lewis como de Billy Graham, que são dois “evangélicos” pelos quais tenho a maior simpatia e o maior respeito. (C S Lewis, talvez, não fosse tanto um evangélico: fumava, bebia, usava linguagem meio imprópria, coisas que a mim nunca preocuparam, mas que a muitos eram e continuam a ser motivos de desconfiança, apesar de o homem ser considerado o maior apologeta do Cristianismo no século 20, entrando mesmo no 21; outros se preocuparam também com ele ter se casado com uma divorciada desbocada. E judia, por cima. Faire quoi?).  

Peguei a dica e fui reler Bultmann, naquela que talvez seja sua principal obra, Theologie des neuen Testaments [7], que eu não relia desde o tempo do Seminário de Pittsburgh. Embora a obra magna de Bultmann, que já completou 70 anos, tenha o título de Teologia do Novo Testamento, ele não só vai além da teologia como também do Novo Testamento. Por isso vou brevemente resumir a estrutura do livro (que em Inglês tem dois volumes, mas um só no original e no idioma pátrio). Essa estrutura é, como veremos, no mínimo, curiosa.

O livro Teologia do Novo Testamento tem três partes. Na produção da obra, cada uma das partes foi originalmente publicada em uma data diferente: a Primeira Parte em 1948, a segunda, em 1951, e a terceira, em 1953, segundo informação do Apresentador da tradução brasileira, na edição de 2003, Gottfried Brakemeier, professor da Faculdade de Teologia Luterana de São Leopoldo, onde eu estudei por um tempinho (p.15).

Na Primeira Parte discutem-se “Premissas [Voraussetzungen, termo normalmente traduzido por Pressuposições] e Motivos da Teologia Neotestamentária”. Ela tem três Capítulos, divididos, cada um deles, em várias Seções. O Primeiro Capítulo tem por título “A Pregação de Jesus”, o segundo, “O Querigma da Comunidade Primitiva”, e, o terceiro, “O Querigma da Comunidade Helenista Antes e Paralelamente a Paulo” (deveria ter sido escrito “antes de, e paralelamente a”…). Nesta Primeira Parte o fato curioso é a inclusão da “Pregação de Jesus” entre “Premissas e Motivos” da Teologia do Novo Testamento, e, por conseguinte, sua exclusão da teologia do Novo Testamento, propriamente dita. Na verdade, a primeira frase do livro afirma, com todas as letras: “A pregação de Jesus está entre os pressupostos da Teologia do Novo Testamento e não constitui parte dela” (p.40). O já mencionado Apresentador da tradução brasileira considera essa exclusão da pregação de Jesus dos limites da Teologia do Novo Testamento mais do que simplesmente curiosa: ele a chama de “escandalosa” (p.24).

Na Segunda Parte discute-se “A Teologia de Paulo e de João”. Só. A Teologia de Pedro, Tiago e Judas, bem como a do livro dos Atos dos Apóstolos e a do Apocalipse atribuído a João, supondo que haja uma teologia nesses livros, é deixada fora — esta a parte curiosa aqui nesta Segunda Parte. Há um Capítulo com o título “A Teologia de Paulo” e outro com o título “A Teologia do Evangelho Segundo João e das Epístolas Joaninas”. É tudo.

Na Terceira Parte discute-se “O Desenvolvimento [do Cristianismo] até a [Constituição e Consolidação da] Igreja Antiga” — em três capítulos. No Primeiro Capítulo discute-se o “Surgimento e Desenvolvimento Inicial da Ordem Eclesiástica”, no segundo, “O Desenvolvimento  da Doutrina”, e, no terceiro, “O Problema da Conduta Cristã”. Organização Eclesiástica, Pensamento (Doutrina) e Conduta (Ética). Aqui, feliz ou infelizmente, não há nada de curioso. Ou, talvez, haja. É nessa Terceira Parte que Bultmann discute Ortodoxia e Heresia, e o ponto de vista dele deixa muita gente arrepiada… Como, por exemplo, Köstenberger e Kruger, os autores ligados a Wheaton, IL, mencionados atrás.  

O que me interessa aqui é basicamente o Segundo Capítulo da Terceira Parte: a discussão sobre o Desenvolvimento da Doutrina. É aqui que aparecem as questões de Ortodoxia e Heresia. Dentro desse capítulo, a Seção 54, intitulada “Parádosis e Tradição Histórica”, e a Seção 55, que tem o título de “O Problema da Reta Doutrina e o Surgimento do Cânon Neotestamentário”, são as mais relevantes — a segunda (Seção 55) bem mais do que a primeira (Seção 54). (Confesso que a expressão “Cânon Neotestamentário”, em vez de “Cânon do Novo Testamento”, me implica um pouco, ou, agora a mim, me “deixa arrepiado” — mas não vou brigar com os tradutores por pouca coisa).

3. Rudolf Bultmann e Walter Bauer

A Terceira Parte da Teologia do Novo Testamento foi publicada em 1953 — ou seja, 19 anos depois de Walter Bauer ter publicado a primeira edição de sua controvertida obra Ortodoxia e Heresia no Cristianismo Mais Antigo [8], que deu início à discussão mais recente (desde 1934) da questão.

Começo com uma citação importante de Bultmann, retirada de um destaque que figura no próprio texto, no qual ele resume o teor da contribuição de Walter Bauer para o estudo do Novo Testamento, e que vou citar por partes:

“W. Bauer mostrou que a doutrina que, por fim, venceu na Igreja antiga, impondo-se  como a doutrina ‘reta’ ou ortodoxa, foi aquela a que se chegou no final de um processo de desenvolvimento, ou seja, foi o resultado de um conflito entre várias tonalidades de doutrina. Ele mostrou, também, que a heresia não foi, como mantém a tradição eclesiástica, uma apostasia, uma degeneração de uma doutrina inicialmente pura, mas que ela estava presente desde o início  — ou, em outras palavras, que, quando um determinado ponto de vista doutrinário triunfou, sendo considerado a doutrina ‘reta’ ou certa, os pontos de vista divergentes passaram a ser condenados como heresia. Com isso W. Bauer também mostrou ser provável que no conflito a congregação romana tenha desempenhado papel decisivo.” (p.582).

Bultmann aproveita, nesse ponto, para mencionar um outro autor que, independentemente de Walter Bauer, chegou a conclusões mais ou menos equivalentes, para, depois, tecer comentários que se aplicam a ambos:

“M. Werner defendeu tese similar, ao considerar a heresia como sintoma da grande crise da era pós-apostólica, que, segundo ele, consistia no fato de que, em consequência da demora da parusia, teria surgido um caos de opiniões doutrinárias. Como os cristãos queriam permanecer fiéis à tradição, mas, agora, tinham necessidade de reinterpretá-la, por causa da demora da parusia, o fato provocou uma multidão de tentativas de reinterpretação da tradição, incrementando divergências. ‘Por meio do constante adiamento da parusia quebrou-se a lógica interna da dominante coesão de sentido da doutrina apostólico-paulina de Cristo e da redenção, e com isso vários conceitos e artigos de fé passaram a ficar ambíguos.'” (p.582) [9].

Na sequência, Bultmann continua:

“Todas as tentativas de reorientação foram originalmente consideradas ‘heresias’, como também assim era considerado o cristianismo grão-eclesiástico que finalmente veio a se impor; a doutrina da ‘grande Igreja’ foi apenas a heresia mais bem sucedida.” (p.582).

Um pouco à frente, ainda no mesmo destaque, Bultmann esclarece:

“… a diferenciação de posições doutrinárias não surgiu apenas na época pós-apostólica, mas, sim, já estava presente no período apostólico, como demonstra o fato de Paulo ter sido compelido a lutar contra ‘hereges’ na Galácia, em Corinto e em outras partes do mundo antigo por onde viajou. Assim,  os temas das posteriores heresias [aqui sem aspas simples ou duplas] já estavam presentes, em parte, no cristianismo helenista, formado quando a mensagem cristã transbordou os limites da terra palestina, e encontrou, no mundo helenista, as influências das religiões de mistério, especialmente do Gnosticismo.” (pp.582-583).

Bultmann já havia deixado claro qual era seu ponto de vista, anteriormente, fora do destaque em que ele mencionou Bauer e Werner e descreveu o ponto de vista básico deles, quando afirmou:

“Inicialmente a variedade de interesses e pensamentos teológicos era grande [no Cristianismo Primitivo]. [Mas] inexistia ainda um critério ou uma instância doutrinária autoritativa, e [por isso] correntes, que mais tarde foram excluídas como heréticas, tinham plena consciência de serem cristãs [tão cristãs como qualquer outra] — como, por exemplo, o Gnosticismo [e o Ebionitismo]. No início, quando se faz referência ao conceito de é para distinguir a comunidade cristã da comunidade dos judeus e da comunidade dos gentios, isto é, daqueles que não são cristãos. O conceito da ortodoxia, e seu correlato, o conceito da heresia, não existiam ainda: eles nasceram das diferenças que surgiam dentro das comunidades cristãs [não das diferenças que existiam entre cristãos e não-cristãos]”. (p.579).

Algumas páginas adiante, Bultmann vai adiante na apresentação e afirma:

“Em face das diferenças entre as doutrinas e das controvérsias que elas geraram entre os que as defendiam, tornou-se necessário indagar qual seria a autoridade que adjudicaria as diferenças e fundamentaria uma das doutrinas como a ‘reta’ doutrina e uma das partes como a vencedora da disputa: a quem reportar-se para fundamentar e justificar as respectivas opiniões pessoais?” (p.583).

Vou parar aqui e resumir a questão até este ponto antes de prosseguir, só que, agora, com minhas palavras.

4. O Ponto de Vista de Bultmann Digerido e Resumido

Neste capítulo, vou resumir sem citações o meu entendimento da posição de Bultmann. Por vezes, eu irei um pouco além do que ele ousou dizer — e ele ousou dizer muita coisa, e de forma bastante explícita [10].

Em primeiro lugar, Bultmann mostrou, em vários de seus livros e artigos, mas especialmente em sua Teologia do Novo Testamento, publicada de 1948 a 1953, que o Cristianismo primitivo era dominado, não por uniformidade de pensamento e unidade doutrinária (ou mesmo de conduta), mas por diversidade e controvérsia, tendo mostrado, até mesmo com excesso de detalhe, que essa condição não só imperou no Período Pós-Apostólico, após a morte dos apóstolos (os doze, com a inclusão de Paulo), mas esteve presente até mesmo no Período Apostólico, refletindo-se mesmo nos escritos considerados apostólicos que vieram a se tornar parte integrante do Cânon do Novo Testamento.

Em segundo lugar, e em consequência direta do item anterior, Bultmann, ao mostrar que havia divergência doutrinária (i.e., ausência de uniformidade e unidade) e controvérsia até mesmo nos escritos considerados apostólicos que vieram oportunamente a ser incluídos no cânon, e não apenas nos escritos pós-apostólicos do final do primeiro século e dos séculos seguintes, taxativamente rejeitou a tese, que, segundo ele, foi (e continua sendo) defendida pela hierarquia eclesiástica, de que a evolução do pensamento cristão, vale dizer, o desenvolvimento da doutrina cristã, se deu, a partir de uma unidade de pensamento, que caracterizaria uma ortodoxia primitiva uniforme, para uma diversidade, causada, ao longo do tempo, por maus elementos propondo aberrações doutrinárias que quebraram essa unidade de pensamento original e introduziram uma pluridoxia desuniforme.

Em terceiro lugar, Bultmann argumentou que as várias tendências e doutrinas que caracterizaram essa diversidade e produziram as diversas controvérsias que caracterizam o desenvolvimento da doutrina cristã nos primeiros três séculos não podem ser chamadas heréticas antes que viessem a ser definidos, por autoridades competentes, critérios autoritativos que fundamentassem decisões sobre o que era ”reta’ doutrina, vale dizer, ortodoxia, e o que era desvio doutrinário, vale dizer, heresia, algo que se deu, até certo ponto, com a criação de colegiados de bispos (isto é, bispos reunidos em conclaves ou concílios) e a delimitação definitiva do cânon do Novo Testamento, acontecimentos que tiveram lugar apenas no século 4, com o Concílio de Niceia, em 325, e com a lista de livros canônicos fixada por Atanásio, Patriarca de Alexandria, em 367, para o Cristianismo Oriental, e por Sínodos em Cartago, antes mesmo do fim do século, para o Norte da África, a Itália e o restante do Cristianismo Ocidental [11].

Em quarto lugar, Bultmann insiste que essas soluções, embora tenham reduzido, de certo modo, o problema da heresia, não o eliminaram totalmente. Isso se deu, de um lado, porque, mesmo dentro dos livros considerados canônicos continuou a existir divergências, que alimentavam dissensão, controvérsia, e desunidade, e, de outro lado, porque os credos (e, posteriormente, as confissões) aprovadas em conclaves e concílios, foram aprovados, não por consenso, mas por maioria, alcançada, diga-se de passagem, por procedimentos autoritários pouco convencionais, e, além disso, ao fazer uso de linguagem hermética, não encontrada no escritos autoritativos que vieram a constituir o Novo Testamento, demandavam, tanto quanto o próprio o texto do Novo Testamento, interpretação não literal em relação à qual consenso era difícil de alcançar.

Em quinto lugar, assim sendo, é a conclusão de Bultmann, a ortodoxia, decidida em votação majoritária, nada mais é do que o conjunto vitorioso de heresias, fato que representa, para a ortodoxia, uma vitória política, mas não intelectual — razão pela qual as heresias primitivas nunca deixaram de existir, vindo a ressuscitar, às vezes com vigor, ao longo de toda a história da Igreja, sendo responsáveis, até certo ponto, pela grande quantidade de igrejas e denominações cristãs, para não falar em seitas e tendências minoritárias dentro das igrejas e denominações, sempre em risco de serem combatidas e eliminadas (vale dizer, expurgadas e se transformando em uma nova igreja, denominação, ou seita). Essa multiplicidade de posições, tendências e instituições não é uma corrupção de uma pureza ortodoxa inicial: ela existe desde os primórdios da História do Cristianismo.

Em sexto e último lugar, falta discutir os critérios autoritativos que fundamentaram a definição de ortodoxia, e, por contraste, a heresia. Bultmann não lista e discute todos eles, de forma ordenada e sistemática, mas, de certo modo, se refere a todos. Meu tratamento será um pouco mais organizado.

Os Critérios são basicamente estes:

  • Credos e Confissões
  • Colegiados do Clero (Conclaves e Concílios)
  • Cânon (Conjunto ou Coleção de Conteúdos Consagrados)
  • Colegiado de Cardeais e Cúria Católica

Fiz um certo esforço para começar todas as palavras importantes com a letra “C”… Fica mais fácil de lembrar o conjunto. O último item não se aplica ao período do Cristianismo Primitivo: surgiu mais tarde, já na Idade Média.

Credos e Confissões, como o Credo Apostólico, a Confissão Batismal, e, mais tarde, o Credo Niceno, de 325, e o Credo Calcedônico, de 451, com suas variantes, são exemplos de critérios que crivam as doutrinas e as tendências, determinando aquelas que são aceitáveis (as que concordam com os Credos e as Confissões) e aquelas que devem ser recusadas (as que com eles conflitam).

Embora tenha havido uma reunião em Jerusalém, no ano 49 ou 50, entre Paulo, Barnabé e Tito (que parece ter sido gentio não-circuncidado), de um lado, e Pedro e Tiago do outro, que ficou conhecida na tradição como Concílio de Jerusalém, cujo objetivo era resolver divergências entre os dois grupos de apóstolos (um capitaneado por Paulo, o outro, por Pedro, com Tiago fazendo as vezes de árbitro) [12]. Na verdade, esse encontro não passou de um proto ou mini Concílio Apostólico. Apesar de ter envolvido três apóstolos dos mais importantes, não há como compará-lo com os posteriores Concílios Ecumênicos que começaram a acontecer a partir do século quarto, do qual existem sete ao todo [13].

5. Bultmann, Neo-Ortodoxo ou Liberal?

Dedico este capítulo à questão da classificação de Rudolf Bultmann: era ele um neo-ortodoxo ou um liberal?

Muita gente considera Rudolf Bultmann um teólogo neo-ortodoxo, parte de um grupo, liderado por Karl Barth [14], que, no início do século 20, depois da Primeira Guerra Mundial, ao vivenciar, na guerra, o colapso do otimismo, calcado na ideia do progresso, que imperava no Liberalismo Social e Político d século 19, resolveu abandonar e combater o Liberalismo Teológico daquele século, que, segundo o grupo, compartilhava esse otimismo ingênuo, traduzido em uma Ética Cristã travestida de Evangelho Social, que implantaria o Reino de Deus na Terra, fazendo com que o Céu viesse a ser um lugar aqui na Terra, como ensinava Adolf von Harnack [15], que havia sido professor de quase todos eles — e, talvez por isso, se tornou o mais criticado de todos os teólogos liberais.

Não resta dúvida de que Bultmann fez parte desse grupo inicialmente. A questão que se coloca é se ele permaneceu muito tempo com o grupo. Minha opinião é de que não. Para mim, pelo menos a partir de 1941, quando ele publicou seu ensaio Neues Testament und Mythologie (O Novo Testamento e a Mitologia), Bultmann passou a ficar fora do grupo. Contribuiu para isso o fato de ele ter um especialista no Novo Testamento, e não um teólogo sistemático, como os demais: ele gradualmente vei a se posicionar fora do grupo, adquirindo seu próprio círculo de seguidores e mesmo discípulos. Amistoso e cordato como era, entretanto, preservou o bom relacionamento com os demais. Para mim, Bultmann acabou se tornando o último dos teólogos liberais do século 19 — e o primeiro dos teólogos liberais do século 20, embora com um viés diferente.

Vou procurar mostrar por quê — de mais de uma maneira.

O que pretendo discutir aqui é a questão razoavelmente complexa do conceito de Liberalismo Teológico ou de Teologia Liberal. Há pelo menos dois conceitos básicos e bastante diferentes: o conceito de Liberalismo Teológico como movimento histórico e o conceito de Liberalismo Histórico como posição filosófica-teológica.

A. O Liberalismo Teológico como Movimento Histórico

O Liberalismo Teológico é, em geral, entendido como um movimento histórico que aconteceu dentro de um período específico na História do Pensamento Cristão, período esse em geral identificado como o Século 19 (em sentido lato). Nesse movimento prevaleceu um certo tipo de teologia geralmente chamada de Teologia Liberal – embora nem todo teólogo do Século 19 (sentido lato) tenha sido liberal no sentido filosófico-teológico (que será discutido na seção seguinte).

A demarcação específica desse período é muito debatida. Em geral se considera que o movimento histórico foi do último ano do século 18 (1800) até o término da Primeira Guerra Mundial, já em pleno século 20 (1920, por aí) – com duração de cerca de 120 anos, portanto.

Há quem ainda divida esse período de cerca de 120 anos em três subperíodos:

  • 1800 a 1835 (mais ou menos 35 anos)
  • 1835 a 1870 (mais ou menos outros 35 anos)
  • 1870 a 1920 (mais ou menos 50 anos)

Esses três períodos teriam sido, grosso modo, dominados pelos seguintes teólogos alemães: o primeiro, por Friedrich Schleiermacher, considerado por muitos o Pai da Teologia Liberal; o segundo, por Albert Ritschl; e o terceiro, por Ernst Troeltsch e Adolf von Harnack.

Nesse entendimento da expressão, o Liberalismo Teológico teria sido sucedido, na sequência histórica, pela Neo-Ortodoxia Teológica, geralmente associada, na Alemanha, com os nomes de Karl Barth, Rudolf Bultmann, Emil Brunner, Paul Althaus, Friedrich Gogarten, etc. e, nos Estados Unidos, com os nomes de Reinhold Niebuhr e Paul Tillich – em geral vistos como críticos e opositores da Teologia Liberal.

Nesse sentido da expressão, não faria o menor sentido chamar Rudolf Bultmann, por exemplo, de teólogo liberal. Bultmann, ele próprio, entendia sua identidade profissional como crítico desse Liberalismo Teológico histórico – a maior parte do tempo, pelo menos. Ele via a Neo-Ortodoxia Teológica como sua tribo profissional, pelo menos até ele conseguir reconhecimento intelectual autônomo com sua proposta de Demitologização, em 1941. E quando a conseguiu, não foi como crítico da Teologia Liberal do século 19 — foi como crítico do Cristianismo Tradicional. Nesse contexto, ele teve um desentendimento com Karl Barth, considerado como o Chefe da Tribo Neo-Ortodoxa. Os dois, Bultmann e Barth, ficaram sem conversar um com o outro por um bom tempo, da mesma forma que Brunner e Barth, e pela mesma razão: uma crítica pública e meio deselegante (maladroite, gauche) de Barth a eles.

B. O Liberalismo Teológico como Posição Filosófico-Teológica

Dei-me conta da existência de um outro e mais importante sentido da expressão Liberalismo Teológico quando, em uma disciplina sobre História do Pensamento Cristão Contemporâneo (Séculos 20 e 21), da matéria História do Pensamento Cristão, que ministrei na Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente (FATIPI), detalhei os principais elementos do pensamento de Rudolf Bultmann, descrevendo-o como parte do grupo dos Neo-Ortodoxos. Um aluno me indagou: “Mas professor, o que é que há de ortodoxo no pensamento de Bultmann, mesmo que a gente qualifique a Ortodoxia de Neo? A mim ele parece muito mais radical do que os teólogos liberais que a gente viu quando discutimos a Teologia Liberal do Século 19…”. Fui forçado a reconhecer que há muito pouco no pensamento de Bultmann que pode se considerado Ortodoxo em um sentido Filosófico-Teológico e que ele certamente parece mais um Teólogo Liberal, em plena metade do século 20 do que muitos teólogos do século 19.

Foi nesse contexto que comecei a construir a distinção entre o Liberalismo Teológico como movimento histórico (que existiu de 1800 a 1920, basicamente na Alemanha) e o Liberalismo Teológico como posição filosófico-teológica (que, de certa forma, não tem limites temporais nem geográficos). Neste segundo sentido, faria sentido aceitar a afirmação de Bultmann de que ele era crítico do Liberalismo Teológico (como movimento histórico) e, ainda assim, classificá-lo como membro do Liberalismo Teológico (como posição filosófico-teológica). Há indícios na obra de Bultmann de que ele não rejeitaria a classificação, embora possivelmente pudesse achar que ela causaria mais problemas do que solucionaria. Se dissesse isso, eu discordaria dele.

Depois de chegar a essa conclusão de forma meio intuitiva, achei, no livro The Mission of Demythologizing: Rudolf Bultmann’s Dialectical Theology, de David W. Congdon [16], ampla justificação para a minha tese. Eis o que Congdon afirma, em uma nota de rodapé na segunda página da Introdução, depois de definir “Teologia Liberal” como “uma reinterpretação moderna do Cristianismo” (p.xviii). Na Nota de Rodapé 4 da Introdução ele afirma:

“Esta é uma definição intencionalmente ampla da ‘Teologia Liberal’. Bultmann se refere ao Liberalismo [Teológico] geralmente em termos pejorativos, para indicar uma forma bastante específica de teologia contra a qual ele e Barth reagiram, teologia essa influenciada pelo Idealismo e pelo Historicismo, em particular. Mas Bultmann também reconhece que sua própria teologia contribui para um entendimento mais amplo e menos problemático do que seja a Teologia Liberal. É neste sentido positivo da expressão Teologia Liberal que eu tenho em mente ao definir Teologia Liberal como defini.” [Ênfase acrescentada].

Na sequência, Congdon esclarece que a Teologia Liberal representa uma “acomodação” do Cristianismo à Modernidade, acomodação essa que torna imperativa uma “reconstrução das doutrinas tradicionais“. Ao dizer isso, ele acrescenta na Nota de Rodapé número 4 da Introdução, em que afirma o seguinte, invocando o apoio de um outro conhecido teólogo da atualidade::

“Esta posição é defendida, recentemente, por Roger E. Olson, em The Journey of Modern Theology: From Reconstruction to Deconstruction (Downers Grove, IL: IVP Academic, 2013). Segundo a narrativa de Olson, a teologia moderna é uma luta entre aqueles que aceitaram uma acomodação entre o Cristianismo e a Modernidade (os liberais) e aqueles que rejeitaram essa acomodação (os conservadores e fundamentalistas)” [17] (ênfase acrescentada).

No entender de Olson (ainda segundo Congdon — embora eu tenha o livro de Olson e confirme o que ele diz, como se verá em seguida) a teologia de Barth seria uma tentativa de encontrar uma terceira via entre os liberais, de um lado, e os conservadores e fundamentalistas, do outro, isto é, uma via representada por “aqueles que aderem firmemente ao evangelho de Jesus”, mas, ao mesmo tempo, “comunicam esse evangelho de forma tão relevante quanto possível para a cultura contemporânea” (ênfase acrescentada por mim) [18]. Note-se, no texto da Nota 18, agora nas palavras do próprio Olson, que eu lá cito, a sutileza da distinção feita por ele: Barth, de um lado, “se mantém fiel ao evangelho de Jesus Cristo, dentro de um quadro de referência sobrenatural“, e, de outro lado, “procura comunicá-lo de forma tão relevante quanto possível à cultura contemporânea” (ênfases acrescentadas por mim). Em outras palavras, Barth é ortodoxo, mas ele tenta comunicar a mensagem ortodoxa do Evangelho à cultura contemporânea, “de forma tão relevante quanto possível”. O livro de Olson está terminando: ele está redigindo a penúltima página,  e não se digna esclarecer se a comunicação de um ortodoxo com a cultura contemporânea é possível, e, em caso positivo, de que forma e em que termos. Mas fica evidente, nas entrelinhas, que a interação de Barth com a cultura contemporânea se dá apenas no plano da tentativa de comunicação, no plano da intenção da pregação, não no plano da exegese e da hermenêutica. Para Congdon, não há nenhuma real acomodação entre o Cristianismo e a Modernidade no pensamento de Barth.

Acrescento que a noção de “acomodação”, que Olson utiliza em seu livro de capa a capa, foi introduzida na discussão da Teologia Liberal por Ernst Troeltsch, teólogo, como Harnack, da transição do século 19 para o século 20, que, no entanto, defendeu a tese de que o Cristianismo é uma religião histórica que, como tal, desde o início buscou e alcançou acomodação com a cultura dos diversos ambientes em que se implantou. Segundo esse ponto de vista, a Teologia Liberal, enquanto um empreendimento moderno, nada teria de original em seu projeto [19].

Acrescento ainda que o historiador americano Arthur Cushman McGiffert, liberal no sentido de partícipe do movimento histórico do século 19, tanto que foi processado como tal dentro da Igreja Presbiteriana Americana (então predominantemente, conservadora e fundamentalista!), defendeu a Teologia Liberal contra a acusação de que ela era herética, afirmando, numa linha de pensamento diretamente dependente de Troeltsch, que a referida acomodação do Cristianismo, nos Séculos 18 e principalmente 19, à cultura moderna de seu ambiente (razão pela qual a Teologia Liberal é frequentemente rotulada de Teologia Modernista), não era inédita, enquanto abordagem e método teológico. Pelo contrário: era algo que sempre havia sido praticado pelos melhores teólogos cristãos – a começar com Paulo (que acomodou o Cristianismo judaico de Jesus ao Helenismo Greco Romano), passando por Agostinho de Hipona (que acomodou o Cristianismo paulino ao Neo-Platonismo de Plotino, vigente e vicejante no século 4 no Império Romano) e chegando a Tomás de Aquino (que acomodou o Cristianismo agostiniano ao Aristotelianismo redescoberto na Europa das Cruzadas nos séculos 12 e 13). Os Reformadores, no Século 16, sob a influência do grito renascentista que conclamava os intelectuais a retornar às fontes (ad fontes!), foram beber em fontes mais antigas do que o Aristotelianismo Tomista (chamado de Escolasticismo) – mas retornaram apenas até Agostinho, no máximo até Paulo, contentando-se em parar ali a sua acomodação – não chegando até o Cristianismo Ético, não metafísico, embora escatológico, de Jesus. Voltar ao Jesus tido como histórico tornou-se missão do Liberalismo Teológico do século 19, que fez sua acomodação com a Modernidade retornando ao Cristianismo Ético de Jesus, acabando por criar (com Harnack, na Europa) o chamado Evangelho Social tornado famoso, posteriormente, pelo pastor e teólogo batista americano Walter Rauschenbusch. É por isso que os teólogos liberais (ou modernistas) são frequentemente acusados, pelos conservadores e fundamentalistas, de serem (entre outras coisas) proponentes e defensores do Evangelho Social.

Entre os Protestantes, o Cristianismo de hoje, em geral identificado mais com o chamado Evangelicalismo do que com o Conservadorismo, o Fundamentalismo e o Liberalismo, se vale de inúmeras acomodações realizadas por Paulo, Agostinho, Tomás, Lutero, Calvino, etc. – para não falar nas acomodações realizadas pelos Pietistas, Metodistas, Reavivamentalistas, sem esquecer as contribuições feitas pela reação a essas acomodações propostas pelos Irmãos Cristãos, em geral identificados como Quakers, Menonistas, Amish, etc., que, como os Liberais, tentaram voltar à religião simples e não metafísica de Jesus de Nazaré.

Sem essas acomodações todas, e as reações (algumas ferozes) a elas, o Cristianismo difícil teria prevalecido no Império Romano, atravessado a Idade Média, passado pela Era Moderna, e chegado até nós.

Basta esse reconhecimento para considerar Paulo, Agostinho, Tomás, Lutero e Calvino, etc., todos eles teólogos liberais – ou teólogos que foram precursores do Liberalismo ao fazer a sua acomodação. E Bultmann? Isto veremos na seção seguinte.

McGiffert faz essas afirmações em seu livro A History of the Christian Thought [20].

C. Bultmann, a Principal Estrela do Liberalismo Teológico no Século 20

Voltemos a Rudolf Bultmann – e a Congdon.

Moral da História: Paulo, Agostinho, Tomás, Lutero, Calvino, e os teólogos do Liberalismo Teológico do século 19 foram todos acomodadores – mas, desses, apenas os liberais fizeram acomodação com a Modernidade. Paulo acomodou o Cristianismo de Jesus ao Helenismo Greco-Romano; Agostinho acomodou a Teologia Paulina ao Neo-Platonismo; Tomás acomodou a Teologia Agostiniana ao Aristotelianismo da Alta Idade Média; Lutero e Calvino acomodaram o Cristianismo no qual cresceram à Teologia Paulina e Agostiniana. E assim vai.

O primeiro grande mérito do argumento de Congdon é remover do Liberalismo Teológico do século 19 a pecha de movimento herético, colocando-o na companhia de célebres e insuspeitos antecedentes. Se o Liberalismo Teológico do século 19 é herético por ter acomodado o Cristianismo (à Modernidade), também são hereges Calvino, Lutero, Tomás, Agostinho e Paulo, por terem acomodado o Cristianismo de seu tempo a outras realidades sociais, culturais e, naturalmente, intelectuais.

O segundo grande mérito do argumento de Congdon é estender a companhia insuspeita em que fica o Liberalismo Teológico como movimento histórico, dada a conceituação de Liberalismo Teológico como posição filosófico-teológica. O Liberalismo Teológico do século 19, que foi um movimento eminentemente europeu (migrando para os Estados Unidos através de teólogos americanos que foram estudar na Alemanha) foi um movimento que procurou acomodar o Cristianismo Tradicional à Modernidade que, a partir do século 18, prevaleceu no continente europeu. Ou seja, a acomodação se deu com a cultura europeia (esse o espaço) durante um determinado período (séculos 18 e 19 — esse o tempo). Mas o Liberalismo Teológico como posição filosófico-teológica, pode se materializar a qualquer tempo e em qualquer lugar. Congdon, por exemplo, numa “sacada argumentativa” genial, argumentou que todo missionário cristão, que procura levar o Cristianismo para uma área que não o aceita ou que até mesmo não o conhece, é, no fundo um acomodador — isto é, um liberal! Como explicar o Cristianismo, originalmente uma seita judaica, depois uma religião independente influenciada pelo Helenismo e pelo Neo-Platonismo, depois pelo Aristotelianismo, para chineses, japoneses, coreanos, indianos — ou para os índios brasileiros! — sem fazer alguma acomodação, sem traduzir termos, adaptar conceitos, relacionar a divindade aos deuses adorados no novo ambiente?

O terceiro grande mérito da obra de Congdon é que ela, ao mesmo tempo que explica como é possível que Bultmann seja visto como antiliberal (até por ele mesmo), em um sentido do termo, explica também como ele pode ser considerado como liberal (novamente, até por ele mesmo), no outro sentido do termo. Bultmann é crítico do Liberalismo Teológico como Movimento Histórico do século 19, mas é liberal, na verdade, sua maior estrela, do Liberalismo Teológico como Posição Filosófico-Teológica no Século 20.

O quarto grande mérito do argumento de Congdon é remover de sobre Bultmann a pecha de que ele, com seu programa de Demitologização, tornou-se herege. Não se tornou herege, diz Congdon! Longe de ter-se tornado herege, Bultmann, mais do que Barth, alinha-se com a tradição de todos os maiores teólogos da História do Pensamento Cristão: Paulo, Agostinho, Tomás, Lutero, Calvino, e Schleiermacher (que eu acrescento à lista).

O quinto grande mérito do argumento de Congdon é mostrar que, dentre os que foram rotulados de Neo-Ortodoxos, de Teólogos Dialéticos, ou Teólogos da Crise, Barth é o mais incongruente – e o mais intransigente e beligerante. Brigou com quase todos os seus colegas: Brunner, Bultmann, Althaus, e Tillich – chegando a “pisar na bola” até mesmo em relação a Dietrich Bonhoeffer.

De todos os teólogos chamados de neo-ortodoxos Barth é “o que fica mais mal na foto”. Isso fica evidente no livro de Congdon. E Bultmann desponta como “o que mais bem fica na foto”. Mas Olson também pega um pouco da crítica de Congdon, como pretendo mostrar.

Barth, naquele que é o seu melhor livro, na minha modesta opinião, e que, se levado a sério por ele próprio, o teria impedido de cair nas suas contradições, afirma o seguinte acerca de Friedrich Schleiermacher, considerado o Pai do Liberalismo Teológico do século 19:

“Sobre ele também vale o que ele próprio disse acerca de Frederico, o Grande, em sua Conferência na Academia, intitulada ‘Sobre o Conceito de um Grande Homem’: ‘Ele criou, não uma escola, mas toda uma era’. . . .  Também disse a lídima verdade histórica o homem que publicou, em 1907, um livro intitulado Schleiermacher, o Pai da Igreja do Século 19. . . . O Século 19 foi o seu século. . . .  Ao longo do século, sua influencia não diminuiu: pelo contrário, aumentou consideravelmente, à medida que suas ideias se estabeleciam cada vez mais firmemente. Em 1910 Schleiermacher era mais estudado e honrado, e ali deu melhores frutos, do que aconteceu em 1830. … [Embora tenha, enquanto Hegel estava vivo, sofrido com a sombra que este lhe fazia,] depois de morto Hegel, quando sua herança se apagava com incrível rapidez, a estrela de Schleiermacher brilhou com luz incomparável. Morto Hegel, somente Schleiermacher poderia ser o salvador”. [21]

6. O Desafio que o Liberalismo Teológico nos Coloca Hoje

Este capítulo final será em grande parte autobiográfico e dependerá de material já publicado no meu blog Transforma Brasil em artigo mencionado na enorme Nota 5.

Entre 1965 e 1970 eu, que em 1970 terminei meu Mestrado em Teologia, e que já tinha uma Graduação na mesma área, cheguei à conclusão de que o Cristianismo Tradicional, em seus aspectos doutrinários, como representado pelos Cristãos Fundamentalistas e mesmo pelos Cristãos Conservadores, simplesmente não dava para aceitar. Esta foi a que eu chamei de minha “Primeira Crise Hermenêutica” em um dos artigos também mencionado na Nota 5: interpretado literalmente, o Cristianismo herdado do meu pai, pastor presbiteriano conservador, beirando o fundamentalismo, não dava para engolir. Resolvi, então, me tornar um Liberal Bultmanniano. Para alguns presbiterianos daquela época tornar-se bultmanniano era pior do que virar ateu. Fiquei aliviado quando, no início de 1967, fui continuar meus estudos na Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, em São Leopoldo, RS. Lá Bultmann não era considerado herege. Nem, muito menos, eu. Em 1990, vinte anos depois de eu terminar meu Mestrado em Teologia, eu fui convidado a escrever um trabalho sobre até que ponto eu ainda era um protestante ou mesmo um cristão… Eu poderia ter respondido como uma vez o fez o Rubem Alves, que, diante da mesma pergunta (em relação ao Protestantismo, não ao Cristianismo), respondeu, de forma debonair: “Claro que sou. Sou, porque fui” – uai… [22].

Mas a minha resposta foi diferente da do Rubem. Tentei lidar de frente com o problema no artigo de 1990, sem oferecer, como ele, uma boutade. Mas sempre discutimos o assunto entre nós.

[Faço aqui um parêntese. Não se esqueçam de que o Rubem Alves e eu fomos amigos durante exatamente 50 anos, de 1964, ano do Golpe Militar, quando entrei no Seminário Presbiteriano de Campinas (onde ele também, alguns anos antes, havia estudado), até a morte dele, em 2014. Estudamos no mesmo seminário, o Presbiteriano de Campinas, embora em épocas diferentes; estudamos nos Estados Unidos, fazendo o Doutorado, mais ou menos na mesma época, ele em Princeton e eu em Pittsburgh; e de 1974 em diante fomos colegas na UNICAMP, tendo ele se transferido do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas para a Faculdade de Educação da Universidade quando eu assumi a direção desta, em 1980; e ainda fomos, ao mesmo tempo, membros e presidentes de dois colegiados importantes da Universidade: primeiro, fomos membros da Câmara Curricular do Conselho Diretor; depois no Conselho Universitário, fomos, ao mesmo tempo, membros e presidentes, ele foi da Comissão de Legislação e Normas, e eu, da Comissão de Orçamento e Patrimônio. Isso está relatado em vários lugares, o mais importante sendo o livro O Mandarim: História da Infância da UNICAMP, do insuspeito jornalista Eustáquio Gomes [23]. Fim do parêntese.]

Confrontado assim diretamente com a questão até que ponto eu ainda me considerava um Protestante e um Cristão, resolvi historiar as minhas crises intelectuais – agora descrevendo principalmente minha “Segunda Crise Hermenêutica” (vide o artigo já referido sobre minhas “Duas Crises Hermenêuticas”). Na primeira crise, recapitulando, eu reconheci que ser cristão tradicional, fundamentalista, ou mesmo conservador, não dava. Era preciso reformar o Cristianismo, promover a sua modernização, realizar nele um profundo “aggiornamento”, que é a mesma coisa que “acomodação” – que é o que o Liberalismo de Bultmann fez (e chamou de Demitologização) — antes de poder aceitá-lo. Foi isso que fiz. Na segunda crise, eu comecei a fazer um papel diferente (que, por um tempo, me distanciou de Bultmann): ser builtmanniano, tout court, também não dava, porque, no processo de Demitologização, nas mãos de Bultmann, o Cristianismo foi descaracterizado, ou assim me pareceu,, tornando-se algo diferente do que sempre havia sido… Perdeu a sua identidade histórica.

[Ainda outro parêntese. Note-se que em ambas as crises eu estava sendo “cativo de minha consciência” – algo muito parecido com o que disse Lutero, diante do Imperador Carlos V e do representante do Papa Leão X, na Dieta de Worms, em Abril de 1521, quando ele disse algo assim: “Não é seguro nem defensável para o cristão agir contra a sua consciência.” Fim do parêntese.]

Entre 1970 e 1990 eu evoluí e cheguei à conclusão de que Bultmann havia ido longe demais, e que ele traíra a identidade do Cristianismo, transformando-o em Existencialismo Heideggeriano…

Eis o que eu disse no artigo de 1990, publicado em meu blog em 2014, “How Far Can a Doctrine Change Before Becoming Something Else?” em minha própria tradução (a citação é longa):

“Por que eu agora não consigo aceitar as reinterpretações do Cristianismo oferecidas:

  • pelos ‘Demitologizadores’ da Escola Bultmanniana;
  • pelos proponentes da Tese Tillichiana de que Deus é simplesmente ‘A Base do Ser’,
  • pelos defensores de um ‘Cristianismo Secular’ ou mesmo de um ‘Cristianismo Ateu’, que reconhece a ‘Morte de Deus’ anunciada por Nietzsche;
  • ou mesmo pelos Marxistas inventores e defensores da ‘Teologia da Libertação’ como uma forma de Introduzir a Revolução?

A resposta é relativamente simples: porque aquilo que eles propõem como reinterpretação do Cristianismo parece-me, agora, abrir mão de tudo aquilo com o que o Cristianismo esteve associado no passado.

  • A gente não precisa de Jesus, nem mesmo de Paulo, para ser o existencialista cristão que Bultmann propõe: basta aceitar algumas poucas ideias de Heidegger…
  • A gente não precisa da maior parte do Cristianismo Tradicional para aceitar a ideia de que Deus não passa da Base do Ser: basta aceitar um pouco do Idealismo Moderno (ou mesmo Antigo)…
  • E certamente a gente não precisa de nenhuma parte do Cristianismo Tradicional para ser um secularista, ou um ateu, ou um marxista marxista que defende a Teologia da Libertação…

As doutrinas religiosas ou teológicas do Cristianismo Tradicional foram tão drasticamente reinterpretadas nessas propostas modernas que, em minha nova maneira de ver as coisas, elas deixaram de ser as mesmas doutrinas: tornaram-se algo diferente, totalmente distinto do Cristianismo ao qual estavam vinculadas. E para esse ‘algo diferente’, as doutrinas tradicionais do Cristianismo pareciam ser totalmente dispensáveis.

Minha questão, então se tornou: por que colocar vinho novo em recipientes velhos? Por que não simplesmente beber o vinho novo em seus novos e atraentes recipientes? (Vide Mateus 9:16-17; cp. Marcos 2:21-22 e Lucas 5:36-38.) Por que pretender acreditar as mesmas coisas que os fieis que se sentam nos bancos da igreja creem, mesmo que, no íntimo, você não acredite mais em nada? Por que recorrer a todo tipo de ginástica intelectual para fazer crer que isto ou aquilo é o que Bíblia quis dizer o tempo todo, embora uma leitura simples e literal da Bíblia, sem hermenêuticas sofisticadas, pareça indicar exatamente o contrário?” [Fim da citação do artigo de 1990].

Caminhando para a conclusão, hoje, mais de trinta anos depois de eu ter escrito isso, eu reconheço que atravessei uma terceira crise hermenêutica… Em 1990 coloquei os cristãos da época diante de um dilema impossível: ou eles eram cristãos tradicionais, conservadores, fundamentalistas mesmo – ou então deveriam reconhecer que não eram mais cristãos, pegarem seus chapéus e “tchau e bênção”: saírem da Igreja.

Achava eu em 1990 que o mais intelectualizado dos fundamentalistas do fim do Século 19 e começo do Século 20, John Gresham Machen, estava certo, quando afirmou, em seu livro Christianity and Liberalism, de 1923, que o Liberalismo Teológico daquela época não era mais cristão: era uma outra religião — embora com alguns pontos de contato.

Hoje reconheço que boa parte dos cristãos modernos não aceitam nem um, nem o outro “chifre” desse dilema:

  • querem continuar na Igreja e se considerar cristãos legítimos;
  • mas desejam, também legitimamente, e ao mesmo tempo, que o Cristianismo mude, como sempre mudou, para se acomodar, ao longo do tempo e do espaço, a novas realidades;
  • propõem que o Cristianismo mude o suficiente para tirar o peso da consciência dos cristãos do século 21, a sensação de que somos, como cristãos, nas palavras de Dietrich Bonhoeffer, cavaleiros medievais andando a cavalo pelas ruas asfaltadas das grandes cidades da atualidade;
  • mas não querem que se avance demais, de modo a deixar os cristãos de hoje com a sensação de que são ateus escondidos dentro da igreja, numa encenação que a ninguém mais engana: a Teologia Liberal cedeu terreno demasiado à Modernidade, fazendo uma “acomodação” em que ela cedeu tudo e nada recebeu em troca, e, agora, quando a Modernidade e o Positivismo Científico que ela inventou são criticados por terem ido longe demais, a crítica atinge também a Teologia Liberal.

7. Notas

[1] Eduardo Chaves, Breve História da Igreja Antiga: Dos Primórdios à Queda do Império Romano no Ocidente (Mindware Education Editora e Amazon Books, São Paulo, 2017 [versão impressa], 2018 [versão revista e ampliada, ebook, formato Amazon Kindle].

[2] O meu artigo “Ortodoxia, Heresia e História Contrafactual”, de 27.09.2021, está disponível no meu blog Chaves Space, em https://chaves.space/2021/09/27/ortodoxia-heresia-e-historia-contrafactual-a-teaser/.

[3] Neues Testament und Mythologie: Das Problem der Entmythologisierung der neutestamentlichen Verkündigung, 1941. No livro Rudolf Bultmann: Interpreting Faith for the Modern, parte da série “Making of Modern Theology” (Fortress Press, MN, 1987, 1991), o editor do livro, Roger A. Johnson informa, na Introdução ao Capítulo 6, que tem o título “Demythologizing: Controversial Slogan and Theological Focus”, que esse ensaio, Neues Testament und Mythologie, foi, primeiro, uma conferência que Bultmann ministrou a um grupo de pastores da Igreja Confessante (Bekennende Kirche) de Frankfurt, no ano de 1941, em plena Segunda Guerra. Como se sabe, a Igreja Confessante foi uma igreja evangélica criada na Alemanha, durante a guerra, pelos cristãos alemães que se opunham a Hitler e ao Partido Nazista, que eram apoiados pela principal igreja evangélica da Alemanha, a Igreja Cristã Alemã. Subsequentemente, o texto da conferência, devidamente revisto e editado, foi publicado, no mesmo ano, como artigo, na revista Offenbarung and Heilsgeschehen. (Vide Localização 4183-4184 na edição em ebook Kindle do livro). Não devemos nos esquecer de que em 1941 a Alemanha estava totalmente envolvida na Segunda Guerra e o acesso a papel para imprimir livros e periódicos era restrito e difícil. A divulgação maior do ensaio se deu depois da guerra, quando ele foi publicado na forma de artigo principal de uma obra, em dois volumes, editada por Hans Werner Bartsch, sob o título Kerygma und Mythos: Ein theologisches Gespräch I-II. Isso se deu em 1948 (vol. I) e 1952 (vol. II). O Prefácio de Bartsch ao Vol. I carrega a data de 13.9.1948. Bartsch afirma na primeira frase do Prefácio: “Nenhum livro isolado publicado, durante a guerra, na área de estudos sobre o Novo Testamento, provocou tanta e tão viva discussão quanto o manifesto de Rudolf Bultmann, ‘O Novo Testamento e a Mitologia’, primeiro ensaio desta coletânea.” Bartsch justifica sua escolha apelando para o fato de que o artigo programático que abre a coleção “tem estado virtualmente inacessível, disponível apenas para um círculo muito restrito de pessoas, em forma ciclo-estilizada.” [Uma máquina do tipo ciclo-estilo faz cópias de um texto usando estêncil. Vide o artigo “Cyclostyle (copier)” na Wikipedia em Inglês em https://en.wikipedia.org/wiki/Cyclostyle_(copier), que contém fotografias de várias máquinas desse tipo.] “O debate se ampliou quando o livro de Bartsch foi traduzido para o Inglês, por Reginald F. Fuller, ele próprio um reconhecido estudioso do Novo Testamento, com o título Kerygma and Myth. A Theological Debate, pela editora SPCK, Londres, 1953. Infelizmente, os dois volumes que foram publicados, em Inglês, não na mesma data, não correspondem exatamente aos dois volumes em Alemão. No Prefácio ao Vol. II em Inglês, o tradutor explica que o Vol. I incluiu artigos que apareceram tanto no Vol. I como no Vol. II da edição em Alemão. O Vol. I em Inglês também foi republicado em capa brochura (paperback), pela Harper & Row, New York, 1961, exatamente com a mesma formatação e diagramação do volume de capa dura (o que prova parceria entre a SPCK e a Harper & Row), e isso fez com que o livro alcançasse um público maior ainda, em especial nos Estados Unidos. Minha cópia do Vol. I em paperback, adquirida em 1967, custou apenas US$ 1.45. Dado o sucesso do primeiro volume em Inglês, a SPCK revolveu publicar um Vol. II, contendo alguns dos artigos dos dois volumes em Alemão que haviam sido deixados de lado mais alguns artigos que não haviam sido publicados nos dois primeiros volumes em Alemão (a série em Alemão já estava em cinco volumes a essas alturas). Curiosamente, ficaram para o Vol. II da edição traduzida artigos de pesos pesados como Karl Barth e Karl Jaspers. A publicação do Vol. II em Inglês tem a data de 1962. (Os dois volumes em Inglês, em capa dura, que eu tenho, eu ganhei do Prof. Osmundo Affonso Miranda, em 1965, antes de ele se mudar para os Estados Unidos, e antes de eu próprio ir estudar naquele país). Entrementes, na Alemanha (e seus parceiros na Inglaterra e nos Estados Unidos também  não perderam tempo), Bartsch, percebendo que havia tropeçado numa mina de outro, editou vários volumes, com o título Kerygma und Mythos e um subtítulo diferenciado (vários deles traduzidos imediatamente para o Inglês). Eis um exemplo dos títulos que fui capaz de garimpar meio aleatoriamente na Amazon, tanto em sua loja Americana como em sua loja Alemã: Kerygma and Myth: Hermeneutics, Technology, Ethics; Kerygma and Myth: History, Testimony and Theology; Kerygma and Myth: On the Problem of Secularization; Kerygma und Mythos: Das Gespräch mit der Philosophie; Kerygma und Mythos: Eine Stimme aus der Religionswissenschaft; Kerygma und Mythos: Die Diskussion innerhalb der katholischen Religion; Kerygma und Mythos: Die oekumenische Diskussion; Kerygma und Mythos: Diskussionen und Stimmen des In- und Auslandes. Como se vê, pelo menos mais sete volumes foram adicionados ao que se tornou uma série, perfazendo nove, no total. Os demais volumes, porém, não alcançaram tanto sucesso como os dois primeiros, continuamente reimpressos, tanto na versão em Alemão, como na versão em Inglês, como se pode verificar pesquisando na Amazon.

[4] Veja-se o meu artigo autobiográfico “Literalismo, Hermenêutico, e Liberalismo”, no meu blog Liberal Space, em https://liberal.space/2015/07/04/literalismo-hermeneutica-e-liberalismo/. O fato de muita gente ressaltar o caráter luteraníssimo da teologia de Bultmann, e de os alemães, em geral, se orgulharem de sua contribuição aos estudos, em especial à teologia, do Novo Testamento, não impediu que muitos teólogos luteranos conservadores tentassem montar movimentos de oposição a ele, sugerindo que ele era herege e que deveria ser colocado fora da Igreja Cristã Evangélica Alemã (que havia juntado luteranos e calvinistas). James M. Robinson, em informativo artigo publicado na revista Interpretation: A Journal of Bible and Theology de Janeiro de 1962 [vale a pena colecionar revistas teológicas antigas!], com o título “Basic Shifts in German Theology” [Mudanças Básicas na Teologia Alemã], menciona o exemplo de Leonhard Goppelt, a quem Robinson descreve como sendo, em outros contextos, um “mild spirit” [espírito brando], que criticou Bultmann nos seguintes termos: “O resultado de sua interpretação do Novo Testamento é — não posso deixar de fazer esta dura afirmação — uma redução tal do conteúdo do Novo Testamento que, na minha opinião, um candidato ao ministério que se aproprie sem reservas e ressalvas dos ponto de vistas que Bultmann defende não deveria, em sã consciência, poder subscrever aos votos de ordenação numa Igreja Luterana” (p.77, nota 4. Tradução minha.)

[5] Vide os seguintes artigos meus sobre  “Liberalismo Teológico” (ou  “Teologia Liberal”), nos meus blogs Liberal Space,  Theological SpaceHistória da IgrejaTransforma Brasil  e  Chaves Space  (em ordem cronológica, do mais antigo para o mais recente, sendo perceptível que o meu blog de preferência foi mudando):

2009.08.19:
“19 de Agosto de 1967”,
Liberal Space,
https://liberal.space/2009/08/19/19-de-agosto-de-1967/;

2014.05.25:
“A Feitura de um Liberal”,
Liberal Space,
https://liberal.space/2014/05/25/a-feitura-de-um-liberal/;

2014.05.25:
“Duas Crises Hermenêuticas”,
Liberal Space,
https://liberal.space/2014/05/25/duas-crises-hermeneuticas/;

2014.08.04:
“A Controvérsia Fundamentalista – Modernista na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos – Parte 1”,
História da Igreja,
https://histig.wordpress.com/2014/08/04/a-controversia-fundamentalista-modernista-na-igreja-presbiteriana-dos-estados-unidos-parte-1/;

2014.08.04:
“A Controvérsia Fundamentalista – Modernista na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos – Parte 2”,
História da Igreja,
https://histig.wordpress.com/2014/08/04/a-controversia-fundamentalista-modernista-na-igreja-presbiteriana-dos-estados-unidos-parte-2/;

2014.08.04:
“A Controvérsia Fundamentalista – Modernista na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos – Parte 3”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2014/08/04/a-controversia-fundamentalista-modernista-na-igreja-presbiteriana-dos-estados-unidos-parte-3/;

2014.08.04:
“A Controvérsia Fundamentalista – Modernista na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos – Parte 4”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2014/08/04/a-controversia-fundamentalista-modernista-na-igreja-presbiteriana-dos-estados-unidos-parte-4/;

2014.08.19:
“Duas Crises Hermenêuticas”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2014/08/19/duas-crises-hermeneuticas/;

2014.08.19:
“How Far Can a Doctrine Change Before Becoming Something Else?”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2014/08/19/how-far-can-a-doctrine-change-before-becoming-something-else/;

2014.09.30:
“O Fundamentalismo na Forma em que Surgiu na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2014/09/30/o-fundamentalismo-na-forma-em-que-surgiu-na-igreja-presbiteriana-dos-estados-unidos/;

2015.05.14:
“Friedrich Schleiermacher”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2015/05/14/friedrich-schleiermacher/; 

2015.05.14:
“Ernst Troeltsch”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2015/05/14/ernst-troeltsch/;

2015.05.14:
“Adolf von Harnack”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2015/05/14/adolf-von-harnack/;

2015.07.04:
“Literalismo, Hermenêutica e Liberalismo” [já mencionado atrás, na Nota 4],
Liberal Space,
https://liberal.space/2015/07/04/literalismo-hermeneutica-e-liberalismo/;

2015.07.29:
“Evangelismo, Evangelicalismo, Evangelicismo”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2015/07/29/evangelismo-evangelicalismo-evangelicismo/;

2015.08.17:
“Elucubrações Perigosas…”,
Liberal Space,
https://liberal.space/2015/08/17/elucubracoes-perigosas/;

2015.09.08:
“Continuando as Elucubrações…”,
Theological Space,
https://theological.space/2015/09/08/continuando-as-elucubracoes/;

2015.09.08:
“How Far Can a Doctrine Change Before Becoming Something Else?” [já publicado antes em outro blog meu],
Theological Space,
https://theological.space/2015/09/08/how-far-can-a-doctrine-change-before-becoming-something-else/;

2015.12.05:
“I Call Myself a Liberal”,
Theological Space,
https://theological.space/2015/12/05/i-call-myself-a-liberal/;

2016.02.03:
“A História da Igreja na Era Moderna: Temas e Problemas de História da Igreja III”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2016/02/03/a-historia-da-igreja-na-era-moderna-temas-e-problemas-de-historia-da-igreja-iii/; 

2016.02.20:
“A Teologia Liberal do Século 19: Tentativa de Periodização”,
Theological Space,
https://theological.space/2016/02/20/a-teologia-liberal-do-seculo-19-tentativa-de-periodizacao/;

2016.02.20:
“A Teologia Liberal do Século 19: Tentativa de Periodização” [publicado na mesma data em dois blogs],
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2016/02/20/a-teologia-liberal-do-seculo-19-tentativa-de-periodizacao/;

2016.02.28:
“Teologia Liberal: Uma Tentativa de Entendê-la – 1”,
Theological Space,
https://theological.space/2016/02/28/teologia-liberal-uma-tentativa-de-entende-la-1/;

2016.02.28:
“Teologia Liberal: Uma Tentativa de Entendê-la – 2”,
Theological Space,
https://theological.space/2016/02/28/teologia-liberal-uma-tentativa-de-entende-la-2/;

2016.12.08:
“Período Apostólico: Tese Liberal”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2016/12/08/periodo-apostolico-tese-liberal/;

2017.03.11:
“Uma Tese Liberal Sobre o Período Apostólico” [já publicado no mesmo blog com nome diferente; editado],
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2017/03/11/uma-tese-liberal-sobre-o-periodo-apostolico/;

2017.04.06:
“Por que se Dividem as Igrejas?”
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2017/04/06/por-que-se-dividem-as-igrejas/; 

2017.04.12:
“O Liberalismo e a Teologia da Prosperidade”,
Theological Space,
https://historiadaigreja.space/2017/04/12/o-liberalismo-e-a-teologia-da-prosperidade/;

2017.04.12:
“O Liberalismo e a Teologia da Prosperidade” [publicado em dois blogs no mesmo dia],
História da Igreja
https://histig.wordpress.com/2017/04/12/o-liberalismo-e-a-teologia-da-prosperidade/;

2018.02.25:
“Reformar ou Transformar: Discussão Filosófica Sobre Mudança e Inovação – Parte 1”,
Transforma Brasil,
https://transformabrasil.wordpress.com/2018/02/25/reformar-ou-transformar-discussao-filosofica-sobre-mudanca-e-inovacao-parte-1/;

2018.02.28:
“O Liberalismo Teológico: A Questão do Conceito”,
Theological Space,
https://theological.space/2018/02/28/o-liberalismo-teologico-a-questao-do-conceito/;

2019.07.05:
“Uma Breve Autobiografia”,
Chaves Space,
https://chaves.space/2019/07/05/uma-breve-autobiografia/;

2020.01.25:
“O Crente Liberal”,
Chaves Space,
https://chaves.space/2020/01/25/o-crente-liberal/;

2020.01.29:
“Ainda o ‘Crente Liberal'”,
Chaves Space,
https://chaves.space/2020/01/29/ainda-o-crente-liberal/;

2020.01.29:
“O Teólogo Liberal”,
Chaves Space,
https://chaves.space/2020/01/29/o-teologo-liberal/;

2020.12.14:
“Inquisições Sem Fogueiras Entre Presbiterianos: Recontando e Discutindo a História”,
Chaves Space,
https://chaves.space/2020/12/14/inquisicoes-sem-fogueiras-entre-os-presbiterianos-recontando-e-discutindo-a-historia/.

[6] O livro tem um subtítulo: The Heresy of Orthodoxy: How Contemporary Culture’s Fascination with Diversity Has Reshaped our Understanding of Early Christianity (Crossway, Wheaton, IL, 2010). Existe tradução para o Português de Suzana Klassen, com o título A Heresia da Ortodoxia: Como o Fascínio da Cultura Contemporânea pela Diversidade Está Transformando nossa Visão do Cristianismo Primitivo (Vida Nova, São Paulo, 2014). O subtítulo acrescentado pelos autores é bastante infeliz. Atribuir ao “Fascínio da Cultura Contemporânea pela Diversidade” a preocupação de vários estudiosos de renome, com a diversidade de pontos de vista e doutrinas no Cristianismo Primitivo revela total ausência de percepção e sensibilidade histórica — ou, então, representa uma tentativa leviana de associar coisa séria com algo que, espero, não passa de um modismo, a obsessão atual com a diversidade. Como se verá a seguir, a Terceira Parte da Theologie des neuen Testaments de Bultmann foi publicada em 1953, e, dezenove anos antes, em 1934, Walter Bauer havia publicado seu livro Rechtgläubigkeit und Ketzerei im ältestem Christentum, que acabou gerando toda essa discussão. Nenhum desses autores, que enfatizam a diversidade de ideias e doutrinas no Cristianismo Primitivo, poderia jamais imaginar que o mundo, no final do século 20, início do século 21, estaria encasquetado com essa maluquice que é a ideia de diversidade vista como panaceia que deve ser aplicada a toda e qualquer coisa.

[7] Rudolf Bultmann, Theologie des neuen Testaments (J. C. B. Mohr, Tübingen, 1948). Tenho a 5.ed., de 1965, em Alemão, que eu comprei em 26.2.1968. Da tradução para o Inglês, de Kendrick Grobel, sob o título de Theology of the New Testament (Lowe and Brydone, London, 1952, publicada em dois volumes), tenho a “First Cheap [paperback] Edition” (SCM Press, London), curiosamente também publicada em 1965 (neste caso não registrei a data da aquisição). Tenho a tradução para o Português, em um volume, como nas edições em Alemão, sob o título Teologia do Novo Testamento (Editora Academia Cristã, com data de 2008 — mas minha cópia registra, na primeira página, o local e a data de publicação como sendo Santo André, 2021. Talvez essa informação seja de uma nova edição ou impressão que está sendo publicada). A Apresentação da Edição Brasileira é, porém, de 2003: farei menção à apresentação e ao apresentador adiante. Consultei o livro em todas as três línguas, para tirar dúvidas, mas vou fazer as referências e citações a partir da edição em Português (tradução de Ilson Kayser, revisão de Nélio Schneider), que, pelo seu sobrenome, e apesar do meu Epprecht, devem entender mais de Alemão do que eu…). Mas mesmo assim, precisei fazer várias modificações na tradução de todas as passagens que citei, para que ficassem mais fieis ao original. Que isso fique registrado.

[8] Rechtgläubigkeit und Ketzerei im ältestem Christentum, 1.ed. (Mohr Siebeck, Tübingen, 1934). A segunda edição (2.ed.) foi publicada apenas trinta anos depois, em 1964, quase quatro anos depois a morte de Bauer, por Georg Strecker (Mohr Siebeck, Tübingen, 1964), que passou a figurar como coautor, por ter acrescentado dois longos Apêndices ao livro. James M. Robinson, no artigo publicado na revista Interpretation de Janeiro de 1962, a que já se fez referência, ressalta, dois anos antes da publicação da segunda edição do livro de Bauer: “Um movimento está em pleno andamento entre professores alemães do Novo Testamento para induzir o editor do livro de Bauer, através de uma demonstração pública de apoio post mortem a Walter Bauer [falecido em 17 de Novembro de 1960] por parte dos profissionais da área, a republicar o livro em segunda edição. O editor tem se recusado a fazê-lo argumentando que a primeira edição do livro teve vendas tão baixas e lentas que foi necessário um quarto de século para esgotar totalmente o seu estoque [que aparentemente terminou em 1959, um ano antes de Bauer morrer]. Publicada em 1934, a primeira edição veio a público no mesmo ano em que a Igreja Confessante Alemã aprovou a Confissão de Fé de Barmen, nos primórdios do Nazismo, elevando o entendimento barthiano da Palavra de Deus à posição de bandeira do movimento de resistência à palavra demônica de Hitler. Não era, portanto, a hora apropriada para dar atenção a um livro escrito na velha tradição de uma pesquisa histórico-crítica desinteressada que apoiava a tese de que a Igreja Primitiva não fazia distinção clara entre ortodoxia e heresia [entre doutrina certa e doutrina errada]” (pp.76-77. Tradução e acréscimos em colchetes são de minha autoria). Há tradução para o Inglês feita por uma Equipe de Onze Tradutores, coordenada pelos editores Robert A. Kraft & Gerhard Krodel, que teve como base a 2.ed. alemã. O título foi traduzido literalmente como Orthodoxy and Heresy in Earliest Christianity (Fortress Press, Philadelphia, 1971 — 50 anos atrás neste ano de 2021; a tradução foi reimpressa por Sigler Press, Miflintown, PA, 1996). Não me consta que haja tradução para o Português.

[9] Martin Werner, Die Entstehung des christlichen Dogmas (Verlag Paul Haupt, Bern, 1941), pp.126-138; a citação vem da p.131. Por não localizar as informações a seguir em nenhum lugar da tradução brasileira, precisei retirar estes dados em parte da edição em alemão do livro de Bultmann, em parte da minha cópia, em Inglês, do livro de Werner, que tem o título de The Formation of Christian Dogma, tendo sido publicado em 1957, com tradução e introdução de S. G. F. Brandon, com base na 2.ed. do livro em Alemão, que foi publicada em 1954, por Katzmann-Verlag, Tübingen). Não me consta que haja tradução para o Português. “Parusia” é, naturalmente, o termo grego usado para designar a Volta, ou a Segunda Vinda de Cristo.

[10] Citações de Bultmann já fiz muitas neste artigo — talvez até demais. Agora vou fazer, de certo modo, o que Rubem Alves disse fazer com o meu livro, que ele prefaciou, em 2003. Escreveu ele, no primeiro parágrafo de seu Prefácio: “Quero, preliminarmente, esclarecer o leitor sobre a minha maneira de ler, pois é ela que determina minha maneira de escrever. Eu leio antropofagicamente: devoro os livros que amo. Depois de devorá-los eles entram no meu sangue. Circulando no meu sangue deixam de pertencer ao autor: passam a ser parte de mim. Assim, ao escrever sobre um livro, escrevo sobre ele tal como foi por mim digerido amorosamente. Tolo seria um homem apaixonado que, ao escrever sobre o jantar que sua amada lhe preparou, transcrevesse as receitas dos pratos que foram servidos… Assim, não vou transcrever e nem resumir. Vou falar sobre aquilo que esse livro fez comigo depois de digerido…”. Rubem Alves, Prefácio ao livro de Eduardo Chaves, Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era, 2.ed. (Mindware Education Editora e Amazon Books, São Paulo, ebook formato Kindle, 2019). A primeira edição (1.ed.) do livro foi publicada em 2003 e está disponível, agora em formato de ebook, na Amazon, com o mesmo título, a única diferença sendo a indicação da edição.

[11] Vale a pena citar a passagem de Bultmann já citada atrás: Inicialmente a variedade de interesses e pensamentos teológicos era grande [no Cristianismo Primitivo]. [Mas] inexistia ainda um critério ou uma instância doutrinária autoritativa, e [por isso] correntes, que mais tarde foram excluídas como heréticas, têm plena consciência de serem cristãs [tão cristãs como qualquer outra] — como, por exemplo, o Gnosticismo [e o Ebionitismo]. No início, quando se faz referência ao conceito de é para distinguir a comunidade cristã da comunidade dos judeus e da comunidade dos gentios, isto é, daqueles que não são cristãos. O conceito da ortodoxia, e seu correlato, o conceito da heresia, não existem ainda: eles nascem das diferenças que surgem dentro das comunidades cristãs [não das diferenças que existem entre cristãos e não-cristãos]”. (p.579 – ênfase acrescentada aqui). Talvez essa seja a passagem de Bultmann mais citada (quase nunca com endosso) por autores que discutem a questão da Ortodoxia e da Heresia no contexto da Igreja Antiga. Vide, por exemplo, Andreas J. Köstenberger e Michael J. Kruger, The Heresy of Orthodoxy, op.cit.

[12] O Concílio de Jerusalém está descrito em dois locais no Novo Testamento: Atos 15 e Gálatas 2. Para variar, os dois relatos apresentam importantes divergências. Para a análise dessas divergências vide a minha discussão do Concílio em meu livro Breve História da Igreja Antiga, op.cit., Apêndice I, Capítulo 5.

[13] Os Concílios Ecumênicos do Cristianismo que foram verdadeiramente ecumênicos, por envolverem tanto o Cristianismo Ocidental (Western), Latino, como o Cristianismo Oriental (Eastern), Grego, foram sete: Concílio de Nicéia I (325), Concílio de Constantinopla I (381), Concílio de Éfeso (431), Concílio de Calcedônia (451), Concílio de Constantinopla II (553), Concílio de Constantinopla III (680) e Concílio de Nicéia II (787). Para sua descrição e discussão, vide Leo Donald Davis, The First Seven Ecumenical Councils (325-787): Their History and Theology (The Liturgical Press, Collegeville, MN, 1983). Depois de Sétimo Concílio, em 787, a Igreja Cristã Ocidental (chamada Católica) e Igreja Cristã Oriental (chamada Ortodoxa), que já não se entendiam muito bem, se desentenderam de vez. O Sétimo Concílio aconteceu às vésperas da criação do Sacro Império Romano do Ocidente, que se deu no ano 800, que se propunha como a recriação do Império Romano Ocidental, que havia deixado de existir em 476 AD. Com a criação do Sacro Império Romano do Ocidente, o Papa, que antes de tudo é o Bispo de Roma, se sentiu com respaldo político e militar suficiente para enfrentar o Patriarca de Constantinopla, que tinha igual respaldo do Imperador Romano Oriental (visto que o Império Romano continuou a existir no Oriente, só deixando de existir em 1453, com a queda de Constantinopla, capital do Império Romano Oriental. Nesse clima, foi realizado em 869-870 um oitavo Concílio, que se pretendia ecumênico, em Constantinopla (o Constantinopla IV). Mas o desentendimento foi total e o Papa e o Patriarca de Constantinopla se excomungaram mutuamente, de modo que o Concílio acabou sendo um fracasso, não sendo reconhecido como tal pela Igreja Oriental. Assim, o Oitavo Concílio não pode ser contado como um real Concílio Ecumênico, sendo contado apenas como um concílio da Igreja Ocidental, Católica, que somou, até ali, oito concílios. Em 1054 as duas igrejas se separaram oficialmente. Diante disso, Concílio Ecumênico, com a participação real e efetiva das duas igrejas, foram apenas sete. Entre esse concílio desfigurado de Constantinopla e o século 16, a Igreja Cristã Ocidental, agora conhecida no Ocidente com Igreja Católica Apostólica Romana, realizou mais dez concílios (cinco Concílios chamados Lateranos, dois Concílios de Lyon, um de Viena, um de Constança, e um meio itinerante, que se realizou em três cidades: Basileia, Ferrara and Florença). Total até o início do século 16, dezoito concílios contabilizados pela Igreja Católica. Logo depois do início da Reforma Protestante, foram realizados mais três concílios da Igreja Católica: o Concílio de Trento, no século 16 (1545-1563), o Concílio Vaticano I, no século 19 (1870), em que foi definido e aprovado o dogma da Infalibilidade Papal, e o Concílio Vaticano II (1962-1965), que reformou um pouco a Igreja Católica. Na verdade, esses três últimos concílios foram bastante importantes para a definição da Igreja Católica atual. Ao todo, a Igreja Católica reivindica ter vinte e um concílios que ela insiste em chamar de Ecumênicos, o Vaticano II sendo o vigésimo primeiro. Mas apenas os sete primeiros, repito, foram verdadeiramente ecumênicos. Um Concílio Ecumênico da Igreja Cristã Única e Universal, como reza o Credo Niceno-Constantinopolitano, hoje teria de envolver pelo menos a Igreja Católica, as Igrejas Protestantes, talvez representadas pelo Concílio Mundial de Igrejas, com sede Genebra, e as Igrejas Ortodoxas espalhadas pelo Leste, pelo Extremo Oriente, pela África, e por outros locais do mundo. A Igreja Ortodoxa é uma instituição altamente complexa, quando comparada com a Igreja Católica. Existe a Igreja Ortodoxa principal, que tem sede em Constantinopla, que se denomina, em Inglês, Eastern Orthodox Church, mas cujo nome oficial (em Inglês, língua universal) é Orthodox Catholic Church. Essa Igreja não tem um líder como o Papa é líder da Igreja Católica, mas o Patriarca de Constantinopla, onde a igreja tem raiz, se denomina Patriarca Ecumênico, e é considerado por ele próprio e pelos demais bispos, como primus inter pares (“o primeiro entre iguais”). Essa Igreja é composta de várias outras Igrejas, consideradas “autocéfalas”, regidas por um bispo, como, por exemplo, e vou citar em Inglês, porque será complicado traduzir, “the Greek, Russian, and Romanian Orthodox Churches (the big communities), as well as the Serbs, the Bulgarians, the Georgians, the Orthodox churches of Antioch and Jerusalem, of Poland, of the Czech lands and Slovakia, of Albania, the churches of Cyprus and Sinai, and the Orthodox churches in communion with these in Finland, China, and Japan”. A citação foi retirada do livro The Eastern Orthodox Church, de John Anthony McGuckin (Yale University Press, Kindle Edition), localização 51 no ebook. Essa Igreja reconhece a autoridade dos Sete Concílios Ecumênicos — mas só. Além desta Igreja, existem outras Igrejas Ortodoxas reduzidas debaixo da rubrica Oriental Orthodox Churches, que incluem as Igrejas Ortodoxas da chamada Provincia Orientalis do antigo Império Romano, como, por exemplo, as da Síria, Armênia,  Egito, e Etiópia. Essas Igrejas são também chamadas de Igrejas Ortodoxas não-Calcedônicas, pois elas reconhecem a autoridade apenas dos primeiros três Concílios Ecumênicos, não aceitando como autoritativas as decisões dos Concílios Ecumênicos de Calcedônia para frente. (McGuckin, op.cit., localização 72 no ebook). Para complementar as informações, compare-se também Timothy Ware, The Orthodox Church: An Introduction to Eastern Christianity (New, revised edition, Penguin Books, London, 2003, Kindle Edition), Introduction, pp.1-5. Nas pp.3-5 Ware faz referência a três grandes separações no seio da Igreja Cristã. A primeira, nos séculos 5 e 6, foi entre a Igreja Ortodoxa Oriental (Oriental Orthodox Church) e a Igreja Ortodoxa do Leste (Eastern Orthodox Church). A segunda, em 1054, foi entre a Igreja Ortodoxa do Leste e a Igreja Católica Romana, no Oeste. E a terceira, a partir de 1517, entre a Igreja Católica Romana e as Igrejas Protestantes, ambas no Oeste.

[14] Apesar de a história ser sobejamente conhecida, do grupo participavam, além de Karl Barth, também Emil Brunner, Friedrich Gogarten, Eduardo Thurneysen, e, inicialmente, também Rudolf Bultmann. Por causa da popularidade da segunda edição de seu livro A Carta aos Romanos (Der Römerbrief), de 1922 (a primeira edição foi de 1919), Barth acabou assumindo uma certa liderança sobre os demais, a ponto de se sentir à vontade para criticar, publicamente, e por escrito, tanto Brunner como Bultmann. “Nein! Antwort an Emil Brunner” (Não! Resposta a Emil Brunner), de 1934, trata da teologia natural. E “Rudolf Bultmann: Ein Versuch ihn zu Verstehen” (Rudolf Bultmann: Uma Tentativa de Entendê-lo), de 1952, trata de vários aspectos do pensamento de Bultmann, inclusive da proposta de Demitologização. Esse artigo está disponível, em Inglês, no Vol. II de Kerygma and Myth: A Theological Debate, mencionado atrás.

[15] Para conhecer as ideias teológicas (não as históricas) de Harnack a melhor fonte é seu livrinho Das Wesen des Christentums (A Essência do Cristianismo), que tem, em Alemão, o mesmo título de um livro fascinante que Ludwig Feuerbach publicou em 1841. O livro de Harnack foi traduzido para o Inglês com o título de What is Christianity? (O que é o Cristianismo?), talvez para não criar confusão com o livro de Feuerbach. A tradução foi feita por Thomas Bailey Saunders e o livro, em Inglês, foi publicado em 1901 por G. P. Putnam’s Sons. O livro serviu de base para as aulas que Harnack deu na Universidade de Berlim no ano letivo 1899-1900. Os interessados podem ler What is Christianity? gratuitamente, em sua tradução para o Inglês, no seguinte endereço na Internet:
https://ccel.org/ccel/harnack/christianity/christianity.i.html.

[16] David W. Congdon, The Mission of Demythologizing: Rudolf Bultmann’s Dialectical Theology (Fortress Press, Minneapolis, 2015).

[17] Esta citação é de Congdon. Ele está colocando em suas palavras o que Olson afirma na p.712 de seu livro, que é a penúltima página do livro, já na Conclusão, que começa na p.709.

No meu artigo “’I Call Myself a Liberal’”, de 2015, eu esmiúço um pouco até onde o Liberalismo Teológico do século 19 se dispôs a ir em sua acomodação à Modernidade. Listo os seguintes pontos, que refletem teses importantes do Liberalismo Teológico como movimento histórico, redigidas de forma meio telegráfica, a saber:

• O Cristianismo não é uma religião única e totalmente diferente de outras: na verdade, ele é uma religião histórica, como todas as outras;

• A evolução histórica do Cristianismo se deu em contato com o seu ambiente, contato através do qual ele deu e recebeu, influenciou e foi influenciado, numa dialética de acomodação;

• O Cristianismo, como religião, não se baseia numa revelação de Deus para o homem, mas, sim, na busca do homem pelo infinito;

• Conhecer a Deus é, na realidade, conhecer os sentimentos que levam o homem a tentar transcender sua limitação, sua dependência, sua finitude;

• O núcleo essencial do Cristianismo está localizado na mensagem ética de Jesus que afirma que o amor a Deus se expressa no amor ao próximo;

• A ética cristã não consiste de uma série de princípios ascéticos que determinam o afastamento do mundo, mas, sim, numa disposição e intenção pura voltada para implantar a unidade espiritual entre os homens e para criar uma rede básica de serviço ao próximo;

• No Evangelho simples de Jesus (em contraposição à ortodoxia complexa do Catolicismo) dogmas e doutrinas não têm lugar, sendo substituídos pelo amor a Deus que se expressa no serviço ao próximo”.

[Vide “I Call Myself a Liberal”, no meu blog Theological Space, https://theological.space/2015/12/05/i-call-myself-a-liberal/%5D.

Em outro artigo, “Teologia Liberal: Uma Tentativa de Entendê-la-1”, do ano seguinte, 2016, descrevo o Liberalismo Teológico do século 19 de forma um pouco mais extensa, em seis teses complementares ao que acabei de listar:

• A tese de que Deus, ao criar a natureza e, como parte dela, os seres humanos dotou-os de mecanismos (leis naturais, leis que regem o comportamento humano, e livre arbítrio, por exemplo) que permitem que eles (a natureza e a história humana) operem e evoluam independentemente de sua vontade ou supervisão;

• A tese de que Deus é basicamente uno, não triúno, tese que imprime um caráter basicamente unitário à teologia liberal;

• A tese de que Jesus Cristo foi uma pessoa que, através de seus ensinamentos e de sua vida, revelou, de forma inédita e quiçá única, como devemos viver neste mundo, tese que imprime um caráter cristológico à teologia liberal, sem postular a divindade de Jesus Cristo;

• A tese de que as várias teorias da expiação são moralmente repugnantes por postular um Deus que exige alguma forma de compensação pelo pecado humano, na forma da morte de um justo em substituição à morte daqueles que poderiam merecer essa penalidade;

• A tese de que a Bíblia é um livro escrito por homens, e, por conseguinte, de origem humana, que como tal, contém erros e incongruências, mas que relata a busca do homem por Deus e por uma vida, no plano individual e social, que lhe seria aceitável;

• A tese de que a fé, em si, não é uma forma de conhecimento, sendo a experiência humana, iluminada e instruída pela razão, também humana, as duas únicas maneiras confiáveis de obter conhecimentos, sobre a natureza, sobre o ser humano, e sobre quaisquer outras realidades, rejeitando-se, portanto, a chamada “revelação” [a Bíblia] e o chamado “magistério” da igreja [a Tradição] como autoridades externas ao ser humano, que só são aceitáveis se e quando suas manifestações se coadunarem com os ditames da experiência humana iluminada e instruída pela razão

[Vide “Teologia Liberal: Uma Tentativa de Entendê-la-1”, no meu blog Theological Space, em https://theological.space/2016/02/28/teologia-liberal-uma-tentativa-de-entende-la-1/%5D.

[18] Novamente as palavras são de Congdon, na Nota 4, p.xviii, na Introdução de seu livro. Ainda esta vez ele se refere ao livro de Olson, p.712, onde Olson diz, literalmente – cito: “O desafio, inteiramente novo, da modernidade, portanto, foi a rejeição do supernaturalismo. Por ‘supernaturalismo’ eu não quero me referir à crença de que tudo que acontece é milagre. Quero me referir, isto sim, a uma realidade e a um tipo de agência que transcendem o plano natural, ou que revestem a natureza com uma dimensão que fica acima do meramente material. As teologias liberais mais radicais entraram e se acomodaram no vagão da oposição ao supernatural, adotando uma forma de  cientificismo e racionalismo que venderam barato não apenas o Cristianismo e o evangelho, mas até mesmo a humanidade, como ela era entendida. Na minha opinião, a verdade não está nem com esses liberais que se acomodaram totalmente à Modernidade, assim entendida, nem, por outro lado, com os fundamentalistas reacionários e os conservadores mais radicais, mas, sim, com aqueles teólogos que se mantiveram fiéis ao evangelho de Jesus Cristo, dentro de um quadro de referência sobrenatural, procurando comunicá-lo de forma tão relevante quanto possível à cultura contemporânea, como o fazem Karl Barth (Protestante) e Hans Uhr von Balthasar (Católico). Isso não quer dizer que eu endosse tudo o que qualquer um dos dois afirme. Isso quer dizer apenas que eles devem ser aplaudidos pela coragem de nadar contra a corrente da moderna cultura secular, sem abdicar de sua responsabilidade cristã diante do mundo.”

[19] Compare-se meu artigo “Ernst Troeltsch”, de 2015, no meu blog História da Igreja, no URL https://histig.wordpress.com/2015/05/14/ernst-troeltsch/.

[20] Arthur Cushman McGiffert, A History of the Christian Thought, 2 vols. (Scribner’s, New York, 1932, 1960).

[21] Karl Barth, Die Protestantische Theologie im 19. Jahrhundert (EVZ – Evangelischer Verlag AZ, Zürich), Dritte Auflage, 1946, 1960, pp.379-380. Na tradução reduzida para o Inglês, em que apenas 11 dos 28 capítulos originais foram traduzidos, sob um título totalmente diferente, From Rousseau to Ritschl (SCM Press, London, 1959), as passagens citadas podem ser localizadas nas pp.306-307.

[22] A resposta alvesiana está em um artigo dele de 1981 que eu republiquei em 2015, depois da morte dele, que se deu em 2014, em meu blog Liberal Space. Confiram: “‘Confissões de um Protestante Obstinado’: Depoimento de Rubem Alves”, em Liberal Space, no URL https://liberal.space/2015/10/07/confissoes-de-um-protestante-obstinado-depoimento-de-rubem-alves/. O artigo é uma obra de arte.

[23] Eustáquio Gomes, O Mandarim: História da Infância da UNICAMP (Editora UNICAMP, Campinas, 2006, 2a.ed. 2007). O livro foi publicado em Comemoração ao 40º Aniversário da UNICAMP, em 2006. Neste ano de 2021 a UNICAMP comemora 55 anos. O livro, infelizmente, está esgotado também em sua segunda edição.

Em Salto, SP, 5 de Outubro de 2021



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