Os Anos 50 nos Estados Unidos

Mark Twain uma vez disse que a afirmação de que nossa memória fica mais fraca à medida que nós ficamos mais velhos é uma calúnia dos jovens. Argumentou que ele, que já estava bem velho, tinha ainda uma memória tão boa que se lembrava até do que nunca havia acontecido…

Eu nasci em 1943 – nos Anos 40, portanto. Sou um “war baby” – nasci durante a Segunda Guerra Mundial. Dizem os entendidos que houve, no Estados Unidos, quiçá também na Europa, um “baby boom” (responsável pelos “baby boomers”) depois que a guerra terminou. Aliviada com o fim da guerra, e, nos Estados Unidos, incrementada com o retorno de “our boys” que estavam no campo de batalha na Europa e no Pacífico, a população americana pôs-se a transar e o resultado foi um incremento significativo na taxa de nascimentos nos 15 anos posteriores ao fim da guerra (de 1945 a 1960). Isso se deu, portanto, predominantemente nos Anos 50. Foram esses baby boomers que produziram, nos Anos 60, quando eram adolescentes, a Revolução Sexual, a Contracultura, a Revolta Estudantil, a Desobediência Civil, os Protestos contra o Racismo e contra a Guerra no Vietnã, o Primeiro de Maio de 68 na França, o “É proibido proibir”, o Woodstock… Mas eu não tive nada com isso: nasci antes dos baby boomers. Meus pais, recém-casados, anteciparam-se e eu acabei nascendo no Dia da Independência do Brasil do grande ano de 1943.

Lembro-me de pouca coisa dos Anos 40. Minha lembrança mais antiga é do dia do nascimento de meu irmão, Flávio: 20 de Dezembro de 1946. Ela nasceu em Campinas, na Rua José Paulino 254, naquela que chamávamos “Casa do Seu Chico”, um casarão enorme em que moravam minha avó e minha tia (com meu avô e meu tio, naturalmente), para onde minha mãe veio para dar à luz ao meu irmão. Como eu havia nascido no Dia da Independência, provavelmente esperavam que meu irmão nascesse no Dia de Natal, mas ele se antecipou. O dia do parto aparentemente foi meio imprevisto, e isso causou um rebuliço na casa. Nada de hospital naqueles tempos. Com o corre-corre, literalmente se esqueceram de mim. Só assim que meu irmão nasceu é se deram conta de que eu estava ali, como espectador privilegiado, no pé da cama… Lembro-me bem do privilégio que essa experiência representou para minha educação… Nunca precisei ouvir história de cegonhas…

Como disse, creio que essa é minha lembrança mais antiga. Lembro-me de que, algum tempo depois, creio que no Natal de 1947, meus avôs, Juca e Gina, foram até Marialva, no Paraná, visitar meus pais e ver os netos – seria (como foi) o primeiro aniversário do Flávio. Para mim levaram uma piorra colorida, uma bola e aqueles bloquinhos de construir, acho que se chamavam de “Meu Engenheiro”, algo assim. Do nome não tenho certeza. Lembro-me bem da ocasião. Morávamos numa chacrinha bem fora da cidade, num lugar totalmente sem vizinhos, numa casa alta de madeira, que tinha um enorme sótão, e que parecia a casa em que foi filmado o filme Psicose, com o Anthony Perkins e a Janet Leigh… Acho que meus avós ficaram meio apavorados com o lugar e com a casa. Gente de Campinas às vezes é meio esnobe.

Lembro-me de várias coisas ainda dos Anos 40, mas não é meu objetivo aqui desfila-las. Quero me concentrar nos Anos 50, que, com os Anos 60, são minhas décadas favoritas…

Faz dias que estou lendo um livro de 800 páginas chamado The Fifties, de David Halberstam, publicado em 1993 (ano em que fiz 50 anos) pela Random House, de New York. Tenho uns quatro ou cinco livros sobre os Anos 60, mas sobre os Anos 50 só tenho esse. (Coleções de músicas tenho muito mais sobre os 50’s do que os 60’s (Wonderful Fifties, Incredible Fifties, Unforgettable Fifties, cada um desses com três CDs).

Para quem não viveu os Anos 50, vou fazer uma breve lista de coisas memoráveis que aconteceram nessa década:

  • Na música, se os Anos 60 foram dos Beattles, os Anos 50 viram o surgimento e o sucesso de Elvis Presley. Em 9 de Setembro de 1956 (dois dias depois de eu completar 13 anos), ele apareceu no Ed Sullivan Show (que havia jurado que Presley nunca apareceria no seu programa porque dançava de forma obscena enquanto cantava…) e seu sucesso explodiu. Mas ele já vinha fazendo sucesso: estima-se que mais de 80 milhões assistiram ao show naquele dia. Um recorde para a época. Tenho a discografia completa dele (dos Beattles também).
  • No cinema, os Anos 50 viram, no cinema, explodir o sucesso de Marlon Brando (com a Streetcar Named Desire (1951), Viva Zapata! (1952), On the Waterfront (1954), todos dirigidos por Elia Kazan; de James Dean, um ícone com apenas três grandes sucessos, East of Eden (1954, dirigido também por Elia Kazan), Rebel Without a Cause (1955, dirigido por Nicholas Ray), e Giant (1955, dirigido por George Stevens); de Rock Hudson, em Magnificent Obsession (1954, dirigido por Douglas Sirk), All that Heaven Allows (1955, dirigido novamente por Douglas Sirk), Giant (1956, dirigido por Douglas George Stevens); de Elizabeth Taylor, em Giant (1956, dirigido por George Stevens), Raintree County (1957, dirigido por Edward Dmytryk), Cat on a Hot Tin Roof (1958, dirigido por Richard Brooks); de Doris Day, em The Man who Knew Too Much (1956, dirigido por Alfred Hitchcock), The Tunnel of Love (1958, dirigido por Gene Kelly), Pillow Talk (1959, dirigido por Michael Gordon). Basta.
  • Na ciência e tecnologia temos: na área de farmacologia e medicina, a invenção da vacina contra a poliomielite e a invenção dos anticoncepcionais orais, conhecidos como a pílula anticoncepcional (que, entretanto, só veio a ser liberada para uso geral em 1960, e que é geralmente considerada como o principal agente catalítico da Revolução Sexual dos Anos 60), o primeiro transplante de rins, a invenção do marca-passo interno para o coração, etc.; na área de comunicação, a televisão explodiu, foram inventados o vídeo tape, a secretária eletrônica para telefones, a fibra ótica, o rádio transistorizado de bolso (os “radinhos” de pilha), o controle remoto para televisores, o filme em 3-D, a TV em cores, etc.; na área de informação foi lançado o primeiro computador comercial (o UNIVAC), foram inventados os discos rígidos para computadores (em lugar da fita), o raio laser (que têm várias outras aplicações), o código de barras, a linguagem de programação FORTRAN, o circuito integrado (também de várias outras aplicações), gravação do som em estéreo, etc.
  • Na política, nos Estados Unidos, os Anos 50 viram o recrudescimento da Guerra Fria, que surgiu com o expansionismo soviético, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, e a “Doutrina Truman”, de 1947, na qual os Estados Unidos se comprometeram a ajudar todos os países que se tornassem vítimas do expansionismo soviético; em 1949, a China se torna comunista e os Estados Unidos se comprometem a apoiar Formosa / Taiwan; em 1950 estoura a Guerra na Coréia, com a invasão do Sul pelo Norte comunista, guerra que acabou durando três anos; em 1950, em um discurso na pequena cidade de Wheeling, o senador Joseph McCarthy aponta a existência de comunistas no governo americano dos Democratas, que acabou levando à condenação de Alger Hiss por perjúrio, à execução de Julius e Ethel Rosenberg por espionagem para os russos, etc.; em 1953 Eisenhower assume a Presidência com Nixon na Vice-Presidência (que vai perder para Kennedy em 1960 mas ganhar em 1968; em 1956 os crimes de Joseph Stalin são denunciados por Nikita Kruschev; em 1959 tem início a Revolução Cubana de Fidel Castro; etc. No Brasil, Vargas reassume o poder em 1950 e se suicida em 1954, Juscelino é eleito e começa a construir Brasília, etc.
  • No tocante ao estilo de vida, começa a migração para os subúrbios e a construção de enormes “vizinhanças”, com casas todas mais ou menos parecidas, sem cercas, em grandes lotes gramados e arborizados, com garagem para dois carros, etc., localizadas, em alguns casos, a uma boa distância, de modo a exigir “highways” para facilitar a chegada ao trabalho. Com isso começam a aparecer, ao redor desses subúrbios, “centros de compras” (shopping malls ou shopping centers), lojas de departamentos isoladas, lojas de descontos isoladas, franquias de alimentos (do tipo fast food, como o McDonald’s, ou restaurantes mais sofisticados), agências bancárias, distrações diversas (cinemas, drive-ins, boliches, etc.), tudo para atender às necessidades dos que para lá se mudaram. Com isso as áreas centrais das grandes cidades começam a ter sua população reduzida, com o tempo, mudam de perfil, e, por vezes, se deterioram.

Como se pode constatar, são muitas mudanças, algumas delas extremamente significativas, que começam a agitar os Estados Unidos nos Anos 50, preparando o terreno para mudanças ainda mais radicais, por vezes revolucionárias, que vieram ao longo dos Anos 60.

Em São Paulo, 24 de Outubro de 2017



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