Educação, Desenvolvimento Humano, Aprendizagem e Tecnologia (de 2003)

NOTA INICIAL, acrescentada em 14.1.2022:

Em 2003 eu era consultor do Instituto Ayrton Senna (IAS) e da Microsoft e fui convidado para ser o Coordenador Técnico de um Congresso, organizado pelo IAS e patrocinado pela Microsoft Informática (Microsoft Brasil) sobre o tema “Tecnologia e Educação para o Desenvolvimento Humano”. Adriana Martinelli e Márcia Teixeira representavam as duas instituições (Adriana pelo IAS, Márcia pela Microsoft).

Entre meus encargos conmo Coordenador Técnico estava montar o programa, convidar os palestrantes, e promover o Congresso na Internet e nas nascentes Redes Sociais. Eis, abaixo, um texto meu colocado no site do Congresso em 2003 para explicar do que o evento iria tratar. 

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Congresso Instituto Ayrton Senna & Microsoft

Tema: Tecnologia e Educação para o Desenvolvimento Humano

O Instituto Ayrton Senna e a Microsoft estarão realizando, nos dias 13 e 14 de Junho deste ano, um congresso com um enfoque diferente.

O tema geral do congresso será a relação entre educação e desenvolvimento humano e o papel da tecnologia nesse processo.

Vivemos numa era que se entende e se define em termos de suas conquistas tecnológicas. Em nenhuma outra época a tecnologia desempenhou um papel tão importante na vida das instituições e das pessoas. A educação, que é um processo focado no desenvolvimento humano, não pode estar alheia a esse fato.

No entanto, é premissa básica dos organizadores do Congresso que não basta colocar tecnologia nas escolas — deixando o resto como está. O problema maior que as escolas hoje enfrentam não está na carência de recursos (de todos os tipos) à sua disposição, mas no fato de que buscam promover uma visão inadequada da educação, visão essa que se tornou obsoleta, em parte, em decorrência do próprio desenvolvimento tecnológico. O problema das escolas hoje não é de meios inadequados: ele dizrespeito aos seus fins.

Já Einstein dizia que vivemos em um tempo de meios cada vez mais aperfeiçoados e fins cada vez mais confusos. Dominamos a tecnologia que nos permite fazer quase qualquer coisa que desejemos, mas não temos clareza sobre o que queremos, sobre o que devemosbuscar… Ao discutir o papel da tecnologia, que é meio, na educação, o Congresso deseja colocar no centro da discussão a questão do fim da educação: o desenvolvimento humano. E, por conseguinte, a questão da função da escola: ajudar a promover o desenvolvimento humano.

Ao entender o fim da educação como sendo o desenvolvimento humano, o Congresso se compromete explicitamente com uma certa visão da educação — e (pelo menos implicitamente) contra outras.

Entender a educação como desenvolvimento humano é acreditar que o ser humano, diferentemente de outros animais, nasce inconcluso e inacabado, mas com potenciais que é preciso desenvolver. Mais importante ainda é o fato de que, a partir de um determinado momento de sua vida, ele próprio se torna o principal responsável pela definição daquilo que ele quer ser e pela aquisição ou construção das competências e habilidades que vão fazê-lo capaz de se tornar aquilo que ele deseja ser.

A educação para o desenvolvimento humano é, portanto, uma educação comprometida com o desenvolvimento de seres autônomos (e portanto livres), responsáveis (e portanto dispostos a assumir a responsabilidade pelas suas próprias vidas) e competentes (e portanto capazes de definir o seu projeto de vida e de transformá-lo em realidade).

Autonomia, responsabilidade e competência: aqui está a chave da educação para o desenvolvimento humano.

A educação para o desenvolvimento humano não envolve, por conseguinte, um “blueprint” pronto e acabado de um ser humano ideal ao qual, agora, só basta adaptar os seres humanos reais ainda não plenamente desenvolvidos. A educação para o desenvolvimento humano não implica, de modo algum, formar e modelar as novas gerações para que se adaptem aos sonhos das gerações mais velhas. A educação para o desenvolvimento humano envolve o desenvolvimento de seres humanos autônomos, responsáveis e competentes, capazes e dispostos de definir, eles próprios, em autonomia e liberdade, os seus projetos de vida e dominar os meios que lhes permitam transformar esses projetos de vida em realidade.

A educação para o desenvolvimento humano pode, portanto, ser caracterizada como o processo mediante o qual os seres humanos se tornam capazes de sonhar seus próprios sonhos e de transformá-los em realidade.

Esse processo tem dois componentes principais, um no plano dos fins, o outro no plano dos meios: sonhar os próprios sonhos é definir o que se deseja ser; transformar os sonhos em realidade é encontrar os meios de transformar esses sonhos em realidade — isto é, encontrar um jeito de não precisar lamentar, como o poeta, que “os meus sonhos foram somente sonhos, e nada mais” (*). Para esse tipo de pessoa, sonhos não são apenas sonhos: são visões do futuro.

Educar é, para usar a bela metáfora de Rubem Alves, construir nossa caixinha de brinquedos, com a qual elaboramos nossos sonhos, e nossa caixinha de ferramentas, com a qual transformamos nossos sonhos em realidade. Ou, para usar a igualmente bela metáfora de Edgar Morin, educar é aprender a falar em prosa e em poesia: é a prosa que vai criar as condições para que vivamos, mas é a poesia que vai nos dar as razões para querer viver…

Em outras palavras: educar é aprender não apenas a viver, mas a fruir a vida.

Nesse processo, é preciso também ter clareza sobre o papel da tecnologia, tanto na educação como em nossas vidas. Em especial, é preciso não esquecer cinco coisas:

a) A tecnologia, em sentido lato, é todo processo ou produto que o ser humano inventa para ajudá-lo a trabalhar, a aprender, e a se divertir melhor — enfim, que o ajuda a viver e a fruir a vida de forma mais plena;

b) A tecnologia, vista como ferramenta, freqüentemente nos permite ganhar tempo do mero viver para empregá-lo no fruir a vida;

c) A tecnologia, ainda vista como ferramenta, frequentemente nos permite, tanto no viver como no fruir a vida, fazer coisas que antes não poderíamos fazer;

d) A tecnologia que hoje é ferramenta para nós foi um dia o sonho de alguém que decidiu que seu projeto de vida incluiria a construção de ferramentas que nos tornassem mais fácil trabalhar, aprender, nos divertir — enfim, viver e fruir a vida;

e) Uma sociedade que não contém um bom número de indivíduos dedicados a inventar tecnologias que tornem o nosso viver e o nosso fruir a vida mais fácil e mais pleno é uma sociedade que fica estagnada e, eventualmente, começa a andar para trás.

Eduardo Chaves
eduardo@chaves.pro

Salto, 26 de Janeiro de 2003

CINCO FRASES de Eduardo Chaves sobre educação, desenvolvimento humano, aprendizagem, e tecnologia (**): 

“O ser humano, diferentemente de outros animais, nasce inconcluso e inacabado, mas com potenciais que é preciso desenvolver. Mais importante ainda é o fato de que, a partir de um determinado momento de sua vida, ele próprio se torna o principal responsável pela definição daquilo que ele quer ser e pela aquisição ou construção das competências e habilidades que vão fazê-lo capaz de se tornar aquilo que ele deseja ser.”

“A educação como desenvolvimento humano é, portanto, uma educação comprometida com o desenvolvimento de seres autônomos (e portanto livres) e competentes (e portanto capazes de definir o seu projeto de vida e de transformá-lo em realidade). Ela pode ser caracterizada como o processo mediante o qual os seres humanos se tornam capazes de sonhar seus próprios sonhos e de transformá-los em realidade.”

“Aprender não significa absorver informações, mas, isto sim, expandir a nossa capacidade de produzir os resultados que verdadeiramente desejamos na vida. Aprender é um ato natural: a criança aprende de forma ativa, observando, imitando, tentando fazer, aperfeiçoando a sua prática – mas a escola tornou o aprender algoartificial, sem relação com a vida e com os interesses da criança, passivo, um processo de mera absorção de informações.”

“Aumentar o número de escolas, ou expandir as matrículas das escolas, ou ainda melhorar os meios à disposição das escolas (inclusive pela introdução de tecnologia), nenhuma dessas providências é inteligente SE os fins da escola estão errados. Essas providências só devem ser tomadas quando a escola está fazendo o que verdadeiramente deve fazer, isto é, quando ela está promovendo a educação como desenvolvimento humano.”

“A tecnologia, em sentido lato, é todo processo ou produto que o ser humano inventa para ajudá-lo a trabalhar, a aprender, e a se divertir melhor — enfim, a viver e a fruir a vida de forma mais plena. A tecnologia é uma ferramenta importante para a expansão das capacidades do ser humano, e, portanto, para a sua educação, para o seu desenvolvimento. Uma sociedade que não contém um bom número de indivíduos dedicados a inventar tecnologias que tornem o nosso viver e o nosso fruir a vida mais fácil e mais pleno é uma sociedade que fica estagnada e, eventualmente, começa a andar para trás”.

Eduardo Chaves
eduardo@chaves.pro

(*) Na bela e antiga canção de “Tudo Foi Ilusão”, de Laert Santos e Arcilino Tavares: “O sol que outrora brilhou em minha vida apagou-se, perdeu a luz, não brilha mais. Minha vida é uma noite sem lua e sem estrelas. Os meus sonhos foram somente sonhos e nada mais”. [Nota no original]. 

(**) Estas cinco frases foram retiradas do livro Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era, escrito em 2003 e publicado, em formato ebook, por Mindware Education Editora e Amazon Books em 2018. Ele está disponível, nessa primeira edição, e numa segunda edição, ampliada, de 2019, no seguinte endereço:

https://www.amazon.com.br/s?k=Eduardo+Chaves. [Nota acrescentada em 14.1.2022]. 



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