“Golden Telephone Numbers”

O Rubem Alves me contou um dia que foi convidado para dar uma palestra numa empresa sofisticada de Recursos Humanos de São Paulo, especializada em Projeto de Vida e Planejamento de Carreira. Chegando ao local, foi recebido por uma jornalista que prestava serviços para a empresa, que tinha feito o seu dever de casa e lhe perguntou algo assim: “Prof. Rubem, o senhor é uma pessoa conhecida, famosa, já foi jogador de basquete, pianista, pastor, professor universitário, teólogo, filósofo, psicanalista, escritor, inclusive um “best seller” na área de literatura infantil, e até dono de restaurante: Como o senhor fez o planejamento de todas essas carreiras tão bem sucedidas?” A resposta do Rubem foi simples: “Minha filha, sinto decepcioná-la. Você está enganada. Tive todas essas carreiras porque toda carreira que eu planejava dava errado, então eu tinha de inventar uma nova carreira…”.

Comigo foi um pouco assim. Originalmente, pensei em ser pastor: nem cheguei lá, deu errado. Depois fui ser professor universitário. Algumas coisas deram certo, outras deram errado, me frustrei e fiquei decepcionado com o ambiente universitário brasileiro, dominado pela esquerda. Entrei para a área de informática aplicada à educação, fui sócio de empresa de treinamento em informática, fui consultor de escolas particulares e de empresas de tecnologia e de recursos humanos e treinamento, comecei a estudar e trabalhar em gerenciamento de sistemas de informação, gestão de mudanças e inovação, e sempre gostei muito de escrever, um pouco menos de falar, algumas coisas deram meio certo, outras meio errado. Mas não me arrependo. Hoje sou só escritor. Mas não monetizo a coisa. Quase tudo que escrevo está disponível de graça ou em ebook barato na Amazon.

Por causa da amizade com o Rubem Alves e minha própria trajetória, bem mais modesta, interessei-me muito pela questão da junção do talento e da paixão (o que você faz bem e o que você gosta muito de fazer – vide Sir Ken Robinson), a sorte que é quando essas duas coisas caminham juntas, o azar que é quando você gosta muito de fazer uma coisa mas não tem talento, ou tem muito talento para fazer alguma coisa que você detesta fazer.

Até, em idos tempos, já escrevi um artigo sobre “Desemprego, Informática, Sorte e Azar”, que foi a segunda coisa mais republicada que já escrevi (está disponível em https://liberal.space/2007/09/07/desemprego-informatica-sorte-e-azar/). [ O artigo mais publicado que já escrevi foi “Administrar o Tempo é Planejar a Vida (v.5)”, que está disponível no mesmo blog, em https://liberal.space/2021/01/12/administrar-o-tempo-e-planejar-a-vida-v5-2021/.]

Eu tenho alguns “hobbies”,  que me permitiram ganhar algum dinheiro ocasionalmente por fora, como colecionar domínios interessantes da Internet, criar emails criativos e chamativos, etc. Já tive o domínio português “fora.com.pt”,  que vendi, na época da briga do Aécio com a Dilma, para alguém, que pagou um bom dinheirinho, dizendo que ia usá-lo na campanha do Aécio, mas acho que ele era um petista com dinheiro de corrupção comprando o domínio para matá-lo, porque nunca o vi usado. Eu ganhei um dinheirinho, mas perdi muita coisa com a vitória da presidanta. Já vendi alguns domínios (liberty.com.br, escolasinovadoras.com, lumiar.com, etc.), mas a maior parte ficou comigo e fui me desfazendo dos menos criativos e rentáveis. Cheguei a ter mais de trezentos domínios. Outro hobby que tenho é criar e manter blogs. Tenho cerca de 50 blogs sobre assuntos variados (o “flagship” é https://chaves.space),  com um total, hoje, de cerca de 2.500 artigos, escritos desde 2002. É nos meus blogs que originalmente escrevo e testo (do verbo “testar”, nada ver com futebol) minhas ideias. Algumas delas se juntam e viram livros (ebooks).

Com isso chego ao tema que aponta para o título desta crônica. Como disse, gosto de crônicas sobre profissões criativas, sobre gente que inventa um ramo de negócio totalmente novo, gerando dinheiro quase a partir do nada, sobre gente que une paixões e talentos, gente que na realidade brinca em serviço (já trabalhei na LEGO Education Brazil, depois de aposentado), e em 2014 encontrei um anúncio de uma pessoa que vendia números de celular “bacanas”, fáceis de memorizar, que chamam a atenção, que, quando você fornece um desses números como seu número de telefone, as pessoas comentam, “Ah, que legal, o número”. Comprei dele o número do meu telefone atual, que termina em “0000”, e antes dos zeros, tem uma combinação bacaninha. Ultimamente venho sendo tentado a ter dois celulares, um para andar com ele e o outro para deixar em casa, com informações mais delicadas que você não gostaria que outros tivessem se seu telefone fosse roubado ou perdido. Fiquei a procurar os “mailings” de “The Golden Telephone Number” (nome fictício, “ma non tropo”) no WhatsApp. Os números mais bacanas, como um, com o DDD de Manaus, era (92) 9-9292-9292. Pode? Mas era muito caro para investir em um mero gosto (apesar de os latinos dizerem que “de gustibus et coloribus non est disputando” [“cor e gosto não se discute” – minha mulher que o diga: gosta de comer carne crua e aceitou se casar comigo, então, quatorze anos atrás, conhecido em alguns guetos como “um velho ateu”).

Finalmente encontrei um número de telefone que começa com (11) 9-1111 e termina bem (infelizmente não com 1111, que alteraria drasticamente a faixa de preço). Na conversa sobre a compra vi que a empresa (que parece ser uma pessoa só) tem uma base de dados fantástica, com todos os dados da minha compra de oito anos antes. E tem uma coleção imbatível de números com todos os principais DDD brasileiros. Tenho uma curiosidade enorme para saber como ele adquire esse número inacreditável de números telefônicos interessantes, mas achei que seria invadir demais a privacidade dele, e, em última instância, a chave do negócio dele, e não perguntei. Mas é uma pessoa acessível, com formação em direito e computação. Para quem já foi teólogo, filósofo e sócio de escola de informática, como eu, e que acredita em Michael Hammer quando este diz que o profissional do futuro será um misto de engenheiro de sistemas e filósofo, acho que ele achou a junção de talento e interesse dele. Disse a ele que iria escrever um artigo mencionando-o, sem dar o nome dele e da empresa, mas lhe mostraria o artigo antes, e ele concordou em pelo menos ler o artigo. Depende dele se vocês também vão ler… (mas se ele disser “Não”, vocês nunca vão saber…).

Mas não é notável alguém montar um negócio em cima de uma coisa legal, só usando a perspicácia e a criatividade? A perspicácia está em perceber que há gente que paga, e paga bastante, por um número de telefone legal. Lembro-me de que meu tio, que trabalhava na Companhia Telefônica Brasileira (CTB), a multinacional que foi nacionalizada e em São Paulo virou a TELESP, foi encarregado (embora fosse técnico, não engenheiro) de ligar Campinas a São Paulo, por micro-ondas, com transmissores na Serra do Japi e no Morro do Jaraguá. Quando as linhas foram liberadas, ele pode escolher um número (só de quatro dígitos). Escolheu 7007. Bacana, não, principalmente com a fama do Sean Connery como James Bond na época. O número foi ganhando algarismos antes, até ter nove, mas o 7007 continuou. E hoje o filho mais velho do meu tio, que, naturalmente, é meu primo, e mora no Canadá, tem telefone tanto fixo como celular com final 7007. Parece fetiche, e até certo ponto é… Mas que é legal, é legal. E tem gente que ganha dinheiro descobrindo número atraente, comprando a linha, e, depois, colocando a inteligência e a criatividade para funcionar, ganhando dinheiro.

Tenho amigos acadêmicos que já disseram que a inteligência requer um pouco de ociosidade (leia-se vagabundagem) para funcionar, e a criatividade, um pouco de bagunça. Meu amigo da Golden Telephone Number parece desfrutar bem da inteligência e da criatividade. Mas não parece ser nem um pouco ocioso, muito pelo contrário, nem, muito menos, bagunçado, também muito pelo contrário: é muitíssimo bem organizado, tudo de dar inveja. Boa sorte a ele: ele merece (sorte merecida não é muito bem sorte, é mérito). E obrigado por me dar a ideia para uma crônica. E dois belos números de telefone. (Por estes eu paguei, mas o exemplo dele veio de graça).

Em Salto, 15 de Maio de 2022

Eduardo Chaves



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